Quando, em 10 de Março
de 1985, Gorbatchev foi escolhido pelo Politburo como Secretário-Geral do
PCUS o socialismo na URSS e noutros países europeus, e a própria existência
da URSS, tiveram morte anunciada. Sabemo-lo agora, graças a inúmeros livros, documentos
e testemunhos que vieram a público depois de 1990. Mas não o sabiam em 1985
inúmeros comunistas honestos dentro e fora da URSS.
Krutchev inaugurou em
1953 o caminho da revisão das leis de construção do socialismo. O
revisionismo representava os interesses e a mentalidade pequeno-burguesa, sobrevivente
em quadros técnicos e dirigentes de cooperativas e empresas. A «reforma de
mercado» em 1965, que recuperou o «lucro» nas empresas e, p. ex., a eliminação
das estações de máquinas agrícolas para vender as máquinas aos kolkhozes, incentivou
os apetites de muitos quadros que ficaram com um pé na propriedade privada. A
ideologia revisionista infiltrou-se nos mais altos postos do PCUS, nas instituições
estatais e KGB. O apetite pela propriedade privada cresceu com todos os sucessores de Khrutchev, e
com ela a corrupção, o nepotismo, e a economia paralela, reflectindo a
benevolência da nomenklatura
perante o avanço da propriedade privada debaixo da capa da propriedade
social. Cresceu o definhamento do marxismo-leninismo, a sua redução a
fórmulas sem vida e, de facto, o seu abandono -- embora em palavras se
dissesse que estava vivo. Uma contribuição maior para isso foi a campanha anti-Estaline
-- inaugurada por Krutchev precisamente para esse fim --, que minou a educação
e firmeza ideológica dos militantes do PCUS. Não nos esqueçamos que, como
argumentaram Lenine e Estaline, na luta por e na construção do socialismo os
factores subjectivos – nomeadamente, a formação ideológica dos militantes do
partido comunista -- têm muito maior importância que nas transições para e
construções das anteriores formações sociais.
Gorbatchev foi o
liquidatário final. Fez de jure o
que já amadurecera de facto,
abrindo as portas legais à restauração plena do capitalismo. Teve, porém, de
o fazer de forma gradual, subtil, com conversa dúplice, pois sabia que,
apesar de algum descontentamento, o apoio das massas ao socialismo anda era
muito grande. A subtileza de Gorbatchev foi de tal ordem que conseguiu
enganar dirigentes experimentados, como p. ex. Fidel Castro. Este, numa
entrevista de 1992 – quando Gorbatchev já era o querido de Margaret Thatcher
e Ronald Reagan – disse: «Não posso dizer que Gorbatchev tenha cumprido um
papel consciente na destruição da União Soviética, porque não tenho dúvida de
que Gorbatchev tinha a intenção de lutar por um aperfeiçoamento do
socialismo, não tenho nenhuma dúvida disso» [1].
De facto, a ideia de
que ia «aperfeiçoar o socialismo» era uma das subtilezas de Gorbatchev (e de
todos os revisionistas e renegados!), conforme descreve Kurt Gossweiler no
artigo cuja divulgação, em duas partes dada a extensão do original, iniciamos
abaixo com a primeira parte.
Kurt Gossweiler
(1917-2017), historiador no Instituto de História Academia de Ciências da
RDA, era um comunista de firmes convicções e profundos conhecimentos
marxistas-leninistas. A sua obra é de grande valor. Já divulgámos alguns
trabalhos deste autor e tencionamos divulgar mais.
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When,
on 10 March 1985, Gorbachev was elected by the Politburo General Secretary of
the CPSU, socialism in the USSR and in other European countries, and the very
existence of the USSR, had a foretold death. We know this now, thanks to
countless books, documents and testimonies that came out in public after
1990. But in 1985 there were countless honest communists inside and outside
the USSR who didn’t know that.
Khrushchev
inaugurated in 1953 the path revising the laws of socialist construction.
Revisionism represented the petty-bourgeois interests and mentality surviving
in technical staff and managers of co-operatives and enterprises. The “market
reform” in 1965, which reinstated “profit” in enterprises and, e.g., the elimination
of the stations of agricultural machinery to sell the machines to kolkhozes, encouraged
the appetites of many cadres who got then one foot on private property. The
revisionist ideology infiltrated the highest positions of the CPSU, of the
state institutions and KGB. The appetite for private property grew up with all successors of Khrushchev, and with
it corruption, nepotism, and the parallel economy, reflecting the benevolence
of the nomenklatura vis-à-vis the
advance of private property under the cover of social property. The withering
of Marxism-Leninism also grew, with its reduction to lifeless formulas and,
in fact, its abandonment -- although in words it was said that it was much alive.
A major contribution to this was the anti-Stalin campaign -- inaugurated by Khrushchev
precisely for that purpose --, which undermined the ideological education and
firmness of the CPSU militants. Let us not forget that, as Lenin and Stalin
have argued, in the struggle for and in the construction of socialism
subjective factors -- namely, the ideological formation of the communist
party militants -- are of far greater importance than in the transitions to
and constructions of former social formations.
