Nota Prévia:
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A Nova Fracção dos Conciliadores, ou os
Virtuosos
V. I. Lénine
Sotsial-Demokrat, n.º 24, 31 de Outubro de 1911
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Tradução do original em russo
por J. P. M. Sá. A sigla CC designa “Comité Central”. A partir de cerca de um
terço do texto Lénine usa a sigla que designa “Bureau do CC no Estrangeiro”. Em
português, a sigla é BCCE. As interpolações no texto, entre parênteses rectos,
são de Lénine.
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O Informatsionnii Biulleten
[1] da Comissão Técnica no Estrangeiro (n.º 1 de 11 de Agosto de 1911) e o
folheto A Todos os Membros do POSDR,
assinados por “Grupo de Bolcheviques Pró-Partido”, que apareceram quase
simultaneamente em Paris, são ataques semelhantes no conteúdo contra o “bolchevismo
oficial” ou, segundo outra expressão, contra os “bolcheviques leninistas”. Estes
documentos estão cheios de cólera; contêm mais exclamações e declamações de cólera
do que substância real. Contudo, há que analisá-los, pois abordam as mais
importantes questões do nosso partido. E será mais natural caber-me a mim a
tarefa de avaliar a nova fracção, primeiro, porque fui eu que escrevi sobre
essas mesmas questões, em nome de todos os bolcheviques, há exactamente ano e
meio (ver Diskussionnii Listok, n.º 2
[2]) e, segundo, porque estou plenamente consciente da minha responsabilidade
pelo “bolchevismo oficial”. Quanto à expressão “leninista”, é apenas uma
tentativa pouco feliz de malícia, para insinuar que é apenas uma questão dos apoiantes
de uma única pessoa, Na realidade, todos sabem perfeitamente que a
questão não é de forma alguma a de compartilhar as minhas opiniões pessoais
sobre um ou outro aspecto do bolchevismo.
Os autores do folheto, que assinam “bolcheviques
pró-partido”, também se proclamam “bolcheviques não-fraccionistas”, observando
que “aqui” (em Paris) são “bastante desacertadamente” chamados de
conciliadores. Na verdade, como o leitor verá a seguir, essa designação que já
corre há mais de quinze meses, não só em Paris, não só no estrangeiro, mas
também na Rússia, é a única que expressa com acerto a essência política da nova
fracção.
Conciliacionismo é a totalidade de sentimentos, aspirações e
pontos de vista que estão indissoluvelmente
ligados à própria essência da tarefa
histórica que se coloca perante o POSDR na época da contra-revolução de
1908-1911. É por isso, que nesta época, um certo número de social-democratas, partindo
das mais variadas premissas, “caíu” na conciliação. Trotski exprimiu o conciliacionismo
de forma mais consistente do que qualquer outra pessoa e foi provavelmente o
único que tentou dar um fundamento teórico a esta corrente. O fundamento é o
seguinte: fracções e fraccionismo exprimem a luta dos intelectuais “para influir
no proletariado imaturo”. O proletariado está a amadurecer e o fraccionismo perece
por si mesmo. Não são as mudanças nas relações entre as classes, nem a evolução
das ideias fundamentais das duas principais fracções que servem de base ao
processo de fusão das fracções, mas sim a questão da observância ou não de
acordos entre todas as fracções "intelectuais". Trotski vem pregando
com obstinação – desde há bastante tempo, oscilando umas vezes mais para o lado
dos bolcheviques e outras vezes mais para o lado dos mencheviques -- esse
acordo (ou compromisso) entre todas e
quaisquer fracções.
A concepção oposta (ver n.ºs 2 e 3 do Diskussionnii Listok [2]) é
a de que a origem das fracções deve ser atribuída às relações entre as classes
na revolução russa. Os bolcheviques e os mencheviques não fizeram mais que
formular as respostas às questões colocadas ao proletariado pela realidade objectiva
de 1905-1907. Portanto, só a evolução interna dessas fracções, fracções “fortes” pela suas raízes profundas,
fortes pela concordância entre as suas ideias e determinados aspectos da
realidade objectiva, só a evolução exclusivamente interna dessas fracções pode
assegurar a fusão real das fracções,
isto é, a criação de um partido proletário totalmente unido, do socialismo marxista
na Rússia. Daqui decorre uma conclusão prática: só uma aproximação no trabalho
prático entre essas duas fracções fortes -- e só na medida em que se libertam
das correntes não social-democratas do liquidacionismo e do otzovismo – é uma
política realmente partidista, que realmente tende à unidade, seguindo um
caminho nada fácil, nem sem acidentes, e de forma alguma imediato, mas realista,
diferentemente de obscuras promessas charlatãs de uma fusão fácil, sem
acidentes e imediata de "todas" as fracções.
Estas duas concepções foram apontadas quando nas nossas
discussões, ainda antes do plenário, sugeri a palavra de ordem: “Aproximação
entre as duas fracções fortes, e nenhum lamento por dissolver fracções”. Isto
foi tornado público logo após o plenário pelo Golos Sotsial-Demokrat [3]. Expus de forma clara, concreta e
sistemática esses dois pontos de vista em Maio
de 1910, isto é, há um ano e meio atrás e, para mais, na tribuna de “todo o
partido”, em Diskussionnii Listok (n.º
2). Se os “conciliadores”, com quem vimos discutindo sobre esses assuntos desde
Novembro de 1909, ainda não encontraram tempo para responder a esse artigo nem uma única vez, e não fizeram sequer uma tentativa de examinar essa
questão mais ou menos sistematicamente, para expor as suas opiniões de maneira
mais ou menos aberta e coerente – isso é inteiramente culpa deles. Eles chamam à
sua exposição fraccionista, publicada em nome de um grupo individual, uma
“resposta pública”. Mas tal resposta pública de quem permaneceu em silêncio há mais de um ano não é uma resposta à questão que foi levantada há muito tempo,
discutida há muito tempo e respondida há muito tempo de duas maneiras
fundamentalmente diferentes; é a confusão mais insolúvel, a confusão mais
incrível de duas respostas irreconciliáveis. Os autores do folheto não apresentam
uma única tese sem imediatamente a refutar. Não há uma única tese em que os
supostos bolcheviques (na verdade, trotskistas inconsistentes) não ecoem os erros de Trotski.
De facto, prestemos atenção às principais ideias do folheto.
