segunda-feira, 3 de junho de 2019

«A Cebola Gorbatchev» - I | “The Onion Gorbachev” - I

Quando, em 10 de Março de 1985, Gorbatchev foi escolhido pelo Politburo como Secretário-Geral do PCUS o socialismo na URSS e noutros países europeus, e a própria existência da URSS, tiveram morte anunciada. Sabemo-lo agora, graças a inúmeros livros, documentos e testemunhos que vieram a público depois de 1990. Mas não o sabiam em 1985 inúmeros comunistas honestos dentro e fora da URSS.

Krutchev inaugurou em 1953 o caminho da revisão das leis de construção do socialismo. O revisionismo representava os interesses e a mentalidade pequeno-burguesa, sobrevivente em quadros técnicos e dirigentes de cooperativas e empresas. A «reforma de mercado» em 1965, que recuperou o «lucro» nas empresas e, p. ex., a eliminação das estações de máquinas agrícolas para vender as máquinas aos kolkhozes, incentivou os apetites de muitos quadros que ficaram com um pé na propriedade privada. A ideologia revisionista infiltrou-se nos mais altos postos do PCUS, nas instituições estatais e KGB. O apetite pela propriedade privada cresceu com todos os sucessores de Khrutchev, e com ela a corrupção, o nepotismo, e a economia paralela, reflectindo a benevolência da nomenklatura perante o avanço da propriedade privada debaixo da capa da propriedade social. Cresceu o definhamento do marxismo-leninismo, a sua redução a fórmulas sem vida e, de facto, o seu abandono -- embora em palavras se dissesse que estava vivo. Uma contribuição maior para isso foi a campanha anti-Estaline -- inaugurada por Krutchev precisamente para esse fim --, que minou a educação e firmeza ideológica dos militantes do PCUS. Não nos esqueçamos que, como argumentaram Lenine e Estaline, na luta por e na construção do socialismo os factores subjectivos – nomeadamente, a formação ideológica dos militantes do partido comunista -- têm muito maior importância que nas transições para e construções das anteriores formações sociais.

Gorbatchev foi o liquidatário final. Fez de jure o que já amadurecera de facto, abrindo as portas legais à restauração plena do capitalismo. Teve, porém, de o fazer de forma gradual, subtil, com conversa dúplice, pois sabia que, apesar de algum descontentamento, o apoio das massas ao socialismo anda era muito grande. A subtileza de Gorbatchev foi de tal ordem que conseguiu enganar dirigentes experimentados, como p. ex. Fidel Castro. Este, numa entrevista de 1992 – quando Gorbatchev já era o querido de Margaret Thatcher e Ronald Reagan – disse: «Não posso dizer que Gorbatchev tenha cumprido um papel consciente na destruição da União Soviética, porque não tenho dúvida de que Gorbatchev tinha a intenção de lutar por um aperfeiçoamento do socialismo, não tenho nenhuma dúvida disso» [1].

De facto, a ideia de que ia «aperfeiçoar o socialismo» era uma das subtilezas de Gorbatchev (e de todos os revisionistas e renegados!), conforme descreve Kurt Gossweiler no artigo cuja divulgação, em duas partes dada a extensão do original, iniciamos abaixo com a primeira parte.

Kurt Gossweiler (1917-2017), historiador no Instituto de História Academia de Ciências da RDA, era um comunista de firmes convicções e profundos conhecimentos marxistas-leninistas. A sua obra é de grande valor. Já divulgámos alguns trabalhos deste autor e tencionamos divulgar mais.
When, on 10 March 1985, Gorbachev was elected by the Politburo General Secretary of the CPSU, socialism in the USSR and in other European countries, and the very existence of the USSR, had a foretold death. We know this now, thanks to countless books, documents and testimonies that came out in public after 1990. But in 1985 there were countless honest communists inside and outside the USSR who didn’t know that.

Khrushchev inaugurated in 1953 the path revising the laws of socialist construction. Revisionism represented the petty-bourgeois interests and mentality surviving in technical staff and managers of co-operatives and enterprises. The “market reform” in 1965, which reinstated “profit” in enterprises and, e.g., the elimination of the stations of agricultural machinery to sell the machines to kolkhozes, encouraged the appetites of many cadres who got then one foot on private property. The revisionist ideology infiltrated the highest positions of the CPSU, of the state institutions and KGB. The appetite for private property grew up with all successors of Khrushchev, and with it corruption, nepotism, and the parallel economy, reflecting the benevolence of the nomenklatura vis-à-vis the advance of private property under the cover of social property. The withering of Marxism-Leninism also grew, with its reduction to lifeless formulas and, in fact, its abandonment -- although in words it was said that it was much alive. A major contribution to this was the anti-Stalin campaign -- inaugurated by Khrushchev precisely for that purpose --, which undermined the ideological education and firmness of the CPSU militants. Let us not forget that, as Lenin and Stalin have argued, in the struggle for and in the construction of socialism subjective factors -- namely, the ideological formation of the communist party militants -- are of far greater importance than in the transitions to and constructions of former social formations.

Gorbachev was the final liquidator. He enforced de jure what had already matured, opening the legal doors to the full restoration of capitalism. But he had to do it gradually, subtly, with double talking, because he knew that, despite some discontent, the support of the masses to socialism was still very high. Gorbachev's subtlety was such that he managed to deceive experienced leaders, such as, e.g., Fidel Castro. In a 1992 interview -- when Gorbachev was already the darling of Margaret Thatcher and Ronald Reagan -- he said: "I cannot say that Gorbachev played a conscious role in the destruction of the Soviet Union, because I do not have any doubt that Gorbachev intended to fight for an improvement of socialism, I have no doubt about it." [1]

In fact, the idea that he was going to "improve socialism" was one of the subtleties of Gorbachev (and of all revisionists and renegades!), as described in an article by Kurt Gossweiler whose publicizing, in two parts, given the extension of the original, we initiate below by posting the first part.

Kurt Gossweiler (1917-2017), an historian at the Institute of History of the Academy of Sciences of GDR, was a communist with firm convictions and deep Marxist-Leninist knowledge. His work is of great value. We have already divulged some works of him and will continue to do so.



As várias cascas da cebola Gorbatchev

Kurt Gossweiler

Fevereiro de 1993

Publicado pela primeira vez em edição especial do Kommunistischen Arbeiterzeitung (Jornal dos Trabalhadores Comunistas), Munique, Fevereiro de 1993. Depois publicado na revista Offensiv, Dezembro de 1994.
Tradução portuguesa de www.hist-socialismo.net, revista por nós a partir do original em alemão: http://kurt-gossweiler.de/.
As interpolações no texto em parêntese rectos são de Kurt Gossweiler. Umas poucas, em chavetas, são nossas.
Aqui só apresentamos as «cascas» de I a IV. As restantes ficam para o próximo artigo.
The various layers of the onion Gorbachev

by Kurt Gossweiler

February 1993

First published in a special issue of the Kommunistischen Arbeiterzeitung (Communist Workers' Journal), Munich, February 1993. Published by the magazine Offensiv, in December 1994.
Our translation is based on a Portuguese version (ww.hist-socialismo.net) reviewed by us referring to the original in German: http://kurt-gossweiler.de/ .
The interpolations in the text inside brackets are from Kurt Gossweiler. A few ones, inside braces, are from us.

Here, we present only the “layers” I through IV. The remaining ones will appear in a following post.



1. Do discurso de M. Gorbatchev na cerimónia fúnebre do seu antecessor K.U. Tchernenko (ND de 14.03.1985) [2]

«O Comité Central e o Politburo do CC tomaram e implementaram, sob a sua direcção [de Tchernenko], importantes deliberações sobre os problemas fundamentais do desenvolvimento económico e socio-político do país assim como sobre a educação comunista das massas. Konstantin Ustínovitch {Tchernenko} fez muito pela concretização do rumo leninista do nosso partido – o rumo para a consolidação do poder da nossa pátria assim como para a manutenção e reforço da paz mundial. Hoje, o Partido Comunista, o seu CC e o Politburo do CC declaram expressamente perante o povo soviético a sua determinação inabalável em servir fielmente a causa da paz, do progresso social e da felicidade dos trabalhadores.»

2. De uma entrevista de M. Gorbatchev ao jornal L’Humanité do PCF, de 4 de Fevereiro de 1986: [3]

«Pergunta: Em diversos círculos do Ocidente faz-se frequentemente uma pergunta: na União Soviética desapareceram todos os vestígios do estalinismo?

«Resposta: “Estalinismo” é um conceito inventado pelos inimigos do comunismo e largamente explorado para denegrir a imagem da União Soviética e do socialismo em geral. Decorreram 30 anos desde que o XX Congresso do partido levantou a questão de pôr termo ao culto da personalidade de Estaline e que o Comité Central do PCUS adoptou uma resolução sobre o assunto. Digamos com franqueza que foram, para o nosso partido, decisões difíceis de tomar. Foi um teste à firmeza de princípios do partido e à fidelidade ao leninismo. Penso que passámos esse teste de cabeça erguida, retirando do passado as lições que se impunham.»

Comentário: Esta resposta já é marcada pela ambiguidade e dupla interpretação que irão caracterizar as afirmações posteriores de Gorbatchev nos anos seguintes: em que consistia a «firmeza de princípios do partido»? No facto de essas decisões {anti-Estaline} terem sido tomadas ou {ao invés} de não se ter cedido ao «levar até ao fim o ajuste de contas com Estaline»?

Na mesma entrevista, um outro exemplo de ambiguidade deliberada do seu oráculo, calculado para induzir em erro:

«Na era nuclear é impossível continuar a viver, pelo menos durante muito tempo, com a mentalidade, os hábitos e as regras de conduta da Idade da Pedra.»

Todos os comunistas que leram isto ficaram satisfeitos: «Agora é que ele acertou em cheio nos imperialistas!» Mas muito rapidamente tiveram de constatar – caso tenham ouvido e visto com rigor – que não era aos imperialistas que ele se dirigia, mas sim aos seus, aos que conservavam o «velho», isto é, o pensamento marxista-leninista.

O mesmo acontecia com a inflamada divisa da necessidade do «novo pensamento». Claro que nós víamos isso principalmente como uma exigência ao lado imperialista; o nosso lado exigia a proibição, o banir de todas as armas nucleares desde a sua existência; propusemos intransigentemente ao outro lado o nosso desejo de coexistência pacífica, de resolução pacífica das nossas diferenças, e foram sempre eles que constantemente recusaram uma e outra. Era a eles que se tinha de exigir «novo pensamento» para evitar que a inevitável disputa entre sistemas conduzisse à guerra.

