sábado, 31 de agosto de 2019

Um artigo de Lénine de 31-10-1911


Nota Prévia:
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A Nova Fracção dos Conciliadores, ou os Virtuosos

V. I. Lénine

Sotsial-Demokrat, n.º 24, 31 de Outubro de 1911

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Tradução do original em russo por J. P. M. Sá. A sigla CC designa “Comité Central”. A partir de cerca de um terço do texto Lénine usa a sigla que designa “Bureau do CC no Estrangeiro”. Em português, a sigla é BCCE. As interpolações no texto, entre parênteses rectos, são de Lénine.
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O Informatsionnii Biulleten [1] da Comissão Técnica no Estrangeiro (n.º 1 de 11 de Agosto de 1911) e o folheto A Todos os Membros do POSDR, assinados por “Grupo de Bolcheviques Pró-Partido”, que apareceram quase simultaneamente em Paris, são ataques semelhantes no conteúdo contra o “bolchevismo oficial” ou, segundo outra expressão, contra os “bolcheviques leninistas”. Estes documentos estão cheios de cólera; contêm mais exclamações e declamações de cólera do que substância real. Contudo, há que analisá-los, pois abordam as mais importantes questões do nosso partido. E será mais natural caber-me a mim a tarefa de avaliar a nova fracção, primeiro, porque fui eu que escrevi sobre essas mesmas questões, em nome de todos os bolcheviques, há exactamente ano e meio (ver Diskussionnii Listok, n.º 2 [2]) e, segundo, porque estou plenamente consciente da minha responsabilidade pelo “bolchevismo oficial”. Quanto à expressão “leninista”, é apenas uma tentativa pouco feliz de malícia, para insinuar que é apenas uma questão dos apoiantes de uma única pessoa,  Na realidade, todos sabem perfeitamente que a questão não é de forma alguma a de compartilhar as minhas opiniões pessoais sobre um ou outro aspecto do bolchevismo.

Os autores do folheto, que assinam “bolcheviques pró-partido”, também se proclamam “bolcheviques não-fraccionistas”, observando que “aqui” (em Paris) são “bastante desacertadamente” chamados de conciliadores. Na verdade, como o leitor verá a seguir, essa designação que já corre há mais de quinze meses, não só em Paris, não só no estrangeiro, mas também na Rússia, é a única que expressa com acerto a essência política da nova fracção.

Conciliacionismo é a totalidade de sentimentos, aspirações e pontos de vista que estão indissoluvelmente ligados à própria essência da tarefa histórica que se coloca perante o POSDR na época da contra-revolução de 1908-1911. É por isso, que nesta época, um certo número de social-democratas, partindo das mais variadas premissas, “caíu” na conciliação. Trotski exprimiu o conciliacionismo de forma mais consistente do que qualquer outra pessoa e foi provavelmente o único que tentou dar um fundamento teórico a esta corrente. O fundamento é o seguinte: fracções e fraccionismo exprimem a luta dos intelectuais “para influir no proletariado imaturo”. O proletariado está a amadurecer e o fraccionismo perece por si mesmo. Não são as mudanças nas relações entre as classes, nem a evolução das ideias fundamentais das duas principais fracções que servem de base ao processo de fusão das fracções, mas sim a questão da observância ou não de acordos entre todas as fracções "intelectuais". Trotski vem pregando com obstinação – desde há bastante tempo, oscilando umas vezes mais para o lado dos bolcheviques e outras vezes mais para o lado dos mencheviques -- esse acordo (ou compromisso) entre todas e quaisquer fracções.

A concepção oposta (ver n.ºs 2 e 3 do Diskussionnii Listok [2]) é a de que a origem das fracções deve ser atribuída às relações entre as classes na revolução russa. Os bolcheviques e os mencheviques não fizeram mais que formular as respostas às questões colocadas ao proletariado pela realidade objectiva de 1905-1907. Portanto, só a evolução interna dessas fracções, fracções “fortes” pela suas raízes profundas, fortes pela concordância entre as suas ideias e determinados aspectos da realidade objectiva, só a evolução exclusivamente interna dessas fracções pode assegurar a fusão real das fracções, isto é, a criação de um partido proletário totalmente unido, do socialismo marxista na Rússia. Daqui decorre uma conclusão prática: só uma aproximação no trabalho prático entre essas duas fracções fortes -- e só na medida em que se libertam das correntes não social-democratas do liquidacionismo e do otzovismo – é uma política realmente partidista, que realmente tende à unidade, seguindo um caminho nada fácil, nem sem acidentes, e de forma alguma imediato, mas realista, diferentemente de obscuras promessas charlatãs de uma fusão fácil, sem acidentes e imediata de "todas" as fracções.

Estas duas concepções foram apontadas quando nas nossas discussões, ainda antes do plenário, sugeri a palavra de ordem: “Aproximação entre as duas fracções fortes, e nenhum lamento por dissolver fracções”. Isto foi tornado público logo após o plenário pelo Golos Sotsial-Demokrat [3]. Expus de forma clara, concreta e sistemática esses dois pontos de vista em Maio de 1910, isto é, há um ano e meio atrás e, para mais, na tribuna de “todo o partido”, em Diskussionnii Listok (n.º 2). Se os “conciliadores”, com quem vimos discutindo sobre esses assuntos desde Novembro de 1909, ainda não encontraram tempo para responder a esse artigo nem uma única vez, e não fizeram sequer uma tentativa de examinar essa questão mais ou menos sistematicamente, para expor as suas opiniões de maneira mais ou menos aberta e coerente – isso é inteiramente culpa deles. Eles chamam à sua exposição fraccionista, publicada em nome de um grupo individual, uma “resposta pública”. Mas tal resposta pública de quem permaneceu em silêncio há mais de um ano não é uma resposta à questão que foi levantada há muito tempo, discutida há muito tempo e respondida há muito tempo de duas maneiras fundamentalmente diferentes; é a confusão mais insolúvel, a confusão mais incrível de duas respostas irreconciliáveis. Os autores do folheto não apresentam uma única tese sem imediatamente a refutar. Não há uma única tese em que os supostos bolcheviques (na verdade, trotskistas inconsistentes) não ecoem os erros de Trotski.

De facto, prestemos atenção às principais ideias do  folheto.