Quem são os seus autores? Eles dizem que são bolcheviques que
“não compartilham das concepções organizativas do bolchevismo oficial”. Dir-se-ia
ser uma “oposição” apenas à questão da organização, não é? Leia-se a frase
seguinte: “... São precisamente as questões organizativas, as questões de estruturar
e restaurar o partido que hoje se colocam em primeiro plano, como já sucedia há
ano e meio”. Isto é completamente falso, e constitui precisamente o erro de
princípio que Trotski fez e que desmascarei há um ano e meio. No plenário, os
problemas de organização puderam parecer
primordiais apenas porque, e na medida em que, a renúncia ao liquidacionismo
por todas as correntes foi considerada
uma realidade, pois tanto o grupo do Golos
como o do Vperiod [4] “assinaram” as
resoluções contra o liquidacionismo e
contra o otzovismo para “confortar” o partido. O erro de Trotski foi continuar
a apresentar a aparência como realidade
depois que o Nacha Zariá [5] desde Fevereiro de 1910 desfraldou definitivamente a
bandeira do liquidacionismo, e o grupo Vperiod
-- na sua notória escola em X [6] -- desfraldou a bandeira da defesa do
otzovismo. No plenário, a aceitação do aparente pelo real podia ser o resultado de auto-engano. Depois do plenário e desde a
primavera de 1910, Trotski enganou os
trabalhadores da maneira mais sem princípios e desavergonhada, assegurando-lhes
que os obstáculos à unidade eram principalmente (se não totalmente) de natureza
organizativa. Esse engano é mantido em 1911 pelos conciliadores de Paris; pois dizer
agora que as questões organizativas estão em primeiro plano é pura burla da
verdade. Na realidade, o que está agora em primeiro plano não é de modo algum a
questão organizativa, mas a questão de todo o programa, toda a táctica e todo o
carácter do Partido, ou melhor, de dois partidos: o Partido Operário Social-Democrata e o partido trabalhista
stolipiano [7] de Pótresov, Smirnov,
Larin, Levitski e C.ª. Os conciliadores de Paris parecem ter dormido durante um
ano e meio depois do plenário, durante os quais toda a luta contra os liquidadores mudou, tanto para nós como para
os mencheviques pró-partido [8], dos problemas de organização para os da
existência do partido operário social-democrata
e não do partido trabalhista liberal. Discutir agora, digamos, com os senhores
do Nacha Zariá sobre questões
organizativas, sobre a relação entre organizações legais e ilegais, seria montar
uma farsa, pois esses senhores sabem muito bem reconhecer uma organização
“ilegal” tal como o Golos, que está ao serviço dos liquidadores!
Já há muito tempo se sabe que os cadetes reconhecem e mantêm uma organização
ilegal que serve o liberalismo monarquista. Os conciliadores auto-intitulam-se
bolcheviques para repetir um ano e meio depois (com uma declaração especifíca
de que o fazem em nome de todo o
bolchevismo!) os erros de Trotski que os
bolcheviques desmascararam. Ora, não é isto um abuso das denominações estabelecidas
no partido? Não é óbvio que somos obrigados, depois disto, a deixar que todo o
mundo saiba que os conciliadores não são de modo algum bolcheviques, que nada
têm em comum com o bolchevismo, que são simplesmente trotskistas
inconsistentes?
Leiamos um pouco mais: “Pode-se discordar da maneira como o
bolchevismo oficial e a maioria da Redacção do órgão central entenderam a
tarefa da luta contra o liquidacionismo ...”. Será realmente possível afirmar
com seriedade que a “tarefa da luta contra o liquidacionismo” é uma tarefa
organizativa? Os próprios conciliadores declaram que diferem dos bolcheviques não apenas em questões de organização! Em
que diferem concretamente? Não respondem a isso. A “resposta pública” deles continua
a ser uma resposta de mudos... Ou irresponsáveis? Durante ano e meio, não
tentaram sequer uma única vez corrigir o “bolchevismo oficial” ou expor a sua própria concepção da tarefa de luta
contra o liquidacionismo! E o bolchevismo oficial travou essa luta desde há
três anos, desde Agosto de 1908. Perante estes factos bem conhecidos, perguntamo-nos
quais as causas desse estranho "silêncio" dos conciliadores, e queira-se
ou não, vem-nos à memória a lembrança de Trotski e Iónov [9], que também asseguravam estar contra os liquidadores, mas que entendiam de forma diferente a tarefa de combatê-los.
Isto é ridículo, camaradas -- declarar, três anos após o início da luta, que
entendem o carácter dessa luta de forma diferente! Essa diferença de entendimento parece-se como duas gotas de água com
a incompreensão absoluta!
Prossigamos. Na sua essência, a presente crise do partido
reduz-se indubitavelmente à questão de saber se o nosso partido, o POSDR, se deve
separar completamente dos liquidadores (incluindo os Golosistas) ou se deve continuar a política de conciliação com
eles. Dificilmente se encontrará um social-democrata familiarizado com o caso que
negue ser esta questão a essência de toda a situação actual do partido. Como respondem
os conciliadores a esta pergunta?
Eles escrevem no seu folheto: “Dizem-nos que, com isso [apoiando
o plenário], estamos a violar as formas
[10] do partido e a causar uma cisão. Nós não pensamos assim [sic!]. Mas mesmo que assim fosse, não
teríamos medo disso.” (Segue-se uma menção de que o plenário foi sabotado pelo Bureau
do CC no Estrangeiro, que o “CC é objecto de um jogo”, que as "formas do partido começaram a ser preenchidas por
um conteúdo fraccionista", etc.).
Esta resposta pode ser qualificada com toda a justiça de um
espécimen “clássico” de impotência ideológica e política! Vejamos: eles estão a
ser acusados de cisão. E a nova fracção, que afirma ser capaz de mostrar o
caminho ao partido, declara de forma impressa e publicamente: “Nós não pensamos
assim” [ou seja, eles não acham que haja ou irá haver uma cisão?], "mas"...
mas "não teríamos medo disso".
Podemos ter a certeza de que na história dos partidos
políticos não se achará um outro exemplo de confusão igual a este. Se “não pensam” que haja ou irá haver uma cisão,
então expliquem porquê! Expliquem por que
razão é possível trabalhar com os liquidadores! Digam francamente que é possível e, portanto, necessário,
trabalhar com eles.
Os nossos conciliadores não só não dizem isso, como dizem o
contrário. No artigo editorial do Boletim n.º 1 (uma nota de rodapé indica explicitamente
que o artigo em questão foi contestado por um bolchevique partidário da
plataforma bolchevique, isto é, da resolução do II Grupo de Paris [11]), lemos:
“É um facto que o trabalho conjunto com os liquidadores na Rússia é
impossível”, e um pouco antes admitem que “está a ser cada vez mais difícil traçar
a mais fina linha divisória” entre o grupo Golos
e os liquidadores.
Quem pode entender isto? Por um lado, uma declaração
altamente oficial feita em nome da Comissão Técnica (na qual os conciliadores e
os polacos, que agora os apoiam, constituem uma maioria contra os bolcheviques),
afirma que o trabalho conjunto é
impossível. Em linguagem simples, isso significa declarar uma cisão. A
palavra cisão não tem outro significado. Por outro lado, o mesmo Boletim, n.º
1, declara que a Comissão Técnica foi criada “não para provocar uma cisão, mas para
evitá-la” -- e estes mesmos conciliadores dizem que “não pensam assim” (que haja
ou irá haver uma cisão).
