Uso de
informação privilegiada e outras trapaças do mercado de acções
Suponhamos que o Sr. Beltrano, director da empresa
X, sabendo que irá efectuar-se uma fusão da empresa Y com X (supostamente, com
vista a melhores negócios), decide comprar acções de X antes da fusão ser publicamente anunciada. Beltrano é alguém que
está por dentro do negócio: um «insider»;
como tal, teve acesso a informação confidencial, privilegiada, sobre a fusão das empresas. Ele compra agora acções
de X porque sabe que, uma vez anunciada a fusão, a cotação das acções irá subir
vindo, portanto, a ser beneficiado. O comportamento de Beltrano é considerado
um ilícito, sujeito a diversa jurisprudência e penalização segundo o país em
causa; em Portugal a entidade definidora e reguladora do «uso de informação
privilegiada» («insider trading») é a
Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Se Beltrano comprasse as
acções depois de publicamente
anunciada a fusão, então já não estaria a praticar um ilícito. Estaria a
concorrer em igualdade de circunstâncias com outros investidores no mercado de
acções. O «insider trading» é, assim,
considerado um «crime contra o mercado», o sacrossanto mercado capitalista. Na
realidade, tal como outras trapaças cometidas no mercado de acções e que
escapam a qualquer punição, é essencialmente um crime entre capitalistas. Para
qualquer coisa como 90% ou mais da população, o «insider trading» é, em geral, de nenhumas consequências. Aliás,
alguns economistas convencionais pensam mesmo que o «insider trading» devia ser autorizado e beneficiaria os mercados
([1]).
Outra trapaça no mercado de acções é o «front-running», já mencionado em artigo
anterior, em que um corretor da Bolsa, com uma vultuosa encomenda de acções X
por parte de um investidor, compra primeiro acções X para si próprio com vista
a beneficiar do aumento que elas irão sofrer quando comprar para o cliente.
Outra trapaça ainda é a «venda a descoberto» de acções, que também já
descrevemos a propósito da burla com activos inexistentes. E há outras trapaças
mais complicadas.
Note-se que o «insider trading» é difícil de definir exactamente. A CMVM define
assim a informação privilegiada ([2]): «Toda a informação não tornada pública
que, sendo precisa e dizendo respeito directa ou indirectamente, a qualquer
emitente [de acções] ou a valores mobiliários [p. ex., títulos de dívida] ou
outros instrumentos financeiros [p. ex., derivados], seria idónea [teria
capacidade de], se lhe fosse dada publicidade, para influenciar de maneira
sensível o seu preço no mercado.». Até aqui, exceptuando o «maneira sensível»,
não parece mal. Mas vejamos como o Código de Valores Mobiliários esclarece o
conceito [itálicos nossos]: «A informação privilegiada abrange os factos
ocorridos, existentes ou razoavelmente
previsíveis, independentemente do seu grau de formalização, que, por serem susceptíveis de influir na formação dos
preços dos valores mobiliários ou dos instrumentos financeiros, qualquer investidor razoável poderia normalmente
utilizar […]». Os «razoavelmente previsíveis», «susceptíveis de influir» e «investidor
razoável» carecem de precisão e prestam-se às mais variadas interpretações e
falta de sistematização do julgador. Não parece, aliás, difícil inventar
esquemas que impossibilitem em muitos casos as boas intenções das entidades
reguladoras, recorrendo a testas-de-ferro, mensagens encriptadas, etc.
Um sintoma de que os casos detectados de «insider trading» são a ponta do
icebergue, é o tempo que demorou a detectar alguns casos famosos; aliás, muitos
deles detectados não pelo «insider
trading» mas por actividades «complementares».
Um dos casos famosos a nível mundial foi o de
Michael Milken, economista que entrou ao serviço da firma de investimentos
Drexel Burnham, em 1973, tendo convencido os patrões a colocá-lo como dirigente
de um departamento específico de transacções de obrigações de alto risco e alto
retorno. O novo departamento tornou-se a breve trecho um sucesso e Milken foi
considerado um génio financeiro. Isto até ser detectado em 1986 (13 anos depois) que o verdadeiro sucesso
de Milken pouco tinha a ver com a genialidade das «transacções em obrigações de
alto risco» ([3]). Tinha a ver, sim, com «insider
trading» e outras manipulações do mercado de acções; tinha também a ver, em
grau superlativo, com actividades de «leveraged
buyout», processo pelo qual uma empresa é comprada usando um empréstimo
elevado, dando como garantia activos do comprador e activos da própria empresa a comprar ([4]). Trata-se, portanto, de
uma compra alavancada (ver exemplo explicativo em [5]). Mas Milken fazia mais
do que isso: usava várias técnicas de extorsão («racketeering») como o «greenmailing»
([6]).