Quem são os seus autores? Eles dizem que são bolcheviques que “não compartilham das concepções organizativas do bolchevismo oficial”. Dir-se-ia ser uma “oposição” apenas à questão da organização, não é? Leia-se a frase seguinte: “... São precisamente as questões organizativas, as questões de estruturar e restaurar o partido que hoje se colocam em primeiro plano, como já sucedia há ano e meio”. Isto é completamente falso, e constitui precisamente o erro de princípio que Trotski fez e que desmascarei há um ano e meio. No plenário, os problemas de organização puderam parecer primordiais apenas porque, e na medida em que, a renúncia ao liquidacionismo por todas as correntes foi considerada uma realidade, pois tanto o grupo do Golos como o do Vperiod [4] “assinaram” as resoluções contra o liquidacionismo e contra o otzovismo para “confortar” o partido. O erro de Trotski foi continuar a apresentar a aparência como realidade depois que o Nacha Zariá [5] desde Fevereiro de 1910 desfraldou definitivamente a bandeira do liquidacionismo, e o grupo Vperiod -- na sua notória escola em X [6] -- desfraldou a bandeira da defesa do otzovismo. No plenário, a aceitação do aparente pelo real podia ser o resultado de auto-engano. Depois do plenário e desde a primavera de 1910, Trotski enganou os trabalhadores da maneira mais sem princípios e desavergonhada, assegurando-lhes que os obstáculos à unidade eram principalmente (se não totalmente) de natureza organizativa. Esse engano é mantido em 1911 pelos conciliadores de Paris; pois dizer agora que as questões organizativas estão em primeiro plano é pura burla da verdade. Na realidade, o que está agora em primeiro plano não é de modo algum a questão organizativa, mas a questão de todo o programa, toda a táctica e todo o carácter do Partido, ou melhor, de dois partidos: o Partido Operário Social-Democrata e o partido trabalhista stolipiano [7] de Pótresov, Smirnov, Larin, Levitski e C.ª. Os conciliadores de Paris parecem ter dormido durante um ano e meio depois do plenário, durante os quais toda a luta contra os liquidadores mudou, tanto para nós como para os mencheviques pró-partido [8], dos problemas de organização para os da existência do partido operário social-democrata e não do partido trabalhista liberal. Discutir agora, digamos, com os senhores do Nacha Zariá sobre questões organizativas, sobre a relação entre organizações legais e ilegais, seria montar uma farsa, pois esses senhores sabem muito bem reconhecer uma organização “ilegal” tal como o Golos, que está ao serviço dos liquidadores! Já há muito tempo se sabe que os cadetes reconhecem e mantêm uma organização ilegal que serve o liberalismo monarquista. Os conciliadores auto-intitulam-se bolcheviques para repetir um ano e meio depois (com uma declaração especifíca de que o fazem em nome de todo o bolchevismo!) os erros de Trotski  que os bolcheviques desmascararam. Ora, não é isto um abuso das denominações estabelecidas no partido? Não é óbvio que somos obrigados, depois disto, a deixar que todo o mundo saiba que os conciliadores não são de modo algum bolcheviques, que nada têm em comum com o bolchevismo, que são simplesmente trotskistas inconsistentes?

Leiamos um pouco mais: “Pode-se discordar da maneira como o bolchevismo oficial e a maioria da Redacção do órgão central entenderam a tarefa da luta contra o liquidacionismo ...”. Será realmente possível afirmar com seriedade que a “tarefa da luta contra o liquidacionismo” é uma tarefa organizativa? Os próprios conciliadores declaram que diferem dos bolcheviques não apenas em questões de organização! Em que diferem concretamente? Não respondem a isso. A “resposta pública” deles continua a ser uma resposta de mudos... Ou irresponsáveis? Durante ano e meio, não tentaram sequer uma única vez corrigir o “bolchevismo oficial” ou expor a sua própria concepção da tarefa de luta contra o liquidacionismo! E o bolchevismo oficial travou essa luta desde há três anos, desde Agosto de 1908. Perante estes factos bem conhecidos, perguntamo-nos quais as causas desse estranho "silêncio" dos conciliadores, e queira-se ou não, vem-nos à memória a lembrança de Trotski e Iónov [9], que também asseguravam estar contra os liquidadores, mas que entendiam de forma diferente a tarefa de combatê-los. Isto é ridículo, camaradas -- declarar, três anos após o início da luta, que entendem o carácter dessa luta de forma diferente! Essa diferença de entendimento parece-se como duas gotas de água com a incompreensão absoluta!

Prossigamos. Na sua essência, a presente crise do partido reduz-se indubitavelmente à questão de saber se o nosso partido, o POSDR, se deve separar completamente dos liquidadores (incluindo os Golosistas) ou se deve continuar a política de conciliação com eles. Dificilmente se encontrará um social-democrata familiarizado com o caso que negue ser esta questão a essência de toda a situação actual do partido. Como respondem os conciliadores a esta pergunta?

Eles escrevem no seu folheto: “Dizem-nos que, com isso [apoiando o plenário], estamos a violar as formas [10] do partido e a causar uma cisão. Nós não pensamos assim [sic!]. Mas mesmo que assim fosse, não teríamos medo disso.” (Segue-se uma menção de que o plenário foi sabotado pelo Bureau do CC no Estrangeiro, que o “CC é objecto de um jogo”, que as "formas do partido começaram a ser preenchidas por um conteúdo fraccionista", etc.).

Esta resposta pode ser qualificada com toda a justiça de um espécimen “clássico” de impotência ideológica e política! Vejamos: eles estão a ser acusados de cisão. E a nova fracção, que afirma ser capaz de mostrar o caminho ao partido, declara de forma impressa e publicamente: “Nós não pensamos assim” [ou seja, eles não acham que haja ou irá haver uma cisão?], "mas"... mas "não teríamos medo disso".

Podemos ter a certeza de que na história dos partidos políticos não se achará um outro exemplo de confusão igual a este. Se “não pensam” que haja ou irá haver uma cisão, então expliquem porquê! Expliquem por que razão é possível trabalhar com os liquidadores! Digam francamente que é possível e, portanto, necessário, trabalhar com eles.

Os nossos conciliadores não só não dizem isso, como dizem o contrário. No artigo editorial do Boletim n.º 1 (uma nota de rodapé indica explicitamente que o artigo em questão foi contestado por um bolchevique partidário da plataforma bolchevique, isto é, da resolução do II Grupo de Paris [11]), lemos: “É um facto que o trabalho conjunto com os liquidadores na Rússia é impossível”, e um pouco antes admitem que “está a ser cada vez mais difícil traçar a mais fina linha divisória” entre o grupo Golos e os liquidadores.

Quem pode entender isto? Por um lado, uma declaração altamente oficial feita em nome da Comissão Técnica (na qual os conciliadores e os polacos, que agora os apoiam, constituem uma maioria contra os bolcheviques), afirma que o trabalho conjunto é impossível. Em linguagem simples, isso significa declarar uma cisão. A palavra cisão não tem outro significado. Por outro lado, o mesmo Boletim, n.º 1, declara que a Comissão Técnica foi criada “não para provocar uma cisão, mas para evitá-la” -- e estes mesmos conciliadores dizem que “não pensam assim” (que haja ou irá haver uma cisão).

