Apreciação do
livro de Kurt Gossweiler, Hitler:
Ascensão Irresistível? Ensaios sobre o fascismo, Editorial “Avante!”, 2015,
207 págs., preço: 12,60 €, 10,70 € na Festa do Avante!.
Book review
of Hitler: Ascensão Irresistível? Ensaios sobre o fascismo [Hitler: Irresistible Ascension? Essays on fascism], Editorial
“Avante!”, 2015, 207 pages., price: 12.60 €, 10.70 € in the Feast of “Avante!”.
(The book
is also translated in Dutch and Italian. We haven’t found a translation in
English.)
Para aqueles que
pensam já saber tudo sobre
o nazi-fascismo este pequeno livro pode revelar-se uma surpresa. O livro
apresenta um conjunto de importantes análises sobre o tema, apresentadas de
forma clara e concisa, com dados factuais que não encontrámos noutras
publicações. Desfaz também com rigor mitos que continuam a correr por aí,
mesmo entre a esquerda.
Embora
debruçando-se sobre o nazi-fascismo alemão, o livro é de grande interesse
para compreender as políticas e práticas fascizantes que grassam e crescem
pelo chamado mundo ocidental, pelo mundo dos monopólios que nunca abandonaram
nem abandonarão a perspectiva da solução fascista. Como exemplo, basta ver o
que está a acontecer no Brasil com os monopólios domésticos e estrangeiros
(USA) a usar todos os meios, incluindo media
e sistema judicial e militar, para colocar no poder o nazi Bolsonaro.
O autor, Kurt
Gossweiler, ingressou em 1931 na organização estudantil comunista ilegalizada
em 1934. O jovem Gossweiler, com 16 anos de idade, participou então na
resistência anti-fascista até ser incorporado na Wehrmacht em 1939. Decidido
a desertar para o Exército Vermelho na primeira oportunidade, consegue isso
em Março de 1943 quando tinha sido ferido. É curado num hospital militar
soviético, aprende russo e torna-se professor. De volta a Berlim no final da
guerra é primeiro professor na Escola do SED (Partido Socialista Unificado da
Alemnha) em Berlim, e depois funcionário da administração do distrito de
Berlim pelo SED. Inicia em 1955 uma carreira científica em História Alemã na
Universidade Humboldt, onde se doutora em 1963. A partir de 1970 trabalha
como investigador no Instituto Central de História da Academia de Ciências da
RDA.
Tendo-se
primeiro dedicado ao estudo do nazi-fascismo, o autor enveredou depois pela
tarefa que considerava mais prioritária e a que se dedicou com mestria: a
denúncia do revisionismo nos partidos comunistas da Europa, incluindo o SED e
o PCUS, surgido à luz do dia na sequência do (in)famoso relatório de Krutchev
ao XX Congresso do PCUS.
O livro tem 6
capítulos, correspondentes a artigos individuais do autor. No capítulo 1, «De
Weimar a Hitler: As causas do advento da ditadura fascista», o autor observa
com toda a actualidade: «Na Alemanha Federal, do mesmo modo que noutros
Estados imperialistas, milhares de jornalistas, historiadores, filósofos e
sociólogos a soldo do Estado afadigam-se para esconder as causas e as forças
que deram nascimento ao fascismo». Daí a importância do seu estudo científico
que revela claramente o fascismo como fenómeno internacional, como solução
dos monopólios e do imperialismo para em «período de crise generalizada […]
reprimir e manter em xeque o movimento operário por meio do terror e da
violência».
O autor
prossegue esclarecendo o apoio dado desde 1919 pela burguesia monopolista e
pelos grandes latifundiários ao partido nazi, NSDAP. Nesse apoio teve de
início papel proeminente o exército, que forneceu armas e dinheiro ao NSDAP.
Logo em 1922-23 grandes industriais começaram a financiar o NSDAP. O autor
apresenta a sequência de adesões e apoios dos monopolistas alemães ao
nazismo, de uma forma que não encontrámos noutras publicações. Revela também
apoios desde a primeira hora de magnates estrangeiros (Deterding da Royal
Dutch Shell e Henri Ford).
Ainda no
capítulo 1 o autor desfaz a mentira muito difundida de que Hitler subiu
legalmente ao poder em 1933, devido aos resultados eleitorais, quando de
facto o NSDAP estava em declínio eleitoral. A solução nazi foi extraída de
Hindenburgo pelos representantes dos monopolistas e latifundiários. Os
comunistas (KPD) já haviam prevenido em 1932 que quem votasse Hindenburgo
votava Hitler. «[…] não foram os milhões de eleitores nazis da pequena
burguesia, mas antes os interesses dos milionários que determinaram a
política do governo nazi e o carácter de classe da ditadura fascista». Aliás,
na Alemanha como noutros fascismos, a pequena burguesia atraída pela
demagogia nacionalista e «revolucionária» dos fascistas foi de imediato
traída quando estes tomaram o poder.