Alguém pode imaginar uma confusão maior?
Se o trabalho conjunto é impossível,
isto para um social-democrata só pode ser explicado e justificado ou por uma violação flagrante das
decisões e deveres do partido por parte de um certo grupo de pessoas (e então
uma cisão com esse grupo é inevitável), ou
por uma diferença fundamental de princípio, diferença que faz com que todo o trabalho de certa corrente esteja
afastado da social-democracia (e
então uma cisão com toda essa corrente é inevitável). Como sabemos, temos ambas
as coisas: o plenário de 1910 declarou que era impossível trabalhar com a corrente liquidacionista, e agora
produziu-se a cisão com o grupo Golos, que violou todas as suas
obrigações e se passou definitivamente para os liquidadores.
Seja quem for que diga conscientemente “o trabalho conjunto
é impossível”, tenha meditado nessa afirmação e compreendido os princípios
básicos, deveria inevitavelmente dirigir toda a sua atenção e esforços para
explicar os princípios básicos às mais amplas massas, poupando-as tão cedo e tão plenamente quanto
possível de todas as tentativas fúteis e prejudiciais de manter qualquer relação com aqueles com quem é impossível trabalhar. Mas quem faça essa
afirmação e ao mesmo tempo acrescente “não pensamos” que irá haver uma cisão,
“mas não teríamos medo dela”, revela pela sua linguagem confusa e tímida que tem medo de si próprio, está assustado
com o passo que deu, assustado pela situação criada! O folheto dos
conciliadores produz exactamente essa impressão, estão ansiosos por se
justificar de alguma coisa, ansiosos por parecerem “gentis” aos olhos de
alguém, piscam o olho a alguém... Adiante veremos o significado do piscar de
olhos ao Vperyod e Pravda. Antes, porém, devemos terminar a
questão de como os conciliadores interpretam o “resultado do período decorrido
desde o plenário”, o resultado que foi apurado pela Reunião dos membros do CC
[12].
É realmente necessário compreender
este resultado, compreender por que foi inevitável, caso contrário a nossa
participação nos acontecimentos seria espontânea, impotente, acidental. Observe-se
como o compreendem os conciliadores.
Como respondem à pergunta por que razão do trabalho do plenário e das suas resoluções,
visando a união, resultou uma cisão entre o BCCE (=liquidadores) e os
anti-liquidadores. A resposta dos nossos trotskistas inconsistentes foi simplesmente
copiada de Trotski e Iónov, e sou forçado a repetir o que disse em Maio passado [13] contra esses conciliadores consistentes.
Resposta dos conciliadores: a culpa é do fraccionismo, o fraccionismo
dos mencheviques, do grupo Vperiod e
do Pravda (enumeramos os grupos fraccionistas
pela ordem em que aparecem no folheto) e, por último, dos “representantes
oficiais do bolchevismo” que “provavelmente ultrapassaram todos esses grupos nos
seus esforços fraccionistas”. Os autores do folheto aplicam abertamente e sem
apelo o termo não-fraccionistas
apenas a si próprios, os conciliadores de Paris. Todos são maus; eles são
virtuosos. Os conciliadores não apresentam quaisquer razões ideológicas para
explicar o fenómeno em questão. Não assinalam nenhuma particularidade organizativa
dos grupos, ou outras características, que tivessem dado origem a esse fenómeno.
Não dizem nada, nem uma palavra, para explicar
o assunto, excepto que fraccionismo = perversidade e não-fraccionismo =
virtude. A única diferença entre Trotski e os conciliadores de Paris é que os
últimos consideram Trotski um fraccionista e consideram-se a si próprios não-fraccionistas, enquanto
Trotski mantém a visão oposta.
Devo confessar que esta formulação da questão – a explicação
dos fenómenos políticos apenas pela
iniquidade de alguns e pela virtude de outros -- sempre me evoca essas fisionomias
que exibem uma tal pose bondosa que não se pode deixar de pensar: “provavelmente
é um trapaceiro”.
Consideremos a seguinte comparação: os nossos conciliadores
são não-fraccionistas, são virtuosos, Nós, os bolcheviques, ultrapassamos todos
os grupos nos esforços fraccionistas, ou seja, somos os mais perversos. Portanto, a fracção virtuosa apoiou os
mais perversos, a fracção bolchevique na sua luta contra o BCCE! Há algo de
errado nisto, camaradas! Com cada nova afirmação vocês ainda se embrulham cada
vez mais e mais.
Vocês tornam-se ridículos quando, como Trotski, lançam
acusações de fraccionismo uns aos outros, como se estivessem a jogar à bola;
não se dão sequer ao trabalho de pensar:
o que é uma fracção? Tratem de defini-la, e prevemos que irão enredar-se ainda mais,
porque vocês mesmos constituem uma fracção -- uma fracção vacilante, sem
princípios, que não conseguiu entender o que aconteceu no plenário e depois dele.
Uma fracção é uma organização dentro de um partido, unida,
não pelo seu local de trabalho, idioma ou outras condições objectivas, mas sim por
uma plataforma particular de concepções sobre questões partidárias. Os autores
do folheto constituem uma fracção, porque o folheto constitui a sua plataforma
(muito ruim, mas há fracções com plataformas erradas). São uma fracção, porque,
como qualquer outra organização, estão ligados por disciplina interna; o vosso
grupo nomeia o seu representante para a Comissão Técnica e para a Comissão
Organizadora por maioria de votos; o grupo elaborou e publicou o folheto, a
plataforma, etc. Estes são os factos
objectivos que apontam como hipócritas
os que vociferam contra o fraccionismo. Tanto Trotski como os “trotskistas
inconsequentes” sustentam que não são uma fracção porque... o seu “único” fim ao juntarem-se (numa fracção) é abolir as
fracções, defender a sua união, etc., mas todas essas declarações são meros auto-elogios
e um jogo cobarde de esconde-esconde, pela simples razão de que nenhum fim da fracção (mesmo o mais virtuoso)
altera o facto de que a fracção
existe. Toda a fracção está convencida
de que a sua plataforma e a sua política são o melhor caminho para abolir fracções, pois ninguém considera como
ideal a existência destas. A única diferença é que as fracções que têm uma
plataforma clara, consequente e íntegra, defendem abertamente a sua plataforma, enquanto as fracções sem princípios se escondem atrás de gritos baratos
sobre a sua virtude, sobre o seu não-fraccionismo.
Qual a razão da existência de fracções no POSDR? Elas
existem como continuação da cisão de 1903-1905. São o fruto da debilidade das
organizações locais, impotentes para
impedir que os grupos de literatos que expressam novas correntes, grandes e
pequenas, se convertam em novas “fracções”, isto é, em organizações nas quais a
disciplina interna ocupa o primeiro lugar. Como garantir a erradicação das fracções?
