terça-feira, 3 de junho de 2014

A história ignominiosa do PS: de Abril a Dezembro de 1974

   Iniciamos com o presente artigo a exposição da história ignominiosa do PS desde o 25 de Abril de 1974 até aos dias de hoje.
   Exposição baseada nas declarações e acções políticas dos dirigentes socialistas (isto é, auto-intitulados socialistas) e seus representantes governamentais, que recolhemos do Jornal de Notícias (JN), complementadas, quando achámos necessário, por recolhas do Diário de Lisboa (DL). O JN foi sempre um jornal de grande tiragem a nível nacional, quase sempre o de maior tiragem. Não se pode, por conseguinte, contrapor ao que expomos que o JN era apenas do conhecimento de um público reduzido. Por outro lado, é bem conhecida a simpatia do JN no sentido do PS e seus aliados. Por sua vez, o DL foi o vespertino de maior tiragem; embora mais à esquerda que o JN o DL é insuspeito de distorções de notícias relativas ao PS; é sintomático que a Fundação Mário Soares o tenha digitalizado e disponibilizado no seu portal.
   Ignomínia significa aqui: embuste premeditado, sistemático e em grande escala do povo trabalhador português, efectuado ao serviço do capitalismo monopolista e latifundiário. Embuste em que o PS pretende fazer crer que é socialista e que as suas políticas são socialistas. Na realidade, porém, o PS nunca implementou uma única medida socialista. Podem-se, apenas, apontar e justamente realçar duas medidas sociais avançadas da autoria de membros do PS: o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de António Arnaut de 1978, (entretanto, fortemente desmantelado sem culpa do autor e por ele mesmo denunciado) e o Rendimento Social de Inserção (RSI) de Ferro Rodrigues, em 1996. Estas medidas sociais avançadas, progressistas, não se podem, contudo, qualificar como socialistas. O SNS de Arnault seguia o figurino típico dos países capitalistas da CEE; de alcance social bem mais modesto do que o dos países socialistas. O RSI é a solução filantrópica do capitalismo de «Estado Social», dependente da boa vontade da elite do grande capital; não existe nos países socialistas pela razão evidente de que neles a taxa de desemprego é praticamente nula e dispõem de outros mecanismos de apoio social.
   Na história ignominiosa do PS três realidades saltam à vista e são bem documentáveis como iremos ver: 1) o PS foi o principal protagonista no desmantelamento de todas as medidas de cunho socialista do 25 de Abril (reforma agrária, nacionalizações, intervenções estatais, controlo operário, participação dos trabalhadores nos órgãos editoriais dos meios de comunicação, etc.), muitas vezes com atropelo da legislação e com recurso à intimidação, à manipulação e à violência; 2) uma vez completado esse desmantelamento o PS nunca mais teve hesitações ou rebates de consciência em erigir como prioritária a defesa dos interesses do capital contra os interesses dos trabalhadores; 3) o PS sempre recusou alianças ou entendimentos governamentais com forças políticas à sua esquerda, mas aceitou, sim, entendimentos ou coligações com a direita, inaugurando tal postura logo em 1977 ao coligar-se com o CDS no governo. Na liquidação de medidas socialistas e no atendimento dos interesses do capital a Direita – PPD/PSD, CDS, PPM, governos de «independentes» --, praticamente limitou-se a aprofundar o caminho já aberto pelo PS.
   Dominado pela pequena burguesia urbana (juristas, médicos, engenheiros, pequenos empresários, quadros técnicos, etc.) o PS é, objectivamente, na sua prática concreta, um partido de direita com um palavreado camaleónico, polvilhado aqui e além de ligeiros «tons» de esquerda, que usa no controlo ideológico das suas bases proletárias e nas campanhas eleitorais. A influência do PS no engano dos trabalhadores, no atraso da sua consciência de classe, é monumental; sem qualquer comparação com a influência dos partidos claramente de direita (PSD, CDS-PP, etc.), dominados pelos interesses da grande burguesia, que não se afirmam como «socialistas» e têm um outro público-alvo, mobilizável pela demagogia populista: o campesinato, a pequena burguesia comercial e industrial, camadas da população envelhecidas, despolitizadas e/ou submissas ao clero (não é por acaso que Portas nunca se esquece de visitar lares de velhinhas). (Em termos gerais a composição social dos votantes dos partidos infere-se com relativa facilidade a partir dos resultados eleitorais por concelhos e freguesias.)
   Poder-se-á objectar que a atitude política do PS não difere da de outros partidos sociais-democratas, da Europa e de outras partes do mundo. Sem dúvida. De facto, são raros os partidos da Segunda Internacional que não se cobriram de opróbio. Acontece, porém, que em Portugal a caracterização exacta do PS, do seu papel histórico na luta de classes, está praticamente por fazer. Essa falta de caracterização tem permitido ao PS continuar a afirmar-se «de esquerda». O próprio PCP, ao defender em determinada época a ideia de «maioria de esquerda», contribuiu para alimentar essa ilusão. Curiosamente, os partidos da área do BE que na altura tanto combatiam a «maioria de esquerda» são agora os maiores defensores, aberta ou encapotadamente, da ilusão de «trazer o PS para a Esquerda». Ilusão que tem apenas ajudado a manter o status quo ano após ano; que tem apenas funcionado como factor de atraso no desenvolvimento das consciências, como travão de desenvolvimentos progressistas. A direita compreende isso muito bem.
Na nossa exposição não nos limitaremos à caracterização o PS. Fá-lo-emos enquadrando-a no pano de fundo sinteticamente esboçado da evolução histórica e das principais declarações e acções de outras forças políticas.

