segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O sector financeiro. IV: fraudes, escândalos, jogos, vilões oficiais e os vilões do costume (conclusão)

Neste artigo concluímos a tipificação de burlas do sector financeiro (ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/10/o-sector-financeiro-iii-fraudes.html ) e fazemos uma breve análise das práticas ilícitas do sector bancário.
    
Uso de informação privilegiada e outras trapaças do mercado de acções
    
Suponhamos que o Sr. Beltrano, director da empresa X, sabendo que irá efectuar-se uma fusão da empresa Y com X (supostamente, com vista a melhores negócios), decide comprar acções de X antes da fusão ser publicamente anunciada. Beltrano é alguém que está por dentro do negócio: um «insider»; como tal, teve acesso a informação confidencial, privilegiada, sobre a fusão das empresas. Ele compra agora acções de X porque sabe que, uma vez anunciada a fusão, a cotação das acções irá subir vindo, portanto, a ser beneficiado. O comportamento de Beltrano é considerado um ilícito, sujeito a diversa jurisprudência e penalização segundo o país em causa; em Portugal a entidade definidora e reguladora do «uso de informação privilegiada» («insider trading») é a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Se Beltrano comprasse as acções depois de publicamente anunciada a fusão, então já não estaria a praticar um ilícito. Estaria a concorrer em igualdade de circunstâncias com outros investidores no mercado de acções. O «insider trading» é, assim, considerado um «crime contra o mercado», o sacrossanto mercado capitalista. Na realidade, tal como outras trapaças cometidas no mercado de acções e que escapam a qualquer punição, é essencialmente um crime entre capitalistas. Para qualquer coisa como 90% ou mais da população, o «insider trading» é, em geral, de nenhumas consequências. Aliás, alguns economistas convencionais pensam mesmo que o «insider trading» devia ser autorizado e beneficiaria os mercados ([1]).
   
Outra trapaça no mercado de acções é o «front-running», já mencionado em artigo anterior, em que um corretor da Bolsa, com uma vultuosa encomenda de acções X por parte de um investidor, compra primeiro acções X para si próprio com vista a beneficiar do aumento que elas irão sofrer quando comprar para o cliente. Outra trapaça ainda é a «venda a descoberto» de acções, que também já descrevemos a propósito da burla com activos inexistentes. E há outras trapaças mais complicadas.
   
Note-se que o «insider trading» é difícil de definir exactamente. A CMVM define assim a informação privilegiada ([2]): «Toda a informação não tornada pública que, sendo precisa e dizendo respeito directa ou indirectamente, a qualquer emitente [de acções] ou a valores mobiliários [p. ex., títulos de dívida] ou outros instrumentos financeiros [p. ex., derivados], seria idónea [teria capacidade de], se lhe fosse dada publicidade, para influenciar de maneira sensível o seu preço no mercado.». Até aqui, exceptuando o «maneira sensível», não parece mal. Mas vejamos como o Código de Valores Mobiliários esclarece o conceito [itálicos nossos]: «A informação privilegiada abrange os factos ocorridos, existentes ou razoavelmente previsíveis, independentemente do seu grau de formalização, que, por serem susceptíveis de influir na formação dos preços dos valores mobiliários ou dos instrumentos financeiros, qualquer investidor razoável poderia normalmente utilizar […]». Os «razoavelmente previsíveis», «susceptíveis de influir» e «investidor razoável» carecem de precisão e prestam-se às mais variadas interpretações e falta de sistematização do julgador. Não parece, aliás, difícil inventar esquemas que impossibilitem em muitos casos as boas intenções das entidades reguladoras, recorrendo a testas-de-ferro, mensagens encriptadas, etc. 
   
Um sintoma de que os casos detectados de «insider trading» são a ponta do icebergue, é o tempo que demorou a detectar alguns casos famosos; aliás, muitos deles detectados não pelo «insider trading» mas por actividades «complementares».
   