Alguém pode imaginar uma confusão maior?

Se o trabalho conjunto é impossível, isto para um social-democrata só pode ser explicado e justificado ou por uma violação flagrante das decisões e deveres do partido por parte de um certo grupo de pessoas (e então uma cisão com esse grupo é inevitável), ou por uma diferença fundamental de princípio, diferença que faz com que todo o trabalho de certa corrente esteja afastado da social-democracia (e então uma cisão com toda essa corrente é inevitável). Como sabemos, temos ambas as coisas: o plenário de 1910 declarou que era impossível trabalhar com a corrente liquidacionista, e agora produziu-se a cisão com o grupo Golos, que violou todas as suas obrigações e se passou definitivamente para os liquidadores.

Seja quem for que diga conscientemente “o trabalho conjunto é impossível”, tenha meditado nessa afirmação e compreendido os princípios básicos, deveria inevitavelmente dirigir toda a sua atenção e esforços para explicar os princípios básicos às mais amplas massas,  poupando-as tão cedo e tão plenamente quanto possível de todas as tentativas fúteis e prejudiciais de manter qualquer relação com aqueles com quem é impossível trabalhar. Mas quem faça essa afirmação e ao mesmo tempo acrescente “não pensamos” que irá haver uma cisão, “mas não teríamos medo dela”, revela pela sua linguagem confusa e tímida que tem medo de si próprio, está assustado com o passo que deu, assustado pela situação criada! O folheto dos conciliadores produz exactamente essa impressão, estão ansiosos por se justificar de alguma coisa, ansiosos por parecerem “gentis” aos olhos de alguém, piscam o olho a alguém... Adiante veremos o significado do piscar de olhos ao Vperyod e Pravda. Antes, porém, devemos terminar a questão de como os conciliadores interpretam o “resultado do período decorrido desde o plenário”, o resultado que foi apurado pela Reunião dos membros do CC [12].

É realmente necessário compreender este resultado, compreender por que foi inevitável, caso contrário a nossa participação nos acontecimentos seria espontânea, impotente, acidental. Observe-se como o compreendem os conciliadores. Como respondem à pergunta por que razão do trabalho do plenário e das suas resoluções, visando a união, resultou uma cisão entre o BCCE (=liquidadores) e os anti-liquidadores. A resposta dos nossos trotskistas inconsistentes foi simplesmente copiada de Trotski e Iónov, e sou forçado a repetir o que disse em Maio passado  [13] contra esses conciliadores consistentes.

Resposta dos conciliadores: a culpa é do fraccionismo, o fraccionismo dos mencheviques, do grupo Vperiod e do Pravda (enumeramos os grupos fraccionistas pela ordem em que aparecem no folheto) e, por último, dos “representantes oficiais do bolchevismo” que “provavelmente ultrapassaram todos esses grupos nos seus esforços fraccionistas”. Os autores do folheto aplicam abertamente e sem apelo o termo não-fraccionistas apenas a si próprios, os conciliadores de Paris. Todos são maus; eles são virtuosos. Os conciliadores não apresentam quaisquer razões ideológicas para explicar o fenómeno em questão. Não assinalam nenhuma particularidade organizativa dos grupos, ou outras características, que tivessem dado origem a esse fenómeno. Não dizem nada, nem uma palavra, para explicar o assunto, excepto que fraccionismo = perversidade e não-fraccionismo = virtude. A única diferença entre Trotski e os conciliadores de Paris é que os últimos consideram Trotski um fraccionista e consideram-se a  si próprios não-fraccionistas, enquanto Trotski mantém a visão oposta.

Devo confessar que esta formulação da questão – a explicação dos fenómenos políticos apenas pela iniquidade de alguns e pela virtude de outros -- sempre me evoca essas fisionomias que exibem uma tal pose bondosa que não se pode deixar de pensar: “provavelmente é um trapaceiro”.

Consideremos a seguinte comparação: os nossos conciliadores são não-fraccionistas, são virtuosos, Nós, os bolcheviques, ultrapassamos todos os grupos nos esforços fraccionistas, ou seja, somos os mais perversos. Portanto, a fracção virtuosa apoiou os mais perversos, a fracção bolchevique na sua luta contra o BCCE! Há algo de errado nisto, camaradas! Com cada nova afirmação vocês ainda se embrulham cada vez mais e mais.

Vocês tornam-se ridículos quando, como Trotski, lançam acusações de fraccionismo uns aos outros, como se estivessem a jogar à bola; não se dão sequer ao trabalho de pensar: o que é uma fracção? Tratem de defini-la, e prevemos que irão enredar-se ainda mais, porque vocês mesmos constituem uma fracção -- uma fracção vacilante, sem princípios, que não conseguiu entender o que aconteceu no plenário e depois dele.

Uma fracção é uma organização dentro de um partido, unida, não pelo seu local de trabalho, idioma ou outras condições objectivas, mas sim por uma plataforma particular de concepções sobre questões partidárias. Os autores do folheto constituem uma fracção, porque o folheto constitui a sua plataforma (muito ruim, mas há fracções com plataformas erradas). São uma fracção, porque, como qualquer outra organização, estão ligados por disciplina interna; o vosso grupo nomeia o seu representante para a Comissão Técnica e para a Comissão Organizadora por maioria de votos; o grupo elaborou e publicou o folheto, a plataforma, etc. Estes são os factos objectivos que apontam como hipócritas os que vociferam contra o fraccionismo. Tanto Trotski como os “trotskistas inconsequentes” sustentam que não são uma fracção porque... o seu “único” fim ao juntarem-se (numa fracção) é abolir as fracções, defender a sua união, etc., mas todas essas declarações são meros auto-elogios e um jogo cobarde de esconde-esconde, pela simples razão de que nenhum fim da fracção (mesmo o mais virtuoso) altera o facto de que a fracção existe. Toda a fracção está convencida de que a sua plataforma e a sua política são o melhor caminho para abolir fracções, pois ninguém considera como ideal a existência destas. A única diferença é que as fracções que têm uma plataforma clara, consequente e íntegra, defendem abertamente a sua plataforma, enquanto as fracções sem princípios se escondem atrás de gritos baratos sobre a sua virtude, sobre o seu não-fraccionismo.

