Como se sabe o PIB (Produto Interno Bruto) é
suposto medir a riqueza produzida num país e corresponde à soma de todos os
bens e serviços produzidos durante um certo período de tempo (mês, trimestre,
ano) ([3]). O PIB per capita é usado como um indicador do nível de vida
de um país.
É certo que no PIB (proposto por um economista
americano em 1936 e adoptado pela administração Roosevelt a fim de melhor
compreender a Grande Depressão Americana) são incluídas verbas anómalas como a
produção de firmas estrangeiras e resultados de actividades especulativas
financeiras, como os jogos com derivados (nos países socialistas usa(va)-se o
PNB-Produto Nacional Bruto, que não inclui tais verbas). Mas é a primeira vez
que se propõe esta coisa espantosa de incluir no PIB, na medida da riqueza produzida num país, as receitas de
actividades ilegais que são exactamente o oposto do que se entende por nível
de vida. Bom, pelos vistos os economistas neoliberais e seus representantes
nos vários governos e «arcos de governação» da UE estão-se a marimbar para
valores morais e de promoção da dignidade humana -- o aumento desenfreado da
desigualdade social e os recentes amores por fascistas e neo-nazis claramente
apontam nesse sentido -- pelo que já não nos espantaria muito vê-los a divulgar
slogans como: «Vá às prostitutas! Contribua para a riqueza nacional!» ou «Venda
drogas! O PIB agradece!».
As receitas da prostituição e das drogas são
estimadas com base em detenções e apreensões policiais, pelo menos nos países
como Portugal em que estas actividades são ilegais; há países onde são
parcialmente legais, logo as estimativas serão de melhor qualidade.
Incidentalmente, isto criará uma fonte de erro na comparação de PIBs entre
países. Por outro lado, para que a comparação temporal seja possível, será necessário
que o Eurostat disponibilize novas
tabelas intituladas «prostituição e drogas» com as respectivas estimativas...
Para Portugal a contabilização de tais
receitas contribuirá, segundo os peritos ([2]), para um aumento de 2,5% do PIB.
Eis, assim, realizado o milagre neoliberal do crescimento das economias
europeias! Eis a salvação de Portugal da péssima imagem económica transmitida
aos «mercados»; agora, sim, com um crescimento do PIB de 2,5%, ou mais, estamos
no bom caminho. PSD, CDS e PS vão tocar as trombetas. Sucesso económico! A economia portuguesa salva pelas
prostitutas e pelos traficantes de droga!
Porquê esta novíssima invenção neoliberal? É
que, de facto, nunca na história dos países da UE tinha demorado tantos
anos a recuperar um crescimento económico depois de uma crise. A figura abaixo
(construída com dados do Eurostat) mostra a taxa de variação do PIB da
Alemanha, França, Holanda e da média (pesada) da UE. Em Dezembro de 2007 a
explosão da bolha imobiliária americana propagou-se à Europa despoletando a
explosão de bolhas de crédito fácil e de capital especulativo que tinham sido a
resposta capitalista à descida da taxa de lucro nos sectores produtivos. O PIB
decresce em 2008 e alcança o valor mais baixo em 2009, iniciando a recuperação
em 2010. Contudo, em 2013, cinco anos depois do início da crise a taxa
de crescimento do PIB da França situava-se em 0,2%, abaixo dos 2,3% no ano que
precedeu a crise (2007). O decréscimo também se verificava na Holanda
(respectivamente -0,8%, 3,9%), Alemanha (0,4%, 3,3%) e globalmente na UE (0,1%,
3,2%).
A tabela abaixo mostra a situação geral,
indicando a vermelho os valores abaixo da taxa de crescimento registada em
2007. Para Portugal a descida foi de 2,4% para -1,4%. Como se vê, depois de
cinco anos do início da crise, nenhuma das economias da UE tinha recuperado o
crescimento do PIB ao valor pré-crise. Os países da UE já passaram por
várias crises («crise do petróleo» em 1975, «dot-com» em 2000, etc.). Nestas
crises a recuperação do crescimento do PIB demorou um ano ou menos. A situação
é agora bem diferente: nunca na história do pós-guerra dos países da UE se
assistiu a uma crise económica tão prolongada, da qual ainda não se saiu.