Gorbachev
was the final liquidator. He enforced de
jure what had already matured, opening the legal doors to the full
restoration of capitalism. But he had to do it gradually, subtly, with double
talking, because he knew that, despite some discontent, the support of the
masses to socialism was still very high. Gorbachev's subtlety was such that
he managed to deceive experienced leaders, such as, e.g., Fidel Castro. In a
1992 interview -- when Gorbachev was already the darling of Margaret Thatcher
and Ronald Reagan -- he said: "I cannot say that Gorbachev played a
conscious role in the destruction of the Soviet Union, because I do not have any
doubt that Gorbachev intended to fight for an improvement of socialism, I
have no doubt about it." [1]
In
fact, the idea that he was going to "improve socialism" was one of
the subtleties of Gorbachev (and of all revisionists and renegades!), as described
in an article by Kurt Gossweiler whose publicizing, in two parts, given the
extension of the original, we initiate below by posting the first part.
Kurt
Gossweiler (1917-2017), an historian at the Institute of History of the Academy
of Sciences of GDR, was a communist with firm convictions and deep
Marxist-Leninist knowledge. His work is of great value. We have already
divulged some works of him and will continue to do so.
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As
várias cascas da cebola Gorbatchev
Kurt Gossweiler
Fevereiro de 1993
Publicado
pela primeira vez em edição especial do Kommunistischen
Arbeiterzeitung (Jornal dos Trabalhadores Comunistas), Munique, Fevereiro
de 1993. Depois publicado na revista Offensiv,
Dezembro de 1994.
Tradução
portuguesa de www.hist-socialismo.net, revista por nós a
partir do original em alemão: http://kurt-gossweiler.de/.
As
interpolações no texto em parêntese rectos são de Kurt Gossweiler. Umas
poucas, em chavetas, são nossas.
Aqui só apresentamos as «cascas»
de I a IV. As restantes ficam para o próximo artigo.
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The various layers of the onion Gorbachev
by Kurt Gossweiler
February 1993
First published in a special issue of the Kommunistischen Arbeiterzeitung
(Communist Workers' Journal), Munich, February 1993. Published by the
magazine Offensiv, in December
1994.
Our translation is based on a Portuguese version (ww.hist-socialismo.net)
reviewed by us referring to the original in German: http://kurt-gossweiler.de/ .
The interpolations in the text inside brackets are
from Kurt Gossweiler. A few ones, inside braces, are from us.
Here, we present
only the “layers” I through IV. The remaining ones will appear in a following
post.
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1. Do discurso de M. Gorbatchev na cerimónia
fúnebre do seu antecessor K.U. Tchernenko (ND de 14.03.1985) [2]
«O Comité Central e o
Politburo do CC tomaram e implementaram, sob a sua direcção [de Tchernenko],
importantes deliberações sobre os problemas fundamentais do desenvolvimento
económico e socio-político do país assim como sobre a educação comunista das
massas. Konstantin Ustínovitch {Tchernenko} fez muito pela concretização do
rumo leninista do nosso partido – o rumo para a consolidação do poder da
nossa pátria assim como para a manutenção e reforço da paz mundial. Hoje, o
Partido Comunista, o seu CC e o Politburo do CC declaram expressamente perante
o povo soviético a sua determinação inabalável em servir fielmente a causa da
paz, do progresso social e da felicidade dos trabalhadores.»
2. De uma entrevista de M. Gorbatchev ao jornal
L’Humanité do PCF, de 4 de Fevereiro de 1986: [3]
«Pergunta: Em diversos círculos do Ocidente faz-se frequentemente
uma pergunta: na União Soviética desapareceram todos os vestígios do estalinismo?
«Resposta: “Estalinismo” é um conceito inventado pelos inimigos do
comunismo e largamente explorado para denegrir a imagem da União Soviética e
do socialismo em geral. Decorreram 30 anos desde que o XX Congresso do
partido levantou a questão de pôr termo ao culto da personalidade de Estaline
e que o Comité Central do PCUS adoptou uma resolução sobre o assunto. Digamos
com franqueza que foram, para o nosso partido, decisões difíceis de tomar.
Foi um teste à firmeza de princípios do partido e à fidelidade ao leninismo. Penso
que passámos esse teste de cabeça erguida, retirando do passado as lições que
se impunham.»
Comentário: Esta
resposta já é marcada pela ambiguidade e dupla interpretação que irão
caracterizar as afirmações posteriores de Gorbatchev nos anos seguintes: em
que consistia a «firmeza de princípios do partido»? No facto de essas decisões
{anti-Estaline} terem sido tomadas ou {ao invés} de não se ter cedido ao «levar
até ao fim o ajuste de contas com Estaline»?
Na mesma entrevista, um
outro exemplo de ambiguidade deliberada do seu oráculo, calculado para
induzir em erro:
«Na era nuclear é
impossível continuar a viver, pelo menos durante muito tempo, com a
mentalidade, os hábitos e as regras de conduta da Idade da Pedra.»
Todos os comunistas que
leram isto ficaram satisfeitos: «Agora é que ele acertou em cheio nos
imperialistas!» Mas muito rapidamente tiveram de constatar – caso tenham
ouvido e visto com rigor – que não era aos imperialistas que ele se dirigia,
mas sim aos seus, aos que conservavam o «velho», isto é, o pensamento
marxista-leninista.