Mas não levou muito tempo para se tornar claro que Gorbatchev não se dirigia aos imperialistas, mas sim a nós: o pensamento da idade da pedra era a nossa insistência em manter os ensinamentos básicos do marxismo-leninismo, de que a guerra tem origem no imperialismo e que quanto mais forte for o socialismo, mais segura é a paz. Ele levou a maioria da nossa gente a considerar este ensinamento básico como «velho pensamento» e a aceitar a sua «superação» e substituição pelo seu «novo pensamento» como necessário e imperioso. O seu «novo pensamento» e respectiva política consistiam na lógica suicida de que quanto mais recuássemos perante o imperialismo, mais segura estaria a paz.

Esta lógica colocava, deveras, todos os factos de pernas para o ar: não era o imperialismo que ameaçava os países socialistas, mas sim o oposto, era o poder militar do Pacto de Varsóvia que ameaçava, supostamente, o Ocidente! Foi o próprio marechal Akromeiev que o afirmou! (ND de 13/14.04.1991: Akromeiev, «Conselheiro do presidente Gorbatchev» defendeu «a dissolução da estrutura militar da NATO». Justificação: «As forças armadas soviéticas já não constituiriam um perigo para a Europa, e o Pacto de Varsóvia dissolver-se-ia».)

Mas em 1986 ainda se mantinha a ambiguidade, formulada de tal forma que a aceitámos como uma não ambiguidade marxista-leninista, já que desejávamos que Gorbatchev fosse finalmente o homem capaz de retirar o socialismo do impasse e de o conduzir a novos voos, e era exactamente isto que ele tinha prometido.
I. The outer layer: the way of getting to power in the morning

1. From the speech of M. Gorbachev at the funeral ceremony of his predecessor K.U. Chernenko (ND, 14.03.1985) [2]

"The Central Committee and the Politburo of the CC have taken and implemented, under his [Chernenko’s] direction, important deliberations on the fundamental problems of economic and socio-political development of the country as well as on the communist education of the masses. Konstantin Ustynovich {Chernenko} did much to bring about the Leninist course of our party -- the path to consolidating the power of our homeland as well as maintaining and strengthening world peace. Today the Communist Party, its CC and the Politburo of the CC expressly declare before the Soviet people their unwavering determination to faithfully serve the cause of peace, social progress and the happiness of the workers.

2. From an interview of M. Gorbachev to the PCF newspaper L'Humanité of 4 February 1986: [3]

Question: In a number of circles in the West a question is often raised: have all vestiges of Stalinism disappeared In the Soviet Union?

Answer: ‘Stalinism’ is a concept invented by the enemies of communism and widely exploited to denigrate the image of the Soviet Union and of socialism in general. Thirty years have already gone by since the 20th Congress of the party raised the question of ending the personality cult of Stalin and since the Central Committee of the CPSU adopted a resolution on this issue. Let us say frankly that these were hard decisions for our party. It was a test to the firmness of principles of the party and of fidelity to Leninism. I think we passed this test with our heads high up, and drawing from the past the pertinent lessons."

Comment: This answer is already marked by the ambiguity and double interpretation that will characterize Gorbachev's future statements in the following years: what was the substance of the "firmness of principles of the party"? Was it the fact that those {anti-Stalin} decisions were taken or {else of} not having yielded to “carrying to the end the settling of accounts with Stalin”?

In the same interview, there is another example of deliberate ambiguity of his oracle, calculated to be misleading:

"It is impossible to continue living in the nuclear age -- at least for a long time --, with the psychology, habits and rules of conduct of the Stone Age."

All communists who read this were happy: "Now, he indeed fully hit the imperialists!" But very quickly they had to realize -- if they had accurately heard and seen -- that it was not the imperialists he was addressing to, but instead to his own people, those who retained the "old", that is, Marxist-Leninist thinking.

The same was true of the fiery slogan of the need for the “new thinking”. Sure enough, we saw this above all as a request to the imperialist side; our side demanded a prohibition, a ban on all nuclear weapons since the beginning of nuclear weapons; we have intransigently proposed to the other side our desire for peaceful coexistence, for the peaceful resolution of our differences, it was they who always and constantly refused them all. The demand of "new thinking" had to be addressed to them, in order to avoid that the unavoidable dispute between systems would lead to war.

But it did not take much time to become clear that Gorbachev was not addressing the imperialists, but rather addressing us: the stone-age thought was our insistence on maintaining the basic teachings of Marxism-Leninism, that war originates from imperialism and that the stronger the socialism, the more secure is peace. He led most of our people to regard this basic teaching as "old thinking" and to accept its "surpassing" and substitution for his "new thinking" as both necessary and imperative. His "new thinking" and corresponding politics amounted to the suicidal logic that the more we would retreat before imperialism the more secure would be peace.

As a matter of fact, this logic placed all the facts upside down: it was not the imperialism that threatened the socialist countries, but rather the opposite: it was the military power of the Warsaw Pact that supposedly threatened the West! It was Marshal Akhromeiev himself who affirmed it! (ND of 13 / 14.04.1991: Akhromeyev, "Advisor to President Gorbachev" spoke out in favour of "the dissolution of NATO's military structure." Justification: "The Soviet armed forces would no longer pose a threat to Europe, and the Warsaw Pact would be dissolved.")

But in 1986 the ambiguity was still maintained, formulated in such a way that we accepted it as a Marxist-Leninist non ambiguity, since we wished that Gorbachev would finally be the man capable of withdrawing socialism out of the impasse and of leading it to new heights, and that was exactly what he had promised to do.

3. O XXVII Congresso, Fevereiro de 1986 (ND de 26.02.1986):

Retrospectivamente, o que caracteriza o XXVII Congresso é que – como hoje sabemos – se iniciou a retoma dos objectivos do XX e do XXII congressos do PCUS, embora isto só fosse possível de supor formalmente, já que, no seu decorrer, quase não se puderam constatar sinais disso.

A formalidade: o primeiro congresso sob a direcção de M. Gorbatchev iniciou-se a 25 de Fevereiro de 1986, exactamente trinta anos após o XX Congresso. Tais formalidades não são contudo coincidências, têm significado «programático».

Mas esta data manteve-se como a única indicação de uma qualquer intenção de estabelecer uma continuidade entre estes dois congressos. Quem esperava e desejava uma relação directa com o XX Congresso ficou desiludido. Pode suspeitar-se que Gorbatchev teve a intenção de estabelecer uma tal relação, mas não obteve o acordo do Politburo. A sua posição ainda era fraca, ainda não dominava o CC, e ainda menos o congresso. Teria sido fácil aos da direcção, que tinham sido determinantes na sua eleição – como por exemplo Gromiko – reunir uma maioria contra ele. Primeiro, este congresso tinha de o ajudar a alcançar uma posição própria de poder, que lhe permitisse formar uma nova direcção constituída pela sua gente. Os plenários após o congresso assim como a XIX Conferência do partido ocuparam-se disso, e as mudanças posteriores na direcção do partido tornaram a sua posição tão inatacável que ele pôde afirmar cada vez mais claramente os objectivos do seu rumo.

Mas no XXVII Congresso as coisas ainda não estavam tão adiantadas. Gorbatchev ainda se esforçava por não suscitar dúvidas sobre a sua fidelidade ao leninismo, e limitou-se a alusões sobre as mudanças de rumo que tencionava fazer. Eis um pequeno exemplo disto no seu discurso:

«Marx comparou o progresso na sociedade exploradora com “aquela abominável divindade pagã que só queria beber néctar do crânio dos vencidos”. … A análise de Marx surpreende pela sua dimensão histórica, acerto e profundidade. Aplicada à realidade burguesa do século XX talvez seja ainda mais actual do que no século XIX». (!!! Mas muito em breve nos virá dizer que o século XIX, e com ele Marx, não nos pode ensinar mais nada porque os seus ensinamentos são antiquados!) «Por um lado, o desenvolvimento impetuoso da ciência e da técnica abrem-nos possibilidades, nunca antes existentes, de domínio sobre as forças da natureza e de melhoria das condições de vida da humanidade. Mas por outro lado, o “esclarecido” século XX entrou para história através de criações do imperialismo como guerras sanguinárias, militarismo e fascismo desenfreados, genocídio, empobrecimento de milhões. A ignorância e obscurantismo convivem no mundo do capital com as grandes conquistas da ciência e da cultura.»

À primeira vista pode pensar-se: uma análise marxista! Num olhar mais cuidado constatar-se-á que não se pode falar de análise: não são expostas relações internas, regista-se simplesmente uma contraposição do bom e do mau. E isto permite-lhe então, em vez de concluir a necessidade da luta contra o imperialismo, afirmar uma banalidade, na qual se esconde o abandono de Marx e Lenine e a renúncia à luta pela paz através da mobilização dos povos contra o imperialismo:

«E é esta a sociedade com a qual nós temos de ter relações de vizinhança, procurar vias de cooperação e de compreensão mútua.» E porque temos de o fazer? «A história assim o dispôs.»

Isto é recorrente nele, não remete para o bom Deus – ainda não, lá chegará! – mas apresenta sempre as suas decisões como decisões do destino – exigidas pela «história» ou pela «vida».

Ou seja, tudo o que virá mais tarde já está aqui in nuce {concisamente} esboçado.
3. The 27th Congress, February 1986 (ND, February 26, 1986):

Retrospectively, what characterizes the 27th Congress is that -- as we know today -- it initiated the readmission of the objectives of the 20th and 22nd Congresses of the CPSU, though this could only be formally guessed, since in the course of it only barely recognizable signs could be ascertained.

The formality: the first congress under the direction of M. Gorbachev began on February 25, 1986, exactly thirty years after the 20th Congress. Such formalities are however no coincidences, they have "programmatic" meaning.

But this date remained the only indication of any intention to establish a link between these two congresses. Those who hoped and wanted a direct relationship with the 20th Congress were disappointed. It may be suspected that Gorbachev intended to establish such a relationship, but he did not obtain the agreement from the Politburo. His position was still weak; he did not yet dominated the CC, let alone the congress. It would have been easy for those in the leadership who had been decisive in his election -- such as Gromiko -- to muster a majority against him. This congress had first to give him an independent position of power, which would allow him to form a new leadership composed of his people. This occupied the plenums after the congress and the nineteenth party conference, and the subsequent changes in the party leadership made his position so unassailable that he could state more and more clearly where his course was heading.