Só eliminando completamente a cisão
do tempo da revolução (e isso apenas será
conseguido limpando as duas principais fracções do liquidacionismo e
otzovismo), e criando uma organização proletária tão forte que possa obrigar a
minoria a submeter-se à maioria. Enquanto tal organização não existir, só um acordo entre todas as fracções poderia
acelerar o processo do seu desaparecimento. Daqui decorre, claramente, tanto o
mérito ideológico do plenário quanto o seu erro
conciliacionista. O seu mérito foi a rejeição das ideias do liquidacionismo
e do otzovismo; o seu erro foi o acordo indiscriminado com pessoas e grupos,
sem correspondência das promessas (as “resoluções assinadas”) com os actos. A
aproximação ideológica com base na luta contra o liquidacionismo e o otzovismo
segue em frente, apesar de todos os obstáculos e dificuldades. O erro conciliacionista
do plenário [14] provocou inevitavelmente o fracasso das suas decisões
conciliatórias, ou seja, o fracasso da aliança
com o grupo Golos. A ruptura dos
bolcheviques (e mais tarde do Encontro dos membros do CC) com o BCCE corrigiu o erro conciliacionista do plenário.
A aproximação das fracções que estão efectivamente a combater o liquidacionismo e o otzovismo irá agora prosseguir apesar das formas decididas pelo plenário,
pois estas formas não correspondem ao conteúdo. O conciliacionismo em geral,
assim como o do plenário em particular, fracassou porque o conteúdo do trabalho
separava os liquidacionistas dos
social-democratas, e nenhuma forma, nenhuma diplomacia e nenhum jogo dos
conciliadores podiam superar esse
processo de separação.
A partir disto, e somente deste ponto de vista que expus em Maio
de 1910, tudo o que aconteceu depois
do plenário torna-se inteligível, inevitável, resultante não da “maldade” de
alguns e da “virtude” de outros, mas do curso objectivo dos eventos, que isola
a corrente liquidacionista e varre
todos os grupos e grupitos intermédios.
A fim de dissimular o facto político indiscutível do
completo fracasso do
conciliacionismo, os conciliadores são forçados a recorrer à total distorção
dos factos. Escute-se o que dizem: “A política fraccionista dos bolcheviques
leninistas foi particularmente prejudicial porque contavam com a maioria em
todas as principais instituições do partido, de modo que a sua política fraccionista
justificou a separação orgânica das outras correntes e deu-lhes armas contra as
instituições oficiais do partido”.
Esta tirada não é outra coisa senão uma “justificação” cobarde e tardia do...
liquidacionismo, pois foram precisamente os representantes dessa corrente quem
sempre invocaram o “fraccionismo” dos bolcheviques. Esta justificação é tardia
porque era dever de todo o verdadeiro
membro do partido (em contraste com pessoas que usam a palavra “pró-partido”
para auto-propaganda) agir no momento
em que esse “fraccionismo” começou, e não um ano e meio depois! Os
conciliadores, defensores do liquidacionismo, não podiam e não falaram antes, porque não dispunham de factos. Estão-se a aproveitar do actual “período de
perturbações” para pôr em relevo as afirmações infundadas dos liquidadores. Mas
os factos são claros e inequívocos. Logo após o plenário, em Fevereiro de 1910,
o senhor Pótresov desfraldou a bandeira do liquidacionismo. Também de seguida,
em Fevereiro ou Março, os senhores Mikail, Roman e Iúri traíram o partido.
Imediatamente depois, o grupo Golos
iniciou uma campanha em favor do Golos
(veja-se o que diz o Diário de
Plekanov no dia seguinte ao plenário) e retomou a publicação do Golos. Também de seguida, o grupo Vperiod começou a organizar a sua própria
“escola”. O primeiro passo fraccionista
dos bolcheviques, pelo contrário, foi fundar a Rabotchaia Gazeta em Setembro
de 1910, depois da ruptura de Trotski
com os representantes do CC.
Por que precisam os conciliadores desta distorção de factos bem
conhecidos? Para piscar o olho aos liquidadores, e obter a sua benevolência.
Por um lado, “o trabalho conjunto com os liquidadores é impossível”. Por outro
lado, o fraccionismo dos bolcheviques "justifica-os"! Perguntamos a
qualquer social-democrata não contaminado pela diplomacia estrangeira, que
confiança política se pode depositar em pessoas que se enredam em tais
contradições? Tudo o que merecem são os beijos com os quais o Golos os recompensou publicamente e nada
mais.
Os conciliadores chamam “fraccionismo” ao carácter implacável da nossa polémica
(pela qual nos censuraram milhares de vezes nas assembleias gerais em Paris) e
a nossa denúncia implacável dos
liquidadores (eles eram contra a denúncia de Mikail, Iúri e Roman). Durante
todo este tempo os conciliadores defenderam e encobriram os liquidadores, mas nunca se atreveram a defendê-los
abertamente, quer no Diskussionnii Listok
quer em qualquer apelo público impresso. Agora lançam a sua impotência e cobardia
contra as rodas do partido, que começou a separar-se decididamente dos liquidadores.
Estes dizem que não há liquidacionismo, que é um "exagero" por parte
dos bolcheviques (ver a resolução dos liquidadores do Cáucaso [15] e os discursos de Trotski). Os
conciliadores dizem que é impossível trabalhar com os liquidadores, mas... mas o fraccionismo dos
bolcheviques os "justifica". Não é claro que o verdadeiro sentido desta
ridícula contradição de juízos subjectivos é única e exclusivamente a defesa cobarde
do liquidacionismo, o desejo de passar uma rasteira aos bolcheviques e apoiar
os liquidacionistas?
Mas isto não é tudo. A pior e mais maligna distorção dos factos
é a afirmação de que possuíamos a “maioria” nas “principais instituições do Partido”. Esta flagrante mentira tem
apenas um propósito: encobrir o fracasso político
do conciliacionismo. Pois na realidade, depois do plenário, os bolcheviques não tiveram a maioria em nenhuma das “principais instituições do partido”;
a maioria tiveram-na precisamente os conciliadores. Desafiamos qualquer um a
tentar contestar os seguintes factos. Depois
do plenário, havia apenas três “principais instituições do partido”: (1) o Bureau
do CC na Rússia, composto principalmente por conciliadores [16]; (2) o BCCE, no qual, de Janeiro a Novembro de
1910, os bolcheviques foram representados por um conciliador; como o bundista [17]
e o letão adoptaram oficialmente o
ponto de vista conciliacionista, a maioria, durante onze meses após o plenário,
foi conciliadora; (3) a Redacção do órgão central, no qual dois "fraccionistas
bolcheviques" foram combatidos por dois partidários do Golos, e sem o polaco não havia maioria.
Por que razão os conciliadores tiveram que recorrer a uma
mentira deliberada? Pois, para esconder a cabeça, para encobrir a bancarrota política do conciliacionismo. O
conciliacionismo predominou no plenário, teve a maioria após o plenário em todos os principais centros práticos do partido,
e num ano e meio sofreu um fracasso total.