O mesmo acontecia com a
inflamada divisa da necessidade do «novo pensamento». Claro que nós víamos
isso principalmente como uma exigência ao lado imperialista; o nosso lado
exigia a proibição, o banir de todas as armas nucleares desde a sua existência;
propusemos intransigentemente ao outro lado o nosso desejo de coexistência
pacífica, de resolução pacífica das nossas diferenças, e foram sempre eles
que constantemente recusaram uma e outra. Era a eles que se tinha de exigir
«novo pensamento» para evitar que a inevitável disputa entre sistemas
conduzisse à guerra.
Mas não levou muito
tempo para se tornar claro que Gorbatchev não se dirigia aos imperialistas,
mas sim a nós: o pensamento da idade da pedra era a nossa insistência em
manter os ensinamentos básicos do marxismo-leninismo, de que a guerra tem
origem no imperialismo e que quanto mais forte for o socialismo, mais segura
é a paz. Ele levou a maioria da nossa gente a considerar este ensinamento
básico como «velho pensamento» e a aceitar a sua «superação» e substituição
pelo seu «novo pensamento» como necessário e imperioso. O seu «novo
pensamento» e respectiva política consistiam na lógica suicida de que quanto
mais recuássemos perante o imperialismo, mais segura estaria a paz.
Esta lógica colocava,
deveras, todos os factos de pernas para o ar: não era o imperialismo que
ameaçava os países socialistas, mas sim o oposto, era o poder militar do
Pacto de Varsóvia que ameaçava, supostamente, o Ocidente! Foi o próprio
marechal Akromeiev que o afirmou! (ND de 13/14.04.1991: Akromeiev,
«Conselheiro do presidente Gorbatchev» defendeu «a dissolução da estrutura
militar da NATO». Justificação: «As forças armadas soviéticas já não constituiriam
um perigo para a Europa, e o Pacto de Varsóvia dissolver-se-ia».)
Mas em 1986 ainda se
mantinha a ambiguidade, formulada de tal forma que a aceitámos como uma não
ambiguidade marxista-leninista, já que desejávamos que Gorbatchev fosse
finalmente o homem capaz de retirar o socialismo do impasse e de o conduzir a
novos voos, e era exactamente isto que ele tinha prometido.
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I. The outer layer: the way of getting to power in
the morning
1. From the speech of M. Gorbachev
at the funeral ceremony of his predecessor K.U. Chernenko (ND, 14.03.1985) [2]
"The
Central Committee and the Politburo of the CC have taken and implemented,
under his [Chernenko’s] direction, important deliberations on the fundamental
problems of economic and socio-political development of the country as well
as on the communist education of the masses. Konstantin Ustynovich {Chernenko}
did much to bring about the Leninist course of our party -- the path to
consolidating the power of our homeland as well as maintaining and
strengthening world peace. Today the Communist Party, its CC and the
Politburo of the CC expressly declare before the Soviet people their
unwavering determination to faithfully serve the cause of peace, social
progress and the happiness of the workers.
2. From an interview of M. Gorbachev
to the PCF newspaper L'Humanité of 4 February 1986: [3]
“Question: In a number of circles in
the West a question is often raised: have all vestiges of Stalinism
disappeared In the Soviet Union?
“Answer: ‘Stalinism’ is a concept
invented by the enemies of communism and widely exploited to denigrate the
image of the Soviet Union and of socialism in general. Thirty years have already
gone by since the 20th Congress of the party raised the question of ending the
personality cult of Stalin and since the Central Committee of the CPSU
adopted a resolution on this issue. Let us say frankly that these were hard
decisions for our party. It was a test to the firmness of principles of the
party and of fidelity to Leninism. I think we passed this test with our heads
high up, and drawing from the past the pertinent lessons."
Comment:
This answer is already marked by the ambiguity and double interpretation that
will characterize Gorbachev's future statements in the following years: what
was the substance of the "firmness of principles of the party"? Was
it the fact that those {anti-Stalin} decisions
were taken or {else of} not having yielded to “carrying to the end the settling
of accounts with Stalin”?
In
the same interview, there is another example of deliberate ambiguity of his
oracle, calculated to be misleading:
"It
is impossible to continue living in the nuclear age -- at least for a long
time --, with the psychology, habits and rules of conduct of the Stone
Age."
All
communists who read this were happy: "Now, he indeed fully hit the
imperialists!" But very quickly they had to realize -- if they had accurately
heard and seen -- that it was not the imperialists he was addressing to, but instead
to his own people, those who retained the "old", that is,
Marxist-Leninist thinking.
The
same was true of the fiery slogan of the need for the “new thinking”. Sure
enough, we saw this above all as a request to the imperialist side; our side
demanded a prohibition, a ban on all nuclear weapons since the beginning of
nuclear weapons; we have intransigently proposed to the other side our desire
for peaceful coexistence, for the peaceful resolution of our differences, it
was they who always and constantly refused them all. The demand of "new
thinking" had to be addressed to them, in order to avoid that the unavoidable
dispute between systems would lead to war.
But
it did not take much time to become clear that Gorbachev was not addressing
the imperialists, but rather addressing us: the stone-age thought was our
insistence on maintaining the basic teachings of Marxism-Leninism, that war
originates from imperialism and that the stronger the socialism, the more
secure is peace. He led most of our people to regard this basic teaching as
"old thinking" and to accept its "surpassing" and
substitution for his "new thinking" as both necessary and
imperative. His "new thinking" and corresponding politics amounted
to the suicidal logic that the more we would retreat before imperialism the
more secure would be peace.