País/Ano
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
Áustria
|
3,7
|
1,4
|
-3,8
|
1,8
|
2,8
|
0,9
|
0,3
|
Bélgica
|
2,9
|
1,0
|
-2,8
|
2,3
|
1,8
|
-0,1
|
0,2
|
Bulgária
|
6,4
|
6,2
|
-5,5
|
0,4
|
1,8
|
0,6
|
0,9
|
Chipre
|
5,1
|
3,6
|
-1,9
|
1,3
|
0,4
|
-2,4
|
-5,4
|
Rep. Checa
|
5,7
|
3,1
|
-4,5
|
2,5
|
1,8
|
-1,0
|
-0,9
|
Dinamarca
|
1,6
|
-0,8
|
-5,7
|
1,4
|
1,1
|
-0,4
|
0,4
|
Estónia
|
7,5
|
-4,2
|
-14,1
|
2,6
|
9,6
|
3,9
|
0,8
|
Finlândia
|
5,3
|
0,3
|
-8,5
|
3,4
|
2,8
|
-1,0
|
-1,4
|
França
|
2,3
|
-0,1
|
-3,1
|
1,7
|
2,0
|
0,0
|
0,2
|
Alemanha
|
3,3
|
1,1
|
-5,1
|
4,0
|
3,3
|
0,7
|
0,4
|
Grécia
|
3,5
|
-0,2
|
-3,1
|
-4,9
|
-7,1
|
-7,0
|
-3,9
|
Irlanda
|
5,0
|
-2,2
|
-6,4
|
-1,1
|
2,2
|
0,2
|
-0,3
|
Itália
|
1,7
|
-1,2
|
-5,5
|
1,7
|
0,4
|
-2,4
|
-1,9
|
Letónia
|
10,0
|
-2,8
|
-17,7
|
-1,3
|
5,3
|
5,2
|
4,1
|
Lituânia
|
9,8
|
2,9
|
-14,8
|
1,6
|
6,0
|
3,7
|
3,3
|
Luxemburgo
|
6,6
|
-0,7
|
-5,6
|
3,1
|
1,9
|
-0,2
|
2,1
|
Malta
|
4,1
|
3,9
|
-2,8
|
4,2
|
1,5
|
0,8
|
2,6
|
Holanda
|
3,9
|
1,8
|
-3,7
|
1,5
|
0,9
|
-1,2
|
-0,8
|
Polónia
|
6,8
|
5,1
|
1,6
|
3,9
|
4,5
|
2,0
|
1,6
|
Portugal
|
2,4
|
0,0
|
-2,9
|
1,9
|
-1,3
|
-3,2
|
-1,4
|
Roménia
|
6,3
|
7,3
|
-6,6
|
-1,1
|
2,3
|
0,6
|
3,5
|
Eslováquia
|
10,5
|
5,8
|
-4,9
|
4,4
|
3,0
|
1,8
|
0,9
|
Eslovénia
|
7,0
|
3,4
|
-7,9
|
1,3
|
0,7
|
-2,5
|
-1,1
|
Espanha
|
3,5
|
0,9
|
-3,8
|
-0,2
|
0,1
|
-1,6
|
-1,2
|
Suécia
|
3,3
|
-0,6
|
-5,0
|
6,6
|
2,9
|
0,9
|
1,6
|
Reino Unido
|
3,4
|
-0,8
|
-5,2
|
1,7
|
1,1
|
0,3
|
1,7
|
UE (27)
|
3,2
|
0,4
|
-4,5
|
2,0
|
1,7
|
-0,4
|
0,1
|
O decrescimento económico também se reflectiu,
naturalmente, no PIB per capita (PIBpc). A tabela abaixo mostra os
valores do PIBpc em 2012 e o ano anterior e mais próximo de 2012 em que o PIBpc
de um país se situou mais perto do valor para 2012 ([4]). Os resultados são
claros: em termos de «nível de vida» médio o recuo foi de vários anos,
atingindo o impressionante recuo de 12 anos em Portugal e 14 anos na Itália. Só
a Alemanha escapou: o seu PIBpc tem sempre aumentado. O que levanta de imediato
a suspeita de quem tem lucrado com a crise e com os resgates da política de
«austeridade». Além disso, o PIBpc, dado ser uma média, não conta a «história»
toda; com a progressiva desigualdade social em todos estes países o recuo de
nível de vida das camadas mais desfavorecidas da população é bem pior.