Um dos casos famosos a nível mundial foi o de Michael Milken, economista que entrou ao serviço da firma de investimentos Drexel Burnham, em 1973, tendo convencido os patrões a colocá-lo como dirigente de um departamento específico de transacções de obrigações de alto risco e alto retorno. O novo departamento tornou-se a breve trecho um sucesso e Milken foi considerado um génio financeiro. Isto até ser detectado em 1986 (13 anos depois) que o verdadeiro sucesso de Milken pouco tinha a ver com a genialidade das «transacções em obrigações de alto risco» ([3]). Tinha a ver, sim, com «insider trading» e outras manipulações do mercado de acções; tinha também a ver, em grau superlativo, com actividades de «leveraged buyout», processo pelo qual uma empresa é comprada usando um empréstimo elevado, dando como garantia activos do comprador e activos da própria empresa a comprar ([4]). Trata-se, portanto, de uma compra alavancada (ver exemplo explicativo em [5]). Mas Milken fazia mais do que isso: usava várias técnicas de extorsão («racketeering») como o «greenmailing» ([6]).
   
Levado a julgamento por 98 acusações de extorsão e fraude, Milken foi condenado em 1990 a 10 anos de prisão. Mais tarde um tribunal federal reduziu a sentença para 2 anos. Acabou por só estar na prisão 22 meses.
   
Mas o génio do «insider trading» foi o corretor americano Ivan Boesky ([7]) que em dado período dos anos oitenta foi também considerado um génio, convidado para palestras em prestigiadas instituições de ensino superior, como a School of Business Administration na Universidade da Califórnia Berkeley, onde pronunciou a «célebre» afirmação: «A propósito, a ganância é uma virtude. Quero que saibam isso. Penso que a ganância é saudável. Podeis ser gananciosos e apesar disso sentir-vos bem com vós próprios.». Foi também professor nas Universidades de Colúmbia e Nova Iorque. Foi preso em 1986 e julgado por múltiplas acusações de práticas ilícitas; condenado a 3 anos de prisão, só lá esteve 22 meses, tendo servido de atenuante as revelações que fez sobre Milken ([8]). E, a propósito: a "ganância" incensada por Boesky não é mais do que filha do apetite de lucro da classe capitalista; e, o facto de um vilão como Boesky a incensar e ser bem acolhido em instituições de ensino superior "produtoras" de associados do grande capital financeiro, é apenas mais um sintoma do estado de degradação moral a que chegou a actual sociedade capitalista.
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Ficamo-nos por aqui na tipificação de fraudes do sector financeiro, deixando o tema dos jogos com derivados para um próximo artigo.
   
Tendo em conta os exemplos apresentados, pode ficar-se com a impressão de que as burlas acontecem apenas com determinados indivíduos ou com um pequeno número de instituições, e de que a banca, na sua generalidade, está fora de quaisquer comportamentos fraudulentos, mantendo uma atitude «responsável» ao serviço da economia dos respectivos países. De facto, isso é pura miragem. Quanto a estar ao serviço da economia, sabe-se que a banca em Portugal e noutros países que sofrem a austeridade não tem investido significativamente no sector produtivo mas tem vindo a apresentar, em geral, lucros substanciais. Não é a economia real, não são as mais valias criadas no sector produtivo que explicam esses lucros; explicam, sim, os resgates, a especulação financeira e mesmo a burla pura e simples. E quanto a estes dois últimos aspectos, a imagem de respeitabilidade veiculada pelos órgãos de comunicação social e avalizada por entidades reguladoras, está muito longe da realidade ([9]).
   
Vejamos alguns factos e práticas continuadas da banca, quer nacional quer internacional, que julgamos ser suficientemente esclarecedores:
   
Especulação Financeira
Sobre a especulação financeira na banca portuguesa já falámos em vários artigos deste blog ([10-11]). Valerá a pena lembrar os seguintes casos, todos de resgates devidos a problemas de liquidez, despoletados pela Grande Recessão; isto é, em consequência da especulação financeira, quer nacional quer «importada», que contaminou a banca com falsos activos (os «activos tóxicos»): a “intervenção” no BPP, ainda em 2008, no valor de 750 milhões de euros ([12]); em 2011-2012, a “recapitalização” de 1,65 biliões de euros para a CGD, 3,5 biliões de euros para o BCP e 1,5 biliões de euros para o BPI.
   