De Abril a Dezembro de 1974
A fase marxista do PS

   A 25 de Abril de 1974 o Movimento das Forças Armadas (MFA) desencadeia a acção libertadora da ditadura fascista. Apesar dos apelos à população para não sair de casa, enormes massas populares saem para as ruas, apoiam o MFA e conseguem transformar numa revolução o que poderia ser apenas um golpe militar -- não nos esqueçamos que a Junta de Salvação Nacional (JSN) de 7 elementos tinha uma larga maioria de elementos de direita (1) e extrema-direita (4), e era encabeçada pelo general Spínola, de extrema direita, e que o programa do MFA continha algumas obscuridades como, por exemplo, apenas a permissão de «formação de “associações políticas”, possíveis embriões de futuros partidos políticos».
   Pouco depois do 25 de Abril iniciam abertamente a sua actividade política, para além do PS, o MDP/CDE (representando o movimento democrático unitário de oposição ao fascismo) e o PCP (saído da clandestinidade). Rapidamente surgem muitos outros partidos.
   O Programa do MFA proclama: «a) Uma nova política económica, posta ao serviço do Povo Português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas, [...] o que necessariamente implicará uma estratégia antimonopolista» e «b) Uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras». As massas populares clamam por medidas socialistas, ainda que formuladas de forma simples, espontânea.
   Nestes oito meses iniciais da Revolução de Abril multiplicam-se as declarações socialistas e marxistas do PS. A razão é simples: era vital para o PS conquistar uma larga base de apoio proletária que de todo lhe faltava (o PS tinha-se formado na Alemanha e a actividade política em Portugal era quase nula). Como o camaleão, o PS tinha que vestir as cores do momento.

A 28 de Abril de 1974 Mário Soares pronuncia-se assim à sua chegada a Lisboa:
«É aos trabalhadores que compete organizar a democracia e pôr fim à guerra. Que a riqueza vá para os que trabalham e não para os parasitas.»
Mário Soares apelando a um Estado dos trabalhadores!

Maio
Notícia
Comentário
4/5: Willy Brandt promete o apoio de Bona a M. Soares.
Repare-se: não a Portugal mas a M. Soares. Já vimos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/05/o-financiamento-da-cia-ao-ps-documento.html  os laços do PS com o PSD alemão e suas ligações à CIA.
9/5: M Soares: «Se o general Spínola fosse a Inglaterra seria recebido em apoteose».
Os dirigentes do PS sempre gostaram muito de Spínola. O elemento de ligação com Spínola era Manuel Alegre.
10/5: Armando Bacelar numa das 1.ªs reuniões do PS: o PS «não é um partido de ortodoxias nem admite dogmatismos, aceitando como doutrina o marxismo. Não admite também o autoritarismo pois pretende assegurar ao povo a liberdade e a auto-gestão empresarial».
O PS marxista e auto-gestionário!