But at the 27th Congress things were not yet so far ahead. Gorbachev still strove not to raise doubts about his faithfulness to Leninism, and he limited himself to allusions about the changes of direction he intended to make. Here is a small example of this in his speech:

"Marx compared progress in exploitative societies with "that heinous pagan deity who only wanted to drink nectar from the skull of the vanquished." (...) Marx's analysis surprises by its historical dimension, accuracy and insightfulness. Applied to the bourgeois reality of the twentieth century it may be even more pertinent than in the nineteenth century." (!!! But he shall soon tell us that the nineteenth century, and with it Marx, can teach us nothing else because its teachings are old-fashioned!) "On the one hand, the impetuous development of science and technology open us possibilities, never before existing, of overmastering the forces of nature and of improving the living conditions of mankind. But on the other hand, the "enlightened" twentieth century entered history through creations of imperialism such as bloody wars, unbridled militarism and fascism, genocide, and impoverishment of millions. Ignorance and obscurantism coexist in the world of capital with the great achievements of science and culture."

At first glance one can think: a Marxist analysis! Upon closer inspection, one will find that there is here no analysis at all: he does not expose internal connections, but simply registers a juxtaposition of good and bad. And this allows him, instead of concluding the necessity of the struggle against imperialism, to assert a banality in which are masked the abandonment of Marx and Lenin and the renunciation of the struggle for peace through the mobilization of peoples against imperialism:

"And this is the society with which we have to have neighbourly relations, to seek ways of co-operation and mutual understanding." And why do we have to do so? "History has set it so."

This is recurrent in him; he does not refer to the good Lord -- not yet, but that will come! --, but he always presents his decisions as destiny decisions -- demanded by “history” or “life”.

That is, everything that will come later is already here in nuce {in a nutshell} outlined.

II. Cai a primeira casca: o poder está firme, os avanços para a liberalização tornam-se mais claros

O discurso de M. Gorbatchev no 70.º aniversário da Revolução de Outubro (ND de 03.11.1987) [6]

Na verdade o discurso é constituído por duas apreciações completamente contraditórias da história da União Soviética.

A primeira parte é uma avaliação da perspectiva de um comunista: esta parte foi-lhe incumbida pelo Politburo. Aí encontram-se afirmações que ele próprio porá em causa com o que apresenta na segunda parte, principalmente no que respeita ao período de Estaline. Com isto, este discurso segue o plano do XX Congresso, cuja parte oficial e pública foi mais ou menos justa para com toda a história soviética e fez uma crítica relativamente moderada a Estaline, enquanto a segunda, à porta fechada, e só para um círculo restrito de delegados ao congresso, com o relatório de Kruchev (que até há pouco tempo só existia publicado no Ocidente, e que não tinha sido confirmada como verdadeira nem por Kruchev, nem pelo PCUS), apresentou uma deturpação da história do PCUS sob a direcção de Estaline, entremeada com invenções e infundadas suposições.

Citamos algumas passagens assinaláveis da primeira parte do discurso de Gorbatchev – assinaláveis acima de tudo considerando afirmações posteriores de Gorbatchev, em flagrante contradição com elas.

«O ano de 1917 mostrou que a escolha entre socialismo e capitalismo é a principal alternativa social da nossa época, que no século XX não se pode avançar sem caminhar para uma forma superior de organização social, para o socialismo. Esta conclusão leninista fundamental não é hoje menos actual …. É esta a lei do desenvolvimento social progressivo.»

«A história apresentou um duro ultimato ao novo regime: ou criava no mais breve prazo a sua base socioeconómica e técnica e sobrevivia, proporcionando à humanidade a primeira experiência de uma organização justa, ou extinguir-se-ia … O período depois de Lenine … ocupou um lugar particular na história do Estado soviético. Em pouco mais de década e meia realizaram-se mudanças sociais fundamentais.»

«O trotskismo … representou, na sua essência, um ataque ao leninismo em toda a linha. Na prática estava em causa o destino do socialismo no nosso país, o destino da revolução. Nestas condições era necessário desdourar publicamente o trotskismo e desmascarar a sua essência anti-socialista. A situação complicou-se porque os trotskistas constituíram um bloco com a nova oposição liderado por G.E. Zinoviev e L.B. Kamenev.»

«Deste modo, o núcleo dirigente do partido, liderado por I.V. Estaline, defendeu o leninismo na luta ideológica, formulou a estratégia e táctica para a etapa inicial da construção do socialismo, e a sua linha política teve o apoio da maioria dos membros do partido e dos trabalhadores.»

Depois de uma tal apreciação, seguiram-se as passagens em que se fazem todas as acusações conhecidas contra Estaline, de uma forma ainda mais concentrada. No fundo, começa aqui a campanha que em todos os media, mas especialmente no Moskóvski Novosti, sob o lema do esclarecimento das «manchas brancas», se dedicou a enegrecer a história soviética, inicialmente só os anos sob Estaline, mas depois todo o período soviético, e assim preparou a contra-revolução.

Ainda mais importantes são as passagens do discurso de Gorbatchev onde em retrospectiva se podem ver indicações da posterior política do obstinado desmantelar das estruturas socialistas na economia e sociedade, e que já podiam ter sido vistas como apontando na direcção errada, se qualquer olhar crítico de «Gorbi» não fosse então considerado supérfluo ou até mesmo blasfémia.

Essas passagens eram:

Primeiro: a selecção tendenciosa de citações de Lenine que distorcem Lenine reduzindo-o a uma «dúzia de liberais». Com isto matavam-se dois coelhos de uma cajadada: a constante citação de Lenine provaria que Gorbatchev era um autêntico leninista; por outro lado, as linhas citadas deviam, com a autoridade de Lenine, proteger de ataques a sua política anti-leninista. Literalmente, cada citação de Lenine que Gorbatchev usa para justificar a sua «política de reformas», revela o mais grosseiro abuso: se se ler a respectiva passagem da qual é tirada a citação, ela afirma o contrário do que Gorbatchev quer sancionar com ela; em Lenine a essência da afirmação é sempre a justificação da necessidade da luta irreconciliável de classes; Gorbatchev distorce sempre os seus pedaços de citação como prova de que a sua renúncia à luta de classes concorda com o pensamento leninista.

Segundo: a preferência pelos últimos textos de Lenine, entre 1922 e 1923. Isto não só por causa do chamado «Testamento» (sempre citado de forma incompleta e apresentado unilateralmente), mas sobretudo para interpretar as propostas de Lenine de melhorar o trabalho dos órgãos soviéticos como directivas que se iriam concretizar agora, através das reformas de Gorbatchev, a perestroika. Os jornalistas e propagandistas de Gorbatchev também não hesitaram em interpretar esses textos como prova de que já Lenine estava atormentado por dúvidas sobre se «a experiência socialista» na Rússia podia ser levada até ao fim.

Terceiro: a preferência especial de Gorbatchev e do seu batalhão de escribas pelo período da NEP [5]. Em oposição à afirmação inequívoca de Lenine, é apresentado não como um recuo temporário, mas sim como o método da construção do socialismo, erradamente estrangulado por Estaline, e ao qual se deve voltar para tirar o país da estagnação. O especial entusiasmo da gente de Gorbatchev pela NEP resulta da admissão de diferentes formas de propriedade; podem por isso declarar que a admissão da propriedade privada dos meios de produção, ao lado da propriedade socialista, constituía um retorno à política leninista. Esta orientação é já muito evidente no discurso do 70.º aniversário da Revolução de Outubro.
II. The outer layer falls off: power is firm, advances towards liberalization become clearer

The speech of M. Gorbachev on the 70th anniversary of the October Revolution (ND of 03.11.1987) [6]

In fact, the speech is made up of two completely contradictory assessments of the history of the Soviet Union.

The first part is an assessment from the perspective of a communist: this part was assigned to him by the Politburo. There are in it statements which he himself will bring into question with what he presents in the second part, especially as regards the period of Stalin. This way, his speech followed the plan of the 20th Congress, whose official and public part was more or less fair to all Soviet history and made a relatively moderate critic to Stalin, while the second part of Khrushchev’s report, with closed doors, and only for a restrict circle of delegates to the Congress, (which until recently had only been published in the West, and which had not been confirmed as true either by Khrushchev or by the CPSU), delivered a misrepresentation of the history of the CPSU under the leadership of Stalin, interspersed with inventions and unfounded suppositions.

We quote some noteworthy passages of the first part of Gorbachev's speech -- noteworthy above all with regard to later statements of Gorbachev, in flagrant contradiction with them.

"The year 1917 showed that the choice between socialism and capitalism is the main social alternative of our time, and that in the twentieth century one cannot advance without moving up to a higher form of social organization, to socialism. This fundamental Leninist conclusion is no less topical today ... This is the law of progressive social development."

"History set forth a hard ultimatum to the new regime: either it created its socio-economic and technical basis in the shortest possible time and it would survive, offering humanity the first experience of a just organization, or it would be extinguished. … The period after Lenin ... occupied a particular place in the history of the Soviet state. In just over a decade and a half, fundamental social changes had taken place."

"Trotskyism ... represented, in its essence, an attack on Leninism on the whole front. In practice the fate of socialism in our country, the fate of the revolution was at stake. Under these conditions it was necessary to publicly remove the aura of Trotskyism and unmask its anti-socialist essence. The situation became complicated because the Trotskyites formed a bloc with the new opposition headed by G.E. Zinoviev and L.B. Kamenev."

"Thus, the ruling nucleus of the party, led by I.V. Stalin, defended Leninism in the ideological struggle, formulated the strategy and tactics for the initial stage of the construction of socialism, and its political line had the support of the majority of the party members and of the workers.”

After such an appreciation, followed the passages in which all the known accusations against Stalin are made, even in a more concentrated form. This was indeed the beginning of the campaign which in all media, but especially in the Moskowski Novosti, under the motto of clarification of the "white spots", was dedicated to blacken the Soviet history, initially only the years under Stalin, but later followed by the entire Soviet period, thus preparing the counter-revolution.

Even more important are those passages of Gorbachev's speech, which can be seen in retrospect as indications of the later policy of a perseveringly dismantling socialist structures in economics and society, which could have already be seen as pointing in the wrong direction, provided that any critical eye of “Gorbi” was not then considered superfluous or even blasphemous.

Those passages were:

First: the tendentious selection of quotations from Lenin which distort Lenin degrading him to a “dozen liberals”. With that, two birds were to be killed with one stone: the constant appeal to Lenin was to prove that Gorbachev was a reliable Leninist; on the other hand, the quoted lines were intended to use Lenin's authority in order to cover against attacks his anti-Leninist policy. Literally every cited Lenin quotation, with which Gorbachev justifies his "reform policy," turns out to be grossly abused: if one reads, the passage from which the quotation was dissected, it is the opposite of what Gorbachev wants to sanction with it; in Lenin the essence of the statement is always the justification of the necessity of the irreconcilable class struggle; Gorbachev always misuses his quotation pieces as proof that his rejection of the class struggle is consistent with Leninist thought.