A banca portuguesa continua alegre e impunemente a especular. Em Dezembro de 2011 o índice de alavancagem da banca portuguesa era superior a valores homólogos de todos os anos anteriores: 19,8. Isto é, os capitais próprios da banca representavam apenas 5,1% dos activos. O volume de transacções em derivativos representou em 2011 162% do PIB (277,5 biliões de euros). Dizíamos em [11]: «Quando o BCE entrega resgates a Portugal está no fundo a financiar a banca para continuar impunemente no seu jogo especulativo. De facto, enquanto a banca tem praticado uma taxa de juro de 6,87% a 5,5%, entre 2008 e 2010, o BCE pratica uma taxa de juro de 1% na compra de títulos de dívida aos bancos. No período de 2008 a 2010 o total de lucros da banca obtidos por este processo foi de 3,8 biliões de euros». A situação não se alterou.
   
Um dos maiores casos de especulação financeira a nível internacional foi o do banco e companhia de serviços financeiros JP Morgan Chase, um dos principais culpados da crise imobiliária. As suas políticas de investimento especulativo foram de tal ordem criminosas que o Departamento de Justiça dos EUA se sentiu obrigado a costituir o banco como arguido por danos sofridos. O JP Morgan, para travar o processo (aliás, um de seis processos em que é arguido) propôs pagar uma compensação de 11 bilões de dólares desde que ilibado de culpas ([13]). Entretanto, nenhum executivo do banco foi penalizado ou alvo de processo. Pelo contrário, receberam generosos prémios!
   
Cumplicidade em burlas e crimes
Muitos casos de grandes burlas (como as descritas no artigo anterior) tiveram a cumplicidade de grandes bancos. Cumplicidade consciente; não, por distracção! 
   
Por exemplo, na burla de Madoff estiveram envolvidos, na canalização de fundos para Madoff, pelo menos as seguintes instituições bancárias: UBS, gigante suíço da banca de investimento; HSBC, gigante internacional da banca de investimento, JP Morgan Chase, gigante dos EUA da banca de investimento, Citibank de Nova Iorque, ABN Amro de Amsterdão (um dos maiores bancos holandeses), Banco Bilbao Viscaya, Merril Lynch, Nomura Holdings, conglomerado japonês de serviços fianceiros, banco Medici da Áustria com ligações ao Banco da Áustria ([14]). Será que este envolvimento foi casual, por desconhecimento? Nem por isso. No processo contra Madoff em 2010 foram pedidas elevadas indemnizações a estes bancos, por várias acusações de fraudes e má conduta. O UBS foi explicitamente acusado de colaborar com Madoff, nomeadamente na burla da pirâmide. O banco Medici teve a sua licença revogada e os seus patrões foram acusados de cumplicidade com Madoff e de, aproveitando-se da burla Madoff que conheciam, terem embolsado milhões de dólares. Isto tudo quando a burla Madoff era já um segredo de polichinelo nos meios da grande banca, com a Goldman Sachs, o Crédit Suisse e a Société Générale a aconselharem os seus investidores a «afastarem-se» de Madoff.
   
Muitos outros exemplos se poderiam apresentar sobre implicações da grande banca em esquemas engendrados por vilões oficiais. (O escândalo do Banco do Vaticano, que apresentámos no artigo anterior, é um deles.)
   
Também existem inúmeros exemplos de bancos directamente envolvidos em actividades criminosas. E não é necessário olharmos para pequenos bancos ou para offshores. Para dar um exemplo, o gigantesco banco britânico HSBC teve de pagar em 2013 uma multa de 1,9 biliões de dólares aos reguladores do Reino Unido (Bank of England) e dos EUA (SEC-U.S. Securities and Exchange Commission) por, entre outras acusações, estar envolvido na lavagem de dinheiro para os cartéis mexicanos da droga (ver, p. ex., [15]).
   
Escândalos
Todos os anos, e cada vez mais, ocorrem inúmeras fraudes na banca nacional e internacional; muitas vezes os media só reportam as burlas de alto gabarito que qualificam de «escândalos» ([15]). Muitas outras burlas só são reportadas em publicações especiais.
   