Qual a razão da existência de fracções no POSDR? Elas existem como continuação da cisão de 1903-1905. São o fruto da debilidade das organizações locais, impotentes para impedir que os grupos de literatos que expressam novas correntes, grandes e pequenas, se convertam em novas “fracções”, isto é, em organizações nas quais a disciplina interna ocupa o primeiro lugar. Como garantir a erradicação das fracções? eliminando completamente a cisão do tempo da revolução (e isso apenas será conseguido limpando as duas principais fracções do liquidacionismo e otzovismo), e criando uma organização proletária tão forte que possa obrigar a minoria a submeter-se à maioria. Enquanto tal organização não existir, um acordo entre todas as fracções poderia acelerar o processo do seu desaparecimento. Daqui decorre, claramente, tanto o mérito ideológico do plenário quanto o seu erro conciliacionista. O seu mérito foi a rejeição das ideias do liquidacionismo e do otzovismo; o seu erro foi o acordo indiscriminado com pessoas e grupos, sem correspondência das promessas (as “resoluções assinadas”) com os actos. A aproximação ideológica com base na luta contra o liquidacionismo e o otzovismo segue em frente, apesar de todos os obstáculos e dificuldades. O erro conciliacionista do plenário [14] provocou inevitavelmente o fracasso das suas decisões conciliatórias, ou seja, o fracasso da aliança com o grupo Golos. A ruptura dos bolcheviques (e mais tarde do Encontro dos membros do CC) com o BCCE corrigiu o erro conciliacionista do plenário. A aproximação das fracções que estão efectivamente a combater o liquidacionismo e o otzovismo irá agora prosseguir apesar das formas decididas pelo plenário, pois estas formas não correspondem ao conteúdo. O conciliacionismo em geral, assim como o do plenário em particular, fracassou porque o conteúdo do trabalho separava os liquidacionistas dos social-democratas, e nenhuma forma, nenhuma diplomacia e nenhum jogo dos conciliadores podiam superar esse processo de separação.

A partir disto, e somente deste ponto de vista que expus em Maio de 1910, tudo o que aconteceu depois do plenário torna-se inteligível, inevitável, resultante não da “maldade” de alguns e da “virtude” de outros, mas do curso objectivo dos eventos, que isola a corrente liquidacionista e varre todos os grupos e grupitos intermédios.

A fim de dissimular o facto político indiscutível do completo fracasso do conciliacionismo, os conciliadores são forçados a recorrer à total distorção dos factos. Escute-se o que dizem: “A política fraccionista dos bolcheviques leninistas foi particularmente prejudicial porque contavam com a maioria em todas as principais instituições do partido, de modo que a sua política fraccionista justificou a separação orgânica das outras correntes e deu-lhes armas contra as instituições oficiais do partido”.

Esta tirada não é outra coisa senão uma “justificação” cobarde e tardia do... liquidacionismo, pois foram precisamente os representantes dessa corrente quem sempre invocaram o “fraccionismo” dos bolcheviques. Esta justificação é tardia porque era dever de todo o verdadeiro membro do partido (em contraste com pessoas que usam a palavra “pró-partido” para auto-propaganda) agir no momento em que esse “fraccionismo” começou, e não um ano e meio depois! Os conciliadores, defensores do liquidacionismo, não podiam e não falaram antes, porque não dispunham de factos. Estão-se a aproveitar do actual “período de perturbações” para pôr em relevo as afirmações infundadas dos liquidadores. Mas os factos são claros e inequívocos. Logo após o plenário, em Fevereiro de 1910, o senhor Pótresov desfraldou a bandeira do liquidacionismo. Também de seguida, em Fevereiro ou Março, os senhores Mikail, Roman e Iúri traíram o partido. Imediatamente depois, o grupo Golos iniciou uma campanha em favor do Golos (veja-se o que diz o Diário de Plekanov no dia seguinte ao plenário) e retomou a publicação do Golos. Também de seguida, o grupo Vperiod começou a organizar a sua própria “escola”. O primeiro passo fraccionista dos bolcheviques, pelo contrário, foi fundar a Rabotchaia Gazeta em Setembro de 1910, depois da ruptura de Trotski com os representantes do CC.

Por que precisam os conciliadores desta distorção de factos bem conhecidos? Para piscar o olho aos liquidadores, e obter a sua benevolência. Por um lado, “o trabalho conjunto com os liquidadores é impossível”. Por outro lado, o fraccionismo dos bolcheviques "justifica-os"! Perguntamos a qualquer social-democrata não contaminado pela diplomacia estrangeira, que confiança política se pode depositar em pessoas que se enredam em tais contradições? Tudo o que merecem são os beijos com os quais o Golos os recompensou publicamente e nada mais.

Os conciliadores chamam “fraccionismo” ao carácter implacável da nossa polémica (pela qual nos censuraram milhares de vezes nas assembleias gerais em Paris) e a nossa denúncia implacável dos liquidadores (eles eram contra a denúncia de Mikail, Iúri e Roman). Durante todo este tempo os conciliadores defenderam e encobriram os liquidadores, mas nunca se atreveram a defendê-los abertamente, quer no Diskussionnii Listok quer em qualquer apelo público impresso. Agora lançam a sua impotência e cobardia contra as rodas do partido, que começou a separar-se decididamente dos liquidadores. Estes dizem que não há liquidacionismo, que é um "exagero" por parte dos bolcheviques (ver a resolução dos liquidadores do Cáucaso [15] e os discursos de Trotski). Os conciliadores dizem que é impossível trabalhar com os liquidadores, mas... mas o fraccionismo dos bolcheviques os "justifica". Não é claro que o verdadeiro sentido desta ridícula contradição de juízos subjectivos é única e exclusivamente a defesa cobarde do liquidacionismo, o desejo de passar uma rasteira aos bolcheviques e apoiar os liquidacionistas?

Mas isto não é tudo. A pior e mais maligna distorção dos factos é a afirmação de que possuíamos a “maioria” nas “principais instituições do Partido”. Esta flagrante mentira tem apenas um propósito: encobrir o fracasso político do conciliacionismo. Pois na realidade, depois do plenário, os bolcheviques não tiveram a maioria em nenhuma das “principais instituições do partido”; a maioria tiveram-na precisamente os conciliadores. Desafiamos qualquer um a tentar contestar os seguintes factos. Depois do plenário, havia apenas três “principais instituições do partido”: (1) o Bureau do CC na Rússia, composto principalmente por conciliadores [16]; (2) o BCCE, no qual, de Janeiro a Novembro de 1910, os bolcheviques foram representados por um conciliador; como o bundista [17] e o letão adoptaram oficialmente o ponto de vista conciliacionista, a maioria, durante onze meses após o plenário, foi conciliadora; (3) a Redacção do órgão central, no qual dois "fraccionistas bolcheviques" foram combatidos por dois partidários do Golos, e sem o polaco não havia maioria.