As
a matter of fact, this logic placed all the facts upside down: it was not the
imperialism that threatened the socialist countries, but rather the opposite:
it was the military power of the Warsaw Pact that supposedly threatened the
West! It was Marshal Akhromeiev himself who affirmed it! (ND of 13 /
14.04.1991: Akhromeyev, "Advisor to President Gorbachev" spoke out
in favour of "the dissolution of NATO's military structure."
Justification: "The Soviet armed forces would no longer pose a threat to
Europe, and the Warsaw Pact would be dissolved.")
But
in 1986 the ambiguity was still maintained, formulated in such a way that we
accepted it as a Marxist-Leninist non ambiguity, since we wished that
Gorbachev would finally be the man capable of withdrawing socialism out of
the impasse and of leading it to new heights, and that was exactly what he had
promised to do.
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3. O XXVII
Congresso, Fevereiro de 1986 (ND de 26.02.1986):
Retrospectivamente, o
que caracteriza o XXVII Congresso é que – como hoje sabemos – se iniciou a retoma
dos objectivos do XX e do XXII congressos do PCUS, embora isto só fosse
possível de supor formalmente, já que, no seu decorrer, quase não se puderam
constatar sinais disso.
A formalidade: o
primeiro congresso sob a direcção de M. Gorbatchev iniciou-se a 25 de
Fevereiro de 1986, exactamente trinta anos após o XX Congresso. Tais
formalidades não são contudo coincidências, têm significado «programático».
Mas esta data
manteve-se como a única indicação de uma qualquer intenção de estabelecer uma
continuidade entre estes dois congressos. Quem esperava e desejava uma
relação directa com o XX Congresso ficou desiludido. Pode suspeitar-se que Gorbatchev
teve a intenção de estabelecer uma tal relação, mas não obteve o acordo do
Politburo. A sua posição ainda era fraca, ainda não dominava o CC, e ainda
menos o congresso. Teria sido fácil aos da direcção, que tinham sido
determinantes na sua eleição – como por exemplo Gromiko – reunir uma maioria
contra ele. Primeiro, este congresso tinha de o ajudar a alcançar uma posição
própria de poder, que lhe permitisse formar uma nova direcção constituída
pela sua gente. Os plenários após o congresso assim como a XIX Conferência do
partido ocuparam-se disso, e as mudanças posteriores na direcção do partido
tornaram a sua posição tão inatacável que ele pôde afirmar cada vez mais
claramente os objectivos do seu rumo.
Mas no XXVII Congresso
as coisas ainda não estavam tão adiantadas. Gorbatchev ainda se esforçava por
não suscitar dúvidas sobre a sua fidelidade ao leninismo, e limitou-se a
alusões sobre as mudanças de rumo que tencionava fazer. Eis um pequeno
exemplo disto no seu discurso:
«Marx comparou o
progresso na sociedade exploradora com “aquela abominável divindade pagã que
só queria beber néctar do crânio dos vencidos”. … A análise de Marx
surpreende pela sua dimensão histórica, acerto e profundidade. Aplicada à
realidade burguesa do século XX talvez seja ainda mais actual do que no
século XIX». (!!! Mas muito em breve nos virá dizer que o século XIX, e com
ele Marx, não nos pode ensinar mais nada porque os seus ensinamentos são
antiquados!) «Por um lado, o desenvolvimento impetuoso da ciência e da
técnica abrem-nos possibilidades, nunca antes existentes, de domínio sobre as
forças da natureza e de melhoria das condições de vida da humanidade. Mas por
outro lado, o “esclarecido” século XX entrou para história através de
criações do imperialismo como guerras sanguinárias, militarismo e fascismo
desenfreados, genocídio, empobrecimento de milhões. A ignorância e
obscurantismo convivem no mundo do capital com as grandes conquistas da
ciência e da cultura.»
À primeira vista pode
pensar-se: uma análise marxista! Num olhar mais cuidado constatar-se-á que
não se pode falar de análise: não são expostas relações internas, regista-se
simplesmente uma contraposição do bom e do mau. E isto permite-lhe então, em
vez de concluir a necessidade da luta contra o imperialismo, afirmar uma
banalidade, na qual se esconde o abandono de Marx e Lenine e a renúncia à
luta pela paz através da mobilização dos povos contra o imperialismo:
«E é esta a sociedade
com a qual nós temos de ter relações de vizinhança, procurar vias de
cooperação e de compreensão mútua.» E porque temos de o fazer? «A história
assim o dispôs.»
Isto é recorrente nele,
não remete para o bom Deus – ainda não, lá chegará! – mas apresenta sempre as
suas decisões como decisões do destino – exigidas pela «história» ou pela
«vida».
Ou seja, tudo o que
virá mais tarde já está aqui in nuce
{concisamente} esboçado.
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3. The 27th Congress, February
1986 (ND, February 26, 1986):
Retrospectively,
what characterizes the 27th Congress is that -- as we know today -- it initiated
the readmission of the objectives of the 20th and 22nd Congresses of the
CPSU, though this could only be formally guessed, since in the course of it
only barely recognizable signs could be ascertained.