Levado a julgamento por 98 acusações de
extorsão e fraude, Milken foi condenado em 1990 a 10 anos de prisão. Mais tarde
um tribunal federal reduziu a sentença para 2 anos. Acabou por só estar na
prisão 22 meses.
Mas o génio do «insider trading» foi o corretor americano Ivan Boesky ([7]) que em
dado período dos anos oitenta foi também considerado um génio, convidado para
palestras em prestigiadas instituições de ensino superior, como a School of Business Administration na
Universidade da Califórnia Berkeley, onde pronunciou a «célebre» afirmação: «A
propósito, a ganância é uma virtude. Quero que saibam isso. Penso que a
ganância é saudável. Podeis ser gananciosos e apesar disso sentir-vos bem com
vós próprios.». Foi também professor nas Universidades de Colúmbia e Nova
Iorque. Foi preso em 1986 e julgado por múltiplas acusações de práticas
ilícitas; condenado a 3 anos de prisão, só lá esteve 22 meses, tendo servido de
atenuante as revelações que fez sobre Milken ([8]). E, a propósito: a
"ganância" incensada por Boesky não é mais do que filha do apetite de
lucro da classe capitalista; e, o facto de um vilão como Boesky a incensar e
ser bem acolhido em instituições de ensino superior "produtoras" de
associados do grande capital financeiro, é apenas mais um sintoma do estado de
degradação moral a que chegou a actual sociedade capitalista.
* *
*
Ficamo-nos por aqui na tipificação de fraudes
do sector financeiro, deixando o tema dos jogos com derivados para um próximo
artigo.
Tendo em conta os exemplos apresentados, pode
ficar-se com a impressão de que as burlas acontecem apenas com determinados
indivíduos ou com um pequeno número de instituições, e de que a banca, na sua
generalidade, está fora de quaisquer comportamentos fraudulentos, mantendo uma atitude
«responsável» ao serviço da economia dos respectivos países. De facto, isso é
pura miragem. Quanto a estar ao serviço da economia, sabe-se que a banca em
Portugal e noutros países que sofrem a austeridade não tem investido significativamente
no sector produtivo mas tem vindo a apresentar, em geral, lucros substanciais.
Não é a economia real, não são as mais valias criadas no sector produtivo que
explicam esses lucros; explicam, sim, os resgates, a especulação financeira e
mesmo a burla pura e simples. E quanto a estes dois últimos aspectos, a imagem
de respeitabilidade veiculada pelos órgãos de comunicação social e avalizada por
entidades reguladoras, está muito longe da realidade ([9]).
Vejamos alguns factos e práticas continuadas
da banca, quer nacional quer internacional, que julgamos ser suficientemente
esclarecedores:
Especulação
Financeira
Sobre a especulação financeira na banca
portuguesa já falámos em vários artigos deste blog ([10-11]). Valerá a pena
lembrar os seguintes casos, todos de resgates devidos a problemas de liquidez, despoletados
pela Grande Recessão; isto é, em consequência da especulação financeira, quer
nacional quer «importada», que contaminou a banca com falsos activos (os «activos
tóxicos»): a “intervenção” no BPP, ainda em 2008, no valor de 750 milhões de
euros ([12]); em 2011-2012, a “recapitalização” de 1,65 biliões de euros para a CGD, 3,5
biliões de euros para o BCP e 1,5 biliões de euros para o BPI.
A banca portuguesa continua alegre e
impunemente a especular. Em Dezembro de 2011 o índice de alavancagem da banca
portuguesa era superior a valores homólogos de todos os anos anteriores: 19,8. Isto é, os capitais próprios da
banca representavam apenas 5,1% dos activos. O volume de transacções em
derivativos representou em 2011 162% do PIB (277,5 biliões de euros). Dizíamos em [11]: «Quando o BCE entrega resgates a Portugal está no fundo a financiar a
banca para continuar impunemente no seu jogo especulativo. De facto, enquanto a
banca tem praticado uma taxa de juro de 6,87% a 5,5%, entre 2008 e 2010, o BCE
pratica uma taxa de juro de 1% na compra de títulos de dívida aos bancos. No
período de 2008 a 2010 o total de lucros da banca obtidos por este processo foi
de 3,8 biliões de euros». A situação não se alterou.