   Aproveitando a embalagem marxista do PS o recém-formado PPD também afirmava, camaleonicamente, nas suas Linhas Programáticas (itálicos nossos): «planificação e organização da economia com participação de todos os interessados, designadamente das classes trabalhadoras; predomínio do interesse público sobre o interesse privado; consideração do trabalhador como sujeito e não como objecto de qualquer actividade [...]». Para aqueles que não sabem e poderão pensar que o PPD é algum partido bolchevique: o PPD é o actual PSD.
   No início de Junho de 1974 até a SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, associação criada em 1970 durante a chamada Primavera Marcelista, é uma espécie de think-tank da grande burguesia liberal) afirmava: «a nossa concepção de socialismo tem por objectivo fundamental o desmantelamento de todos os mecanismos geradores da exploração -- do trabalho pelo capital ou pela burocracia [...] Pretende-se um socialismo construído em liberdade (o que exclui qualquer forma de totalitarismo) e, embora revolucionário (pois pressupõe modificações de estruturas) não assumindo a violência como forma de actuação necessária».
   Enfim, toda a burguesia a favor do socialismo! Um socialismo em liberdade (principalmente para os capitalistas, claro) mas... revolucionário à la SEDES!
   Nesta fase da revolução o clero católico, ainda em estado de choque, mostra retraimento e reserva.

Junho
Notícia
Comentário
27/6: Salgado Zenha: «o partido comunista, mesmo com o seu centralismo democrático, é um partido paternalista, enquanto o partido socialista admitindo correntes e divergências, é um partido fraternalista.»
Zenha e o PS das «correntes e divergências». Veremos mais tarde que a corrente que prevalece e que Zenha acarinha é não-laica e não-socialista.

   A Direita começa a achar que é tempo de pôr um travão no «socialismo». Spínola afirma a 13/6 que «chegou a hora de separar o trigo do joio» [o joio são os comunistas]; estabelece conversações com Nixon prometendo este último «um apoio fiel ao desafio português».
   O clero começa a movimentar-se. A 22/6 o bispo do Porto afirma que «a revolução faz-se nas almas»; isto é, é tempo de acabar com a Revolução concreta; que cada um recolha a penates e faça a revolução na cabeça. O bispo do Porto irá constantemente alternar declarações à direita e à «esquerda»... baixa. E o bispo do Porto representa a ala «esquerda» do clero! Dando continuidade a uma tradição histórica que remonta à fundação de Portugal, a Igreja portuguesa, como instituição, manter-se-á sempre alinhada com os interesses dos maiores opressores, dos maiores exploradores do povo. Até hoje. A «teologia» da Igreja portuguesa é o inverso absoluto da «teologia da libertação» da América Latina. Assistir-se-á, mais tarde, em particular, ao apoio do clero de Braga à rede bombista.

Julho
Notícia
Comentário
4/7: M. Soares em comício com Miterrand no Palácio de Cristal, Porto: «É dever dos socialistas acabar com a exploração do homem pelo homem».

Veremos mais tarde como Soares vai acabar com a «exploração do homem pelo homem» (frase marxista).
Miterrand oferece a Spínola uma obra sobre o socialismo. Desconhece-se onde Spínola a colocou. A SEDES é que não se engana com o «socialismo» de Miterrand. Envia um telegrama a solidarizar-se com o comício, afirmando: «a sua presença entre nós é um estímulo para todos os que como a SEDES estão empenhados na construção de um projecto socialista português».
19/7: M. Soares em Bona: «o que se passou [golpe Palma Carlos] foi uma nova tentativa de golpe provocada por alguns ministros do centro e pelo Primeiro-Ministro».
Responsabilizou também países estrangeiros por boicotes a Portugal.
Aqui M. Soares esteve razoavelmente bem.

