Entretanto, no artigo anterior (o terceiro da
série: http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/09/desenvolvimento-sustentavel-iii.html
), vimos, com números concretos, que
seria possível oferecer um nível de vida mais digno a todos os povos do planeta
e, apesar disso, gastar muito menos
recursos, desde que se minorasse fortemente a actual disparidade entre
países no gastos de recursos: enquanto uns esbanjam outros vivem na penúria.
Note-se que no artigo anterior analisámos
apenas a disparidade de PIBpc entre países. Disparidade insustentável, que
resulta, em larga medida, do sistema imperial de exploração capitalista. Mas
não nos podemos esquecer de que a exploração capitalista é também geradora de
uma péssima utilização de recursos que contribuem para um alto valor dos respectivos
gastos (traduzidos nos valores de NT, ou «Terras»: ver no artigo anterior);
isto, num quadro de enorme pobreza e desigualdade social, num quadro geral de
penúria. Dois exemplos apenas: os EUA com 4,23 Terras têm um péssimo índice de
Gini, IG = 0,45; Portugal tem um PIBpc que corresponde a 2,14 Terras e também
tem um mau IG = 0,36 (sobre o IG=Índice de Gini, ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os.html
). Ambos os países têm níveis de pobreza muito elevados.
O que dissemos relativamente à disparidade
entre países aplica-se também à distribuição de rendimento em cada país: uma mais justa repartição de rendimento,
com eliminação de esbanjamentos e luxos, a todos os títulos imorais, de uma
pequena fatia da população de um grande número de países, permitiria reduzir fortemente a desigualdade social e a pobreza
(que têm vindo a aumentar significativamente) e, apesar disso, obter uma
enorme poupança de recursos da Terra (ver, sobre este assunto: http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/08/desigualdade-social-portugal-e-os.html
).
* *
*
De vez em quando aparecem na televisão uns
senhores muito bem engravatados, por vezes, sumidades ligadas a instituições
internacionais como o Banco Mundial, falando do alto da sua cátedra sobre a
necessidade de um desenvolvimento sustentável; e, a bem de tal objectivo, eis
que aí encontram ensejo de apresentar mais uma razão para defenderem a
austeridade. Nos dias de hoje é também de bom-tom presidentes, reis e rainhas
debitarem a sua tirada modernaça sobre desenvolvimento sustentável em discursos
oficiais.
É preciso desmascarar esta hipocrisia.
Nós dizemos:
Falar,
em nome da sustentabilidade do desenvolvimento económico, sobre a contenção de
rendimentos a centenas de milhões de pobres do planeta, a biliões de seres
humanos que auferem uma côdea comparada com a enormidade dos gigantescos rendimentos
e fortunas de alguns, é um exercício imoral, cruel e patético.
* *
*
Porque não é então feita essa repartição mais
justa, a bem da Terra e dos seres humanos que vivem nela?
A resposta é óbvia: a «lógica» do sistema capitalista não é a das repartições «justas», não
é a da satisfação das necessidades sociais. É, sim, a da obtenção de lucros
para os detentores dos meios de produção e administradores (com clientelas
associadas) de instituições financeiras como os bancos. É, portanto, a reprodução constante de uma «lógica» de
enriquecimento ilimitado de uns poucos à custa da penúria e sofrimento de milhões.
É também a lógica de concentração de capital em monopólios (ver o que dissemos
em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/09/a-grande-mentira-da-economia-de-mercado.html
sobre a tendência para a formação de monopólios no «mercado livre») cujos
interesses se fundem com os do Estado, naquilo que se designa por capitalismo monopolista de Estado. É
este o sistema que vigora em países de economia capitalista (dita) desenvolvida
do «mundo ocidental» (EUA, Canadá, Japão, UE) com uma componente financeira
inflacionada.