País
|
PIBpc (€)
em 2012
|
Ano em que o PIBpc esteve mais próximo do de 2012
|
Respectivo valor (€)
|
Áustria
|
36.200
|
2008 (4 anos antes)
|
36.192
|
Bélgica
|
32.639
|
2006 (6 anos antes)
|
32.830
|
Chipre
|
23.452
|
2005 (7 anos antes)
|
24.408
|
Dinamarca
|
32.363
|
2004 (8 anos antes)
|
32.490
|
Finlândia
|
31.610
|
2006 (6 anos antes)
|
31.940
|
França
|
29.819
|
2006 (6 anos antes)
|
29.970
|
Alemanha
|
34.819
|
2012 (0 anos antes)
|
34.819
|
Grécia
|
20.922
|
2001 (11 anos antes)
|
21.107
|
Itália
|
26.310
|
1998 (14 anos antes)
|
26.374
|
Luxemburgo
|
65.736
|
2004 (8 anos antes)
|
65.882
|
Malta
|
23.204
|
2011 (1 ano antes)
|
23.192
|
Holanda
|
36.438
|
2006 (6 anos antes)
|
36.238
|
Portugal
|
21.032
|
2000 (12 anos antes)
|
21.155
|
Espanha
|
26.395
|
2003 (9 anos antes)
|
26.459
|
Suécia
|
34.945
|
2007 (5 anos antes)
|
34.782
|
Reino Unido
|
32.671
|
2004 (8 anos antes)
|
32.259
|
Perante este cenário de descalabro económico
do capitalismo europeu, e sem perspectivas credíveis à vista, os abencerragens
da Comissão Europeia e de outras instituições de Bruxelas sentiram-se
pressionados a mostrar aos povos da UE imagens mais optimistas, que mascarassem
a realidade profunda. Usar com essa finalidade as receitas da prostituição e
das drogas era o que estava mais à mão.
Hoje em dia não é na produção de valor real que assenta o PIB da UE. É, sim, na produção
de valor fictício (capital especulativo) e na distribuição de valor (comércio, movimentos de capitais). A
prostituição e o tráfico de drogas são exemplos de distribuição de valor, a
troco de serviços. Ilegais, é certo. Mas não deveriam ser também ilegais os
jogos de casino dos bancos e firmas de investimento, em que se apostam biliões
sacados aos trabalhadores? A ideia de «ilegalidade» é cada vez pior definida no
capitalismo moderno. Tudo é legal, desde que dê lucro.
Agora foram, de facto, legalizadas a prostituição e as drogas. Amanhã, a
manter-se o declínio económico do capitalismo europeu, talvez passem a ser
contabilizadas no PIB as receitas dos carteiristas. Ao fim e ao cabo, a
actividade dos carteiristas é também uma distribuição de valor. E os maiores
especialistas em carteirismo até já estão instalados nos órgãos de poder da UE
e nos partidos dos «arcos de governação». Carteiristas e aspirantes a
carteiristas.
[1] A notícia sobre a
contabilização no PIB das receitas da prostituição e droga aparece em vários
portais na Internet. Em Portugal foi noticiada no JN de 10/6 e no CM de 11/6 em
notícia de primeira página sob o título «Prostituição rende 1,1 mil milhões de
euros. Vai contar para o PIB mas não paga imposto».
[2] JN 12/6: «PIB vai crescer 2,5% com novas
regras europeias».
[3] Na contabilização do PIB, considera-se
apenas bens e serviços finais, excluindo todos os bens de consumo intermédio.
Isso é feito com o intuito de evitar o problema da dupla contagem,
quando valores gerados na cadeia de produção poderiam aparecer contados duas
vezes na soma do PIB.
[4] Os dados são do Banco Mundial.
Excluíram-se os antigos países socialistas da Europa de Leste, com estruturas
económicas específicas e que só entraram recentemente na UE.