   O golpe de direita, de Palma Carlos, falha (8/7). Sá Carneiro, o líder da direita do PPD, acha a atitude de Palma Carlos (demissão por não ver satisfeito o seu ultimato de direita) de «grande dignidade pessoal e política». A 20/7 Sá Carneiro afirma que o «PPD não é marxista; é a esquerda da direita [!]; nós aceitamos uma economia de mercado, mas com limites [...]», continuando a sua diatribe com o paleio de chacha típico deste personagem. Não esqueçamos que Sá Carneiro foi um deputado «liberal» da Assembleia Nacional fascista de Caetano. Ao arrepio de Sá Carneiro o PPD reclama a 6/7 a «nacionalização imediata dos bancos emissores, com representação do Estado e dos trabalhadores». Mas a 12/7 o PPD pronuncia-se «contra o surgimento de experiências de auto-gestão e co-gestão» e mostra outros sinais de «cansaço» com a Revolução: «há o risco do Poder de facto se sobrepor ao Poder de direito».
   O recém-formado CDS, pela voz de Freitas do Amaral a 25/7, também se mostra socializante (!): «vieram do centro esquerda outras importantes ideias-básicas como [...] o planeamento e a intervenção activa do Estado, o imposto acentuadamente progressivo, [...] a nacionalização de empresas não sujeitas a concorrência [...] a rápida progressão dos salários mais baixos [...]». Incrível para quem conhece agora o CDS, não é verdade?
   Enfim, perante as acções das massas populares nas ruas, nos sindicatos, nas empresas, nas comissões locais e de moradores, todos os sectores dirigentes da burguesia se vêem obrigados a vestir, com maior ou menor ardor, a capa «socialista». Tanto mais que os desejos das massas populares são apoiados pelos militares do MFA!
   Spínola, porém, começa a dar indicações à burguesia de que podem contar com ele para impor a «ordem». A 7/7 diz aos cadetes do exército: «encontra-se em jogo o futuro da nação». A 12/7 afirma no Alfeite que «a pátria [está] doente e em perigo». O «salvador» será ele.

Agosto
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Comentário
3/8. PS: «é urgente fortalecer a unidade dos trabalhadores.»
O PS esteve aqui bem. Na altura o patronato desencadeava vagas de despedimento com vista a desestabilizar a situação.
28/8. Cal Brandão: «É tarefa prioritária o saneamento das autarquias.»
Sem dúvida.

   Em Agosto a contra-revolução sobe de tom. O patronato desencadeia despedimentos em massa para alarmar a população e assediar o governo progressista de Vasco Gonçalves (com representantes do PS, PPD e PCP). Outras acções contra-revolucionárias no mesmo sentido: sabotagem na linha do Douro (desaparecem barretas de ligação dos carris entre Pala e Mosteirô; 6/8); motim dos pides na cadeia de Lisboa (9/8); confraternização fascista na quinta do Dr. Elmano Alves, ex-presidente da ANP (partido fascista) (9/8); greve na TAP (uma das muitas greves dos pilotos da TAP dinamizadas pelo MRPP; 28/8); Galvão de Melo, um dos fascistas da JSN, procura desculpar numa entrevista, a rebelião dos pides e dá a entender a necessidade de um serviço como a DGS, embora não nos mesmo moldes... mas não explica a diferença, só diz que a DGS estava mal porque tinha autoridade para prender, julgar e condenar (30/8).
   No plano económico o ataque da direita foi feito, inteligentemente, pelo MEDS-Movimento Dinamizador Empresa/Sociedade constituído em 22/8 por grandes empresários: António Champalimaud, José Manuel de Mello, Manuel Ricardo Espírito Santo, Mário Vinhas, José Carlos Mardel Correia, António Miranda, Mário Moreira, Paulo Valada, Ricardo Faria Blanc, João Morais Leitão, António de Melo Champalimaud, Luís Barbosa e António Guedes, dirigente da recém-criada CIP. Avistaram-se com Vasco Gonçalves propondo um investimento de 120 milhões de contos com a criação de 120 mil empregos. Era o agitar da cenoura de um «outro» capitalismo. Um agitar de cenoura onde não faltava mentira, demagogia e uma ameaça implícita. Diziam eles (entrevista em 24/8): «as forças económicas não foram sustentáculo do regime deposto [!!!]; o regime deposto foi o pilar de certo capitalismo; querem transformar o pronunciamento militar numa verdadeira revolução económica e social, caso contrário haverá outro pronunciamento militar».
   Entretanto, sob Vasco Gonçalves, são finalmente lançadas uma série de medidas progressistas: é iniciada a longa marcha da alfabetização (7/8) e a campanha «um dia de trabalho para a nação» (8/8); é promulgada a lei da greve e do lock-out (16/8); são estabelecidas condições de financiamento das PMEs (21/8); as casas vazias e terrenos incultos são sujeitos a impostos pesados (26/8); são instaurados 310 processos pela fiscalização económica (29/8); é instituído o direito de reunião, dispondo que as autoridades não podem assistir a actos que decorram em recintos fechados (26/8); são efectuados aumentos de ordenados da função pública, sendo que os acima de 20 contos são pagos a 50% com certificados de aforro (31/8).
   O PS mantém-se nesta fase a favor da revolução. É que uma acção contra-revolucionária neste momento ameaçaria, entre outras coisas, reduzir o PS ao punhado de intelectuais de há quatro meses atrás.