Em 2012 um dos «escândalos» envolveu vários dos maiores bancos do mundo -- Barclays, UBS, Royal Bank of Scotland, e outros ainda sob investigação -- que se concertaram na apresentação de valores falsificados das taxas de juro, que praticavam, ao painel que define o valor do LIBOR (London Interbank Offered Rate) que serve de referência às taxas de juro em quase todo o mundo ([16]). (Na Zona Euro é usado o EURIBOR, mas o que acontece ao LIBOR também influencia o EURIBOR.) A falsificação do LIBOR foi levada a cabo quase abertamente durante muitos anos e com o fechar de olhos das entidades reguladoras dos EUA e Reino Unido; muitas vezes, a pedido de investidores individuais que subornavam as administrações bancárias (os e-mails trocados são agora conhecidos e a linguagem usada é muito clara!). Enquanto investidores e altos executivos embolsavam milhões à custa de taxas de juro cozinhadas à medida ([17]), os prejudicados foram os pequenos contraentes de crédito bancário, quer famílias com hipotecas quer PMEs. O director executivo do Barclays perdeu o emprego e o banco teve de pagar 450 milhões de dólares de multa. A maioria dos vilões continua incólume.
   
Em Portugal, além do «escândalo» BPN de que falaremos no próximo artigo, tivemos o «escândalo» do BPP, o tal que teve uma «intervenção» de 750 milhões de euros. O antigo presidente João Rendeiro e ex-administradores Fezas Vital e Paul Guichard vão ser julgados, juntamente com outros 8 arguidos, ex-gestores e quadros de topo da instituição, por burla qualificada, tendo para já o BdP aplicado uma coima de 11 milhões de euros aos 11 arguidos. A CMVM também irá apresentar uma acusação ([18]). A burla consistiu na falsificação de obrigações colocadas em carteiras de clientes para compensar perdas com activos desvalorizados, nomeadamente activos tóxicos do falido banco Lehman Brothers (uma das «vítimas» da crise imobiliária). Uma burla de «complemento» à especulação financeira, ocorrida no período de 2008-2009; isto é, abrangendo um período posterior à «intervenção» estatal. Os arguidos forjaram e-mails e títulos fictícios para transferir as perdas para os clientes. E os contribuintes, através do Estado -- que em vez de «intervir» deveria ter primeiro apurado responsabilidades e penalizado os culpados --, contribuíram com 750 milhões para ocultação de burla.
   
Cartéis
A concertação de bancos com vista à defesa dos seus interesses egoístas é um problema cujos sintomas -- e às vezes mais do que sintomas -- surgem de forma recorrente; a detecção da «cartelização» não é fácil e deve ocorrer com muito mais frequência do que se julga.
   
A Comissão Europeia, com base numa investigação lançada em 2011, acusou no passado mês de Julho 13 instituições de alta finança de actuarem como cartel ([19]). Entre elas figuram os bancos Goldman Sachs, JP Morgan, Citigroup e BNP Paribas; figuram também instituições proeminentes do mercado de derivados. A Comissão irá apreciar a resposta das instituições envolvidas ao inquérito que levantou. Por outras palavras, a formiga vai ver que sanção aplicar aos elefantes; com a agravante de que se trata de uma formiga amiga de elefantes e que aceitará o que os elefantes disserem porque não tem outro remédio. A formiga deverá contentar-se em emitir mais algumas regras e piedosas recomendações aos elefantes.
   
Em Portugal a Autoridade da Concorrência e o DCIAP também conduziram no passado Maio ([20]) uma investigação por suspeita de cartelização a várias instituições bancárias, com buscas nas instalações. Foi noticiado que as suspeitas incidiam na combinação de spreads e comissões entre os bancos. Nada mais foi divulgado sobre este assunto...
   
Em suma, os majestáticos defensores da «liberdade» do «mercado livre» estão sempre prontos a lançar às urtigas tal «liberdade» sempre que lhes convém.
   
Atentados directos contra os consumidores
Diariamente os bancos cometem ainda atentados contra os consumidores forçando preços mais elevados para bens e serviços, nomeadamente para os serviços não transaccionáveis ([21]). A nível internacional estes atentados atingem proporções enormes, acabando também por prejudicar os portugueses. Para dar um exemplo, a Goldman Sachs é proprietária de 27 armazéns em Detroit, EUA, onde são armazendos stocks de barras de metais. Todos os dias o tempo de armazenamento é artificalmente aumentado a fim de aumentar os custos de entrega das barras de metal às indústrias. A Goldman ganha qualquer coisa como 5 biliões de dólares por ano com a dança das barras, sendo o aumento dos custos suportado no final pelos consumidores, nacionais ou internacionais (ver este e outros esquemas em [22]).
  
