domingo, 15 de junho de 2014

Nova receita neoliberal: drogas e prostituição

Os neoliberais que governam a União Europeia saíram-se agora com uma espantosa ideia: contabilizar nas contas nacionais dos países da UE, incluindo o PIB, as chorudas receitas da prostituição e da venda de drogas ([1])! Esta directiva da UE-Eurostat já está a ser posta em prática pela Inglaterra e a Itália. Segundo [2] o nosso INE – A Direita que tem governado Portugal nunca gosta de ficar atrás nestas coisas, antes cumpre-as obedientemente e à letra -- também já estará preparado para responder a este novo «desafio» da UE.
    Como se sabe o PIB (Produto Interno Bruto) é suposto medir a riqueza produzida num país e corresponde à soma de todos os bens e serviços produzidos durante um certo período de tempo (mês, trimestre, ano) ([3]). O PIB per capita é usado como um indicador do nível de vida de um país.
    É certo que no PIB (proposto por um economista americano em 1936 e adoptado pela administração Roosevelt a fim de melhor compreender a Grande Depressão Americana) são incluídas verbas anómalas como a produção de firmas estrangeiras e resultados de actividades especulativas financeiras, como os jogos com derivados (nos países socialistas usa(va)-se o PNB-Produto Nacional Bruto, que não inclui tais verbas). Mas é a primeira vez que se propõe esta coisa espantosa de incluir no PIB, na medida da riqueza produzida num país, as receitas de actividades ilegais que são exactamente o oposto do que se entende por nível de vida. Bom, pelos vistos os economistas neoliberais e seus representantes nos vários governos e «arcos de governação» da UE estão-se a marimbar para valores morais e de promoção da dignidade humana -- o aumento desenfreado da desigualdade social e os recentes amores por fascistas e neo-nazis claramente apontam nesse sentido -- pelo que já não nos espantaria muito vê-los a divulgar slogans como: «Vá às prostitutas! Contribua para a riqueza nacional!» ou «Venda drogas! O PIB agradece!».
    As receitas da prostituição e das drogas são estimadas com base em detenções e apreensões policiais, pelo menos nos países como Portugal em que estas actividades são ilegais; há países onde são parcialmente legais, logo as estimativas serão de melhor qualidade. Incidentalmente, isto criará uma fonte de erro na comparação de PIBs entre países. Por outro lado, para que a comparação temporal seja possível, será necessário que o Eurostat  disponibilize novas tabelas intituladas «prostituição e drogas» com as respectivas estimativas...
    Para Portugal a contabilização de tais receitas contribuirá, segundo os peritos ([2]), para um aumento de 2,5% do PIB. Eis, assim, realizado o milagre neoliberal do crescimento das economias europeias! Eis a salvação de Portugal da péssima imagem económica transmitida aos «mercados»; agora, sim, com um crescimento do PIB de 2,5%, ou mais, estamos no bom caminho. PSD, CDS e PS vão tocar as trombetas. Sucesso económico! A economia portuguesa salva pelas prostitutas e pelos traficantes de droga!
    Porquê esta novíssima invenção neoliberal? É que, de facto, nunca na história dos países da UE tinha demorado tantos anos a recuperar um crescimento económico depois de uma crise. A figura abaixo (construída com dados do Eurostat) mostra a taxa de variação do PIB da Alemanha, França, Holanda e da média (pesada) da UE. Em Dezembro de 2007 a explosão da bolha imobiliária americana propagou-se à Europa despoletando a explosão de bolhas de crédito fácil e de capital especulativo que tinham sido a resposta capitalista à descida da taxa de lucro nos sectores produtivos. O PIB decresce em 2008 e alcança o valor mais baixo em 2009, iniciando a recuperação em 2010. Contudo, em 2013, cinco anos depois do início da crise a taxa de crescimento do PIB da França situava-se em 0,2%, abaixo dos 2,3% no ano que precedeu a crise (2007). O decréscimo também se verificava na Holanda (respectivamente -0,8%, 3,9%), Alemanha (0,4%, 3,3%) e globalmente na UE (0,1%, 3,2%).


    A tabela abaixo mostra a situação geral, indicando a vermelho os valores abaixo da taxa de crescimento registada em 2007. Para Portugal a descida foi de 2,4% para -1,4%. Como se vê, depois de cinco anos do início da crise, nenhuma das economias da UE tinha recuperado o crescimento do PIB ao valor pré-crise. Os países da UE já passaram por várias crises («crise do petróleo» em 1975, «dot-com» em 2000, etc.). Nestas crises a recuperação do crescimento do PIB demorou um ano ou menos. A situação é agora bem diferente: nunca na história do pós-guerra dos países da UE se assistiu a uma crise económica tão prolongada, da qual ainda não se saiu.