Não conseguiu "reconciliar" ninguém; não criou nada em lugar algum; oscilou
impotentemente de um lado para o outro, merecendo por isso, com toda a razão,
os beijos do Golos.
Os conciliadores sofreram o mais rotundo fracasso na Rússia, e quanto mais zelo põem os
conciliadores de Paris em demagogicamente se referirem à Rússia, tanto mais
importante é sublinhar isso. A Rússia é conciliacionista em contraste com o
estrangeiro: é esta a cantilena dos conciliadores. Comparem-se estas palavras com os factos, e ver-se-á que isso não é mais que demagogia oca e barata.
Os factos mostram que, durante mais de um
ano após o plenário, havia apenas
conciliadores no Bureau do CC na Rússia; só eles faziam os relatórios oficiais
sobre o plenário e negociavam oficialmente com os legalistas [18]; só eles designavam
os seus agentes e enviavam-os às várias instituições; só eles lidavam com todos
os fundos que lhes eram enviados sem discutir pelo BCCE; só eles negociaram com
os escritores “russos” que lhes pareciam de capacidade promissora para a
confusão (ou seja, respeito pelo
conciliacionismo), etc.
E qual foi o
resultado?
O resultado foi nulo.
Nem um único folheto, nem uma única declaração, nem um único órgão da imprensa,
nem uma única “conciliação”. Enquanto isso, os “fraccionistas” bolcheviques após
duas edições consolidaram a sua Rabotchaia
Gazeta, publicada no estrangeiro (para não falar de outros assuntos sobre
os quais apenas o Sr. Mártov fala abertamente, ajudando assim a polícia
secreta). O conciliacionismo é uma nulidade, palavras, desejos ocos (e rasteiras
ao bolchevismo com base nesses desejos "conciliatórios"); o bolchevismo
“oficial” provou por actos que é absolutamente preponderante precisamente na
Rússia.
É isto uma casualidade? O resultado de detenções? Mas as detenções
“pouparam” os liquidadores, que não
trabalhavam no partido, enquanto ceifavam bolcheviques e conciliadores.
Não, isto não é uma casualidade ou o resultado da sorte ou
sucesso de certas pessoas. É o
resultado do fracasso de uma corrente
política baseada em falsas premissas. Os falsos fundamentos do conciliacionismo são: o desejo de construir a
unidade do partido do proletariado pela aliança de todas as fracções, incluindo as fracções anti-social-democratas e
não-proletárias; a ausência total de princípios da sua projecto-mania
«unificadora» que não leva a nada; as suas falsas frases contra as “fracções”
(quando, de facto, se formou uma nova
fracção), frases impotentes para dissolver as fracções antipartido e que minam
a fracção bolchevique que suportou nove décimos do peso da luta contra o
liquidacionismo e o otzovismo.
Trotski fornece-nos uma abundância de exemplos de projecto-mania
“unificadora” carente de princípios. Lembremo-nos, por exemplo (tomo um dos
últimos exemplos), de como elogiou o Rabotchaia
Jizn [19] de Paris, periódico cuja direcção era compartilhada em Paris pelos
conciliadores e os Golos-istas. Sublime!
-- dizia Trotski nos seus escritos -- "nem bolchevique, nem menchevique,
mas social-democrata revolucionário". O pobre herói das frases só não percebeu
uma mera bagatela: só é revolucionário o social-democrata que compreende o dano do pseudo-social-democratismo
anti-revolucionário num dado país num dado momento, isto é, o dano do
liquidacionismo e do otzovismo na Rússia de 1908-1911, e quem sabe lutar contra essas tendências não social-democratas. Ao beijar o Rabotchaia Jizn -- que nunca lutou
contra os social-democratas não-revolucionários
da Rússia -- Trotski não fez senão desmascarar
o plano dos liquidadores a quem serve fielmente: a paridade no órgão central significa o cessar da luta contra os liquidadores; os liquidadores
gozam efectivamente de total liberdade para lutar contra o partido, enquanto o partido
deve ficar atado de pés e mãos no
órgão central (e no CC) pela “paridade” entre os homens do Golos e os membros do partido. Isso asseguraria a vitória completa
dos liquidadores e só os seus lacaios podiam propor ou defender um tal plano.
Vimos no plenário exemplos da projecto-mania “unificadora” de
Iónov, Innokentiev e outros conciliadores; projectos sem princípios, que
prometem paz e felicidade sem uma luta longa, tenaz e renhida contra os liquidadores.
Vimos outro exemplo semelhante no folheto dos nossos conciliadores que
justificam o liquidacionismo com base no “fraccionismo” bolchevique. Outro
exemplo ainda: os seus discursos sobre o “isolamento” dos bolcheviques “de outras correntes (Vperiod, Pravda) que se
situam no terreno do partido social-democrata ilegal”.
Os itálicos nesta notável tirada são nossos. Assim como uma
pequena gota de água reflecte o sol, esta tirada reflecte a absoluta falta de
princípios do conciliacionismo, que está na raiz de sua impotência política.
Em primeiro lugar: o Pravda
e o Vperiod representam correntes social-democratas? Não, pois o
Vperyod representa uma corrente não social-democrata (otzovismo e
machismo [20]) e o Pravda representa
um grupito que não deu respostas
independentes e sólidas a nenhum
problema de princípios importante da revolução e contra-revolução. Só se pode
chamar corrente a uma soma de ideias
políticas bem definidas definidas relativamente a todos os problemas mais importantes tanto da revolução (pois nos afastámos muito pouco dela e
dependemos dela em todos os aspectos) como
da contra-revolução; ideias que, além disso, provaram o seu direito à
existência como uma corrente, devido à sua difusão entre as camadas mais amplas
da classe trabalhadora. Que tanto o menchevismo quanto o bolchevismo são correntes
social-democratas, provou-o a experiência da revolução, a história de oito anos
do movimento da classe operária. Quanto aos pequenos grupos que não representam
nenhuma corrente, houve-os a granel durante
esse período, assim como os houve antes. Confundir uma corrente com grupitos
significa condenar-se às intrigas na
política do partido, já que o surgimento de grupitos sem princípios, a sua
existência efémera, os seus esforços para dizer as “suas palavras”, as suas
“relações” de uns com os outros como se fossem potências especiais, constituiem
precisamente a base das intrigas vigentes
no estrangeiro e delas não há nem pode haver salvação, a não ser por uma
fidelidade rigorosa e firme aos princípios testados pela experiência na longa
história do movimento da classe operária.
Em segundo lugar -- e aqui observamos imediatamente a
transformação prática da falta de princípios dos conciliadores em intrigas – o
folheto dos parisienses mente clara e deliberadamente quando diz que “o
otzovismo já não tem adeptos nem defensores declarados no nosso Partido”. Isto não
é verdade e toda a gente sabe isso. O n.º 3 do Vperiod, (Maio de 1911) refuta
com clareza essa mentira quando afirma abertamente
que o otzovismo é uma “corrente
perfeitamente legítima dentro de nosso partido” (p. 78). Afirmarão os
nossos sábios conciliadores que tal declaração não é uma defesa do otzovismo?