The
formality: the first congress under the direction of M. Gorbachev began on
February 25, 1986, exactly thirty years after the 20th Congress. Such formalities are however no coincidences, they have
"programmatic" meaning.
But
this date remained the only indication of any intention to establish a link
between these two congresses. Those who hoped and wanted a direct
relationship with the 20th Congress were disappointed. It may be suspected
that Gorbachev intended to establish such a relationship, but he did not
obtain the agreement from the Politburo. His position was still weak; he did
not yet dominated the CC, let alone the congress. It would have been easy for
those in the leadership who had been decisive in his election -- such as
Gromiko -- to muster a majority against him. This congress had first to give
him an independent position of power, which would allow him to form a new
leadership composed of his people. This occupied the plenums after the congress and the nineteenth party
conference, and the subsequent changes in the party leadership made his
position so unassailable that he could state more and more clearly where his
course was heading.
But
at the 27th Congress things were not yet so far ahead. Gorbachev still strove
not to raise doubts about his faithfulness to Leninism, and he limited
himself to allusions about the changes of direction he intended to make. Here
is a small example of this in his speech:
"Marx
compared progress in exploitative societies with "that heinous pagan
deity who only wanted to drink nectar from the skull of the vanquished."
(...) Marx's analysis surprises by its historical dimension, accuracy and insightfulness.
Applied to the bourgeois reality of the twentieth century it may be even more
pertinent than in the nineteenth century." (!!! But he shall soon tell
us that the nineteenth century, and with it Marx, can teach us nothing else
because its teachings are old-fashioned!) "On the one hand, the
impetuous development of science and technology open us possibilities, never
before existing, of overmastering the forces of nature and of improving the
living conditions of mankind. But on the other hand, the
"enlightened" twentieth century entered history through creations
of imperialism such as bloody wars, unbridled militarism and fascism,
genocide, and impoverishment of millions. Ignorance and obscurantism coexist
in the world of capital with the great achievements of science and culture."
At
first glance one can think: a Marxist analysis! Upon closer inspection, one will find that there is here no analysis at
all: he does not expose internal connections, but simply registers a
juxtaposition of good and bad. And this allows him, instead of concluding
the necessity of the struggle against imperialism, to assert a banality in
which are masked the abandonment of Marx and Lenin and the renunciation of
the struggle for peace through the mobilization of peoples against
imperialism:
"And
this is the society with which we have to have neighbourly relations, to seek
ways of co-operation and mutual understanding." And why do we have to do
so? "History has set it so."
This
is recurrent in him; he does not refer to the good Lord -- not yet, but that
will come! --, but he always presents his decisions as destiny decisions --
demanded by “history” or “life”.
That
is, everything that will come later is already here in nuce {in a nutshell} outlined.
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II.
Cai a primeira casca: o poder está firme, os avanços para a liberalização
tornam-se mais claros
O discurso de M. Gorbatchev no 70.º aniversário
da Revolução de Outubro (ND de 03.11.1987) [6]
Na verdade o discurso é
constituído por duas apreciações completamente contraditórias da história da
União Soviética.
A primeira parte é uma
avaliação da perspectiva de um comunista: esta parte foi-lhe incumbida pelo
Politburo. Aí encontram-se afirmações que ele próprio porá em causa com o que
apresenta na segunda parte, principalmente no que respeita ao período de Estaline.
Com isto, este discurso segue o plano do XX Congresso, cuja parte oficial e
pública foi mais ou menos justa para com toda a história soviética e fez uma
crítica relativamente moderada a Estaline, enquanto a segunda, à porta
fechada, e só para um círculo restrito de delegados ao congresso, com o
relatório de Kruchev (que até há pouco tempo só existia publicado no
Ocidente, e que não tinha sido confirmada como verdadeira nem por Kruchev,
nem pelo PCUS), apresentou uma deturpação da história do PCUS sob a direcção
de Estaline, entremeada com invenções e infundadas suposições.
Citamos algumas
passagens assinaláveis da primeira parte do discurso de Gorbatchev –
assinaláveis acima de tudo considerando afirmações posteriores de Gorbatchev,
em flagrante contradição com elas.
«O ano de 1917 mostrou
que a escolha entre socialismo e capitalismo é a principal alternativa social
da nossa época, que no século XX não se pode avançar sem caminhar para uma
forma superior de organização social, para o socialismo. Esta conclusão
leninista fundamental não é hoje menos actual …. É esta a lei do
desenvolvimento social progressivo.»
«A história apresentou
um duro ultimato ao novo regime: ou criava no mais breve prazo a sua base
socioeconómica e técnica e sobrevivia, proporcionando à humanidade a primeira
experiência de uma organização justa, ou extinguir-se-ia … O período depois
de Lenine … ocupou um lugar particular na história do Estado soviético. Em
pouco mais de década e meia realizaram-se mudanças sociais fundamentais.»
«O trotskismo …
representou, na sua essência, um ataque ao leninismo em toda a linha. Na
prática estava em causa o destino do socialismo no nosso país, o destino da
revolução. Nestas condições era necessário desdourar publicamente o
trotskismo e desmascarar a sua essência anti-socialista. A situação
complicou-se porque os trotskistas constituíram um bloco com a nova oposição liderado
por G.E. Zinoviev e L.B. Kamenev.»