O capítulo 1
termina expondo as razões porque a ascensão de Hitler podia ter sido evitada,
se uma condição fulcral para isso tivesse sido assegurada: a unidade da
classe operária. Infelizmente, até mesmo nos dias decisivos, os dirigentes do
SPD (II Internacional) traíram a classe operária. Não obstante muitos
operários do SPD se terem juntado aos comunistas no combate aos fascistas.
Sobre a traição dos dirigentes do SPD o autor fornece evidência esmagadora,
desfazendo completamente a mentira tantas vezes propalada da culpa do
«dogmatismo-sectarismo do KPD».
O capítulo 2,
«Hitler e o capital. Os verdadeiros milhões por detrás de Hitler», fornece
uma grande quantidade de detalhes de como Hitler e seus próximos progrediram
nas suas reuniões secretivas com os representantes do grande capital de
vários pontos da Alemanha. Encontros em que Hitler, tendo como conselheiros
grandes magnates membros do NSDAP, o ajudaram a preparar o discurso
explicativo dos benefícios da solução nazi-fascista. Solução demagógica do
«socialismo nacional» que não era mais que atrelar à força o proletariado à
carroça dos monopólios, atrelá-lo à «nobre» causa «nacional» conduzida pelas
«elites» de invadir e escravizar outros povos.
O capítulo 2
também fornece detalhes muito interessantes de como publicações para
intelectuais preparadas pelos monopólios – como, p. ex., a Revista Europeia preparada por
seventuários da IG-Farben – espalhavam subtilmente a mensagem, não só para
alemães mas também para intelectuais estrangeiros, dos grandes benefícios
decorrentes de uma Alemanha forte, com uma visão europeia. Ao ler estas
passagens o leitor deverá reflectir sobre a concentração de poderes
económicos e militares nos representantes dos estados fortes da UE --
Alemanha e França – na CE – dominada pelos monopólios europeus -- também
mentirosamente apresentadas como benéfica para uma Europa unida e «social».
O capítulo 3,
«Classe operária e fascismo. O socialismo dos barões do aço» demonstra
convincentemente como a classe operária alemã nunca se vergou ao fascismo.
Como se revelou na prática um fracasso a construção de um partido
nacionalista e operário. O autor descreve como já em 1922 Hitler, numa carta
aos empresários, «mostrou ter compreendido perfeitamente o que importava às
forças da classe dirigente»: o extermínio do marxismo. Apesar da propaganda e
de, como dizia na sua carta, ser o NSDAP «uma organização forte, sem
escrúpulos e de uma determinação brutal», não conseguiu esse objectivo. O
ingresso de operários no NSDAP foi fraco -- o autor apresenta números sobre
isso e também analisa como as células de empresa do NSDAP eram organizações
de terror e espionagem ao serviço dos capitalistas. «O partido nazi tornou-se
um partido de massas não enquanto “partido operário nacional” mas […]
enquanto partido imperialista cujos partidários eram essencialmente pequenos
burgueses», sendo porém errado considerar o partido fascista como tendo sido
criado «originariamente como um partido da pequena burguesia radicalizada […]
contra o movimento operário e o grande capital».
No capítulo 4,
«A destituição do governo Braun-Severing. O Partido Socialista na linha de
mira», o autor, citando Gueorgui Dimitrov -- «Antes da instauração da
ditadura fascista, os governos burgueses passam geralmente por uma série de
etapas preparatórias e tomam uma série de medias reaccionárias, contribuindo
directamente para a ascensão do fascismo» -- mostra como passo a passo o
governo burguês do SPD foi adoptando medidas reaccionárias, contra os
trabalhadores. Analisa de perto como esse caminhar passo a passo do SPD de
mãos dadas com a reacção desembocou na auto-destituição complacente (!) do
governo Braun-Severing do SPD na Prússia, sendo substituído pelos nazis. Um
capítulo cheio de lições sobre o que pode significar hoje a caminhada passo a
passo de dirigentes «socialistas» de mãos dadas com a reacção, isto é, de
mãos dadas com os representantes dos monopólios.
O capítulo 5,
«Origens e variantes do fascismo. Fascismo, ditadura e democracia
parlamentar», começa por apresentar as análises de Hilferding e de Lenine
sobre o capital monopolista e o imperialismo. Análises que mostram, como diz
o autor, que «uma vez nascido, o monopólio tende para a autocracia, não
apenas no domínio económico mas também no domínio político», seguindo-se a
explicação de porque razão esta tendência resulta de uma necessidade
objectiva. Essa tendência é especialmente forte no capital financeiro, que
constitui a pedra angular do imperialismo. O autor termina analisando
variantes de fascismo da Europa Central e de Leste.