É quando as pessoas não podem
justificar, baseando-se em princípios, a sua associação com este ou aquele grupito,
que não têm outra saída senão recorrer a uma política de mentiras e adulação
mesquinhas, de acenos furtivos e piscar de olhos, isto é, a tudo que somado produz
o conceito de "intriga". O Vperiod
elogia os conciliadores, os conciliadores elogiam o Vperiod e, enganando o partido, tranquilizam-no quanto ao
otzovismo. Como resultado, há regateios e transacções sobre posições e cargos
com os defensores do otzovismo, com os infractores de todas as decisões do plenário.
O destino do conciliacionismo e a essência das suas impotentes e mesquinhas
intrigas consiste em secretamente ajudar tanto os liquidadores quanto os
otzovistas.
Em terceiro lugar, "... o trabalho conjunto com os
liquidadores na Rússia é impossível". Até os conciliadores tiveram que
admitir essa verdade. A questão é: os grupos Vperiod e Pravda reconhecem
essa verdade? Não só não reconhecem como afirmam exactamente o contrário, exigem abertamente o "trabalho
conjunto" com os liquidadores, e trabalham
com eles abertamente (ver, por exemplo, o 2.º relatório da escola do Vperiod). Perguntamo-nos se existe mesmo
um grão de fidelidade aos princípios e de honestidade
na proclamação de uma política de aproximação a grupos que dão respostas
diametralmente opostas a questões fundamentais,
já que uma resolução explícita e aprovada por unanimidade pelo plenário
reconheceu a questão do liquidacionismo como sendo fundamental. Está claro que
não; está claro que estamos perante um abismo ideológico e que, todas as
tentativas de colocar sobre ele uma ponte de palavras, diplomática, independentemente
das melhores intenções de X ou Y, inevitavelmente os condenam a intrigas.
Enquanto não se mostrar e provar por factos fidedignos e
uma análise das questões mais importantes que Vperiod e Pravda
representam correntes social-democratas
(e ninguém, durante o ano e meio após o plenário tentou provar isso, porque é
impossível provar), não nos cansaremos de explicar aos operários a nocividade
desses subterfúgios sem princípios, de intrigantes, que são a essência da
aproximação com o Vperiod e o Pravda pregada pelos conciliadores. É o primeiro dever dos social-democratas
revolucionários isolar esses grupitos
não social-democratas e sem princípios que estão a ajudar os liquidadores. Apelar
aos trabalhadores russos vinculados ao Vperiod
e Pravda, por sobre as cabeças destes
grupos e contra eles: esta é a política que tem sido e está a ser aplicada pelo
bolchevismo e que aplicará até ao fim, apesar de todos os obstáculos.
Disse que depois de ano e meio de domínio nos centros do partido
o conciliacionismo sofreu o mais rotundo fracasso político. A réplica usual é:
sim, mas isso é porque vocês, os fraccionistas nos estorvaram (veja-se a carta
dos conciliadores – mas não bolcheviques
-- Guermann e Arkadi [21] no Pravda,
n.º 20).
A bancarrota política de uma tendência ou de um grupo reside
justamente no facto de que tudo “a estorva”,
tudo se opõe a ela; pois calculou equivocadamente
este "tudo", pois tomou como base palavras vazias, suspiros, lamentações,
gemidos.
No nosso caso, senhores, tudo
e todos vieram em nosso auxílio, e nisto
reside a garantia do nosso êxito. Fomos ajudados pelos senhores Pótresov, Larin,
Levitski, que não conseguiam abrir a
boca sem confirmar os nossos argumentos sobre o liquidacionismo. Fomos ajudados
pelos senhores Mártov e Dan, porque obrigaram
todos a concordar com a nossa apreciação de que o grupo Golos e os liquidadores são a mesma coisa. Fomos ajudados por
Plekanov na medida em que desmascarou
os liquidadores, apontou nas resoluções do plenário as "escapatórias para
os liquidadores" (deixadas pelos conciliadores)
e ridicularizou as passagens "pomposas" e "integralistas" (redigidas pelos conciliadores contra nós).
Fomos ajudados pelos conciliadores russos cujo “convite” a Mikail, Iúri e Roman,
foi acompanhado por ataques injuriosos a Lénine (ver Golos), confirmando assim que a refutação dos liquidadores não se
devia à insídia dos “fraccionistas”. Como pôde acontecer, estimados
conciliadores, que, apesar da vossa virtude, todos vos obstacularizaram, ao
passo que todos nos ajudaram apesar da nossa maldade fraccionista?
Foi porque a política do vosso grupito dependia apenas de
frases, muitas vezes muito benevolentes e bem intencionadas, porém vazias. À
unidade só se pode chegar através da convergência de fracções fortes, fortes na sua integridade
ideológica e na sua influência sobre as massas,
comprovada pela experiência da revolução.
Mesmo agora, as vossas exclamações contra o fraccionismo
continuam a ser meras frases, porque vós mesmos
sois uma fracção, e certamente uma das piores, das menos seguras, das mais
carentes de princípios. A vossa ensurdecedora e aparatosa declaração “nem um
cêntimo para as fracções” (no Informatsionnii
Biuletten), é uma mera frase. Se a dissesteis a sério, acaso poderíeis ter
gasto os vossos “cêntimos” na edição de um folheto-plataforma de um novo grupito?
Se a dissesteis a sério, acaso poderíeis ter ficado calados vendo os órgãos fraccionistas
como Rabotchaia Gazeta e e o Dnievnik Sotsial-Demokrat? Não
deveríeis vós ter exigido publicamente que fossem fechados? [22] Se tivésseis exigido isso, colocado tal
condição seriamente, seríeis simplesmente ridicularizados. E se vós, estando
bem cientes disso, vos limitais a lânguidos suspiros, não será que isso demonstra
ainda mais uma vez que o vosso conciliacionismo está suspenso no ar?
O desarmamento das fracções só é possível na base da
reciprocidade; caso contrário, é uma palavra de ordem reaccionária,
extremamente prejudicial à causa do proletariado; é uma palavra de ordem demagógica,
pois apenas facilita a luta implacável
dos liquidadores contra o partido. Quem lança agora essa palavra de ordem, após a tentativa fracassada do plenário de aplicá-la, após as fracções Golos e Vperyod terem frustrado a tentativa de amalgamar (as fracções), quem
faça isso sem se atrever sequer a repetir a condição de reciprocidade, sem
sequer tentar apresentá-la com clareza e definir os meios de controlo sobre o
seu cumprimento real, está simplesmente a embriagar-se com palavras que soam
doces.
Bolcheviques, cerrai fileiras. Vocês são o único baluarte de
uma luta coerente e resoluta contra o liquidacionismo e o otzovismo.
