terça-feira, 2 de junho de 2015

Programas PS e PSD/CDS: a mesma coisa e mais do mesmo

Os programas do PS e do PSD/CDS -- para o governo a sair das próximas eleições legislativas – são praticamente iguais e representam a continuidade das políticas de «austeridade» para os trabalhadores e povo comum, em favor do grande capital.
    
    Ao contrário do que António Costa e outros do PS têm anunciado, e tem sido martelado na cabeça dos portugueses pelos meios de comunicação social, não há qualquer diferença substantiva entre os programas do PS e do PSD/CDS.
   Passemos à demonstração desta afirmação, tomando como fonte os próprios programas do PSD/CDS -- «Programas Nacional de Reformas e de Estabilidade 2015-2019» -- e do PS -- «Uma década para Portugal», cujo conteúdo económico é da autoria de um grupo de 12 economistas do PS. Usaremos dados quantitativos das previsões dos dois programas divulgados nos artigos [1-3], cuja leitura recomendamos. (Note-se que para o cidadão comum estes dados quantitativos não são fáceis de obter.)
     
a) Crescimento económico
    As previsões da variação anual real do PIB, dos programas do PSD/CDS e PS, são as da tabela I. A diferença entre os dois programas é mínima e praticamente sem significado na diminuição da dívida pública (ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2015/05/portugal-ponto-da-situacao.html ).
     
Tabela I. Previsões da variação anual real do PIB.

2015
2016
2017
2018
2019
Média dos 5 anos
PSD/CDS
1,6%
2,0%
2,4%
2,5%
2,4%
2,2%
PS
1,6%
2,4%
3,1%
2,6%
2,3%
2,4%

b) Investimento
    
Tabela II. Previsões da variação anual da formação bruta de capital fixo (FBCF).

2015
2016
2017
2018
2019
Média dos 5 anos

FBCF Total
PSD/CDS
3,8%
4,4%
4,9%
4,9%
4,0%
4,4%
PS
2,9%
7,8%
8,4%
4,7%
4,4%
5,6%

FBCF do sector público
PSD/CDS
2,30%
2,20%
2,20%
2,30%
2,20%
2,2%
PS
1,90%
2,90%
3,00%
2,80%
2,60%
2,6%
     
    As previsões do PS para 2016 e 2017 da FBCF total parecem claramente inflacionadas, tendo em conta a revisão em baixa do investimento empresarial para 2014 (1% e não, como se esperava, de 2,4%) e a previsão de queda para 2015 com variação nominal de -2,2% [4]. Como é que, de um decair sistemático da FBCF desde 2008 (ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/10/capitalismo-de-mal-pior-ii.html ) e respectiva previsão negativa para 2015, se vai dar o salto para os níveis de 4,4% do PSD/CDS ou os mais espantosos 7,8% do PS, é coisa difícil de entender.
    As previsões da FBCF para o sector público do PSD/CDS e PS são semelhantes. As médias dos últimos 5 anos pouco diferem e são bastante baixas (conforme se refere em [1] a taxa média em 2009/20013 foi de 3,9% e a taxa média da UE em 2014 foi de 2,9%).
     
c) Remuneração do trabalho
     
Tabela IV. Previsões da variação anual da remuneração média do trabalhador.

2015
2016
2017
2018
2019
Média dos 5 anos
PSD/CDS
0,6%
1,0%
1,3%
1,5%
1,5%
1,2%
PS
0,7%
0,0%
-0,1%
-0,4%
0,6%
0,2%

    Ambos os programas prevêem subidas sem significado.
    Além disso, o programa do PS prevê uma redução média dos custos unitários do trabalho (CUT) de -0,8 %/ano. (O programa do PSD-CDS não contém essa previsão.) Isto é, o PS permanece na lógica de diminuir os custos do trabalho face aos custos do capital. Lógica que vem de longe (ver o que dissemos sobre o assunto na secção V de http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/03/belmiro-e-o-mito-dos-trabalhadores_30.html ).
    Lembremos que os CUT incluem, para além do salário, as contribuições destinadas à Segurança Social (pensões, subsídios de desemprego, etc.) Uma dessas contribuições é a Taxa Social Única (TSU), paga pelas empresas (está agora em 23,75% do salário) e pelos trabalhadores (11% do salário).  O PS defende a redução da TSU das empresas e dos trabalhadores, com o argumento de que tal contribuiria, respectivamente, para eliminar o trabalho precário e aumentar o rendimento dos trabalhadores, logo o consumo. Contas feitas [1] o Regime Geral da Segurança Social sofreria com isso um rombo de 420 M€ (M€=milhão de euros) em 2016 e de 1.800 M€ em 2018. Conforme é dito em [1], tal medida «aumentaria os lucros das empresas à custa da descapitalização da Segurança Social».
    Quanto à redução da TSU sobre o trabalho, também em [1] é proposta uma muito melhor alternativa: a eliminação da sobretaxa de IRS. Contudo, o PS defende a manutenção da sobretaxa de IRS e, de uma forma geral, a injustiça fiscal sobre os trabalhadores.
     