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Note-se que estas práticas não são casos isolados, cobrindo apenas curtos períodos de tempo. Todos os dias ocorrem ilícitos na banca; com especial relevo para a dos países «ocidentais», de economia capitalista «financeirizada», muitos dos quais só mais tarde são revelados ([23]). A banca constitui, actualmente, o coito da burguesia mais reaccionária, mais abertamente hostil a qualquer mudança, mais agressiva contra tudo que cheire a «medidas sociais», e que domina os grandes fóruns capitalistas internacionais (ver o nosso artigo sobre o Clube Bilderberg: [24]) e instituições ao serviço do imperialismo como o BM e o FMI.
   
Pensamos que, de todos os factos que apresentámos, só uma conclusão é possível extrair; a que temos vindo a defender em muitos artigos deste blog: só a nacionalização da banca serve os interesses populares, os interesses dos trabalhadores. Quaisquer outras medidas de reforma, de regulamentação, seriam rapidamente «digeridas» pelos vilões do costume, que encontrariam rapidamente maneira de contornar essas novas medidas; tal e qual como no passado. Até ao presente nenhumas reformas e regulamentações alteraram minimamente o comportamento do sector financeiro -- pelo contrário, o comportamento fraudulento contra os povos tem aumentado -- e podemos estar certos que nada alterariam no futuro. A alta burguesia financeira tem séculos de experiência de contornar reformas e regulamentos. Para dar um de muitos exemplos: na burla da Enron (ver artigo anterior) a contabilidade, que envolvia muitas instituições e offshores, era de tal forma complicada que mesmo contabilistas proeminentes e firmas de auditoria se viram «às aranhas» para destrinçar as contas e não ficaram completamente seguros de ter descoberto tudo. Mesmo no caso mais «prosaico» do BPN os serviços técnicos de apoio à investigação criminal se queixam de grandes dificuldades técnicas.
   
Os poucos que são julgados como vilões oficiais, nunca pagam pelos seus crimes contra o povo. A legislação e o sistema judicial «ao gosto» da burguesia lá estão para «amparar» estes criminosos de colarinho branco ([25]). Os seus bens raramente são arrestados, mesmo quando ainda não os transferiram para familiares (veremos um exemplo marcante disso no caso BPN). Os que pagam multas ou passam um pequeno período na prisão acabam sempre por se «sair bem»: com fortuna pesoal e novas sinecuras em empresas se não mesmo em intituições estatais. Não há nada de surpreendente nisto. Ao fim e ao cabo, os vilões oficiais e do costume estão no «seu» Estado, controlado por bondosas almas que os compreendem.
Em suma: É absolutamente impossível impedir que o sector financeiro continue a defraudar  quem trabalha e suas famílias -- os 99% da população -- à custa da imposição de reformas e regulamentações. Só acredita nessa miragem quem não tem a mínima consciência da real dimensão do problema e do seu fundamento de classe. Só a mudança do regime de propriedade pode fazer a diferença.
   
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No próximo artigo iniciaremos a análise do «caso BPN», a maior fraude da banca portuguesa.

Referências:

[2] Ver Conceito de Informação Privilegiada na CMVM em "Entendimentos da CMVM sobre a Divulgação de Informação Privilegiada por Emitentes - Conceitos, Linhas de Orientação, Exemplos e Condutas a Adoptar", 12/8/2008 ( http://www.cmvm.pt/cmvm/recomendacao/entendimentos/Pages/default.aspx )


[4] Ver a investopedia que tem um pequeno vídeo esclarecedor.

[5] Um exemplo de aquisição alavancada, anunciado em 2013, é o da multinacional de computadores Dell Inc., com o estatuto de empresa pública e avaliada em 24,4 biliões de dólares. A sua privatização em 2013 envolverá: Michael Dell que entra com 1 bilião de fundos próprios; Microsoft, que entra com 2 biliões; a firma de investimento Silver Lake Partners que entra com 1 bilião. Isto é, o trio Michael Dell-Microsoft-'Silver Lake Partners' vão efectuar uma compra de 24,4 biliões de dólares para o que irão contrair um empréstimo estatal, garantido pelos activos da Dell e desembolsando apenas 1+2+1=4 biliões de dólares. Isto é, uma compra alavancada de (24,4-4)/4, ou seja de 5 para 1. Nada mau!