Aplicai a política de aproximação com o menchevismo anti-liquidacionista, uma política
testada pela prática, confirmada pela experiência. É essa a nossa palavra de
ordem. É uma política que não promete uma terra fluindo com o leite e o mel da
“paz universal”, impossível de lograr em tempos de desorganização e dispersão,
mas é uma política que no processo de trabalho realmente favorece a aproximação
de correntes que representam tudo o que é forte, sólido e vital no movimento proletário.
O papel desempenhado pelos conciliadores durante o período
de contra-revolução pode ser descrito da seguinte forma. Com grandes esforços,
os bolcheviques empurram o carro do nosso partido subindo uma montanha íngreme.
Os liquidadores do Golos estão a
tentar com toda a força arrastá-lo novamente para baixo da montanha. No carro vai sentado um conciliador. A sua expressão é terna, muito terna; o seu
rosto doce, dulcíssimo como o de Jesus. Parece a própria encarnação da virtude.
E, baixando modestamente os olhos enquanto ergue os braços ao céu, o
conciliador exclama: “Eu te agradeço, Senhor, pois não sou como esses homens” –
e aqui acena com a cabeça para os bolcheviques e mencheviques -- “pérfidos fraccionistas
que impedem todo o progresso”. Mas o carro avança lentamente e nele vai sentado
o conciliador. Quando os fraccionistas bolcheviques derrotaram o BCCE liquidacionista, abrindo caminho para a
construção de uma nova casa, para um bloco (ou pelo menos uma aliança
temporária) de fracções pró-partido,
os conciliadores entraram na casa (insultando os fraccionistas bolcheviques) e
aspergiram a nova morada com a água benta dos seus doces discursos sobre o
não-fraccionismo!
* * *
Que teria sido da obra historicamente memorável do velho Iskra, se, em vez de empreender uma
campanha consequente e implacável, baseada em princípios, contra o Economismo e
o struvismo [23], tivesse concordado com algum bloco, aliança ou “fusão” de todos os grupos grandes e pequenos que
eram na altura tão numerosos no estrangeiro como são hoje?
Certamente, as diferenças entre a nossa época e a época do
velho Iskra aumentam
consideravelmente o dano causado pelo conciliacionismo sem princípios e verborreico.
A primeira diferença é que alcançámos um nível muito mais
alto no desenvolvimento do capitalismo e da burguesia, na clareza da luta de
classes na Rússia. Existe já (pela primeira vez na Rússia) certo
terreno objectivo para a política operária
liberal dos senhores Pótresov, Levitski, Larin e C.ª. O liberalismo stolipiano
dos cadetes e do partido trabalhista stolipiano já estão em processo de
formação. Por isso tanto mais nocivas são na prática as frases e intrigas
conciliacionistas com os grupitos no estrangeiro que apoiam os liquidadores.
A segunda diferença é o nível incomensuravelmente mais alto
de desenvolvimento do proletariado, da sua consciência de classe e
solidariedade de classe. Por isso é tanto mais nocivo ainda o apoio artificial dado pelos conciliadores aos
grupitos efémeros no estrangeiro (Vperiod,
Pravda, etc.), que não criaram nem
podem criar qualquer corrente na
social-democracia.
A terceira diferença é que durante o período do Iskra houve organizações clandestinas de
Economistas na Rússia, que havia que derrotar e dividir para unir contra elas
os social-democratas revolucionários. Hoje, não
existem organizações clandestinas paralelas; hoje trata-se apenas de lutar
contra grupos legais que se separaram.
E este processo de segregação (mesmo os conciliadores são forçados a admitir
isso) está a ser impedido pelo jogo político dos conciliadores com as fracções
no estrangeiro que não desejam nem
são capazes de trabalhar para que se trace uma linha de demarcação.
O bolchevismo "superou" a doença otzovista, a
doença da frase revolucionária, o jogo do "esquerdismo", o desvio de
esquerda da social-democracia. Os otzovistas começaram a actuar como fracção
quando já não era possível “revocar”
os social-democratas da Duma.
O bolchevismo superará também a doença “conciliadora”, a oscilação
na direcção do liquidacionismo (pois, na
realidade, os conciliadores sempre foram um joguete nas mãos dos liquidadores).
Os conciliadores também estão irremediavelmente atrasados. Começaram a actuar
como fracção depois que o domínio do
conciliacionismo tinha esgotado todos os seus recursos durante o ano e meio
após o plenário, quando já não havia a quem conciliar.
P.S. O presente artigo foi escrito há mais de um mês.
Critica a “teoria” dos conciliadores. Quanto à “prática” dos conciliadores, que
se expressa nas querelas incorrigíveis, absurdas, mesquinhas e vergonhosas que
enchem as páginas do Biulleten n.º 2 dos
conciliadores e dos polacos, não vale a pena perder o tempo com isso.
Notas
[1] Boletim
Informativo da Comissão Técnica no Estrangeiro. Foi publicado em Paris, em
dois números (11 de Agosto e 28 de Outubro de 1911). Os conciliadores fizeram
dele o seu órgão fraccionista, a partir do qual combateram sem escrúpulos os
bolcheviques. – N. Ed.
[2] Ver: Lénine, Notas
de um publicista, § II e O sentido
histórico da luta interna do partido na Rússia, §4. -- N. Ed.
Diskussionnii Listok
= Boletim de Debates: suplemento do Sotsial-Demokrat, órgão central do POSDR.
Foi editado en París por resolucão do plenário do CC de Janeiro de
1910. A Redacção era composta por bolcheviques, mencheviques, ultimatistas,
bundistas, plekanovistas, e membros da social-democracia polaca e letã. – N. T.
[3] Golos
Sotsial-Demokrat = Voz Social-Democrata. Periódico dos mencheviques no
estrangeiro; publicou-se de Fevereiro de 1908 até Dezembro de 1911, primeiro em
Genebra e mais tarde em París. A sua Redacção era integrada por P. Axelrod, F.
Dan, L. Mártov, A. Martinóv e G. Plekanov. Defendeu desde o primeiro número os
liquidadores, justificando a sua actividade antipartidária. Quando Plekanov se
retirou da Redacção, depois de condenar a posição liquidadora do periódico,
este converteu-se definitivamente no centro ideológico dos liquidadores. – N.T.
[4] O grupo "Vperiod"
(Avante!) era um grupo
antibolchevique e antipartido dos otzovistas, ultimatistas, construtores de Deus
e empiriocriticistas, constituído por iniciativa dos “bolcheviques” A. Bogdánov
e G. Alexinski em Dezembro de 1909, quando se dissolveu a escola de Capri (ver
nota 6). Editava un periódico com o nome do grupo.