Secondly, the preference for Lenin's last texts between 1922 and 1923. This not only because of the so-called "Testament" (which is always quoted incompletely and presented unilaterally), but above all to interpret Lenin's proposals for improving the work of the Soviet organs as directives, which would now be realized through Gorbachev’s reforms, the perestroika. The journalists and propagandists of Gorbachev also did not hesitate to interpret these texts as proof that Lenin had already been afflicted with doubts about whether "the socialist experience" in Russia could be carried to the end.

Third: the special preference of Gorbachev and his battalion of scribes for the NEP period [5]. Contrary to Lenin's unequivocal assertion, it is presented not as a temporary retreat, but as the method of building socialism, erroneously strangled by Stalin, and to which one should now return to lead the country out of stagnation. The special enthusiasm of Gorbachev’s people for the NEP comes from the admission of different forms of property; they can, therefore, declare that the admission of private ownership of the means of production alongside socialist property constituted a return to Leninist politics. This orientation is already quite evident in the speech of the 70th anniversary of the October Revolution.

«A direcção do partido demonstrou [entre Fevereiro e Outubro de 1917] capacidade para uma busca criativa colectiva, recusando estereótipos e consignas que, ainda ontem, noutra situação, pareciam inquestionáveis e as únicas possíveis». (Pareciam, diz ele, não que eram!). «Pode dizer-se que o próprio curso do pensamento leninista … foi um brilhante exemplo do pensamento anti-dogmático, verdadeiramente dialéctico, e consequentemente, de novo pensamento. Assim, e só assim, pensam e agem os verdadeiros marxistas-leninistas, em particular em tempos de mudança, críticos, quando se decidem os destinos da revolução e da paz, do socialismo e do progresso».

«A decisão sobre a Nova Política Económica também estava profundamente imbuída da dialéctica revolucionária, que alargou substancialmente os horizontes de ideias sobre o socialismo e as vias para a sua construção».

«Voltamo-nos agora cada vez mais para os últimos trabalhos de Lenine, a ideia leninista da Nova Política Económica, e procuramos retirar desta experiência tudo o que é valioso e necessário para nós hoje. Naturalmente que seria errado colocar um sinal de igualdade entre a NEP e o que fazemos actualmente … No entanto, a NEP tinha também um alcance mais vasto. Era a tarefa … de construir a nova sociedade … “com a ajuda do entusiasmo nascido da grande revolução, do interesse pessoal, do cálculo económico”…»

Como mais tarde se tornará claro, Gorbatchev não fez esta citação por causa do «entusiasmo revolucionário», nem do «cálculo económico», mas sim por causa da referência ao «interesse pessoal».

A ausência de interesse pessoal nos produtores de empresas estatais e cooperativas é assinalada e usada por Gorbatchev não como argumento a favor de uma reflexão sobre como poderia ser restabelecido no quadro das empresas socialistas, mas sim para propor a passagem à «concorrência de formas de propriedade», para a «economia de mercado socialista». O que se pretendia e se concretizou foi a reanimação dos instintos de propriedade privada.

Porém isto só aconteceu depois de a cebola mudar de pele. Aqui, na festa do 70.º aniversário, só foram tocados os primeiros sons do futuro leitmotiv, mas o motivo não foi ainda desenvolvido. Mas estes primeiros sons estavam lá, apesar de a maioria dos ouvintes e leitores não ter dado nenhuma atenção a este aspecto do discurso.

Na área da política externa havia um outro desenvolvimento do leitmotiv: a transformação da política leninista de coexistência pacífica, da política de luta contra o imperialismo com meios pacíficos para uma política anti-leninista de promiscuidade com o imperialismo, enquanto alegado caminho para evitar a guerra atómica, e cujo primeiro acorde, iniciado no XXVII Congresso do PCUS, já foi citado. Mas a mudança de princípio, a recusa do conteúdo da luta de classes na política de coexistência pacífica, ainda era camuflada, negada:

«A concepção leninista de coexistência pacífica tem naturalmente sofrido alterações … Todavia, como prolongamento da política de classe do proletariado vitorioso, a coexistência pacífica tornou-se, em particular na época nuclear, uma premissa para a sobrevivência de toda a humanidade.»

«O XXVII Congresso elaborou uma nova concepção detalhada de política externa. O seu ponto de partida, como é sabido, é a seguinte ideia: não obstante as contradições profundas do mundo actual e as diferenças fundamentais entre os estados que o compõem, o mundo está mutuamente interligado, é interdependente e forma um todo determinado.»

Esta descrição da situação do mundo na época não tem nada a ver com uma descrição marxista, já que intencionalmente não define o conteúdo e natureza das «contradições profundas» e das «diferenças fundamentais».

Ainda assim, como nesta altura o pensamento leninista continua a permear mais o PCUS do que o «novo pensamento» de Gorbatchev, este não pode deixar de confrontar as noções elementares de Marx e Lenine.

«… Neste novo momento de viragem na história mundial estamos a desenvolver teoricamente as perspectivas de avanço para uma paz estável. Com a ajuda do novo pensamento fundamentámos no essencial a necessidade e a possibilidade de um sistema abrangente de segurança internacional nas condições do desarmamento. Agora é preciso demonstrar a necessidade, a possibilidade real de atingirmos e realizarmos este objectivo.»

Para fazer tal «demonstração», Gorbatchev precisa de provar que as teses elementares do leninismo já não são válidas, ou seja, em primeiro lugar, responder de uma «nova forma» à questão da essência do imperialismo, na qual, «como é sabido, radica o principal perigo da guerra».

O mesmo é válido para as duas questões seguintes que coloca:

«Estará o capitalismo em condições de se libertar do militarismo, poderá funcionar e desenvolver-se economicamente sem ele?»

«Poderá o sistema capitalista prescindir do neocolonialismo?»

«Por outras palavras trata-se de saber se o capitalismo conseguirá adaptar-se às condições de um mundo sem armas nucleares e desmilitarizado, às condições de uma nova ordem económica mundial justa, às condições de uma confrontação honesta dos valores espirituais de dois mundos.»

Quem coloca estas questões desta forma, fá-lo porque já respondeu para si claramente «sim» a todas elas. Contudo, nesta altura, Gorbatchev ainda não pode afirmá-lo directamente. Por isso responde:

«A vida dará as respostas.»

Mas logo de seguida confessa que a sua política se baseia numa resposta positiva às questões acima colocadas:

«Assim, o que esperamos nós, sabendo que teremos de construir um mundo mais seguro em conjunto com os países capitalistas?»

Ora, aí está: não se pode alcançar um mundo seguro contra o imperialismo, é preciso «construí-lo com ele»! No final de uma interpretação arbitrária de exemplos, também escolhidos arbitrariamente, Gorbatchev chega à conclusão desejada de que as contradições imperialistas se podem «modificar».

«A situação não parece irresolúvel … estamos perante uma escolha histórica, que é ditada pelas leis de um mundo em muitos aspectos interligado e unificado.»

Um mundo «unificado por leis» que obrigam o capitalismo à coexistência pacífica com o socialismo, sob pena do declínio:

«Ou o colapso ou a busca conjunta de uma nova ordem económica, na qual os interesses destes ou daqueles ou de terceiros sejam tidos em conta numa base de igualdade de direitos. A via para a instauração de uma tal ordem parece agora divisar-se» – esta é a «feliz mensagem» que o «novo pensador» Gorbatchev anuncia à humanidade agitada por receios de uma guerra atómica. «Novo pensamento»? Antiquíssimo disparate, social-democrata-pacifista, que só serve para isto: levar as pessoas à passividade política na fé de que «os lá de cima» tratarão do assunto!

A fim de compreender plenamente o elemento de sedução jogado por Gorbatchov nessa sessão de encerramento, é preciso, antes de mais, apreciar a rápida viragem do sermão da cooperação de sistemas para os familiares e confiantes tons de luta de classes com os quais conclui o discurso, e isso só pode ser feito correctamente e sem dificuldade se confrontarmos esta declaração de lealdade à luta de classes com as omissões do nosso "salvador da paz" documentadas abaixo.

«O PCUS não duvida do futuro do movimento comunista, portador da alternativa ao capitalismo, movimento dos mais audazes e consequentes combatentes pela paz, pela independência e progresso dos seus países, pela amizade entre os povos da Terra. … O reforço da amizade e o desenvolvimento por todos os meios da cooperação com os países socialistas é a principal prioridade da política internacional da União Soviética! ...

«Como será o mundo quando atravessar o marco secular da nossa revolução, como será o socialismo, que grau de maturidade terá alcançado a comunidade mundial (!) de estados e povos? ... Em Outubro de 1917 deixámos para trás de nós o velho mundo, rejeitando-o irrevogavelmente. Avançamos para um mundo novo, o mundo do comunismo. Não nos desviaremos nunca deste caminho!»
"The leadership of the party demonstrated [between February and October 1917] the capacity for collective creative pursuit, by refusing stereotypes and slogans which, just yesterday, in another situation, seemed unquestionable and the only ones possible." (It seemed, he says, not that they were!). "It may be said that the very course of Leninist thought ... was a brilliant example of anti-dogmatic, truly dialectical thinking, and consequently of new thinking. Thus, and only in this way, do the true Marxist-Leninists think and act, especially in times of change, in critical times, when the fates of revolution and peace, socialism and progress are decided.”

"The decision on the New Economic Policy was also deeply imbued with the revolutionary dialectic, which substantially broadened the horizons of ideas about socialism and the ways in which it was established."

"At this moment we are turning more and more frequently to the last works of Lenin, to the Leninist idea of ​​New Economic Policy, and we seek to take from this experience all that is valuable and necessary for us today. Of course, it would be wrong to put an equal sign between NEP and what we are doing today … Nevertheless, NEP also had a wider scope. It was the task … of building the new society ... ‘with the help of the enthusiasm born of the great revolution, the personal interest, the economic accounting’ ..."

As will become clear later, Gorbachev did not cite this because of the “revolutionary enthusiasm” or “economic accounting”, but because of the reference to “personal interest”.

The absence of personal interest in the producers of state-owned enterprises and co-operatives is pointed out and used by Gorbachev not as an argument for a rethinking on how it could be re-established in the framework of socialist enterprises, but rather to propose going over to “competition of forms of property”, to “socialist market economy”. What was intended and was established was the revival of private property instincts.