Setembro-Outubro
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19/9. M. Soares nos EUA: Portugal interessado no apoio do banco mundial.
M. Soares começa a revelar o seu pendor em economia.
26/9. «Atentado à ordem democrática» diz o PS acerca da «manifestação da maioria silenciosa» convocada para 28/9. Diz mais: «O PS repudia a insídia reaccionária e considera que se impõe não autorizar o evento.
O PS mantém-se nesta fase a favor da revolução (ver o que dissemos acima).
12/10. M. Soares: «existe uma aliança indestrutível entre o povo e as FA»
Idem.

   Enquanto muitos oficiais conotados com o regime fascista são passados compulsivamente à reserva, os operários enfrentam o patronato que recorre cada vez mais ao lock-out. A fuga de capitais é enorme. Spínola afirma que «descolonização autêntica exige ausência de ditaduras» (11/9) para pouco depois falar com o «democrata», não-ditador, Mobutu sobre descolonização (16/9).
   Spínola tem em vista o regresso a um regime de extrema-direita que, no que concerne à questão colonial, passa pela solução «federalista» de que é extremado patrono. A extrema-direita está em sintonia com Spínola e levanta a cabeça: formação do Partido Nacionalista que morre à nascença (19/9); formação e campanha activa (jornais próprios, volantes, etc.) do Partido Liberal e do Partido do Progresso.
   A Direita pensa que é chegada a hora. É montado o golpe da «maioria silenciosa». A 25/9 é convocada, por uma comissão de fascistas rurais (ligados aos touros do Ribatejo), uma «manifestação da maioria silenciosa»; na convocatória «afirmam que a desejada manifestação mais não visa do que o apoio à pureza do programa das Forças Armadas e ao general Spínola». No mesmo dia são libertados fascistas notórios no Norte (sob protesto dos trabalhadores do JN). A 26/9 é preso o piloto de uma avioneta que fazia propaganda da «maioria silenciosa». Partido Liberal, Partido do Progresso e Partido Popular Monárquico (PPM) manifestam apoio à projectada manifestação. São fretadas camionetas em todo o país. Só em Viseu são 200.
   A 28/9, pela madrugada, o golpe é desarticulado graças às massas populares, com colaboração de algumas forças armadas. São montadas inúmeras barreiras nas estradas (em particular nos acessos a Lisboa) que param carros, os revistam, detêm fascistas com propaganda reaccionária e com diverso armamento. Figuras ligadas ao regime fascista constam entre os muitos presos.
   Spínola renuncia ao cargo de Presidente a 1/10 com uma mensagem onde afirma «que cada português confie na força secreta do voto». Nisto, Spínola viu bem. Uma revolução que entrega o seu destino à mentalidade atrasada da maioria que pretende revolucionar, que entrega o futuro ao passado, comete suicídio. Assim veremos acontecer ao 25 de Abril. São demitidos os membros de extrema-direita da JSN: Galvão de Melo, Silvério Marques e Diogo Neto. São emitidos mandados de captura de fascistas implicados na intentona e detidos grupos de ex-legionários no centro do país (3/10). A 3/10 fica-se a saber que Spínola queria declarar o estado de sítio e que havia uma encomenda de 40.000 armas para os fascistas.
   A posição do PPD face à intentona é dúbia: «O País tem o direito de saber o que se passou [coitadinhos dos PPDs que não sabem de nada]» e, mais adiante, «não possuindo elementos que os habilitem a formular um juízo de valor sobre a grave decisão tomada pelo insigne militar, general Spínola [...]». Sente-se que um regime de extrema-direita encabeçado pelo «insigne militar» Spínola, sem comunistas na legalidade, não seria do desagrado do PPD. A 31/10 o PPD critica Mário Soares nestes termos: «[...] o PPD é, no mosaico da coligação [governamental] a única entidade com raízes mergulhadas numa social democracia, onde o socialismo e a democracia se fundem em perfeita harmonia sem se destruírem». Como quem diz: arreda para lá que para intrujar estes lorpas com social-democracia basta estarmos cá nós. Estão a ver porque é que o PS nesta fase não poderia abandonar a máscara socialista de defesa dos trabalhadores?
   Costa Gomes é o novo Presidente (2/10). O governo de Vasco Gonçalves avança com mais medidas progressistas: novo regulamento do arrendamento rural (9/10); projecto de lei da greve; BIP passa a ser controlado pelo Estado e é instaurado um rigoroso controlo nas fronteiras à fuga de capitais (15/10); são lançados projectos de construção de escolas, hospitais e auto-estradas (24/10); o ministro Costa Brás do PS defende um papel mais activo do povo nas administrações locais (25/10).