A luta do grupo contra os bolcheviques caracterizou-se pela
falta de princípios e por métodos pouco escrupulosos. No plenário de Janeiro de
1910 os membros do "Vperiod"
mantiveram contacto estreito com os liquidadores do Golos e os trotskistas. Depois do plenário lançaram una violenta
campanha contra as respectivas resoluções, negando-se subordinar-se a elas. Em
Janeiro de 1912, na Conferência do POSDR em Praga, juntaram-se aos liquidadores
e trotskistas contra as resoluções da Conferência. A sua actividade renhida
contra o POSDR levou a que os trabalhadores abandonassem o grupo, que se
disolveu em 1913.
Alexander Bogdánov foi um físico eminente que permaneceu
fiel ao poder soviético e, entre outras contribuições, teve papel destacado na
criação de centros de transfusão de sangue tendo sido director do Instituto
Científico Estatal da Transfusão de Sangue de 1926 a 1928. Morreu em 1928 ao
experimentar uma transfusão de sangue em si próprio. G. Alexinski, pelo
contrário, difamou Lénine e os bocheviques, passou para o lado
contra-revolucionário e fugiu em 1918 para o estrangeiro onde integrou o campo
aultra-reaccionário. – N.T.
[5] Nasha Zariá (A
Nossa Aurora) revista mensal menchevique de tendêneia liquidacionista que
apareceu legalmente em S. Petersburgo de Janeiro de 1910 a Setembro de 1914,
dirigida por A. Potrésov com colaboração de F. Dan e outros. Foi o centro dos
liquidadores na Rússia. – N.T.
[6] Lénine refere-se à escola de Capri, estabelecida em 1909
e organizada por A. Bogdánov, que foi o centro fraccionista dos otzovistas e
ultimatistas. – N.T.
[7] P. Stolipin foi PM do governo contra-revolucionário russo
de 1906 a 1911. Era um monarquista “liberal” que tinha o apoio da nobreza, dos
latifundiários, e da alta burguesia. Lénine refere-se ao facto de que os
liquidadores, encabeçados por A. Potrésov, E. Smirnov (Gurevitch), I. Larin, V.
Levitski (V. Tsederbaum, irmão de Martov) e outros consituiram a fracção
“social-democrata” dos liquidadores que condenava as lutas dos trabalhadores e
defendia entendimentos com a burguesia e uma existência legal de “paz social”
que servia os interesses do governo czarista de Stolipin. – N.T.
[8] Grupo menchevique encabeçado por G. Plekanov que, já no
plenário de Janeiro de 1910, advogou o entendimento prático com os bolcheviques
(ver nota 3). – N.T.
[9] Ionov (F. M.
Koigen) era um dos líderes do Bund. O Bund era uma organização dos trabalhadores
judeus na Lituânia, Polónia e Rússia filiada no POSDR que a partir de 1906
aderiu aos mencheviques. Tomava posições nacionalistas. - N. T.
[10] No original, формы
(formy) plural de форма
(forma). A tradução literal “formas”
é a que consta nas traduções deste artigo em espanhol, italiano e inglês nas
respectivas obras completas de Lénine e é também a que adoptámos. Segundo se
depreende, por “formas do partido” eram entendidas aqui as duas principais
“formas” do partido: bolcheviques e mencheviques. - N. T.
[11] O II Grupo de
colaboradores do POSDR em Paris foi formado em 18 de Novembro, 1908. Em
1911 o II Grupo de Paris era composto
por mais de 40 pessoas. A maioria eram
bolcheviques (Lénine, Krúpskaia, Semashko, Vladimirski, etc.); havia também
conciliadores e alguns membros do grupo Vperiod.
O grupo estava ligado às organizações do partido na Rússia às quais prestava
colaboração, e lutou contra os liquidacionistas e trotskistas. Na reunião de 1
de Julho, presidida por Vladimirski, foi discutida a situação interna do
partido. Por 27 votos contra 10 o grupo aprovou uma resolução preparada por
Lénine. - N. T.
[12] O obstrucionismo ilegal do Bureau do CC no Estrangeiro
à convocação de um plenário do CC e conferência do partido, levou Lénine a
convocar uma reunião dos membros do CC do
POSDR residentes no estrangeiro, que veio a decorrer em Paris de 10 a 17 de
Junho. Participaram bolcheviques, representantes dos social-democratas polacos
e letões, um membro do Golos e um do
Bund. Foram aprovadas convocações de um plenário do CC no estrangeiro (no mais
curto prazo) e de uma conferência do partido, e outras resoluções.
[13] Lénine, Notas de
um publicista, § II, 7 de Junho de 1910. - N. Ed.
[14] Diskussionnii
Listok n.º 2. Ver: Lénine, Notas de
um publicista, § II, 7 de Junho de 1910. - N. Ed.
[15] Lénine refere-se à resolução "Sobre o
liquidacionismo", adoptada na Conferência de Liquidadores de Trascaucásia,
na primavera de 1911. A natureza antipartidária dessa Conferência foi revelada
em "Carta do Cáucaso”, de Estáline, publicada em Sotsial-Demokrat, n.º 24, de 31 de Outubro de 1911. - N. Ed.
[16] Claro que nem todos os conciliadores são iguais. E
certamente, nem todos os ex-membros do Bureau russo podem (nem desejam) assumir
a responsabilidade pelos disparates dos conciliadores de París, simples
imitadores de Trotski. Lénine.
[17] Membro do Bund, organização dos trabalhadores judeus na
Lituânia, Polónia e Rússia que se filiou no POSDR e a partir de 1906 aderiu aos
mencheviques. Tomava posições nacionalistas.
[18] Outra designação dos liquidadores que, em plena
contra-revolução, defendiam limitar o POSDR a actividades legais,
essencialmente na Duma e nos seus jornais que não incomodavam as autoridades
czaristas. - N.T.
[19] Rabochaia Jizn, Vida
Operária: publicação mensal dos mencheviques, partidários de Golos e conciliadores. Publicou-se em
Paris em tres números de 6 de Março a 1 de Maio de 1911. - N.Ed.
[20] “Machismo” designa a filisosofia empriocriticista do
físico Ernst Mach que Lénine analisou em detalhe no seu livro Materialismo e Empiriocriticismo.
Comentários críticos sobre uma filosofia reaccionária, escrito em 1908.
Nele expõe o conteúdo idealista do empriocriticismo de Mach e de outros. - N.T.
[21] Guermann—K. K. Danichevski, Arkadi—F. I.
Kalinine. - N.Ed.
[22] Na verdade, os conciliadores de Paris que publicaram
agora o seu folheto, estavam contra a fundação do Rabotchaia Gazeta e
retiraram-se na primeira reunião para que foram convidados pela Redacção.
Lamentamos que não nos tenham ajudado a desmascarar a futilidade do
conciliacionismo denunciando publicamente o Rabotchaia
Gazeta. – Lénine.
[23] Designação da distorção liberal-burguesa do marxismo de
P. Struve, um social-democrata russo defensor do "marxismo legal" que
se juntou aos cadetes de direita em 1905, tornando-se mais tarde um monarquista.