But this only happened after the onion changed of layer. Here, on the commemoration of the 70th anniversary, only the first tunes of the future leitmotiv were played, but the motive itself has not yet unfolded. But these first tunes were there, though most listeners and readers have paid no attention to this aspect of the speech.

In the area of ​​foreign policy there was another development of the leitmotiv: the transformation of Leninist politics of peaceful coexistence, of the policy of fighting imperialism by peaceful means to an anti-Leninist policy of promiscuity with imperialism, as a supposed way to avoid the atomic war, and whose first chord, begun at the 22nd Congress of the CPSU, has already been quoted. But the change of principle, the rejection of the content of the class struggle in the policy of peaceful coexistence, was still camouflaged, denied:

"The Leninist conception of peaceful coexistence has naturally undergone changes ... However, as an extension of the class policy of the victorious proletariat, peaceful coexistence became, in particular in the nuclear age, a prerequisite for the survival of all humanity."

"The 27th Congress drew up a new detailed conception of foreign policy. Its starting point, as is well known, is the following idea: notwithstanding the profound contradictions of today’s world and the fundamental differences between the states that compose it, the world is mutually interconnected, it is interdependent and forms a definite whole."

This description of the world situation as it stood at the time has nothing to do with a Marxist description, since it intentionally does not define the content and nature of the “profound contradictions” and “fundamental differences”.

Anyway, since at this time the CPSU is still more permeated with Leninist thought than with Gorbachev's “new thinking”, he cannot help but confront elementary insights of Marx and Lenin.

“... We are now, at this new turn of world history theoretically working out the prospects of advancing toward a stable peace. With the help of the new thinking, we have essentially justified the necessity and possibility of a comprehensive system of international security under the conditions of disarmament. It is now necessary to demonstrate the necessity, the real possibility of reaching this goal and to achieve it."

In order to make such a "demonstration," Gorbachev needs to prove that the elementary theses of Leninism are no longer valid, that is, in the first place, to respond in a "new way" to the question of the essence of imperialism, in which, "as is well known, lies the main danger of war.”

The same applies to the following two questions which he raises:

"Will capitalism be able to free itself from militarism, can it function and develop economically without it?"

"Can the capitalist system do without neo-colonialism?”

“In other words, it is a question of whether capitalism will be able to adapt to the conditions of a world without nuclear weapons and demilitarized, the conditions of a new and just world economic order, the conditions of an honest confrontation of the spiritual values ​​of the two worlds.”

Anyone who poses these questions, and in this way, does it because he has already clearly answered yes to all of them. However, at this point, Gorbachev still cannot assert it directly. That’s why he answers:

“Life will give the answers.”

But then he immediately confesses that his policy is based on a positive response to the above questions:

"So, what do we expect, knowing that we will have to build a more secure world together with the capitalist countries?"

So, there you have it: you cannot reach a secure world against imperialism; you have to "build it together with it"! At the end of an arbitrary interpretation of examples chosen also arbitrarily, Gorbachev reaches the desired conclusion that imperialist contradictions can be "modified."

"The situation does not look insurmountable ... we are faced with a historical choice, dictated by the laws of a world in many ways connected and unified."

A world "unified by laws", which compel capitalism to peaceful coexistence with socialism or otherwise face downfall:

“Either the collapse or the joint pursuit of a new economic order, in which the interests of these or those or third parties are taken into account on the basis of equal rights. The path to the establishment of such an order seems now to come into sight" -- this is the "happy message" which the "new thinker" Gorbachev announces to the humanity shaken by the fears of an atomic war. «New thinking»? Very old, social-democratic-pacifist rubbish that serves only one purpose: to lead people into political passivity in the faith that "the people from up there" will deal with the matter!

In order to fully grasp the element of seduction played by Gorbachev in this closing session, one must first of all appreciate the fast turn from the sermon of system co-operation to the familiar and trusting class-struggle tones with which he concludes his speech, and this can only be done correctly and without difficulty if one confronts this declaration of loyalty to the class struggle with the omissions of our "peace saviour" documented below.

"The CPSU has no doubts about the future of the communist movement, the bearer of the alternative to capitalism, the movement of the most daring and consequent fighters for peace, for the independence and progress of their countries, for the friendship among the peoples of the earth… The strengthening of friendship and development by all means of co-operation with the socialist countries is the main priority of the international policy of the Soviet Union! ...

"How will be the world when it goes through the secular milestone of our revolution, how will socialism be, what degree of maturity will the world community (!) of states and peoples have achieved? ... In October 1917 we left the old world behind us, rejecting it irrevocably. We move forward into a new world, the world of communism. We will never stray from this path!”

III - A terceira casca: A ruptura pública com o leninismo na política externa – naturalmente para «salvar a paz» (ND de 08.12.1988) [7]

Em Outubro de 1988, Gorbatchev assumiu também o cargo de Presidente; substituiu Gromiko como presidente do Presidium do Soviete Supremo.

A 7 de Dezembro de 1988 discursou na assembleia da ONU em Nova Iorque e confirmou a ruptura com a concepção leninista da coexistência pacífica, que o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Chevardnadze, já tinha anunciado poucas semanas antes no mesmo local, na 43.ª Assembleia Geral da ONU, com as seguintes palavras:

«A direcção da União Soviética esforçou-se por dar um sentido -- desde o início ancorado no marxismo -- à ideia de interdependência entre a moderação de classe (!) e a universalidade humana, dando prioridade aos interesses comuns de todos os povos. Vemos a coexistência pacífica como princípio universal nas relações entre os estados e não como uma forma especial da luta de classes».

O discurso de Gorbatchev glosa esta declaração e envolve-a de uma coroa de justificações, todas baseadas na premissa de que a União Soviética e os comunistas lidavam agora com um imperialismo reformado, que de monstro devorador de seres humanos se convertera em manso cordeiro vegetariano, já a enterrar a intenção de erradicar o socialismo da Terra. Presta, então, especial tributo aos líderes do imperialismo mais poderoso e sem escrúpulos, o dos EUA. Podemos, assim, ler aí coisas sobre as quais hoje muitos se perguntam: como pude eu, com formação marxista, ver em tais palavras uma análise séria da situação!?

«A economia mundial está a tornar-se um organismo único, à margem do qual nenhum Estado pode desenvolver-se normalmente…»

A realidade, porém, deveria ser assim descrita: «A economia mundial está em vias de ser encaixada num organismo único, dentro do qual nenhum Estado se poderá desenvolver normalmente.»

Mas Gorbatchev continua assim:

«Seria ingénuo acreditar que os problemas que atormentam hoje a humanidade podem ser resolvidos através de meios e métodos que antes se utilizaram ou eram considerados adequados. … Esta experiência [acumulada até hoje pela humanidade] resultou de uma prática e de uma configuração do mundo, que já pertencem ou irão pertencer ao passado.»

Que ninguém acredite que se refere aqui sobretudo às práticas do imperialismo! Não, trata-se sobretudo da experiência da revolução como caminho para a solução dos problemas sociais.

«Hoje, porém, surge um outro mundo perante nós, para o qual é preciso procurar outros caminhos do futuro …

«Entrámos hoje numa época em que os interesses universais da humanidade assentam no progresso. A consciência disto exige que também a política mundial seja determinada pela prioridade dos valores humanos universais».

Para o marxismo, o movimento operário representa os interesses gerais da humanidade porque os trabalhadores só se podem libertar da exploração libertando a humanidade da exploração. Mas Gorbatchev prega-nos a comunhão de interesses entre trabalhadores, explorados do terceiro mundo, e exploradores imperialistas.

«Trata-se de cooperação, que, com mais rigor, se deveria chamar “co-criação” e “co-desenvolvimento”».

«É evidente, por exemplo, que a violência e a ameaça de violência não podem nem devem ser instrumentos da política externa … A todos, mas aos mais fortes em primeiro lugar é exigido restrição voluntária e total exclusão da utilização da violência no exterior.»

Algumas pessoas admiraram-se que Gorbatchev, apesar desta condenação eloquente do uso da violência, tenha todavia autorizado a intervenção das suas tropas na Lituânia e aberto o caminho aos americanos para a guerra do Golfo, ao dar instruções ao seu representante na ONU para não usar o direito de veto da União Soviética. Esta gente ainda não aprendeu a reconhecer o sentido escondido dos oráculos Gorbatchevianos: ao insistir na «total exclusão da violência no exterior», Gorbatchev apenas estava uma vez mais a tornar claro que a União Soviética, sob a sua direcção, não mexeria um dedo nem colocaria nenhum soldado em acção no caso de nova tentativa de golpe contra-revolucionário num dos países socialistas. Se a exigência «global» fosse dirigida a todos, então a União Soviética teria usado o seu veto contra a guerra do Golfo, não é?

«Uma exigência da nova etapa é a desideologização das relações entre estados.»

Ele praticou esta «desideologização» de forma consequente: mais nenhuma palavra contra os «imperialistas», só propaganda da confiança para com eles, como se segue:

«Do nosso ponto de vista existem perspectivas muito optimistas para o futuro próximo e distante. Vejam como se alteraram as nossas relações com os EUA. A pouco e pouco começou a formar-se uma compreensão mútua, surgiram elementos de confiança, sem os quais é muito difícil avançar na política.»

Bem, aqui temos de perguntar quem avançou na política: a «confiante» União Soviética, ou os EUA, de forma nenhuma confiáveis (e também de forma nenhuma dignos de confiança!)? Trata-se, portanto, de frases gorbachevianas vazias de conteúdo, que conduzem ao engano!
III - The third layer: The public rupture with Leninism in foreign policy – in order to "save peace", of course (ND of 08.12.1988) [7]

In October 1988 Gorbachev also took over the office of President; he replaced Gromyko as chairman of the presidium of the Supreme Soviet.

On December 7, 1988, he addressed the UN assembly in New York and confirmed the break with the Leninist conception of peaceful coexistence, which his Minister of Foreign Affairs, Shevardnadze, had already announced a few weeks earlier in the same place, at the 43rd General Assembly of the UN, with the following words:

"The leadership of the Soviet Union has endeavoured to give a sense -- from the outset anchored in Marxism -- to the idea of ​​interrelation between class moderation (!) and the human universality, giving priority to the common interests of all peoples. We see peaceful coexistence as a universal principle in the relations between states and not as a special form of class struggle."

Gorbachev's speech elaborates on this statement and surrounds it with a wreath of justifications, all based on the premise that the Soviet Union and the communists were now dealing with a reformed imperialism, converted from a human-devouring monster into a tame vegetarian lamb, who is already burying its intention of eradicating socialism from the face of the earth. With that, he pays especial tribute to the leaders of the strongest and most ruthless imperialism, those of the USA. We can, therefore, read things there about which many ask themselves today: how could I, a trained Marxist, see in such words a serious analysis of the situation!?