Por que razão os conciliadores tiveram que recorrer a uma mentira deliberada? Pois, para esconder a cabeça, para encobrir a bancarrota política do conciliacionismo. O conciliacionismo predominou no plenário, teve a maioria após o plenário em todos os principais centros práticos do partido, e num ano e meio sofreu um fracasso total. Não conseguiu "reconciliar" ninguém; não criou nada em lugar algum; oscilou impotentemente de um lado para o outro, merecendo por isso, com toda a razão, os beijos do Golos.

Os conciliadores sofreram o mais rotundo fracasso na Rússia, e quanto mais zelo põem os conciliadores de Paris em demagogicamente se referirem à Rússia, tanto mais importante é sublinhar isso. A Rússia é conciliacionista em contraste com o estrangeiro: é esta a cantilena dos conciliadores. Comparem-se estas palavras com os factos, e ver-se-á que isso não é mais que demagogia oca e barata. Os factos mostram que, durante mais de um ano após o plenário, havia apenas conciliadores no Bureau do CC na Rússia; só eles faziam os relatórios oficiais sobre o plenário e negociavam oficialmente com os legalistas [18]; só eles designavam os seus agentes e enviavam-os às várias instituições; só eles lidavam com todos os fundos que lhes eram enviados sem discutir pelo BCCE; só eles negociaram com os escritores “russos” que lhes pareciam de capacidade promissora para a confusão (ou seja,  respeito pelo conciliacionismo), etc.

E qual foi  o resultado?

O resultado foi  nulo. Nem um único folheto, nem uma única declaração, nem um único órgão da imprensa, nem uma única “conciliação”. Enquanto isso, os “fraccionistas” bolcheviques após duas edições consolidaram a sua Rabotchaia Gazeta, publicada no estrangeiro (para não falar de outros assuntos sobre os quais apenas o Sr. Mártov fala abertamente, ajudando assim a polícia secreta). O conciliacionismo é uma nulidade, palavras, desejos ocos (e rasteiras ao bolchevismo com base nesses desejos "conciliatórios"); o bolchevismo “oficial” provou por actos que é absolutamente preponderante precisamente na Rússia.

É isto uma casualidade? O resultado de detenções? Mas as detenções “pouparam” os liquidadores, que não trabalhavam no partido, enquanto ceifavam bolcheviques e conciliadores.

Não, isto não é uma casualidade ou o resultado da sorte ou sucesso de certas pessoas. É o resultado do fracasso de uma corrente política baseada em falsas premissas. Os falsos fundamentos do conciliacionismo são: o desejo de construir a unidade do partido do proletariado pela aliança de todas as fracções, incluindo as fracções anti-social-democratas e não-proletárias; a ausência total de princípios da sua projecto-mania «unificadora» que não leva a nada; as suas falsas frases contra as “fracções” (quando, de facto, se formou uma nova fracção), frases impotentes para dissolver as fracções antipartido e que minam a fracção bolchevique que suportou nove décimos do peso da luta contra o liquidacionismo e o otzovismo.

Trotski fornece-nos uma abundância de exemplos de projecto-mania “unificadora” carente de princípios. Lembremo-nos, por exemplo (tomo um dos últimos exemplos), de como elogiou o Rabotchaia Jizn [19] de Paris, periódico cuja direcção era compartilhada em Paris pelos conciliadores e os Golos-istas. Sublime! -- dizia Trotski nos seus escritos -- "nem bolchevique, nem menchevique, mas social-democrata revolucionário". O pobre herói das frases só não percebeu uma mera bagatela: só é revolucionário o social-democrata que compreende o dano do pseudo-social-democratismo anti-revolucionário num dado país num dado momento, isto é, o dano do liquidacionismo e do otzovismo na Rússia de 1908-1911, e quem sabe lutar contra essas tendências não social-democratas. Ao beijar o Rabotchaia Jizn -- que nunca lutou contra os social-democratas não-revolucionários da Rússia -- Trotski não fez senão desmascarar o plano dos liquidadores a quem serve fielmente: a paridade no órgão central significa o cessar da luta contra os liquidadores; os liquidadores gozam efectivamente de total liberdade para lutar contra o partido, enquanto o partido deve ficar atado de pés e mãos no órgão central (e no CC) pela “paridade” entre os homens do Golos e os membros do partido. Isso asseguraria a vitória completa dos liquidadores e só os seus lacaios podiam propor ou defender um tal plano.

Vimos no plenário exemplos da projecto-mania “unificadora” de Iónov, Innokentiev e outros conciliadores; projectos sem princípios, que prometem paz e felicidade sem uma luta longa, tenaz e renhida contra os liquidadores. Vimos outro exemplo semelhante no folheto dos nossos conciliadores que justificam o liquidacionismo com base no “fraccionismo” bolchevique. Outro exemplo ainda: os seus discursos sobre o “isolamento” dos bolcheviques “de outras correntes (Vperiod, Pravda) que se situam no terreno do partido social-democrata ilegal”.

Os itálicos nesta notável tirada são nossos. Assim como uma pequena gota de água reflecte o sol, esta tirada reflecte a absoluta falta de princípios do conciliacionismo, que está na raiz de sua impotência política.

Em primeiro lugar: o Pravda e o Vperiod representam correntes social-democratas? Não, pois o Vperyod representa uma corrente não social-democrata (otzovismo e machismo [20]) e o Pravda representa um grupito que não deu respostas independentes e sólidas a nenhum problema de princípios importante da revolução e contra-revolução. Só se pode chamar corrente a uma soma de ideias políticas bem definidas definidas relativamente a todos os problemas mais importantes tanto da revolução (pois nos afastámos muito pouco dela e dependemos dela em todos os aspectos) como da contra-revolução; ideias que, além disso, provaram o seu direito à existência como uma corrente, devido à sua difusão entre as camadas mais amplas da classe trabalhadora. Que tanto o menchevismo quanto o bolchevismo são correntes social-democratas, provou-o a experiência da revolução, a história de oito anos do movimento da classe operária. Quanto aos pequenos grupos que não representam nenhuma corrente, houve-os a granel durante esse período, assim como os houve antes. Confundir uma corrente com grupitos significa condenar-se às intrigas na política do partido, já que o surgimento de grupitos sem princípios, a sua existência efémera, os seus esforços para dizer as “suas palavras”, as suas “relações” de uns com os outros como se fossem potências especiais, constituiem precisamente a base das intrigas vigentes no estrangeiro e delas não há nem pode haver salvação, a não ser por uma fidelidade rigorosa e firme aos princípios testados pela experiência na longa história do movimento da classe operária.

Em segundo lugar -- e aqui observamos imediatamente a transformação prática da falta de princípios dos conciliadores em intrigas – o folheto dos parisienses mente clara e deliberadamente quando diz que “o otzovismo já não tem adeptos nem defensores declarados no nosso Partido”. Isto não é verdade e toda a gente sabe isso. O n.º 3 do Vperiod, (Maio de 1911) refuta com clareza essa mentira quando afirma abertamente que o otzovismo é uma “corrente perfeitamente legítima dentro de nosso partido” (p. 78). Afirmarão os nossos sábios conciliadores que tal declaração não é uma defesa do otzovismo?