d) Consumo público
    
    Ambos os programas concordam na estagnação com tendência de decrescimento do consumo público, isto é no consumo de bens e serviços necessários à actividade da Administração Pública.

Tabela V. Previsões da variação anual do consumo público.

2015
2016
2017
2018
2019
Média dos 5 anos
PSD/CDS
-0,70%
0,10%
0,10%
0,20%
0,20%
-0,0%
PS
-0,30%
-0,40%
-0,10%
-0,10%
-0,20%
-0,2%

e) Consumo privado
        
    Ambas os programas concordam praticamente nos mesmos valores de crescimento do consumo privado (famílias e empresas privadas). Quanto ao consumo das famílias é difícil crer que mesmo estes baixos valores se concretizem, dado o que vimos em c). O aumento de consumo das empresas está dependente da FBCF.
     
Tabela VI. Previsões da variação anual do consumo privado.

2015
2016
2017
2018
2019
Média dos 5 anos
PSD/CDS
1,90%
1,90%
2,10%
2,10%
2,10%
2,0%
PS
1,80%
2,00%
3,10%
2,60%
2,30%
2,4%
     
f) Criação de emprego e taxa de desemprego
     
Tabela VII. Previsões da taxa anual de desemprego.

2015
2016
2017
2018
2019
Média dos 5 anos
PSD/CDS
13,2%
12,7%
12,1%
11,6%
11,1%
12,1%
PS
13,6%
12,2%
10,2%
8,6%
7,4%
10,4%
     
    Ambas as previsões parecem bastante optimistas, tendo em conta os baixos valores da FBCF e do consumo. Além disso, conforme é referido em [1], não se entende a previsão optimista do PS para a taxa de desemprego em 2019 (3,7% menor que a do PSD/CDS) – e também em 2018 (3% menor) – dado que, quanto ao crescimento económico, a previsão do PS é apenas 0,2% maior.
    Para além disso, há estudos que mostram que só com uma taxa de crescimento anual do PIB acima de 2,7% (e os economistas do PSD-CDS e do PS conhecem isso) seria possível não aumentar o desemprego[6]. Não é com taxas de crescimento médias do PIB de 2,2% ou 2,4% que a situação de desemprego irá melhorar substantivamente.
     
 g) Outros indicadores
    
    As despesas com prestações sociais são semelhantes e diminuem nos dois programas (em percentagem do PIB, de 19,4% para 18,3% no programa PSD/CDS e de 19,8% para 17,8% no programa do PS). Semelhança e diminuição também nas despesas com pessoal (de 11,1% para 9,9% no programa PSD-CDS e de 11,1% para 9,8% no programa PS) o que sugere o aumento de despedimentos na função pública.
    Os valores também são semelhantes no que se refere ao saldo orçamental (PPD/CDS mais optimista, 0,2% em 2019 contra -1% do PS) e à dívida pública (PPD/CDS mais optimista, 107,1% em 2019 contra 117,6% do PS).
    Ambos, PSD/CDS e PS, apostam num aumento exportações para o aumento do crescimento económico, com máximos de taxa de crescimento anual das exportações de 6% (PSD/CDS) e 6,3% (PS).  (Em 2015, as previsões são, respectivamente, de 4,8% e 5%.) Já vimos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2015/05/portugal-ponto-da-situacao.html as grandes limitações de tal aposta.
    Quanto às privatizações, o PS apenas diz ser necessário reavaliar o método a seguir nas privatizações. Propõe-se, portanto, manter e continuar com as privatizações; só coloca a questão do «método» a seguir nas próximas.
     