'The world economy is turning into a single organism, and outside of it no State can develop in a normal way ...”

The reality, however, should be described as follows: "The world economy is about to be encased into a single organism within which no single state can develop normally."

But Gorbachev goes further:

"It would be naive to believe that the problems that afflict humanity can today be solved by the means and methods that were previously used or considered appropriate. ... This experience [accumulated until now by humanity] was the result from a practice and a configuration of the world, which already belong or will belong to the past.”

Let no one believe that what is mainly meant here are the practices of imperialism! No, what is mainly meant is the experience of the revolution as a way to solve social problems.

"Today, however, another world is emerging before us, for which other ways into the future must be sought. ...

"We have now entered an epoch in which progress will underlie the universal interests of all humanity. This realization requires that world politics be also determined by the priority of universal human values. "

For Marxism the workers' movement represents universal human interests because workers can only free themselves from exploitation by freeing humanity from exploitation. But Gorbachev preaches us on the common interests of workers, of the exploited of the Third World, and of the imperialist exploiters.

“This is about co-operation, which, more rigorously, should be called ‘co-creation’ and ‘co-development’ ".

"It is clear, for instance, that violence and the threat of violence cannot be and should not be instruments of foreign policy ... From all, but first and foremost from the mightier, is demanded voluntary restraint and total exclusion of the use of violence abroad.”

Some people have been amazed that Gorbachev, despite this eloquent condemnation of the use of violence, has nevertheless allowed his troops to intervene in Lithuania and opened the way to the Americans in the Gulf War by giving instructions to his UN representative not to use the Soviet Union right of veto. These people have not yet learned to recognize the hidden meaning of the Gorbachevian oracles: when insisting on the “total exclusion of the use of violence abroad”, Gorbachev was only, once again, making it clear that the Soviet Union, under his direction, would not move a finger nor would place any soldier into action in the case of a new attempt of a counterrevolutionary coup in any of the socialist countries. If the “global” requirement were addressed to all, the Soviet Union would then have used its veto against the Gulf War, wouldn’t it?

"A requirement of the new stage is the de-ideologization of relations between states."

He consistently practiced this "de-ideologization": no more words against the "imperialists", only propaganda of trust towards them, as follows:

"From our point of view, there are very optimistic prospects for the near and distant future. Look how our relations with the United States have changed. Little by little, mutual understanding began to emerge, elements of trust have emerged, without which it is very difficult to move forward in politics."

Well, here we have to ask who has moved forward in politics: the “trusting” Soviet Union, or the in-no-way-trusting US (and also in no way trustworthy!)? We have here, therefore, Gorbachevian phrases void of content, leading to deceit!


«Todos têm de participar no movimento para uma maior unidade do mundo.»

Mas a quem é dirigido este apelo? Às potências liderantes imperialistas? Seria inútil: o seu objectivo era e mantém-se a unificação do mundo sob a sua direcção!

Então a quem? Só restam aqueles que não confiam nas boas intenções dos imperialistas, por exemplo um Honecker ou um Fidel Castro ou chefes de Estado no «Terceiro Mundo», que não se deixam «unificar» pelo Banco Mundial ou pelo FMI. Eis pois Gorbatchev como agente da propaganda do capital mundial! Difamação, deturpação deliberada das suas intenções? Vejam quem é este homem hoje! Não é suficiente?

Gorbatchev sobre a ONU:

«Infelizmente, logo após a sua fundação ficou sob a pressão da “guerra fria”. Durante muitos anos transformou-se num campo de batalhas propagandísticas e de cultivo da confrontação política.»

Ninguém estranhou estas palavras, ninguém se lembrou das instruções de Lenine aos diplomatas soviéticos: utilizar todas as oportunidades, todos os fóruns para desmascarar as intrujices e a hipocrisia dos imperialistas para denunciar a sua brutalidade perante as classes e povos oprimidos?

É assim tão difícil de reconhecer, por trás destas palavras de Gorbatchev, o grande e vergonhoso salamaleque aos imperialistas do representante da potência soviética, o seu ultrajante pedido de desculpas pelo comportamento «inconveniente» dos diplomatas soviéticos que antecederam Gorbatchev, que «infelizmente» não se coibiram de levar a luta de classes até aos salões abençoados de East River!? [8]

É claro que Gorbatchev sabia a estranheza, a indignação que o seu discurso provocaria em muitos comunistas na União Soviética e em todo o mundo. Tendo em atenção a sua sólida formação em marxismo-leninismo e o facto de possuir uma inteligência acima da média, então também podemos assumir que ele mesmo tinha consciência do carácter ilusório das suas esperançosas imagens futuras de uma cooperação plena de confiança entre o imperialismo e o socialismo. É, portanto, compreensível a sua necessidade de combater desde logo o mais que justificado cepticismo quanto à sua utópica «visão de paz»:

«Não haverá aqui um certo romantismo, um exagero das possibilidades e do amadurecimento da consciência social no mundo? Ouvimos este género de dúvidas e de perguntas tanto na nossa casa como de alguns parceiros ocidentais. Estou convencido de que não estamos desligados da realidade. No mundo já se formaram forças que, desta ou daquela maneira, incitam à entrada num período de paz. …»

Quem à época se deixou embalar por este canto da sereia, porque correspondia ao seu desejo de evitar o amplamente pintado perigo da guerra nuclear, quem, portanto, substituiu a análise racional da realidade por ilusões, agora, depois de as bolas de sabão Gorbatchevianas terem rebentado e o mundo se movimentar exactamente nas vias determinadas pelas leis descobertas por Marx e Lenine, e não pelas «novas [leis] objectivas» afirmadas por Gorbatchev, tem de reconhecer, no mínimo, que Gorbatchev foi um erro fatal.

E depois há que colocar uma questão: Quantas vezes Estaline foi declarado culpado e condenado por não ter acreditado nos avisos sobre a data exacta do assalto do exército alemão-fascista, e dessa forma – como se afirma levianamente – muitos milhares ou centenas de milhares de soldados soviéticos foram absurdamente sacrificados (quando se trata de ampliar a conta de culpas de Estaline, a escala para cima não tem fim)?

Mas qual é então o peso do «erro» Gorbatchev, um erro que não só é responsável por recuos, mas também por ter deitado a perder em vão os resultados de 70 anos de um Estado socialista, as vidas de todas as vítimas da revolução, da guerra civil e da II Guerra Mundial, um erro que provocou milhares de vítimas nas guerras entre os povos da ex-União Soviética, as vítimas da tragédia jugoslava e todos os que morrem no terceiro mundo porque já não existe o campo socialista?

Por que motivo o erro de um, que no entanto não impediu a maior vitória histórica do socialismo, é razão para a condenação eterna e porque é que o «erro» do outro, que teve como consequência a pior e mais sangrenta derrota do movimento operário e de todas as forças progressistas, nunca antes considerada possível, não merece sequer ser referido?
"Everyone has to participate in the movement for greater unity in the world."

But to whom is this appeal addressed? To the leading imperialist powers? That would be useless: their aim was and remains the unification of the world under their direction!

To whom then? The remaining ones are those who do not trust the good intentions of the imperialists, for example a Hoenecker or a Fidel Castro or heads of state of the "Third World", who do not allow themselves to be "unified" by the World Bank or the IMF. Here we have then Gorbachev as a propaganda agent of global capital! Defamation, deliberate misrepresentation of his intentions? Just look who this man is today! Isn’t it enough?

Gorbatchev about the UN:

"Unfortunately, shortly after its foundation it became under the pressure of the ‘cold war’. For many years it became a field of propaganda battles and cultivation of political confrontation."

Was no one surprised at these words, has no one remembered Lenin's instructions to the Soviet diplomats -- to use every opportunity, every forum to expose the con-tricks and hypocrisy of the imperialists to denounce their brutality to the oppressed classes and peoples?

Is it so difficult to recognize behind Gorbachev's words the shameful kowtow of the representative of Soviet power before the imperialists, the ignominious apology for the "unseemly" behaviour of the Soviet diplomats preceding Gorbachev, who "unfortunately" did not shy away from carrying the class struggle to the sacred halls on the East River!? [8]

Naturally Gorbachev knew the strangeness, the indignation that his speech would provoke in many communists in the Soviet Union and throughout the world. And if we take into account his solid formation in Marxism-Leninism and the fact that he has an above average intelligence, then we may also assume that he himself was aware of the illusory character of his hopeful future images of a full trusting co-operation between imperialism and socialism. It is therefore understandable his need of countering, in advance, the more than justified scepticism regarding his utopian “vision of peace”:

"Don’t we have here a certain amount of romanticism, an exaggeration regarding the possibilities and the maturing of social consciousness in the world? We hear this kind of doubts and questions both at our home and from some Western partners. I am convinced that we are not detached from reality. There have already been formed forces in the world that, in one way or another, incite us to enter a period of peace. ..."

Whoever let himself/herself be lulled at that time by such siren singing, because it fulfilled his/her longing of avoiding the enormously painted danger of nuclear war, whoever, therefore, substituted rational analysis of reality for wishful thinking, must, at least today, after the Gorbachevian soap bubbles have burst and the world moves in exactly the ways determined by the laws discovered by Marx and Lenin and not by the "new objective” laws claimed by Gorbachev, acknowledge that Gorbachev, to say the least, was a fatal mistake.

And then a thoughtful question ought to be asked: How many thousands of times was Stalin found guilty and convicted for not believing the warnings about the exact date of the German-fascist army attack, and so -- as is lightly said – many thousands or hundreds of thousands of Soviet soldiers have absurdly been sacrificed (when it comes to expanding Stalin's guilt account, the scale upwards has no end)?

But what is then the weight of Gorbachev's "mistake", a mistake that is not only responsible for setbacks, but has also squandered the results of 70 years of socialist statehood, so that all victims of the revolution, civil war and Second World War were in vain, a mistake that has caused thousands of victims in the wars between the peoples of the former Soviet Union, the victims of the Yugoslav tragedy and all those who die in the Third World because the socialist camp no longer exists?

Why the mistake of one – which nevertheless did not prevent the greatest historical victory of socialism -- is the reason for eternal damnation, and why the "mistake" of the other, which resulted in the worst and bloodiest defeat of the labour movement and of all progressive forces, never before considered possible, does not even deserve to be mentioned?

IV. A quarta casca da cebola: o ataque declarado às bases económicas do Estado soviético – a propriedade social dos meios de produção

Este ataque foi apresentado principalmente num encontro de Gorbatchev com representantes seniores dos meios de comunicação de massas em 29 de Março de 1989 (ND de 1/2.04.1989).