O capítulo 6,
«A política dos nazis nos Balcãs através da Revista Europeia. A expansão a
leste, ontem e… hoje?» apresenta mais detalhes das mensagens nazis
transmitidas pela Revista Europeia, analisando os apetites nazis pelo domínio
dos Balcãs, apetites que os monopólios alemães, mantêm e, de facto,
concretizaram actualmente em grande parte. Haja em vista o papel da Alemanha
no golpe fascista de Maidan na Ucrânia e o domínio económico alemão na Grécia,
Roménia e Bulgária.
O livro tem um
Prefácio de grande qualidade, escrito por Jorge Cadima. Começa assim: «Este
conjunto de textos de Kurt Gossweiler sobre a ascensão da mais terrível e
violenta forma de dominação capitalista que a História regista é importante.
Não apenas para contrariar o esquecimento […] Mas sobretudo porque assistimos
hoje a uma flagrante e despudorada tentativa de reescrever e falsificar a
verdade histórica sobre o fascismo.»
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For
those who think they already know everything about Nazi-fascism this little
book may prove to be a surprise. The book presents a set of important
analyzes on the subject, presented in a clear and concise manner, with
factual data that we have not found in other publications. It also demolishes
myths that continue to run around, even among the left.
Though focusing on German Nazi-fascism, the book is of great interest in
understanding the fascist policies and practices that ramp up and grow in the
so-called Western world, the world of the monopolies, which have never
abandoned or will abandon the prospect of the fascist solution. As an
example, it is enough to see what is now happening in Brazil with the
domestic and foreign (USA) monopolies to resort to all means, including the
media and the judicial and military systems, to place the Nazi Bolsonaro in
power.
The
author, Kurt Gossweiler, joined the Communist student organization in 1931
which was outlawed in 1934. The young Gossweiler, at the age of 16, then
participated in the anti-fascist resistance until he was enrolled into the
Wehrmacht in 1939. Having decided to desert to the Red Army at the first
opportunity, he achieved this in March 1943 when he had been wounded. He was
healed at a Soviet military hospital, learned Russian, and became a teacher.
Back in Berlin at the end of the war he is at first a teacher at the SED
(Socialist Unity Party of German) School in Berlin, then a district
administration official in Berlin for the SED. In 1955 he begins a scientific
career in German History at the Humboldt University, where he got his Ph.D.
in 1963. Starting 1970 he worked as a researcher at the Central Institute of History
of the GDR Academy of Sciences.
Having first devoted himself to the study of Nazi-fascism, the author then
turned to the task which he considered to be of the highest priority and to
which he devoted himself with mastery: the denunciation of revisionism in the
communist parties of Europe, including the SED and the CPSU, which blossomed
in plain light following Khrushchev's (in)famous report to the 20th Congress
of the CPSU.
The
book has 6 chapters, corresponding to individual articles by the author. In
Chapter 1, "From Weimar to Hitler: The Causes of the Advent of the
Fascist Dictatorship," the author observes with full application today:
"In Federal Germany, as in other imperialist states, thousands of
journalists, historians, philosophers and sociologists on the payroll of the
State are struggling to hide the causes and forces that gave birth to
fascism." Hence the importance of scientifically studying it which
clearly reveals fascism as an international phenomenon, as a solution of
monopolies and imperialism, in a "period of general crisis [...] to
suppress and keep the workers' movement in check through terror and
violence."
The author goes on to explain the support given since 1919 by the monopolist
bourgeoisie and the large landowners to the Nazi party, the NSDAP. In their
support, the army had a prominent role, by providing weaponry and money to
the NSDAP. As early as 1922-23 major industrialists began funding the NSDAP.
The author presents the sequence of adhesions and support of the German
monopolists to Nazism in a way that we have not found in other publications. He
also reveals the first hour support of foreign moguls (Deterding of Royal
Dutch Shell and Henri Ford).
The
author also demolishes in chapter 1 the widely held lie that Hitler rose
legally to power in 1933 because of the election results, when in fact the
NSDAP was in electoral decline. The Nazi solution was extracted from Hindenburg
by the representatives of the monopolists and landowners. The Communists (KPD)
had already warned in 1932 that anyone who voted for Hindenburg voted for
Hitler. "[...] it was not the millions of Nazi voters of the petty
bourgeoisie, but rather the interests of the millionaires who determined the
policy of the Nazi government and the class character of the fascist
dictatorship." Indeed, in Germany as in other fascisms, the petty
bourgeoisie attracted by the nationalist and "revolutionary"
demagoguery of the fascists was immediately betrayed once they had seized
power.