h) Leis laborais
     
    Embora o PS proponha a redução da TSU das empresas, alegadamente para eliminar o trabalho precário, não tem, por outro lado, o menor escrúpulo em atacar essa mesma precariedade no que diz respeito à contratação do trabalho. De facto, o grupo dos 12 do PS propôs «a regulamentação do mercado de trabalho de forma a facilitar o ajustamento do emprego às condições económicas das empresas». E que «regulamentação» é essa que o PS acha necessária? É acabar com «as diferenças processuais entre contratos a prazo e contratos permanentes», passando a haver um «contrato único» com direitos reduzidos e que permita às entidades patronais despedir trabalhadores alegando razões económicas.
    Na actual proposta do PS o «contrato único» passou a ser denominado «contrato para a equidade laboral» -- soa melhor, não soa? – assim formulado: «Propõe-se ainda complementar a actual legislação de cessação de contratos de trabalho [portanto, de despedimentos] com um novo regime conciliatório e voluntário em que as empresas podem iniciar um procedimento conciliatório, em condições equiparadas às do despedimento colectivo, englobando ainda os motivos de razão económica (de mercado, estruturais e tecnológicas) que tenham posto em causa a sobrevivência do emprego». Este texto é incrível! É um exemplo acabado do jesuitismo do PS. No fundo, diz que os patrões podem despedir quem quiserem e sempre que quiserem. Só que o PS tem de mascarar as suas reais intenções para não perder a sua pose de «esquerda». Assim, insinua que o despedimento só ocorrerá por via conciliatória ou voluntária, como por exemplo se um trabalhador se quiser despedir «voluntariamente» para aumentar a viabilidade económica do empresa, tipo sacrifício e altruísmo a favor dos patrões, por constatar que a «sobrevivência» do seu emprego por «motivos de razão económica» está posta em causa. «Motivos» que nada têm a ver com os lucros. Não. São «motivos» que ocorrem como as pragas do Egipto, sem a «motivação» dos patrões ter algo a ver com isso. O despedimento ocorrerá em condições «equiparadas» às do despedimento colectivo. Vêem? O PS não está a dizer nada que já não exista. Só que a equiparação, afinal, não é bem equiparação, dado que engloba «ainda os motivos de razão económica». Mas, fora os motivos delituosos, haverá outros motivos para os patrões despedirem sempre que quiserem que não sejam «económicos»? Aqui, porém, o capitalista é figura invisível, dado que – já vimos -- os motivos do despedimento nada têm a ver com lucros; são simplesmente uns meros motivos de mercado, estruturais e tecnológicos, que na óptica PS devem preocupar da mesma forma patrões e trabalhadores.
    Não contentes com a total submissão aos interesses dos capitalistas, o PS ainda por cima advoga medidas que iriam diminuir as indemnizações por despedimentos[1].
     
i) Outras convergências PSD/CDS - PS
     
PSD/CDS e PS também convergem na abdicação da produção nacional, na recusa de renegociar a dívida, e na submissão a todos os ditames da UE, BCE, e instituições da troika.
    
*    *    *
Um documento do PCP, lido por Jerónimo de Sousa a 27/4 em conferência de imprensa [7], faz uma excelente análise política dos programas do PSD/CDS e PS. Nele se diz, nomeadamente:
    
«Estes programas do PS, PSD e CDS, são produtos das mesmas opções políticas e económicas determinadas pela mesma subordinação aos interesses dos grupos económicos e dos centros do capital financeiro, que têm justificado o saque dos recursos nacionais que, de PEC em PEC até ao Pacto de Agressão, têm unido PS, PSD e CDS.
Estes programas, são instrumentos desse mesmo objectivo, com esta ou aquela diferença de ritmo ou intensidade, com esta ou aquela medida acessória para disfarçar o essencial, de amarrar o País à dependência e condenar os trabalhadores e o povo ao empobrecimento e ao retrocesso social.»
     
Sempre qualificámos o PS como um partido da direita, expondo as razões de tal qualificação em inúmeros artigos deste blog (ver definição de direita e esquerda em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/01/direita-e-esquerda.html ; ver também http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/04/congresso-do-ps-o-mesmo-rumo.html) e com montanhas de dados e factos. Dissemos ainda que o PS era o Plano B da grande burguesia. O Plano A (PSD/CDS) e o Plano B têm-se alternado no Poder, com casamentos de permeio, de acordo com os resultados eleitorais mostrados no gráfico abaixo.
    