Quem ler este discurso a correr, contestará resolutamente que seja feito nele um ataque declarado contra os fundamentos do socialismo, pois este discurso é também um excelente exemplo da arte de induzir em erro e logro, que Gorbatchev domina com mestria.

Ele não é um actor solitário. Examinou minuciosamente onde falhou a sua referência e pai espiritual Krutchev. (No seu discurso refere várias vezes que «nós» examinámos esta questão com rigor.) Uma das razões é que reconheceu que Krutchev tinha cometido um grave erro táctico. Colocara-se sempre à frente do «movimento reformador», e por isso focou em si todos os ataques dos chamados «conservadores». Isto não aconteceria com Gorbatchev. Ele actuaria de forma mais astuta: não estaria na linha da frente, mas sim como «mediador», aquele que mantém o partido unido contra os «extremos» de ambos os lados.

Para representar o «centro», precisava de uma oposição dos dois lados opostos. Não tinha que se preocupar com a oposição da esquerda, aqueles que se opunham ao seu amolecedor rumo liberalizador. Só tinha de se esforçar para que nunca conseguissem ter do seu lado a maioria dos órgãos decisórios. Isso seria mais fácil se tivesse uma oposição à direita, que na verdade pressionasse na direcção por si desejada, mas com exigências que pareciam exageradas na respectiva situação, com um ultra-radicalismo perante o qual se podia apresentar como reconfortante reformador moderado e defensor do que ainda era considerado intocável na consciência geral. Ieltsine assumiu com gosto este papel do «impulsionador». Ambos estavam de acordo, como o afirmaram muitas vezes, sobre o destino da viagem. O que na verdade não significava que Ieltsine se daria eternamente por satisfeito no papel de extremista refreado pelo N.º 1, como Gorbatchev ainda viria a aprender. Mas temporariamente a parelha funcionou excelentemente:

Ligatchev criticava Gorbatchev pela esquerda, Ieltsine acusava-o de ser um «indeciso» e Gorbatchev repelia o primeiro asperamente como «conservador» e representante da «nomenclatura» anquilosada, interesseira e só preocupada com as suas sinecuras, e simultaneamente apresentava Ieltsine como defensor resoluto de posições socialistas, aparecendo assim como o homem, sem cuja acção equilibradora, o partido estaria fadado à desintegração.

Quando, p. ex., Ieltsine exigiu que se retirasse da Constituição o artigo consagrando o papel dirigente do partido, num primeiro momento Gorbatchev reagiu com um indignado: «Não, nunca!». Depois, o seu «Não» enfraqueceu: «Não, não nas actuais condições.» E depois, num curto espaço de tempo, aterrou na justificação da necessidade da abolição desse artigo. O mesmo aconteceu com a exigência da abolição do sistema monopartidário e em muitos outros casos. Isto tornar-se-ia num ritual bem ensaiado, funcionando fielmente, da «perestroika».

Mas como no movimento operário e especialmente nos partidos comunistas, o termo «esquerda» da geografia política está conotado positivamente e «direita» negativamente, então não se podia manter que a oposição de esquerda fosse designada de esquerda e a pseudo-oposição de direita, de direita. Assim, seguramente para espanto de muitos, dentro e também fora da União Soviética, Ieltsine torna-se um «opositor de esquerda» e Ligatchev de «direita». Pois não queria Ligatchev conservar o que existia? Era portanto «conservador»; logo, como todos os conservadores, de direita. E não era Ieltsine alguém que pressionava impetuosamente para a mudança, ou seja, um revolucionário, logo, como todos os revolucionários, de esquerda? Ora aí está!

Assim temos o espectáculo raro de que a «esquerda» na União Soviética são aqueles a quem batem palmas os governantes e os seus media nas metrópoles do capital, enquanto os «direitas» têm uma péssima {imagem na} imprensa.

Esta inversão dos conceitos «esquerda» e «direita» não foi feita, claro, sem a intervenção de Gorbatchev. É ele o principal responsável de remover a estigmatizante etiqueta «direita» dos «reformadores radicais» e de a colar aos seus verdadeiros opositores, a verdadeira esquerda, os defensores do socialismo. Só quem conhece esta encenação da mascarada política moscovita, é capaz de descodificar os discursos de Gorbatchev.
IV. The fourth layer of the onion: the open attack on the economic bases of the Soviet state -- the social ownership of the means of production

This attack was stated principally at a meeting of Gorbachev with senior representatives of the mass media on 29 March 1989 (ND 1, 2.04.1989).

Anyone who reads this speech fleetingly will resolutely object that an open attack against the foundations of socialism has been made, for this speech is at the same time an excellent example of the art of misleading and deceiving, which Gorbachev handles in a masterful way.

He is no solo actor. He examined very closely where his model and spiritual father Khrushchev has failed. (In his speech he repeatedly mentions that "we" examined this question rigorously.) One of the reasons is that he recognized that Khrushchev had made a serious tactical error. He was always at the forefront of the "reform movement," and has therefore focused on himself all attacks of the so-called "conservatives." That should not happen to Gorbachev. He would do it in a more clever way: he should not be the frontmost, but the “mediator”, the one who holds the party together against the “extremes” on both sides.

In order to represent the “centre”, he needed an opposition from two opposite sides. He did not have to worry about the opposition of the left, those who opposed his softening course of liberalization; all he had to do was to make sure that they could never get on their side the majority of the decision-making bodies. This would be all the more easily achieved if he had an opposition to the right, which actually pressed in the direction he desired, but with demands that seemed excessive in the respective situation, with an ultra-radicalism facing which he could present himself as a comforting moderate reformer and defender of what is still regarded as inviolable in the general consciousness. Yeltsin was only too happy to take up this role of “hustler”. Both of them agreed quite well on where the journey should go, as they themselves admitted many times. This did not really mean that Yeltsin would be eternally satisfied in the role of hothead held back by No. 1, as Gorbachev would still have to learn.  But temporarily the pair functioned excellently:

Ligachev criticized Gorbachev from the left, Yeltsin accused him of being an "undecided," and Gorbachev repelled harshly the former as a "conservative" and representative of the ossified "nomenklatura", selfish and only preoccupied with their sinecures, and at the same time he portrayed Yeltsin as a resolute defender of socialist positions, thus appearing as the man, without whose balancing action, the party would be doomed to disintegration.

When, e.g., Yeltsin demanded that the article which laid down the party's leading role be deleted from the Constitution, Gorbachev reacted in a first moment with an outraged: "No, never!" Then his "No" weakened: "No, not in the present conditions." And then, in a short time, he landed on the justification of the necessity of abolishing that article. This was also the case with the demand for the abolition of the one-party system and in many other cases. This would become a well-rehearsed, and reliably functioning ritual of the “perestroika”.

But since in the workers’ movement and especially in the communist parties, the term “left”, of the political geography, has a positive connotation and “right” a negative one, it was not possible, therefore, to maintain the left opposition being called left and the pseudo opposition from the right, right. And consequently, and certainly to the astonishment of many, in the Soviet Union and also outside of it, Yeltsin becomes a "left-wing opponent" and Ligachev a "right-winger". Did not Ligachev want to keep what existed? He was therefore a "conservative" and for that reason, like all conservatives, a right-winger. And was not Yeltsin a man who pressed impetuously for changes, that is, a revolutionary, and like all revolutionaries a leftist? There you have it!

As a result of this we were then offered the rare spectacle that the "left" in the Soviet Union are those to whom the rulers and their media in the metropolis of the capital clap their hands to, while the "right-wingers" have a very bad {image in the} press.

This reversal of the concepts “left” and “right” was, of course, not without Gorbachev's intervention. He bears the main responsibility for removing the stigmatizing label of "right" from the "radical reformers" and of sticking it to his true opponents, the true left, the defenders of socialism. Only those who know this staging of the Muscovite political masquerade are able to decode the speeches of Gorbachev.

Vejamos agora a directiva do caminho a seguir que Gorbatchev apresenta ao pessoal dos meios de comunicação:

«Partimos do princípio de que, sem a resolução do problema alimentar e sem a formulação de uma política agrícola moderna (!) a perestroika não ganharia força e não avançaria. Aliás, também estávamos conscientes de que mesmo no sector agrícola não era possível contar com mudanças profundas, se não fossem acompanhadas por profundas mudanças no conjunto da sociedade.»

«É justamente esta perspectiva objectiva da situação que tornou necessária a reforma económica radical. Por isso mesmo também necessitávamos de uma reforma política.»

«Os bens alimentares são o problema fundamental da nossa realidade. Se o resolvermos, isso é um ganho colossal não só na economia, mas também na área social e a nível político. Se não conseguirmos resolver este problema, digamo-lo abertamente, podemos quebrar a perestroika, e seguir-se-á uma séria desestabilização da sociedade.»

A perestroika não foi quebrada. Por isso mesmo, a desestabilização da sociedade que já existia, continuou.

Naturalmente que o problema alimentar era, na verdade, muito importante, mas não era o problema fundamental da realidade soviética. O problema fundamental era o desencadeamento das forças anti-socialistas, nacionalistas, monárquicas e anti-semitas, incentivadas pelo ataques cada vez mais fortes dos media ao partido e ao aparelho de Estado. O problema fundamental era a ameaça ao socialismo na União Soviética, e através disso em todos os países socialistas europeus. As propostas que Gorbatchev apresentou aos representantes dos media eram tais que esta ameaça só poderia ter um enorme aumento.

«Tem um significado fundamental que, pela primeira vez desde há muitos anos, um plenário [do CC] tenha colocado no núcleo da solução dos problemas económicos uma mudança radical nas relações de propriedade e de produção no país, a transição para novas formas de gestão económica, e uma mudança essencial nos métodos de direcção. … Tenho consciência de que se trata de uma mudança fundamental da nossa orientação quer no desenvolvimento do sector agrícola, quer na economia em geral.»

«Por isso os resultados deste plenário, as suas consequências políticas e objectivos vão muito para além da questão agrícola, e têm um significado teórico, político e económico fundamental.»

«O sector agrícola assumirá o papel precursor, pioneiro na introdução das correspondentes formas de economia e de direcção. … Se os meios de comunicação não fizerem um esforço real e o povo não compreender as medidas aqui propostas, dificilmente as coisas avançarão. … Naturalmente que aqui chocam diferentes interesses. …»

E que resoluções foram tomadas para alcançar uma agricultura «moderna»? Não se acredita, mas é verdade: a ressureição da pequena agricultura familiar, a mais improdutiva, aquela que, principalmente para as mulheres, é a mais escravizadora forma de economia agrícola! Isto é tão monstruoso que ele não tem coragem para apresentar a essência da coisa de forma clara, sem cosmética, fazendo intermináveis rodeios antes de indiciar o que se trata.