«Deste modo, o núcleo
dirigente do partido, liderado por I.V. Estaline, defendeu o leninismo na
luta ideológica, formulou a estratégia e táctica para a etapa inicial da
construção do socialismo, e a sua linha política teve o apoio da maioria dos
membros do partido e dos trabalhadores.»
Depois de uma tal
apreciação, seguiram-se as passagens em que se fazem todas as acusações
conhecidas contra Estaline, de uma forma ainda mais concentrada. No fundo,
começa aqui a campanha que em todos os media,
mas especialmente no Moskóvski Novosti,
sob o lema do esclarecimento das «manchas brancas», se dedicou a enegrecer a
história soviética, inicialmente só os anos sob Estaline, mas depois todo o
período soviético, e assim preparou a contra-revolução.
Ainda mais importantes
são as passagens do discurso de Gorbatchev onde em retrospectiva se podem ver
indicações da posterior política do obstinado desmantelar das estruturas
socialistas na economia e sociedade, e que já podiam ter sido vistas como
apontando na direcção errada, se qualquer olhar crítico de «Gorbi» não fosse
então considerado supérfluo ou até mesmo blasfémia.
Essas passagens eram:
Primeiro: a selecção tendenciosa
de citações de Lenine que distorcem Lenine reduzindo-o a uma «dúzia de liberais».
Com isto matavam-se dois coelhos de uma cajadada: a constante citação de Lenine
provaria que Gorbatchev era um autêntico leninista; por outro lado, as linhas
citadas deviam, com a autoridade de Lenine, proteger de ataques a sua política
anti-leninista. Literalmente, cada citação de Lenine que Gorbatchev usa para
justificar a sua «política de reformas», revela o mais grosseiro abuso: se se
ler a respectiva passagem da qual é tirada a citação, ela afirma o contrário
do que Gorbatchev quer sancionar com ela; em Lenine a essência da afirmação é
sempre a justificação da necessidade da luta irreconciliável de classes; Gorbatchev
distorce sempre os seus pedaços de citação como prova de que a sua renúncia à
luta de classes concorda com o pensamento leninista.
Segundo: a preferência
pelos últimos textos de Lenine, entre 1922 e 1923. Isto não só por causa do
chamado «Testamento» (sempre citado de forma incompleta e apresentado
unilateralmente), mas sobretudo para interpretar as propostas de Lenine de
melhorar o trabalho dos órgãos soviéticos como directivas que se iriam
concretizar agora, através das reformas de Gorbatchev, a perestroika. Os
jornalistas e propagandistas de Gorbatchev também não hesitaram em
interpretar esses textos como prova de que já Lenine estava atormentado por
dúvidas sobre se «a experiência socialista» na Rússia podia ser levada até ao
fim.
Terceiro: a preferência
especial de Gorbatchev e do seu batalhão de escribas pelo período da NEP [5].
Em oposição à afirmação inequívoca de Lenine, é apresentado não como um recuo
temporário, mas sim como o método da construção do socialismo, erradamente
estrangulado por Estaline, e ao qual se deve voltar para tirar o país da
estagnação. O especial entusiasmo da gente de Gorbatchev pela NEP resulta da
admissão de diferentes formas de propriedade; podem por isso declarar que a
admissão da propriedade privada dos meios de produção, ao lado da propriedade
socialista, constituía um retorno à política leninista. Esta orientação é já
muito evidente no discurso do 70.º aniversário da Revolução de Outubro.
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II. The outer layer falls off: power is firm,
advances towards liberalization become clearer
The speech of M. Gorbachev on the
70th anniversary of the October Revolution (ND of 03.11.1987) [6]
In
fact, the speech is made up of two completely contradictory assessments of
the history of the Soviet Union.
The
first part is an assessment from the perspective of a communist: this part
was assigned to him by the Politburo. There are in it statements which he
himself will bring into question with what he presents in the second part,
especially as regards the period of Stalin. This way, his speech followed the
plan of the 20th Congress, whose official and public part was more or less
fair to all Soviet history and made a relatively moderate critic to Stalin,
while the second part of Khrushchev’s report, with closed doors, and only for
a restrict circle of delegates to the Congress, (which until recently had
only been published in the West, and which had not been confirmed as true
either by Khrushchev or by the CPSU), delivered a misrepresentation of the
history of the CPSU under the leadership of Stalin, interspersed with
inventions and unfounded suppositions.
We
quote some noteworthy passages of the first part of Gorbachev's speech -- noteworthy
above all with regard to later statements of Gorbachev, in flagrant
contradiction with them.
"The
year 1917 showed that the choice between socialism and capitalism is the main
social alternative of our time, and that in the twentieth century one cannot
advance without moving up to a higher form of social organization, to
socialism. This fundamental Leninist conclusion is no less topical today ... This
is the law of progressive social development."
"History
set forth a hard ultimatum to the new regime: either it created its
socio-economic and technical basis in the shortest possible time and it would
survive, offering humanity the first experience of a just organization, or it
would be extinguished. … The period after Lenin ... occupied a particular
place in the history of the Soviet state. In just over a decade and a half,
fundamental social changes had taken place."
