quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Desenvolvimento Sustentável: IV - A Causa da Insustentabilidade

Nos dois primeiros artigos sobre a sustentabilidade económica (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/08/desenvolvimento-sustentavel-i.html ; http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/08/desenvolvimento-sustentavel-ii-recursos.html ) vimos que o aumento populacional e a finitude dos recursos naturais (nomeadamente de certos recursos estratégicos) são, certamente, motivo de preocupação.
Entretanto, no artigo anterior (o terceiro da série: http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/09/desenvolvimento-sustentavel-iii.html ), vimos, com números concretos, que seria possível oferecer um nível de vida mais digno a todos os povos do planeta e, apesar disso, gastar muito menos recursos, desde que se minorasse fortemente a actual disparidade entre países no gastos de recursos: enquanto uns esbanjam outros vivem na penúria.
Note-se que no artigo anterior analisámos apenas a disparidade de PIBpc entre países. Disparidade insustentável, que resulta, em larga medida, do sistema imperial de exploração capitalista. Mas não nos podemos esquecer de que a exploração capitalista é também geradora de uma péssima utilização de recursos que contribuem para um alto valor dos respectivos gastos (traduzidos nos valores de NT, ou «Terras»: ver no artigo anterior); isto, num quadro de enorme pobreza e desigualdade social, num quadro geral de penúria. Dois exemplos apenas: os EUA com 4,23 Terras têm um péssimo índice de Gini, IG = 0,45; Portugal tem um PIBpc que corresponde a 2,14 Terras e também tem um mau IG = 0,36 (sobre o IG=Índice de Gini, ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os.html ). Ambos os países têm níveis de pobreza muito elevados.
O que dissemos relativamente à disparidade entre países aplica-se também à distribuição de rendimento em cada país: uma mais justa repartição de rendimento, com eliminação de esbanjamentos e luxos, a todos os títulos imorais, de uma pequena fatia da população de um grande número de países, permitiria reduzir fortemente a desigualdade social e a pobreza (que têm vindo a aumentar significativamente) e, apesar disso, obter uma enorme poupança de recursos da Terra (ver, sobre este assunto: http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/08/desigualdade-social-portugal-e-os.html ).

*    *    *
De vez em quando aparecem na televisão uns senhores muito bem engravatados, por vezes, sumidades ligadas a instituições internacionais como o Banco Mundial, falando do alto da sua cátedra sobre a necessidade de um desenvolvimento sustentável; e, a bem de tal objectivo, eis que aí encontram ensejo de apresentar mais uma razão para defenderem a austeridade. Nos dias de hoje é também de bom-tom presidentes, reis e rainhas debitarem a sua tirada modernaça sobre desenvolvimento sustentável em discursos oficiais.
É preciso desmascarar esta hipocrisia.
Nós dizemos:
Falar, em nome da sustentabilidade do desenvolvimento económico, sobre a contenção de rendimentos a centenas de milhões de pobres do planeta, a biliões de seres humanos que auferem uma côdea comparada com a enormidade dos gigantescos rendimentos e fortunas de alguns, é um exercício imoral, cruel e patético.
*    *    *
Porque não é então feita essa repartição mais justa, a bem da Terra e dos seres humanos que vivem nela?
A resposta é óbvia: a «lógica» do sistema capitalista não é a das repartições «justas», não é a da satisfação das necessidades sociais. É, sim, a da obtenção de lucros para os detentores dos meios de produção e administradores (com clientelas associadas) de instituições financeiras como os bancos. É, portanto, a reprodução constante de uma «lógica» de enriquecimento ilimitado de uns poucos à custa da penúria e sofrimento de milhões. É também a lógica de concentração de capital em monopólios (ver o que dissemos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/09/a-grande-mentira-da-economia-de-mercado.html sobre a tendência para a formação de monopólios no «mercado livre») cujos interesses se fundem com os do Estado, naquilo que se designa por capitalismo monopolista de Estado. É este o sistema que vigora em países de economia capitalista (dita) desenvolvida do «mundo ocidental» (EUA, Canadá, Japão, UE) com uma componente financeira inflacionada.