Novembro-Dezembro
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25/11. Salgado Zenha em campanha de esclarecimento: «o PS manterá a sua aliança com o MFA mesmo depois das eleições».
Muito bem. Veremos mais tarde o conteúdo concreto disto.
11/12. M. Soares e Salgado Zenha desmentem saída do governo.
Os reaccionários fartam-se de espalhar rumores nesta época. Também disseram que Vasco Gonçalves se ia demitir.
14/12. M Soares no Congresso do PS: «O nosso objectivo final é a destruição do capitalismo».
Soares (e Soares é o PS) continua marxista e marxista revolucionário: «destruição do capitalismo» diz ele. A contagem de militantes operários prossegue.
24/12. M. Soares ao Le Monde: «qualquer operação da CIA à chilena está fora de questão em Portugal».
Nem por isso, como se irá ver.
29/12. Comunicado do PS no final do Congresso: «O congresso foi a vitória da linha de inspiração marxista [...] recusa da social-democracia [...] partido inspirado no marxismo vivo e criador [...] não há vários partidos no partido [... PS é] o partido da revolução portuguesa».
Marxismo, marxismo, marxismo. Ah, grande PS!

   O PPD oscila entre posições de direita (linha Sá Carneiro) -- «é pelo voto e não pelas manifestações que se expressa a adesão do povo», «[Movimento dos 120 milhões] é uma atitude positiva do sector privado» (20/11) -- e posições de esquerda (linha Emídio Guerreiro, Magalhães Mota) -- «A nossa proposta é de um socialismo de rosto humano, livre e democrático, a realizar progressivamente dentro de um Estado de direito, a construir através de reformas radicais, sem subversões nem violências... O nosso desafio é a realização pela via social-democrática de um socialismo viável à luz das realidades portuguesas. E até, porque não, do imediatamente impossível, pois “é indubitável que ao longo de todo o seu curso a história confirma uma verdade: que o homem não teria conseguido o possível se não se tivesse abalançado repetidas vezes ao impossível”, Max Weber» (Comício no Porto em 25/11, onde o PPD solicitou inscrição na Internacional Socialista!). (Note-se, de passagem, que se trata aqui de uma tirada eclética, invocando o sociólogo idealista, pró-capitalista e anti-marxista Max Weber. Mas, quem dá por tal? O que interessa é fornecer um amontoado de frases e boas intenções, mesmo que contraditórias, fechadas por um laçarote de um nome estrangeiro bem sonante.)

   O desemprego está estabilizado (Costa Martins). A Assembleia do MFA (7/12) apoia medidas que visem uma estratégia antimonopolista e discute a 29/12 medidas contra a sabotagem económica. Administradores do BIP e da Torralta são presos por sabotagem económica (14/12) e cerca de mil senhorios rurais são enviados ao tribunal por desrespeito à lei do arrendamento rural (18/12). A reacção conspira em Paris, envolvendo os pides Rapazote e Barbieri (21/12).