Um dos maiores casos de especulação financeira
a nível internacional foi o do banco e companhia de serviços financeiros JP
Morgan Chase, um dos principais culpados da crise imobiliária. As suas
políticas de investimento especulativo foram de tal ordem criminosas que o Departamento
de Justiça dos EUA se sentiu obrigado a costituir o banco como arguido por
danos sofridos. O JP Morgan, para travar o processo (aliás, um de seis processos
em que é arguido) propôs pagar uma compensação de 11 bilões de dólares desde
que ilibado de culpas ([13]). Entretanto, nenhum executivo do banco foi
penalizado ou alvo de processo. Pelo contrário, receberam generosos prémios!
Cumplicidade
em burlas e crimes
Muitos casos de grandes burlas (como as
descritas no artigo anterior) tiveram a cumplicidade de grandes bancos.
Cumplicidade consciente; não, por distracção!
Por exemplo, na burla de Madoff estiveram
envolvidos, na canalização de fundos para Madoff, pelo menos as seguintes
instituições bancárias: UBS, gigante suíço da banca de investimento; HSBC,
gigante internacional da banca de investimento, JP Morgan Chase, gigante dos
EUA da banca de investimento, Citibank de Nova Iorque, ABN Amro de Amsterdão
(um dos maiores bancos holandeses), Banco Bilbao Viscaya, Merril Lynch, Nomura
Holdings, conglomerado japonês de serviços fianceiros, banco Medici da Áustria
com ligações ao Banco da Áustria ([14]). Será que este envolvimento foi casual,
por desconhecimento? Nem por isso. No processo contra Madoff em 2010 foram
pedidas elevadas indemnizações a estes bancos, por várias acusações de fraudes e má conduta. O UBS foi
explicitamente acusado de colaborar com Madoff, nomeadamente na burla da
pirâmide. O banco Medici teve a sua licença revogada e os seus patrões foram
acusados de cumplicidade com Madoff e de, aproveitando-se da burla Madoff que
conheciam, terem embolsado milhões de dólares. Isto tudo quando a burla Madoff
era já um segredo de polichinelo nos meios da grande banca, com a Goldman
Sachs, o Crédit Suisse e a Société Générale a aconselharem os seus investidores
a «afastarem-se» de Madoff.
Muitos outros exemplos se poderiam apresentar
sobre implicações da grande banca em esquemas engendrados por vilões oficiais.
(O escândalo do Banco do Vaticano, que apresentámos no artigo anterior, é um
deles.)
Também existem inúmeros exemplos de bancos directamente
envolvidos em actividades criminosas. E não é necessário olharmos para pequenos
bancos ou para offshores. Para dar um
exemplo, o gigantesco banco britânico HSBC teve de pagar em 2013 uma multa de
1,9 biliões de dólares aos reguladores do Reino Unido (Bank of England) e dos EUA (SEC-U.S.
Securities and Exchange Commission) por, entre outras acusações, estar
envolvido na lavagem de dinheiro para os cartéis mexicanos da droga (ver, p.
ex., [15]).
Escândalos
Todos os anos, e cada vez mais, ocorrem
inúmeras fraudes na banca nacional e internacional; muitas vezes os media só reportam as burlas de alto
gabarito que qualificam de «escândalos» ([15]). Muitas outras burlas só são
reportadas em publicações especiais.