É certo que os defensores do capitalismo -- com a colaboração empenhada de políticos e dirigentes sindicais sociais-democratas -- não se cansam de exibir os raríssimos exemplos dos «paraísos consumistas» do Norte da Europa. Mas mesmo estes «paraísos» são cada vez menos paradisíacos: a Dinamarca tem tido taxas de crescimento baixas, e entrou em recessão no 3.º trimestre de 2011 e no 4.º de 2012; a Holanda está em recessão há 7 trimestres; a Suécia, com taxas de crescimento baixas, também esteve em recessão no 1.º trimestre de 2011 e no 2.º de 2013. Será que estes países, conscientemente, dedicaram menos atenção ao crescimento económico em nome da sustentabilidade, mas ao mesmo tempo procurando melhorar o nível de vida dos seus cidadãos, em geral? De forma nenhuma. Conjuntamente com o declínio económico que assinalámos assiste-se ao aumento da pobreza e da desigualdade. Se olharmos para a percentagem da população em risco de pobreza (dados do Eurostat para a percentagem de famílias com rendimento abaixo de 60% do valor mediano), temos: na Dinamarca a percentagem da população em risco de pobreza cresceu de 16,3% para 18,9% de 2008 para 2011; na Holanda, cresceu de 14,9% para 15,7%; na Suécia cresceu de 14,9% para 16,1%. Na «lógica» do capitalismo nunca são os banquetes dos ricos que diminuem em tempo de crise; diminuem apenas e sempre as migalhas que sobram dos banquetes.
Na «lógica» da busca de lucro, no ambiente caótico de concorrência do mercado -- fora de qualquer planificação consciente da satisfação das necessidades sociais -- o que interessa é procurar vender muito com baixos custos de produção, independentemente do que se vende. Podem ser meras bugigangas para os mais abonados de rendimentos. Vender, vender muito, vender qualquer coisa: eis aqui o dispêndio imoderado de recursos naturais.
(A procura de baixos custos de produção conduz também a produzir de qualquer maneira, sem olhar às consequências da poluição do meio ambiente. Este é também um tópico da sustentabilidade, mas que não desenvolveremos.)
*    *   *
Resumindo:
A Causa (das Causas) da Insustentabilidade é o Capitalismo.
É totalmente impossível melhorar substancialmente a sustentabilidade do desenvolvimento económico no quadro do capitalismo.
Não se trata aqui de uma mera opinião ideológica. A própria materialidade, a própria objectividade dos factos, fundamenta a conclusão que expressámos.
A preocupação essencial que é necessário ter não é com o aumento populacional e a diminuição de recursos naturais (embora estes aspectos também nos devam preocupar); é, sim, com a desigualdade social dentro de cada país e entre países.
Lutar contra o capitalismo é lutar também e da melhor forma possível pela sustentabilidade do desenvolvimento económico.
*    *   *
É típico da intelectualidade social-democrata -- defensora do capitalismo com uma ligeiríssima limagem de arestas -- avançar com medidas paliativas da sustentabilidade: aumentar a reciclagem, reparar equipamentos e bens deteriorados, reutilizar a água, etc. Não negamos que tais medidas possam trazer alguns benefícios, mas são uma gota de água no oceano. No fundo, trata-se de conversa fiada que mascara a escala do problema, permitindo a esses intelectuais encobrir a verdadeira causa da insustentabilidade e gerar falsas expectativas sobre um eventual «capitalismo sustentável». Fala-se também em «Economia verde» e até se chegou recentemente a falar nessa espantosa mistificação que dá pelo nome de «capitalismo humanista», uma contradição nos termos. É todo um conjunto de ideias que vão desde a inconsciência e ingenuidade ao embuste.
Há, também, quem proponha que, em nome da sustentabilidade, se defenda um crescimento zero. Mais uma vez, trata-se de simples escapatória da questão essencial: a luta contra o capitalismo. Aos intelectuais que defendem o crescimento zero só dizemos isto: que vão defender essa tese junto dos pobres.
Por muito que pese à intelectualidade social-democrata é impossível resolver o problema da sustentabilidade no quadro do capitalismo.
*    *   *
Nos dois artigos seguintes iremos abordar tópicos que estão intimamente ligados com a sustentabilidade do desenvolvimento económico no sistema capitalista:
VI -- Sobreprodução-subconsumo. Na luta concorrencial por obtenção de lucros as empresas capitalistas produzem conjuntamente mais do que pode ser consumido. O gasto inaproveitado de recursos do planeta convive com o subconsumo.
VII -- Valor para todos? No quadro do capitalismo o sistema de pensões e reformas -- construído com uma parcela do valor gerado pelo trabalho -- é, a não muito longo prazo (digamos, dentro de 25 a 30 anos) insustentável. Veremos, com números e factos, porquê.