É quando as pessoas não podem justificar, baseando-se em princípios, a sua associação com este ou aquele grupito, que não têm outra saída senão recorrer a uma política de mentiras e adulação mesquinhas, de acenos furtivos e piscar de olhos, isto é, a tudo que somado produz o conceito de "intriga". O Vperiod elogia os conciliadores, os conciliadores elogiam o Vperiod e, enganando o partido, tranquilizam-no quanto ao otzovismo. Como resultado, há regateios e transacções sobre posições e cargos com os defensores do otzovismo, com os infractores de todas as decisões do plenário. O destino do conciliacionismo e a essência das suas impotentes e mesquinhas intrigas consiste em secretamente ajudar tanto os liquidadores quanto os otzovistas.

Em terceiro lugar, "... o trabalho conjunto com os liquidadores na Rússia é impossível". Até os conciliadores tiveram que admitir essa verdade. A questão é: os grupos Vperiod e Pravda reconhecem essa verdade? Não só não reconhecem como afirmam exactamente o contrário, exigem abertamente o "trabalho conjunto" com os liquidadores, e trabalham com eles abertamente (ver, por exemplo, o 2.º relatório da escola do Vperiod). Perguntamo-nos se existe mesmo um grão de fidelidade aos princípios e de honestidade na proclamação de uma política de aproximação a grupos que dão respostas diametralmente opostas a questões fundamentais, já que uma resolução explícita e aprovada por unanimidade pelo plenário reconheceu a questão do liquidacionismo como sendo fundamental. Está claro que não; está claro que estamos perante um abismo ideológico e que, todas as tentativas de colocar sobre ele uma ponte de palavras, diplomática, independentemente das melhores intenções de X ou Y, inevitavelmente os condenam a intrigas.

Enquanto não se mostrar e provar por factos fidedignos ​​e uma análise das questões mais importantes que Vperiod e Pravda representam correntes social-democratas (e ninguém, durante o ano e meio após o plenário tentou provar isso, porque é impossível provar), não nos cansaremos de explicar aos operários a nocividade desses subterfúgios sem princípios, de intrigantes, que são a essência da aproximação com o Vperiod e o Pravda pregada pelos conciliadores. É o primeiro dever dos social-democratas revolucionários isolar esses grupitos não social-democratas e sem princípios que estão a ajudar os liquidadores. Apelar aos trabalhadores russos vinculados ao Vperiod e Pravda, por sobre as cabeças destes grupos e contra eles: esta é a política que tem sido e está a ser aplicada pelo bolchevismo e que aplicará até ao fim, apesar de todos os obstáculos.

Disse que depois de ano e meio de domínio nos centros do partido o conciliacionismo sofreu o mais rotundo fracasso político. A réplica usual é: sim, mas isso é porque vocês, os fraccionistas nos estorvaram (veja-se a carta dos conciliadores – mas não bolcheviques -- Guermann e Arkadi [21] no Pravda, n.º 20).

A bancarrota política de uma tendência ou de um grupo reside justamente no facto de que tudo “a estorva”, tudo se opõe a ela; pois calculou equivocadamente este "tudo", pois tomou como base palavras vazias, suspiros, lamentações, gemidos.

No nosso caso, senhores, tudo e todos vieram em nosso auxílio, e nisto reside a garantia do nosso êxito. Fomos ajudados pelos senhores Pótresov, Larin, Levitski, que não conseguiam abrir a boca sem confirmar os nossos argumentos sobre o liquidacionismo. Fomos ajudados pelos senhores Mártov e Dan, porque obrigaram todos a concordar com a nossa apreciação de que o grupo Golos e os liquidadores são a mesma coisa. Fomos ajudados por Plekanov na medida em que desmascarou os liquidadores, apontou nas resoluções do plenário as "escapatórias para os liquidadores" (deixadas pelos conciliadores) e ridicularizou as passagens "pomposas" e "integralistas" (redigidas pelos conciliadores contra nós). Fomos ajudados pelos conciliadores russos cujo “convite” a Mikail, Iúri e Roman, foi acompanhado por ataques injuriosos a Lénine (ver Golos), confirmando assim que a refutação dos liquidadores não se devia à insídia dos “fraccionistas”. Como pôde acontecer, estimados conciliadores, que, apesar da vossa virtude, todos vos obstacularizaram, ao passo que todos nos ajudaram apesar da nossa maldade fraccionista?

Foi porque a política do vosso grupito dependia apenas de frases, muitas vezes muito benevolentes e bem intencionadas, porém vazias. À unidade só se pode chegar através da convergência de fracções fortes, fortes na sua integridade ideológica e na sua influência sobre as massas, comprovada pela experiência da revolução.

Mesmo agora, as vossas exclamações contra o fraccionismo continuam a ser meras frases, porque vós mesmos sois uma fracção, e certamente uma das piores, das menos seguras, das mais carentes de princípios. A vossa ensurdecedora e aparatosa declaração “nem um cêntimo para as fracções” (no Informatsionnii Biuletten), é uma mera frase. Se a dissesteis a sério, acaso poderíeis ter gasto os vossos “cêntimos” na edição de um folheto-plataforma de um novo grupito? Se a dissesteis a sério, acaso poderíeis ter ficado calados vendo os órgãos fraccionistas como Rabotchaia Gazeta e e o Dnievnik Sotsial-Demokrat? Não deveríeis vós ter exigido publicamente que fossem fechados? [22] Se tivésseis exigido isso, colocado tal condição seriamente, seríeis simplesmente ridicularizados. E se vós, estando bem cientes disso, vos limitais a lânguidos suspiros, não será que isso demonstra ainda mais uma vez que o vosso conciliacionismo está suspenso no ar?

O desarmamento das fracções só é possível na base da reciprocidade; caso contrário, é uma palavra de ordem reaccionária, extremamente prejudicial à causa do proletariado; é uma palavra de ordem demagógica, pois apenas facilita a luta implacável dos liquidadores contra o partido. Quem lança agora essa palavra de ordem, após a tentativa fracassada do plenário de aplicá-la, após as fracções Golos e Vperyod terem frustrado a tentativa de amalgamar (as fracções), quem faça isso sem se atrever sequer a repetir a condição de reciprocidade, sem sequer tentar apresentá-la com clareza e definir os meios de controlo sobre o seu cumprimento real, está simplesmente a embriagar-se com palavras que soam doces.

Bolcheviques, cerrai fileiras. Vocês são o único baluarte de uma luta coerente e resoluta contra o liquidacionismo e o otzovismo.