Em 2012 um dos «escândalos» envolveu vários
dos maiores bancos do mundo -- Barclays, UBS, Royal Bank of Scotland, e outros
ainda sob investigação -- que se concertaram na apresentação de valores
falsificados das taxas de juro, que praticavam, ao painel que define o valor do
LIBOR (London Interbank Offered Rate)
que serve de referência às taxas de juro em quase todo o mundo ([16]). (Na Zona
Euro é usado o EURIBOR, mas o que acontece ao LIBOR também influencia o
EURIBOR.) A falsificação do LIBOR foi levada a cabo quase abertamente durante
muitos anos e com o fechar de olhos das entidades reguladoras dos EUA e Reino
Unido; muitas vezes, a pedido de investidores individuais que subornavam as
administrações bancárias (os e-mails trocados são agora conhecidos e a
linguagem usada é muito clara!). Enquanto investidores e altos executivos
embolsavam milhões à custa de taxas de juro cozinhadas à medida ([17]), os
prejudicados foram os pequenos contraentes de crédito bancário, quer famílias
com hipotecas quer PMEs. O director executivo do Barclays perdeu o emprego e o
banco teve de pagar 450 milhões de dólares de multa. A maioria dos vilões
continua incólume.
Em Portugal, além do «escândalo» BPN de que
falaremos no próximo artigo, tivemos o «escândalo» do BPP, o tal que teve uma
«intervenção» de 750 milhões de euros. O antigo presidente João Rendeiro e
ex-administradores Fezas Vital e Paul Guichard vão ser julgados, juntamente com
outros 8 arguidos, ex-gestores e quadros de topo da instituição, por burla
qualificada, tendo para já o BdP aplicado uma coima de 11 milhões de euros aos
11 arguidos. A CMVM também irá apresentar uma acusação ([18]). A burla
consistiu na falsificação de obrigações colocadas em carteiras de clientes para
compensar perdas com activos desvalorizados, nomeadamente activos tóxicos do
falido banco Lehman Brothers (uma das «vítimas» da crise imobiliária). Uma
burla de «complemento» à especulação financeira, ocorrida no período de
2008-2009; isto é, abrangendo um período posterior à «intervenção» estatal. Os
arguidos forjaram e-mails e títulos fictícios para transferir as perdas para os
clientes. E os contribuintes, através do Estado -- que em vez de «intervir»
deveria ter primeiro apurado responsabilidades e penalizado os culpados --,
contribuíram com 750 milhões para ocultação de burla.
Cartéis
A concertação de bancos com vista à defesa dos
seus interesses egoístas é um problema cujos sintomas -- e às vezes mais do que
sintomas -- surgem de forma recorrente; a detecção da «cartelização» não é
fácil e deve ocorrer com muito mais frequência do que se julga.
A Comissão Europeia, com base numa
investigação lançada em 2011, acusou no passado mês de Julho 13 instituições de
alta finança de actuarem como cartel ([19]). Entre elas figuram os bancos
Goldman Sachs, JP Morgan, Citigroup e BNP Paribas; figuram também instituições proeminentes
do mercado de derivados. A Comissão irá apreciar a resposta das instituições
envolvidas ao inquérito que levantou. Por outras palavras, a formiga vai ver
que sanção aplicar aos elefantes; com a agravante de que se trata de uma
formiga amiga de elefantes e que aceitará o que os elefantes disserem porque
não tem outro remédio. A formiga deverá contentar-se em emitir mais algumas regras
e piedosas recomendações aos elefantes.
Em Portugal a Autoridade da Concorrência e o
DCIAP também conduziram no passado Maio ([20]) uma investigação por suspeita de
cartelização a várias instituições bancárias, com buscas nas instalações. Foi
noticiado que as suspeitas incidiam na combinação de spreads e comissões entre os bancos. Nada mais foi divulgado sobre
este assunto...
Em suma, os majestáticos defensores da
«liberdade» do «mercado livre» estão sempre prontos a lançar às urtigas tal «liberdade»
sempre que lhes convém.
Atentados
directos contra os consumidores
Diariamente os bancos cometem ainda atentados
contra os consumidores forçando preços mais elevados para bens e serviços,
nomeadamente para os serviços não transaccionáveis ([21]). A nível
internacional estes atentados atingem proporções enormes, acabando também por
prejudicar os portugueses. Para dar um exemplo, a Goldman Sachs é proprietária
de 27 armazéns em Detroit, EUA, onde são armazendos stocks de barras de metais.
Todos os dias o tempo de armazenamento é artificalmente aumentado a fim de
aumentar os custos de entrega das barras de metal às indústrias. A Goldman
ganha qualquer coisa como 5 biliões de dólares por ano com a dança das barras,
sendo o aumento dos custos suportado no final pelos consumidores, nacionais ou
internacionais (ver este e outros esquemas em [22]).