«O plenário aprovou a libertação do enorme potencial dos kolkhozes e dos sovkhoses através da sua reestruturação interna mediante o arrendamento e a fundação de cooperativas. O plenário também aprovou o apoio às empresas e combinados agrícolas, à economia camponesa, à agricultura individual, aos contratos de arrendamento não só a kolkhozes e sovkhozes, mas também fora deles. … Dito de outra forma, camaradas, nada de dogmatismos mas sim o máximo de apoio a tudo o que reforce a independência, a sensação de ser dono da propriedade.»

Quem nessa altura, ao ler estas afirmações, não quis ainda acreditar que estas «reformas» apontavam para a eliminação da propriedade social, para o regresso da agricultura privada, logo para a formação de uma nova classe de kulaks, que condenaria a massa dos camponeses a uma existência de miséria, então o desenvolvimento posterior deve tê-lo convencido de que foi vítima de uma avaliação errada ditada pela boa fé.

A passagem seguinte do seu discurso mostra que a clique de Gorbatchev estava decidida a afastar, por todos os meios, qualquer resistência a esta política de restauração. Inicialmente isso foi tentado através da difamação moral de todos aqueles que se opunham a esta política e defendiam as formas socialistas, sociais, de produção:

«Muitos dirigentes e técnicos dos kolkhozes e sovkhozes ainda têm profundamente interiorizado o método administrativo. Por isso discordam do arrendamento.» (O arrendamento significa explorações agrícolas familiares, aprovadas por resoluções e propagandeadas por Gorbatchev e meios de comunicação, em terras que os kolkhozes e sovkhozes teriam de ceder para esse fim.)

«Eles {dirigentes e técnicos dos kolkhozes e sovkhozes} querem dar ordens, distribuir tarefas, comandar, para manter as pessoas na sua dependência. Mas o arrendamento significa uma relação entre parceiros, obrigações mútuas e não ingerência. Isto é autonomia …».

É importante relembrar mais uma vez, no final desta secção, que Gorbatchev afirmou claramente que atribuía à agricultura um papel pioneiro na introdução de novas formas de propriedade e de economia. Isto foi uma indicação suficientemente clara da direcção que seria dada à chamada «reforma económica» em todos os outros ramos da economia.

(Cascas V a IX e suplemento em próximo artigo.)
Let us now look at Gorbachev's directive on the way forward, presented to the people of the media:

"We have assumed that, without the resolution of the food problem without the formulation of a modern (!) agricultural policy, the perestroika would not gain strength and would not advance. Moreover, we were also aware that even in the agricultural sector we can hardly expect any profound changes unless they are accompanied by profound changes in society as a whole."

“It is precisely this objective view of the situation that made necessary the radical economic reform. That’s why we also needed a political reform."

"Foodstuffs are the fundamental problem of our reality. If we solve it, there is a huge gain not only in the economy, but also in the social area and at the political level. If we do not succeed in solving this problem, let us say it openly, the perestroika may be broken off, and there will be a serious destabilization of society."

The perestroika was not broken off. And precisely for this reason, the already existing destabilization of the society went on.

Of course, the food problem was indeed a very important one, but it was not the fundamental problem of Soviet reality. The fundamental problem was the unleashing of the anti-socialist, nationalist, monarchical and anti-Semitic forces, which were spurred by the increasingly strong attacks of the media on the party and the state apparatus. The fundamental problem was the endangerment of socialism in the Soviet Union, and consequently in all European socialist countries. The proposals that Gorbachev made to media representatives were such that this threat could only be thereof greatly increased.

"It is of fundamental importance that, for the first time in many years, a [CC] plenum has placed at the heart of the solution of economic problems a radical change in ownership and production relations in the country, in the transition to new forms of economic governance and a fundamental change in management methods. ... I am aware that we have here a fundamental change in our attitude towards the development of both the agricultural sector and the whole economy.”

'This is why the results of this plenum, its political and objective consequences go far beyond the agricultural question and have a fundamental theoretical, political and economic significance.”

'The agricultural sector will play the pioneering role, pioneering the introduction of the corresponding forms of economy and management. ... If the media do not make a real effort and the people do not understand the measures proposed here, things will hardly advance. ... Of course different interests clash here. ...”

And what resolutions have been taken to achieve a "modern" agriculture? It is hard to believe, but it is true: the revival of the small family farming, the most unproductive, the one that, especially for women, is the most enslaving form of agricultural economy! This is so monstrous that he does not have the courage to present the essence of the thing clearly, without cosmetics, and goes through endless detours before giving indications of what it is about.

"The plenum has approved the freeing of the enormous potential of the kolkhozes and the sovkhozes through their internal restructuring with the help of leasing and founding of cooperatives. The plenum also approved the support of agricultural enterprises and combines, of the peasant economy, of individual agriculture, and of lease contracts not only to the kolkhozes and sovkhozes, but also outside them. … Putting it in another way, comrades, no dogmatisms but instead the maximum of support to everything that reinforces the independence, the feeling of owning the property."

Whoever at the time, when reading these statements, did not yet want to believe that these "reforms" pointed to the elimination of social property, to the return to private agriculture, and thus to the formation of a new class of kulaks, which would condemn the mass of peasants to an existence of misery, the subsequent development must then have convinced him/her that he/she fell victim to a misjudgement dictated by good faith.

The following passage from his speech shows that Gorbachev's clique was determined to dispel, by all means, any resistance to their policy of restoration. Initially, this was pursued through moral defamation of all those who opposed this policy and defended the socialist, the social, forms of production:

"Many leaders and technicians of the kolkhozes and sovkhozes have still deeply internalized the administrative method. For this reason they disagree with the lease." (The “lease” meant the peasant family farms approved by resolutions and advertised by Gorbachev and the media, established on lands that the kolkhozes and sovkhozes had to deliver for leasing.)

"They {leaders and technicians of the kolkhozes and sovkhozes} want to give orders, distribute tasks, command, to keep people in their dependency. But leasing means a relationship between partners, mutual obligations and non-interference. This is autonomy. ...”

It is important at the end of this section to once again recall that Gorbachev clearly stated that agriculture played a pioneering role in introducing new forms of property and economy. This was a sufficiently clear indication of the direction that would propel the so-called “economic reform” in all other branches of the economy.

(Layers V through IX with a supplement in following post.)

Notas | Notes

As notas com a menção «N. Ed.» são do editor de www.hist-socialismo.net. As restantes são nossas.
The notes with the mention ‘N. Ed.’ are from the editor of www.hist-socialismo.net. The other ones are ours.

[1] Fidel Castro, Um Grão de Milho. Uma Conversa que Tomás Borge. Ed. Caminho, 1993.

[2] ND: Neues Deutschland (Nova Alemanha), órgão central do Partido Socialista Unificado Alemão (Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, SED).
ND: Neues Deutschland (New Germany), central organ of the Socialist Unity Party of Germany (Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, SED).

[3] Citações cotejadas com a edição em francês Réponses de Mikhaïl Gorbatchev aux questions de L’Humanité, Edition de L’Agence de presse Novosti, Moscovo, 1986, p. 16 (Ver também Avante!, de 20.02.1986) (N. Ed.) L’Humanité é o órgão central do Partido Comunista Francês, PCF.
Quotations compared with the French edition Réponses de Mikhaïl Gorbatchev aux questions de L'Humanité, Edition de L'Agence de presse Novosti, Moscow, 1986, p. 16 (See also Avante!, 20.02.1986) (N. Ed.) L'Humanité is the central organ of the French Communist Party, PCF.

[4] Cotejado com o original em russo, Documentos do XXVII Congresso do Partido Comunista da União Soviética, Politizdat, Moscovo, 1986, pp. 8-9. (N. Ed.)
Compared with the original in Russian, Documents of the 27th Congress of the Communist Party of the Soviet Union, Politizdat, Moscow, 1986, pp. 8-9. (N. Ed.)

[5] Período da NEP: período da Nova Política Económica (NEP), de Março de 1921 a finais de 1927, em que o governo soviético, a fim de impulsionar a economia que sofria os efeitos das grandes destruições da 1.ªGM e da guerra civil-intervencionista, permitiu certas medidas de tipo capitalista: venda livre pelos camponeses de excedentes de cereais (o que incentivou a produção camponesa), comércio privado, empresa privada de pequena escala e certas concessões ao capital estrangeiro. Dizemos de «tipo capitalista» porque tais medidas, convivendo com sectores já socializados, estiveram sempre sob controlo do Estado proletário, que definiu quais os ramos e moldes em que operavam essas medidas, tendo sempre em vista o seu carácter transitório e posterior passagem à economia socialista.
NEP period: New Economic Policy (NEP) period, from March 1921 to the end of 1927, during which the Soviet government, in order to kick-off the economy that had suffered the effects of the great destruction of WWI and the civil-interventionist wars, permitted certain capitalist-type measures: free sale by the peasants of cereal surpluses (which encouraged peasant production), private trade, small-scale private enterprise, and certain concessions to foreign capital. We speak of a "capitalist type" because such measures, operating side by side with already socialized sectors, were always under the control of the proletarian state, which defined the branches and forms in which those measures operated, always taking into account their transitory character and subsequent passage to the socialist economy.

[6] Citações cotejadas com o original em russo, M. S. Gorbatchev, Outubro e a Perestroika: A Revolução Continua, Izdátelstvo Politítcheskoi Literaturi, Moscovo, 1987, pp. 8-9. (Ver também Pravda de 3 de Novembro de 1987. (N. Ed.)
Quotations compared with the original Russian, M. S. Gorbachev, October and Perestroika: The Revolution Continues, Izdátelstvo Politítcheskoi Literaturi, Moscow, 1987, pp. 8-9. (See also Pravda, 3 November 1987.)

[7] As citações do discurso de M.S. Gorbatchev na 43ª Assembleia Geral da ONU, em 7 de Dezembro de 1988, foram cotejadas com o original em russo, disponível até recentemente em http://www.gorby.ru/rubrs.asp?art_id=21943&rubr_id=243&page=1. (N. Ed.)
Quotations of M.S. Gorbachev's address to the 43rd UN General Assembly on 7 December 1988 were compared to the Russian original, available until recently at http://www.gorby.ru/rubrs.asp?art_id=21943&rubr_id = 243 & page = 1. (N. Ed.)

[8] East River: estuário de água salgada em Nova York, em cujas margens fica a sede da ONU.
East River: salt water estuary in New York City on whose banks stands the UN headquarters.