Aplicai a política de aproximação com o menchevismo anti-liquidacionista, uma política testada pela prática, confirmada pela experiência. É essa a nossa palavra de ordem. É uma política que não promete uma terra fluindo com o leite e o mel da “paz universal”, impossível de lograr em tempos de desorganização e dispersão, mas é uma política que no processo de trabalho realmente favorece a aproximação de correntes que representam tudo o que é forte, sólido e vital no movimento proletário.

O papel desempenhado pelos conciliadores durante o período de contra-revolução pode ser descrito da seguinte forma. Com grandes esforços, os bolcheviques empurram o carro do nosso partido subindo uma montanha íngreme. Os liquidadores do Golos estão a tentar com toda a força arrastá-lo novamente para baixo da montanha. No carro vai sentado um conciliador.  A sua expressão é terna, muito terna; o seu rosto doce, dulcíssimo como o de Jesus. Parece a própria encarnação da virtude. E, baixando modestamente os olhos enquanto ergue os braços ao céu, o conciliador exclama: “Eu te agradeço, Senhor, pois não sou como esses homens” – e aqui acena com a cabeça para os bolcheviques e mencheviques -- “pérfidos fraccionistas que impedem todo o progresso”. Mas o carro avança lentamente e nele vai sentado o conciliador. Quando os fraccionistas bolcheviques derrotaram o BCCE liquidacionista, abrindo caminho para a construção de uma nova casa, para um bloco (ou pelo menos uma aliança temporária) de fracções pró-partido, os conciliadores entraram na casa (insultando os fraccionistas bolcheviques) e aspergiram a nova morada com a água benta dos seus doces discursos sobre o não-fraccionismo!

*   *   *

Que teria sido da obra historicamente memorável do velho Iskra, se, em vez de empreender uma campanha consequente e implacável, baseada em princípios, contra o Economismo e o struvismo [23], tivesse concordado com algum bloco, aliança ou “fusão” de todos os grupos grandes e pequenos que eram na altura tão numerosos no estrangeiro como são hoje?

Certamente, as diferenças entre a nossa época e a época do velho Iskra aumentam consideravelmente o dano causado pelo conciliacionismo sem princípios e verborreico.

A primeira diferença é que alcançámos um nível muito mais alto no desenvolvimento do capitalismo e da burguesia, na clareza da luta de classes na Rússia. Existe já (pela primeira vez na Rússia) certo terreno objectivo para a política operária liberal dos senhores Pótresov, Levitski, Larin e C.ª. O liberalismo stolipiano dos cadetes e do partido trabalhista stolipiano já estão em processo de formação. Por isso tanto mais nocivas são na prática as frases e intrigas conciliacionistas com os grupitos no estrangeiro que apoiam os liquidadores.

A segunda diferença é o nível incomensuravelmente mais alto de desenvolvimento do proletariado, da sua consciência de classe e solidariedade de classe. Por isso é tanto mais nocivo ainda o apoio artificial dado pelos conciliadores aos grupitos efémeros no estrangeiro (Vperiod, Pravda, etc.), que não criaram nem podem criar qualquer corrente na social-democracia.

A terceira diferença é que durante o período do Iskra houve organizações clandestinas de Economistas na Rússia, que havia que derrotar e dividir para unir contra elas os social-democratas revolucionários. Hoje, não existem organizações clandestinas paralelas; hoje trata-se apenas de lutar contra grupos legais que se separaram. E este processo de segregação (mesmo os conciliadores são forçados a admitir isso) está a ser impedido pelo jogo político dos conciliadores com as fracções no estrangeiro que não desejam nem são capazes de trabalhar para que se trace uma linha de demarcação.

O bolchevismo "superou" a doença otzovista, a doença da frase revolucionária, o jogo do "esquerdismo", o desvio de esquerda da social-democracia. Os otzovistas começaram a actuar como fracção quando não era possível “revocar” os social-democratas da Duma.

O bolchevismo superará também a doença “conciliadora”, a oscilação na direcção do liquidacionismo (pois, na realidade, os conciliadores sempre foram um joguete nas mãos dos liquidadores). Os conciliadores também estão irremediavelmente atrasados. Começaram a actuar como fracção depois que o domínio do conciliacionismo tinha esgotado todos os seus recursos durante o ano e meio após o plenário, quando já não havia a quem conciliar.

P.S. O presente artigo foi escrito há mais de um mês. Critica a “teoria” dos conciliadores. Quanto à “prática” dos conciliadores, que se expressa nas querelas incorrigíveis, absurdas, mesquinhas e vergonhosas que enchem as páginas do Biulleten n.º 2 dos conciliadores e dos polacos, não vale a pena perder o tempo com isso.

Notas

[1] Boletim Informativo da Comissão Técnica no Estrangeiro. Foi publicado em Paris, em dois números (11 de Agosto e 28 de Outubro de 1911). Os conciliadores fizeram dele o seu órgão fraccionista, a partir do qual combateram sem escrúpulos os bolcheviques. – N. Ed.

[2] Ver: Lénine, Notas de um publicista, § II e O sentido histórico da luta interna do partido na Rússia, §4. -- N. Ed.
Diskussionnii Listok = Boletim de Debates: suplemento do Sotsial-Demokrat, órgão central do POSDR. Foi  editado en París  por resolucão do plenário do CC de Janeiro de 1910. A Redacção era composta por bolcheviques, mencheviques, ultimatistas, bundistas, plekanovistas, e membros da social-democracia polaca e letã. – N. T.

[3] Golos Sotsial-Demokrat = Voz Social-Democrata. Periódico dos mencheviques no estrangeiro; publicou-se de Fevereiro de 1908 até Dezembro de 1911, primeiro em Genebra e mais tarde em París. A sua Redacção era integrada por P. Axelrod, F. Dan, L. Mártov, A. Martinóv e G. Plekanov. Defendeu desde o primeiro número os liquidadores, justificando a sua actividade antipartidária. Quando Plekanov se retirou da Redacção, depois de condenar a posição liquidadora do periódico, este converteu-se definitivamente no centro ideológico dos liquidadores. – N.T.