* *
*
Note-se que estas práticas não são casos
isolados, cobrindo apenas curtos períodos de tempo. Todos os dias ocorrem
ilícitos na banca; com especial relevo para a dos países «ocidentais», de
economia capitalista «financeirizada», muitos dos quais só mais tarde são
revelados ([23]). A banca constitui, actualmente, o coito da burguesia mais
reaccionária, mais abertamente hostil a qualquer mudança, mais agressiva contra
tudo que cheire a «medidas sociais», e que domina os grandes fóruns
capitalistas internacionais (ver o nosso artigo sobre o Clube Bilderberg: [24])
e instituições ao serviço do imperialismo como o BM e o FMI.
Pensamos que, de todos os factos que
apresentámos, só uma conclusão é possível extrair; a que temos vindo a defender
em muitos artigos deste blog: só a nacionalização da banca serve os interesses
populares, os interesses dos trabalhadores. Quaisquer outras medidas de
reforma, de regulamentação, seriam rapidamente «digeridas» pelos vilões do
costume, que encontrariam rapidamente maneira de contornar essas novas medidas;
tal e qual como no passado. Até ao
presente nenhumas reformas e regulamentações alteraram minimamente o
comportamento do sector financeiro -- pelo contrário, o comportamento
fraudulento contra os povos tem aumentado -- e podemos estar certos que nada
alterariam no futuro. A alta burguesia financeira tem séculos de experiência de contornar reformas e regulamentos. Para
dar um de muitos exemplos: na burla da Enron (ver artigo anterior) a contabilidade,
que envolvia muitas instituições e offshores,
era de tal forma complicada que mesmo contabilistas proeminentes e firmas de
auditoria se viram «às aranhas» para destrinçar as contas e não ficaram
completamente seguros de ter descoberto tudo. Mesmo no caso mais «prosaico» do
BPN os serviços técnicos de apoio à investigação criminal se queixam de grandes
dificuldades técnicas.
Os poucos que são julgados como vilões
oficiais, nunca pagam pelos seus crimes contra o povo. A legislação e o sistema
judicial «ao gosto» da burguesia lá estão para «amparar» estes criminosos de
colarinho branco ([25]). Os seus bens raramente são arrestados, mesmo quando
ainda não os transferiram para familiares (veremos um exemplo marcante disso no
caso BPN). Os que pagam multas ou passam um pequeno período na prisão acabam
sempre por se «sair bem»: com fortuna pesoal e novas sinecuras em empresas se
não mesmo em intituições estatais. Não há nada de surpreendente nisto. Ao fim e
ao cabo, os vilões oficiais e do costume estão no «seu» Estado, controlado por bondosas
almas que os compreendem.
Em suma: É absolutamente impossível impedir
que o sector financeiro continue a defraudar
quem trabalha e suas famílias -- os 99% da população -- à custa da
imposição de reformas e regulamentações. Só acredita nessa miragem quem não tem
a mínima consciência da real dimensão do problema e do seu fundamento de classe.
Só a mudança do regime de propriedade pode fazer a diferença.
* *
*
No próximo artigo iniciaremos a análise do
«caso BPN», a maior fraude da banca portuguesa.
Referências:
[2]
Ver Conceito de Informação Privilegiada na CMVM em "Entendimentos da CMVM
sobre a Divulgação de Informação Privilegiada por Emitentes - Conceitos, Linhas
de Orientação, Exemplos e Condutas a Adoptar", 12/8/2008 ( http://www.cmvm.pt/cmvm/recomendacao/entendimentos/Pages/default.aspx
)
[4]
Ver a investopedia que tem um pequeno
vídeo esclarecedor.
[5] Um exemplo de
aquisição alavancada, anunciado em 2013, é o da multinacional de computadores
Dell Inc., com o estatuto de empresa pública e avaliada em 24,4 biliões de
dólares. A sua privatização em 2013 envolverá: Michael Dell que entra com 1
bilião de fundos próprios; Microsoft, que entra com 2 biliões; a firma de
investimento Silver Lake Partners que entra com 1 bilião. Isto é, o trio
Michael Dell-Microsoft-'Silver Lake Partners' vão efectuar uma compra de 24,4
biliões de dólares para o que irão contrair um empréstimo estatal, garantido
pelos activos da Dell e desembolsando apenas 1+2+1=4 biliões de dólares. Isto
é, uma compra alavancada de (24,4-4)/4, ou seja de 5 para 1. Nada mau!