País/Ano
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Áustria
3,7
1,4
-3,8
1,8
2,8
0,9
0,3
Bélgica
2,9
1,0
-2,8
2,3
1,8
-0,1
0,2
Bulgária
6,4
6,2
-5,5
0,4
1,8
0,6
0,9
Chipre
5,1
3,6
-1,9
1,3
0,4
-2,4
-5,4
Rep. Checa
5,7
3,1
-4,5
2,5
1,8
-1,0
-0,9
Dinamarca
1,6
-0,8
-5,7
1,4
1,1
-0,4
0,4
Estónia
7,5
-4,2
-14,1
2,6
9,6
3,9
0,8
Finlândia
5,3
0,3
-8,5
3,4
2,8
-1,0
-1,4
França
2,3
-0,1
-3,1
1,7
2,0
0,0
0,2
Alemanha
3,3
1,1
-5,1
4,0
3,3
0,7
0,4
Grécia
3,5
-0,2
-3,1
-4,9
-7,1
-7,0
-3,9
Irlanda
5,0
-2,2
-6,4
-1,1
2,2
0,2
-0,3
Itália
1,7
-1,2
-5,5
1,7
0,4
-2,4
-1,9
Letónia
10,0
-2,8
-17,7
-1,3
5,3
5,2
4,1
Lituânia
9,8
2,9
-14,8
1,6
6,0
3,7
3,3
Luxemburgo
6,6
-0,7
-5,6
3,1
1,9
-0,2
2,1
Malta
4,1
3,9
-2,8
4,2
1,5
0,8
2,6
Holanda
3,9
1,8
-3,7
1,5
0,9
-1,2
-0,8
Polónia
6,8
5,1
1,6
3,9
4,5
2,0
1,6
Portugal
2,4
0,0
-2,9
1,9
-1,3
-3,2
-1,4
Roménia
6,3
7,3
-6,6
-1,1
2,3
0,6
3,5
Eslováquia
10,5
5,8
-4,9
4,4
3,0
1,8
0,9
Eslovénia
7,0
3,4
-7,9
1,3
0,7
-2,5
-1,1
Espanha
3,5
0,9
-3,8
-0,2
0,1
-1,6
-1,2
Suécia
3,3
-0,6
-5,0
6,6
2,9
0,9
1,6
Reino Unido
3,4
-0,8
-5,2
1,7
1,1
0,3
1,7
UE (27)
3,2
0,4
-4,5
2,0
1,7
-0,4
0,1

    O decrescimento económico também se reflectiu, naturalmente, no PIB per capita (PIBpc). A tabela abaixo mostra os valores do PIBpc em 2012 e o ano anterior e mais próximo de 2012 em que o PIBpc de um país se situou mais perto do valor para 2012 ([4]). Os resultados são claros: em termos de «nível de vida» médio o recuo foi de vários anos, atingindo o impressionante recuo de 12 anos em Portugal e 14 anos na Itália. Só a Alemanha escapou: o seu PIBpc tem sempre aumentado. O que levanta de imediato a suspeita de quem tem lucrado com a crise e com os resgates da política de «austeridade». Além disso, o PIBpc, dado ser uma média, não conta a «história» toda; com a progressiva desigualdade social em todos estes países o recuo de nível de vida das camadas mais desfavorecidas da população é bem pior.


País
PIBpc (€) em 2012
Ano em que o PIBpc esteve mais próximo do de 2012
Respectivo valor (€)
Áustria
36.200
2008 (4 anos antes)
36.192
Bélgica
32.639
2006 (6 anos antes)
32.830
Chipre
23.452
2005 (7 anos antes)
24.408
Dinamarca
32.363
2004 (8 anos antes)
32.490
Finlândia
31.610
2006 (6 anos antes)
31.940
França
29.819
2006 (6 anos antes)
29.970
Alemanha
34.819
2012 (0 anos antes)
34.819
Grécia
20.922
2001 (11 anos antes)
21.107
Itália
26.310
1998 (14 anos antes)
26.374
Luxemburgo
65.736
2004 (8 anos antes)
65.882
Malta
23.204
2011 (1 ano antes)
23.192
Holanda
36.438
2006 (6 anos antes)
36.238
Portugal
21.032
2000 (12 anos antes)
21.155
Espanha
26.395
2003 (9 anos antes)
26.459
Suécia
34.945
2007 (5 anos antes)
34.782
Reino Unido
32.671
2004 (8 anos antes)
32.259
 



    Perante este cenário de descalabro económico do capitalismo europeu, e sem perspectivas credíveis à vista, os abencerragens da Comissão Europeia e de outras instituições de Bruxelas sentiram-se pressionados a mostrar aos povos da UE imagens mais optimistas, que mascarassem a realidade profunda. Usar com essa finalidade as receitas da prostituição e das drogas era o que estava mais à mão.
    Hoje em dia não é na produção de valor real que assenta o PIB da UE. É, sim, na produção de valor fictício (capital especulativo) e na distribuição de valor (comércio, movimentos de capitais). A prostituição e o tráfico de drogas são exemplos de distribuição de valor, a troco de serviços. Ilegais, é certo. Mas não deveriam ser também ilegais os jogos de casino dos bancos e firmas de investimento, em que se apostam biliões sacados aos trabalhadores? A ideia de «ilegalidade» é cada vez pior definida no capitalismo moderno. Tudo é legal, desde que dê lucro.
    Agora foram, de facto, legalizadas a prostituição e as drogas. Amanhã, a manter-se o declínio económico do capitalismo europeu, talvez passem a ser contabilizadas no PIB as receitas dos carteiristas. Ao fim e ao cabo, a actividade dos carteiristas é também uma distribuição de valor. E os maiores especialistas em carteirismo até já estão instalados nos órgãos de poder da UE e nos partidos dos «arcos de governação». Carteiristas e aspirantes a carteiristas.

[1] A notícia sobre a contabilização no PIB das receitas da prostituição e droga aparece em vários portais na Internet. Em Portugal foi noticiada no JN de 10/6 e no CM de 11/6 em notícia de primeira página sob o título «Prostituição rende 1,1 mil milhões de euros. Vai contar para o PIB mas não paga imposto».
[2] JN 12/6: «PIB vai crescer 2,5% com novas regras europeias».
[3] Na contabilização do PIB, considera-se apenas bens e serviços finais, excluindo todos os bens de consumo intermédio. Isso é feito com o intuito de evitar o problema da dupla contagem, quando valores gerados na cadeia de produção poderiam aparecer contados duas vezes na soma do PIB.
[4] Os dados são do Banco Mundial. Excluíram-se os antigos países socialistas da Europa de Leste, com estruturas económicas específicas e que só entraram recentemente na UE.