É certo que os defensores do capitalismo --
com a colaboração empenhada de políticos e dirigentes sindicais
sociais-democratas -- não se cansam de exibir os raríssimos exemplos dos
«paraísos consumistas» do Norte da Europa. Mas mesmo estes «paraísos» são cada
vez menos paradisíacos: a Dinamarca tem tido taxas de crescimento baixas, e
entrou em recessão no 3.º trimestre de 2011 e no 4.º de 2012; a Holanda está em
recessão há 7 trimestres; a Suécia, com taxas de crescimento baixas, também
esteve em recessão no 1.º trimestre de 2011 e no 2.º de 2013. Será que estes
países, conscientemente, dedicaram menos atenção ao crescimento económico em
nome da sustentabilidade, mas ao mesmo tempo procurando melhorar o nível de
vida dos seus cidadãos, em geral? De forma nenhuma. Conjuntamente com o
declínio económico que assinalámos assiste-se ao aumento da pobreza e da
desigualdade. Se olharmos para a percentagem da população em risco de pobreza
(dados do Eurostat para a percentagem de famílias com rendimento abaixo de 60%
do valor mediano), temos: na Dinamarca a percentagem da população em risco de
pobreza cresceu de 16,3% para 18,9% de 2008 para 2011; na Holanda, cresceu de
14,9% para 15,7%; na Suécia cresceu de 14,9% para 16,1%. Na «lógica» do
capitalismo nunca são os banquetes dos ricos que diminuem em tempo de crise;
diminuem apenas e sempre as migalhas que sobram dos banquetes.
Na «lógica» da busca de lucro, no ambiente caótico
de concorrência do mercado -- fora de qualquer planificação consciente da
satisfação das necessidades sociais -- o que interessa é procurar vender muito
com baixos custos de produção, independentemente do que se vende. Podem ser meras
bugigangas para os mais abonados de rendimentos. Vender, vender muito, vender
qualquer coisa: eis aqui o dispêndio imoderado de recursos naturais.
(A procura de baixos custos de produção conduz
também a produzir de qualquer maneira, sem olhar às consequências da poluição
do meio ambiente. Este é também um tópico da sustentabilidade, mas que não
desenvolveremos.)
* * *
Resumindo:
A Causa (das Causas) da Insustentabilidade é o
Capitalismo.
É
totalmente impossível melhorar substancialmente a sustentabilidade do desenvolvimento
económico no quadro do capitalismo.
Não se
trata aqui de uma mera opinião ideológica. A própria materialidade, a própria objectividade
dos factos, fundamenta a conclusão que expressámos.
A
preocupação essencial que é necessário ter não é com o aumento populacional e a
diminuição de recursos naturais (embora estes aspectos também nos devam
preocupar); é, sim, com a desigualdade social dentro de cada país e entre
países.
Lutar contra o capitalismo é lutar também e da melhor
forma possível pela sustentabilidade do desenvolvimento económico.
* * *
É típico da intelectualidade social-democrata
-- defensora do capitalismo com uma ligeiríssima limagem de arestas -- avançar
com medidas paliativas da sustentabilidade: aumentar a reciclagem, reparar
equipamentos e bens deteriorados, reutilizar a água, etc. Não negamos que tais
medidas possam trazer alguns benefícios, mas são uma gota de água no oceano. No
fundo, trata-se de conversa fiada que mascara a escala do problema, permitindo a
esses intelectuais encobrir a verdadeira causa da insustentabilidade e gerar
falsas expectativas sobre um eventual «capitalismo sustentável». Fala-se também
em «Economia verde» e até se chegou recentemente a falar nessa espantosa
mistificação que dá pelo nome de «capitalismo humanista», uma contradição nos
termos. É todo um conjunto de ideias que vão desde a inconsciência e ingenuidade
ao embuste.
Há, também, quem proponha que, em nome da
sustentabilidade, se defenda um crescimento zero. Mais uma vez, trata-se de
simples escapatória da questão essencial: a luta contra o capitalismo. Aos
intelectuais que defendem o crescimento zero só dizemos isto: que vão defender
essa tese junto dos pobres.
Por muito que pese à intelectualidade
social-democrata é impossível resolver o
problema da sustentabilidade no quadro do capitalismo.
* * *
Nos dois artigos seguintes iremos abordar
tópicos que estão intimamente ligados com a sustentabilidade do desenvolvimento
económico no sistema capitalista:
VI -- Sobreprodução-subconsumo. Na luta
concorrencial por obtenção de lucros as empresas capitalistas produzem
conjuntamente mais do que pode ser consumido. O gasto inaproveitado de recursos
do planeta convive com o subconsumo.
VII -- Valor para todos? No quadro do capitalismo o sistema de pensões e
reformas -- construído com uma parcela do valor
gerado pelo trabalho -- é, a não muito longo prazo (digamos, dentro de 25 a 30
anos) insustentável. Veremos, com números e factos, porquê.