"Trotskyism
... represented, in its essence, an attack on Leninism on the whole front. In
practice the fate of socialism in our country, the fate of the revolution was
at stake. Under these conditions it was necessary to publicly remove the aura
of Trotskyism and unmask its anti-socialist essence. The situation became
complicated because the Trotskyites formed a bloc with the new opposition
headed by G.E. Zinoviev and L.B. Kamenev."
"Thus,
the ruling nucleus of the party, led by I.V. Stalin, defended Leninism in the
ideological struggle, formulated the strategy and tactics for the initial
stage of the construction of socialism, and its political line had the
support of the majority of the party members and of the workers.”
After
such an appreciation, followed the passages in which all the known accusations
against Stalin are made, even in a more concentrated form. This was indeed
the beginning of the campaign which in all media, but especially in the Moskowski Novosti, under the motto of
clarification of the "white spots", was dedicated to blacken the
Soviet history, initially only the years under Stalin, but later followed by
the entire Soviet period, thus preparing the counter-revolution.
Even
more important are those passages of Gorbachev's speech, which can be seen in
retrospect as indications of the later policy of a perseveringly dismantling
socialist structures in economics and society, which could have already be
seen as pointing in the wrong direction, provided that any critical eye of “Gorbi”
was not then considered superfluous or even blasphemous.
Those
passages were:
First:
the tendentious selection of quotations from Lenin which distort Lenin
degrading him to a “dozen liberals”. With that, two birds were to be killed
with one stone: the constant appeal to Lenin was to prove that Gorbachev was
a reliable Leninist; on the other hand, the quoted lines were intended to use
Lenin's authority in order to cover against attacks his anti-Leninist policy.
Literally every cited Lenin quotation, with which Gorbachev justifies his
"reform policy," turns out to be grossly abused: if one reads, the passage
from which the quotation was dissected, it is the opposite of what Gorbachev
wants to sanction with it; in Lenin the essence of the statement is always
the justification of the necessity of the irreconcilable class struggle;
Gorbachev always misuses his quotation pieces as proof that his rejection of
the class struggle is consistent with Leninist thought.
Secondly,
the preference for Lenin's last texts between 1922 and 1923. This not only
because of the so-called "Testament" (which is always quoted
incompletely and presented unilaterally), but above all to interpret Lenin's proposals for improving the work of the Soviet
organs as directives, which would now be realized through Gorbachev’s
reforms, the perestroika. The journalists and propagandists of Gorbachev also
did not hesitate to interpret these texts as proof that Lenin had already
been afflicted with doubts about whether "the socialist experience"
in Russia could be carried to the end.
Third:
the special preference of Gorbachev and his battalion of scribes for the NEP
period [5]. Contrary to Lenin's unequivocal assertion, it is presented not as
a temporary retreat, but as the method of building socialism, erroneously
strangled by Stalin, and to which one should now return to lead the country out
of stagnation. The special enthusiasm of Gorbachev’s people for the NEP comes
from the admission of different forms of property; they can, therefore,
declare that the admission of private ownership of the means of production
alongside socialist property constituted a return to Leninist politics. This
orientation is already quite evident in the speech of the 70th anniversary of
the October Revolution.
|
«A direcção do partido
demonstrou [entre Fevereiro e Outubro de 1917] capacidade para uma busca
criativa colectiva, recusando estereótipos e consignas que, ainda ontem,
noutra situação, pareciam inquestionáveis e as únicas possíveis». (Pareciam,
diz ele, não que eram!). «Pode dizer-se que o próprio curso do pensamento
leninista … foi um brilhante exemplo do pensamento anti-dogmático,
verdadeiramente dialéctico, e consequentemente, de novo pensamento. Assim, e
só assim, pensam e agem os verdadeiros marxistas-leninistas, em particular em
tempos de mudança, críticos, quando se decidem os destinos da revolução e da
paz, do socialismo e do progresso».
«A decisão sobre a Nova
Política Económica também estava profundamente imbuída da dialéctica
revolucionária, que alargou substancialmente os horizontes de ideias sobre o
socialismo e as vias para a sua construção».
«Voltamo-nos agora cada
vez mais para os últimos trabalhos de Lenine, a ideia leninista da Nova
Política Económica, e procuramos retirar desta experiência tudo o que é
valioso e necessário para nós hoje. Naturalmente que seria errado colocar um
sinal de igualdade entre a NEP e o que fazemos actualmente … No entanto, a
NEP tinha também um alcance mais vasto. Era a tarefa … de construir a nova
sociedade … “com a ajuda do entusiasmo nascido da grande revolução, do
interesse pessoal, do cálculo económico”…»
Como mais tarde se
tornará claro, Gorbatchev não fez esta citação por causa do «entusiasmo
revolucionário», nem do «cálculo económico», mas sim por causa da referência
ao «interesse pessoal».
A ausência de interesse
pessoal nos produtores de empresas estatais e cooperativas é assinalada e usada
por Gorbatchev não como argumento a favor de uma reflexão sobre como poderia
ser restabelecido no quadro das empresas socialistas, mas sim para propor a
passagem à «concorrência de formas de propriedade», para a «economia de
mercado socialista». O que se pretendia e se concretizou foi a reanimação dos
instintos de propriedade privada.