Chapter 1 ends by explaining the reasons why Hitler's rise could have been
avoided if a crucial condition for that had been secured: the unity of the
working class. Unfortunately, even on decisive days, the leaders of the SPD
(Second International) betrayed the working class. And this in spite of the
fact that many workers of the SPD joined the communists in fighting the
fascists. As regards the betrayal of the SPD leaders, the author provides
overwhelming evidence, completely undoing the often-disseminated lie of the
guilt of KPD's "dogmatism-sectarianism."
Chapter
2, "Hitler and Capital. The Real Millions Behind Hitler," provides
a wealth of detail on how Hitler and his associates progressed in their
secretive meetings with representatives of the big capital from various parts
of Germany. Meetings in which Hitler, having as advisers large tycoons,
members of the NSDAP, helped him to prepare the discourse explaining the
benefits of the Nazi-fascist solution. This was the demagogic solution of
"national socialism", which was nothing more than to forcefully
harness the proletariat to the monopoly cart, to tie the proletariat to the
"noble" "national" cause conducted by the
"elites" of invading and enslaving other peoples.
Chapter 2 also provides very interesting details on how publications for
intellectuals prepared by the monopolies -- such as, the European Journal prepared by IG-Farben's servants -- subtly
spread the message, not only to Germans but also to foreign intellectuals, of
the great benefits of a strong Germany with a European vision. In reading
these passages the reader should ponder on the concentration of economic and
military powers in the representatives of the strong states of the EU --
Germany and France --, in the EC -- dominated by the European monopolies --,
also untruthfully presented as beneficial to a united and “social” Europe.
Chapter
3, "Working class and fascism. The Socialism of the Steel Barons"
convincingly demonstrates how the German working class never bent to fascism.
And also that the construction of a nationalist workers’ party was proved in
practice to have failed. The author describes how in 1922 Hitler, in a letter
to entrepreneurs, "showed that he understood perfectly well what was
important to the forces of the ruling class": the extermination of
Marxism. Despite propaganda and, as he said in his letter, to be the NSDAP
"a strong organization, with unscrupulous and brutal determination",
he failed to achieve that. The enrollment of workers into the NSDAP was weak
-- the author presents figures on this and also looks at how the NSDAP cells
in the enterprises were terrorist and espionage organizations serving the
capitalists. "The Nazi party became a mass party not as a "national
workers party" but as an imperialist party whose supporters were
essentially petty bourgeois," but it would be wrong to regard the
Fascist party as having been created "originally as a party of a
radicalized petty bourgeoisie against the labor movement and big capital.”
In Chapter 4, "The Impeachment of the Braun-Severing Government. The
Socialist Party in the line of sight ", the author, quoting Georgi
Dimitrov -- "Before the establishment of the fascist dictatorship,
bourgeois governments generally go through a series of preparatory stages and
take a series of reactionary measures, directly contributing to the rise of
the fascism" --, shows how step by step the bourgeois government of the
SPD went on adopting reactionary measures against the workers. Te author
looks closely at how this step-by-step journey of the SPD hand in hand with
the reaction led to the complacent self-dismissal (!) of the Braun-Severing
SPD government in Prussia, which was then replaced by the Nazis. A chapter
full of lessons on what can mean today the step by step journey of
"socialist" leaders hand in hand with the reaction, that is, hand
in hand with the representatives of the monopolies.
Chapter
5, "Origins and Variants of Fascism. Fascism, Dictatorship, and
Parliamentary Democracy," begins by presenting Hilferding’s and Lenin's
analyzes of monopoly capital and imperialism. Analyzes that show, as the
author says, that "once born, the monopoly tends to autocracy, not only
in the economic domain but also in the political domain", following this
by an explanation of why this trend is a result stemming from an objective
necessity. This tendency is especially strong in financial capital, which is
the cornerstone of imperialism. The author ends by analyzing variants of
fascism of Central and Eastern Europe.
Chapter 6, "The Politics of the Nazis in the Balkans through the
European Journal. The expansion to the East, yesterday and ... today?"
presents further details of the Nazi messages transmitted by the European
Journal, analyzing the Nazi appetites for dominance of the Balkans, appetites
that the German monopolies maintain and in fact have largely concretized
today. Just consider the role of Germany in the fascist coup of Maidan in
Ukraine and the German economic dominance in Greece, Romania and Bulgaria.
The
book has a Preface of very good quality, written by Jorge Cadima. It begins
this way: "This set of texts by Kurt Gossweiler on the rise of the most
terrible and violent form of capitalist domination that history registers is
important. Not only to counteract forgetfulness [...] But above all because
we are witnessing today a blatant and shameless attempt to rewrite and
falsify the historical truth about fascism."
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