Resultados das eleições para a AR, de 1976 a 2011, do PSD/CDS (soma dos votos ou votação na AD em 1979 e 1980) e do PS (FRS em 1980). Em 1985, na véspera da entrada de Portugal na CEE, o PRD retirou aos partidos do «arco da governação» cerca de 17% dos votos. Em 1987 a retirada de votos pelo PRD foi menor, cerca de 4%. Isto é, com correcção dos votos retirados pelo PRD, o total de votos PSD-CDS-PS (curva a preto) corresponderia aproximadamente a interpolar entre os valores de 1983 e 1991. Notar a alternância no poder. O PS constituiu governo 6 veses e o PSD/CDS 7 vezes [8]. O PS já governou com o CDS (1978-79) e com o PSD (1983-85).
     
    A máquina dos meios de comunicação social tem estado devidamente oleada ao serviço do ludíbrio do PS como verdadeira alternativa ao PSD/CDS.
   Está também em curso uma inicativa de restrição às liberdades democráticas, com a alteração da lei de cobertura jornalística das televisões que, a pretexto de uma pretensa «liberdade editorial», as deixaria fazerem o que quisessem[8]; isto é, serem apenas porta-vozes do PSD/CDS e PS, como praticamente fazem na programação corrente, silenciando os incómodos PCP e (em grau menor) BE. Esta «liberdade editorial» é de há muito um objectivo da direita. Cavaco Silva, pronunciou-se sobre a lei de cobertura jornalística desta forma: «Penso que em Portugal é a lei mais anacrónica que existe. Quando fui primeiro-ministro, encontrei uma lei anacrónica, que era a lei da reforma agrária, e mudei-a». Tudo que cheire a «25 de Abril» é anacrónico para Cavaco. No reino do capital, liberdades só para o capital.
    É muito provável que o Plano B ganhe as eleições. Se não tiver maioria absoluta poder-se-á talvez assistir a um casamento entre os dois Planos. Repetindo o que já dissemos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/04/congresso-do-ps-o-mesmo-rumo.html, uma coisa é certa: vão ser mais quatro anos perdidos.
     
Referências
[1] Eugénio Rosa, O Programa do Governo PSD/CDS e o Programa Grupo de Economistas do PS Não São Tão Diferentes como os Media Pretendem Fazer Crer, 29/4/2015, http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2015/16-2015-ps-psd-cds.pdf
[2] Eugénio Rosa, O Mito da Redução da “TSU” para Eliminar o Trabalho Precário e um Novo Contrato de Trabalho para Facilitar o Despedimento Individual, 16/5/2015, http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2015/19-2015-tsuprecarios.pdf
[3] Agostinho Lopes et al., Proposta do PS: Mais uma Década de atraso para Portugal ou mais!, “Avante!”, 30/4/2015.
[4] INE, Revisão em baixa do investimento empresarial em 2014. Expetativas de redução do investimento em 2015, Destaque de 30/1/2015.
[5] INE, Quadro B.1.4 - Formação bruta de capital fixo (P.51G) por setor institucional.
[6] Existe uma lei empírica do actual sistema capitalista – lei de Okun -- que prevê que, para taxas de desemprego de 3% a 7,5%, o PIB deverá crescer da ordem de 3% para o desemprego cair 1%. Segundo um estudo citado em [1] os cálculos para Portugal mostram que só para uma taxa de crescimento do PIB acima de 2,7% é que não aumenta o desemprego.
[7] A situação e as soluções para o País - Basta de exploração, empobrecimento e declínio nacional, Conferência de Imprensa, 27/4/2015, http://www.pcp.pt/situacao-solucoes-para-pais-basta-de-exploracao-empobrecimento-declinio-nacional
[8] Resultados das eleições para a AR. A verde, o partido vencedor (no caso PSD/CDS, um deles ou a AD).
   

1976
1979
1980
1983
1985
1987
1991
1995
1999
2002
2005
2009
2011
PS (*)
34.89%
27.33%
26.65%
36.11%
20.77%
22.24%
29.13%
43.76%
44.06%
37.79%
45.03%
36.56%
28.05%
PSD/CDS(**)
40.33%
42.52%
44.91%
39.80%
29.87%
50.22%
55.03%
43.17%
40.66%
46.51%
36.01%
39.54%
50.37%
PRD




17.92%
4.91%







(*)                     FRS-Frente Republicana e Socialista, em 1980
(**)                   AD em 1979 e 1980
    

[9] A polémica em torno da cobertura das eleições surgiu nas autárquicas de 2013, quando a CNE impôs aos órgãos de comunicação social a garantia de «um tratamento igual e não discriminatório a todas as candidaturas», levando a um boicote das televisões à cobertura tradicional da campanha por infracção à «liberdade editorial». Dos «editores» do PSD/CDS e PS, naturalmente.