[4] O grupo "Vperiod" (Avante!) era um grupo antibolchevique e antipartido dos otzovistas, ultimatistas, construtores de Deus e empiriocriticistas, constituído por iniciativa dos “bolcheviques” A. Bogdánov e G. Alexinski em Dezembro de 1909, quando se dissolveu a escola de Capri (ver nota 6). Editava un periódico com o nome do grupo.
A luta do grupo contra os bolcheviques caracterizou-se pela falta de princípios e por métodos pouco escrupulosos. No plenário de Janeiro de 1910 os membros do "Vperiod" mantiveram contacto estreito com os liquidadores do Golos e os trotskistas. Depois do plenário lançaram una violenta campanha contra as respectivas resoluções, negando-se subordinar-se a elas. Em Janeiro de 1912, na Conferência do POSDR em Praga, juntaram-se aos liquidadores e trotskistas contra as resoluções da Conferência. A sua actividade renhida contra o POSDR levou a que os trabalhadores abandonassem o grupo, que se disolveu em 1913.
Alexander Bogdánov foi um físico eminente que permaneceu fiel ao poder soviético e, entre outras contribuições, teve papel destacado na criação de centros de transfusão de sangue tendo sido director do Instituto Científico Estatal da Transfusão de Sangue de 1926 a 1928. Morreu em 1928 ao experimentar uma transfusão de sangue em si próprio. G. Alexinski, pelo contrário, difamou Lénine e os bocheviques, passou para o lado contra-revolucionário e fugiu em 1918 para o estrangeiro onde integrou o campo aultra-reaccionário. – N.T.

[5] Nasha Zariá (A Nossa Aurora) revista mensal menchevique de tendêneia liquidacionista que apareceu legalmente em S. Petersburgo de Janeiro de 1910 a Setembro de 1914, dirigida por A. Potrésov com colaboração de F. Dan e outros. Foi o centro dos liquidadores na Rússia. – N.T.

[6] Lénine refere-se à escola de Capri, estabelecida em 1909 e organizada por A. Bogdánov, que foi o centro fraccionista dos otzovistas e ultimatistas. – N.T.

[7] P. Stolipin foi PM do governo contra-revolucionário russo de 1906 a 1911. Era um monarquista “liberal” que tinha o apoio da nobreza, dos latifundiários, e da alta burguesia. Lénine refere-se ao facto de que os liquidadores, encabeçados por A. Potrésov, E. Smirnov (Gurevitch), I. Larin, V. Levitski (V. Tsederbaum, irmão de Martov) e outros consituiram a fracção “social-democrata” dos liquidadores que condenava as lutas dos trabalhadores e defendia entendimentos com a burguesia e uma existência legal de “paz social” que servia os interesses do governo czarista de Stolipin. – N.T.

[8] Grupo menchevique encabeçado por G. Plekanov que, já no plenário de Janeiro de 1910, advogou o entendimento prático com os bolcheviques (ver nota 3). – N.T.

[9] Ionov (F. M. Koigen) era um dos líderes do Bund. O Bund era uma organização dos trabalhadores judeus na Lituânia, Polónia e Rússia filiada no POSDR que a partir de 1906 aderiu aos mencheviques. Tomava posições nacionalistas. - N. T.

[10] No original, формы (formy) plural de форма (forma). A tradução literal “formas” é a que consta nas traduções deste artigo em espanhol, italiano e inglês nas respectivas obras completas de Lénine e é também a que adoptámos. Segundo se depreende, por “formas do partido” eram entendidas aqui as duas principais “formas” do partido: bolcheviques e mencheviques. - N. T.

[11] O II Grupo de colaboradores do POSDR em Paris foi formado em 18 de Novembro, 1908. Em 1911 o II Grupo de Paris era composto por  mais de 40 pessoas. A maioria eram bolcheviques (Lénine, Krúpskaia, Semashko, Vladimirski, etc.); havia também conciliadores e alguns membros do grupo Vperiod. O grupo estava ligado às organizações do partido na Rússia às quais prestava colaboração, e lutou contra os liquidacionistas e trotskistas. Na reunião de 1 de Julho, presidida por Vladimirski, foi discutida a situação interna do partido. Por 27 votos contra 10 o grupo aprovou uma resolução preparada por Lénine. - N. T.

[12] O obstrucionismo ilegal do Bureau do CC no Estrangeiro à convocação de um plenário do CC e conferência do partido, levou Lénine a convocar uma reunião dos membros do CC do POSDR residentes no estrangeiro, que veio a decorrer em Paris de 10 a 17 de Junho. Participaram bolcheviques, representantes dos social-democratas polacos e letões, um membro do Golos e um do Bund. Foram aprovadas convocações de um plenário do CC no estrangeiro (no mais curto prazo) e de uma conferência do partido, e outras resoluções.

[13] Lénine, Notas de um publicista, § II, 7 de Junho de 1910. - N. Ed.

[14] Diskussionnii Listok n.º 2. Ver: Lénine, Notas de um publicista, § II, 7 de Junho de 1910. - N. Ed.

[15] Lénine refere-se à resolução "Sobre o liquidacionismo", adoptada na Conferência de Liquidadores de Trascaucásia, na primavera de 1911. A natureza antipartidária dessa Conferência foi revelada em "Carta do Cáucaso”, de Estáline, publicada em Sotsial-Demokrat, n.º 24, de 31 de Outubro de 1911. - N. Ed.

[16] Claro que nem todos os conciliadores são iguais. E certamente, nem todos os ex-membros do Bureau russo podem (nem desejam) assumir a responsabilidade pelos disparates dos conciliadores de París, simples imitadores de Trotski. Lénine.

[17] Membro do Bund, organização dos trabalhadores judeus na Lituânia, Polónia e Rússia que se filiou no POSDR e a partir de 1906 aderiu aos mencheviques. Tomava posições nacionalistas.

[18] Outra designação dos liquidadores que, em plena contra-revolução, defendiam limitar o POSDR a actividades legais, essencialmente na Duma e nos seus jornais que não incomodavam as autoridades czaristas. - N.T.

[19] Rabochaia Jizn, Vida Operária: publicação mensal dos mencheviques, partidários de Golos e conciliadores. Publicou-se em Paris em tres números de 6 de Março a 1 de Maio de 1911. - N.Ed.

[20] “Machismo” designa a filisosofia empriocriticista do físico Ernst Mach que Lénine analisou em detalhe no seu livro Materialismo e Empiriocriticismo. Comentários críticos sobre uma filosofia reaccionária, escrito em 1908. Nele expõe o conteúdo idealista do empriocriticismo de Mach e de outros. - N.T.

[21] Guermann—K. K. Danichevski, Arkadi—F. I. Kalinine. - N.Ed.

[22] Na verdade, os conciliadores de Paris que publicaram agora o seu folheto, estavam contra a fundação do Rabotchaia Gazeta e retiraram-se na primeira reunião para que foram convidados pela Redacção. Lamentamos que não nos tenham ajudado a desmascarar a futilidade do conciliacionismo denunciando publicamente o Rabotchaia Gazeta. – Lénine.

[23] Designação da distorção liberal-burguesa do marxismo de P. Struve, um social-democrata russo defensor do "marxismo legal" que se juntou aos cadetes de direita em 1905, tornando-se mais tarde um monarquista.