[6] O «greenmailing» consiste numa compra de acções em número suficiente para ameaçar com a mudança de administração, a não ser que a firma recompre as acções a preço mais alto. «Greenmailing», subornos a membros da administração e outros truques são usados na variante de compra alavancada praticada por Milken: a compra hostil («hostile buyout»).

[7] http://en.wikipedia.org/wiki/Ivan_Boesky. Boesky inspirou o filme Wall Steet.

[8] Myles Meserve, "Meet Ivan Boesky, The Infamous Wall Streeter Who Inspired Gordon Gekko", Business Insider, 26/6/2012. http://www.businessinsider.com/meet-ivan-boesky-the-infamous-wall-streeter-who-inspired-gordon-gecko-2012-7

[9] Nas vésperas do caso BPN e de outros casos de contaminação da banca com activos tóxicos o Banco de Portugal, entidade reguladora da banca portuguesa, ainda dizia nos seus relatórios que tudo estava bem, elogiando o comportamento da banca portuguesa.


[11] http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/09/por-uma-solucao-de-esquerda-da-crise.html. Neste artigo incluímos a descapitalização do BPN na especulação financeira. Sabe-se agora que o “caso BPN” é maioritariamente um caso de procedimentos criminosos e só em grau diminuto de especulação financeira.

[12] “O Impacto em Portugal da Crise Financeira Internacional”, Macedo Vitorino & Associados, Março de 2009. Neste trabalho é mencionada a “alta concentração de risco de crédito” no BPP; o risco de crédito é uma das formas de especulação financeira.

[13] Zoltan Zigedy “The Banks: Serial Offenders”, 12/10/2013. http://zzs-blg.blogspot.pt/2013/10/the-banks-serial-offenders.html .

[14] Kari Nars «Swindling Billions: An Extraordinary History of the Great Money Fraudsters», Marshall Cavendish Business, 2011.

[15] Halah Touryalai “10 Biggest Banking Scandals of 2012”, Forbes, 27/12/2013. http://www.forbes.com/sites/halahtouryalai/2012/12/27/10-biggest-banking-scandals-of-2012/

[16] Matt Taibbi “Gangster Banks: Too Big To Jail”, Rolling Stone Politics, 14/2/2013, http://www.rollingstone.com/politics/news/gangster-bankers-too-big-to-jail-20130214 , descreve como se processava a falsificação; ver também Michael Roberts “A right Royal bank fiddle”, 7/2//2013, http://thenextrecession.wordpress.com/2013/02/07/a-right-royal-banking-fiddle/ .

[17] Tanto podiam ser mais altas como mais baixas do que o fixado pelas simples forças de mercado. Por exemplo, entre 2007 e 2009 o Barclays submeteu valores artificalmente baixos de forma a vir beneficiar dum baixo Libor nos empréstimos que teve de contrair em plena crise.

[18] Cristina Ferreira, “Banco de Portugal multa responsáveis do BPP em 11 milhões de euros”, Público, 1/11/2013.

[19] “Comissão Europeia acusa 13 bancos de actuarem em regime de cartel”, Público 2/7/2013.

[20] “Bancos portugueses investigados por suspeita de cartelização”, DN 6/3/2013.


[22] David Kocieniewski, “A Shuffle of Aluminium, but to Banks, Pure Gold”, New York Times, 20/7/2013, http://www.nytimes.com/2013/07/21/business/a-shuffle-of-aluminum-but-to-banks-pure-gold.html?_r=0

[23] O programa Keizer Report no canal Russia Today constantemente denuncia ilícitos da banca.


[25] Diz Kari Nars, no livro acima referido, que «na maioria dos países, especialmente na Europa, as sentenças por crimes financeiros têm sido muito lenientes, em geral só de poucos anos de prisão ou mesmo de penas suspensas, multas e muito baixas indemnizações». E, de todos os países da Europa, Portugal é bem conhecido pela postura «sentimental» dos julgadores de criminosos de colarinho branco que chegam quase a verter lágrimas por esta «boa gente». Veremos uma confirmação disso no caso BPN.