[6] O «greenmailing»
consiste numa compra de acções em número suficiente para ameaçar com a mudança
de administração, a não ser que a firma recompre as acções a preço mais alto.
«Greenmailing», subornos a membros da administração e outros truques são usados
na variante de compra alavancada praticada por Milken: a compra hostil
(«hostile buyout»).
[7] http://en.wikipedia.org/wiki/Ivan_Boesky. Boesky inspirou o filme Wall
Steet.
[8] Myles Meserve, "Meet Ivan
Boesky, The Infamous Wall Streeter Who Inspired Gordon Gekko", Business Insider,
26/6/2012. http://www.businessinsider.com/meet-ivan-boesky-the-infamous-wall-streeter-who-inspired-gordon-gecko-2012-7
[9] Nas vésperas do caso BPN e de outros casos de contaminação da banca
com activos tóxicos o Banco de Portugal, entidade reguladora da banca
portuguesa, ainda dizia nos seus relatórios que tudo estava bem, elogiando o
comportamento da banca portuguesa.
[11] http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/09/por-uma-solucao-de-esquerda-da-crise.html.
Neste artigo incluímos a descapitalização do BPN na especulação financeira.
Sabe-se agora que o “caso BPN” é maioritariamente um caso de procedimentos
criminosos e só em grau diminuto de especulação financeira.
[12] “O Impacto em Portugal da Crise Financeira Internacional”, Macedo
Vitorino & Associados, Março de 2009. Neste trabalho é mencionada a “alta
concentração de risco de crédito” no BPP; o risco de crédito é uma das formas
de especulação financeira.
[13] Zoltan Zigedy “The Banks: Serial Offenders”, 12/10/2013. http://zzs-blg.blogspot.pt/2013/10/the-banks-serial-offenders.html
.
[14]
Kari Nars «Swindling Billions: An
Extraordinary History of the Great Money Fraudsters», Marshall Cavendish
Business, 2011.
[15]
Halah Touryalai “10 Biggest Banking
Scandals of 2012”, Forbes, 27/12/2013. http://www.forbes.com/sites/halahtouryalai/2012/12/27/10-biggest-banking-scandals-of-2012/
[16]
Matt Taibbi “Gangster Banks: Too Big To
Jail”, Rolling Stone Politics, 14/2/2013, http://www.rollingstone.com/politics/news/gangster-bankers-too-big-to-jail-20130214
, descreve como se processava a falsificação; ver também Michael Roberts “A right Royal bank fiddle”, 7/2//2013, http://thenextrecession.wordpress.com/2013/02/07/a-right-royal-banking-fiddle/
.
[17] Tanto podiam ser
mais altas como mais baixas do que o fixado pelas simples forças de mercado.
Por exemplo, entre 2007 e 2009 o Barclays submeteu valores artificalmente
baixos de forma a vir beneficiar dum baixo Libor nos empréstimos que teve de
contrair em plena crise.
[18] Cristina
Ferreira, “Banco de Portugal multa responsáveis do BPP em 11 milhões de euros”,
Público, 1/11/2013.
[19] “Comissão
Europeia acusa 13 bancos de actuarem em regime de cartel”, Público 2/7/2013.
[20] “Bancos
portugueses investigados por suspeita de cartelização”, DN 6/3/2013.
[22]
David Kocieniewski, “A Shuffle of
Aluminium, but to Banks, Pure Gold”, New
York Times, 20/7/2013, http://www.nytimes.com/2013/07/21/business/a-shuffle-of-aluminum-but-to-banks-pure-gold.html?_r=0
[23] O programa Keizer Report no canal Russia Today
constantemente denuncia ilícitos da banca.
[25] Diz Kari Nars,
no livro acima referido, que «na maioria dos países, especialmente na Europa,
as sentenças por crimes financeiros têm sido muito lenientes, em geral só de
poucos anos de prisão ou mesmo de penas suspensas, multas e muito baixas
indemnizações». E, de todos os países da Europa, Portugal é bem conhecido pela
postura «sentimental» dos julgadores de criminosos de colarinho branco que
chegam quase a verter lágrimas por esta «boa gente». Veremos uma confirmação
disso no caso BPN.