Porém isto só aconteceu
depois de a cebola mudar de pele. Aqui, na festa do 70.º aniversário, só
foram tocados os primeiros sons do futuro leitmotiv,
mas o motivo não foi ainda desenvolvido. Mas estes primeiros sons estavam lá,
apesar de a maioria dos ouvintes e leitores não ter dado nenhuma atenção a
este aspecto do discurso.
Na área da política
externa havia um outro desenvolvimento do leitmotiv:
a transformação da política leninista de coexistência pacífica, da política
de luta contra o imperialismo com meios pacíficos para uma política
anti-leninista de promiscuidade com o imperialismo, enquanto alegado caminho
para evitar a guerra atómica, e cujo primeiro acorde, iniciado no XXVII
Congresso do PCUS, já foi citado. Mas a mudança de princípio, a recusa do
conteúdo da luta de classes na política de coexistência pacífica, ainda era
camuflada, negada:
«A concepção leninista
de coexistência pacífica tem naturalmente sofrido alterações … Todavia, como
prolongamento da política de classe do proletariado vitorioso, a coexistência
pacífica tornou-se, em particular na época nuclear, uma premissa para a
sobrevivência de toda a humanidade.»
«O XXVII Congresso
elaborou uma nova concepção detalhada de política externa. O seu ponto de
partida, como é sabido, é a seguinte ideia: não obstante as contradições
profundas do mundo actual e as diferenças fundamentais entre os estados que o
compõem, o mundo está mutuamente interligado, é interdependente e forma um
todo determinado.»
Esta descrição da
situação do mundo na época não tem nada a ver com uma descrição marxista, já
que intencionalmente não define o conteúdo e natureza das «contradições profundas»
e das «diferenças fundamentais».
Ainda assim, como nesta
altura o pensamento leninista continua a permear mais o PCUS do que o «novo
pensamento» de Gorbatchev, este não pode deixar de confrontar as noções
elementares de Marx e Lenine.
«… Neste novo momento
de viragem na história mundial estamos a desenvolver teoricamente as
perspectivas de avanço para uma paz estável. Com a ajuda do novo pensamento
fundamentámos no essencial a necessidade e a possibilidade de um sistema abrangente
de segurança internacional nas condições do desarmamento. Agora é preciso
demonstrar a necessidade, a possibilidade real de atingirmos e realizarmos
este objectivo.»
Para fazer tal
«demonstração», Gorbatchev precisa de provar que as teses elementares do
leninismo já não são válidas, ou seja, em primeiro lugar, responder de uma
«nova forma» à questão da essência do imperialismo, na qual, «como é sabido,
radica o principal perigo da guerra».
O mesmo é válido para
as duas questões seguintes que coloca:
«Estará o capitalismo
em condições de se libertar do militarismo, poderá funcionar e desenvolver-se
economicamente sem ele?»
«Poderá o sistema
capitalista prescindir do neocolonialismo?»
«Por outras palavras
trata-se de saber se o capitalismo conseguirá adaptar-se às condições de um
mundo sem armas nucleares e desmilitarizado, às condições de uma nova ordem
económica mundial justa, às condições de uma confrontação honesta dos valores
espirituais de dois mundos.»
Quem coloca estas
questões desta forma, fá-lo porque já respondeu para si claramente «sim» a
todas elas. Contudo, nesta altura, Gorbatchev ainda não pode afirmá-lo
directamente. Por isso responde:
«A vida dará as
respostas.»
Mas logo de seguida
confessa que a sua política se baseia numa resposta positiva às questões
acima colocadas:
«Assim, o que esperamos
nós, sabendo que teremos de construir um mundo mais seguro em conjunto com os
países capitalistas?»
Ora, aí está: não se
pode alcançar um mundo seguro contra o imperialismo, é preciso «construí-lo
com ele»! No final de uma interpretação arbitrária de exemplos, também escolhidos
arbitrariamente, Gorbatchev chega à conclusão desejada de que as contradições
imperialistas se podem «modificar».
«A situação não parece
irresolúvel … estamos perante uma escolha histórica, que é ditada pelas leis
de um mundo em muitos aspectos interligado e unificado.»
Um mundo «unificado por
leis» que obrigam o capitalismo à coexistência pacífica com o socialismo, sob
pena do declínio:
«Ou o colapso ou a
busca conjunta de uma nova ordem económica, na qual os interesses destes ou
daqueles ou de terceiros sejam tidos em conta numa base de igualdade de
direitos. A via para a instauração de uma tal ordem parece agora divisar-se»
– esta é a «feliz mensagem» que o «novo pensador» Gorbatchev anuncia à
humanidade agitada por receios de uma guerra atómica. «Novo pensamento»?
Antiquíssimo disparate, social-democrata-pacifista, que só serve para isto:
levar as pessoas à passividade política na fé de que «os lá de cima» tratarão
do assunto!
A fim de compreender
plenamente o elemento de sedução jogado por Gorbatchov nessa sessão de
encerramento, é preciso, antes de mais, apreciar a rápida viragem do sermão
da cooperação de sistemas para os familiares e confiantes tons de luta de
classes com os quais conclui o discurso, e isso só pode ser feito correctamente
e sem dificuldade se confrontarmos esta declaração de lealdade à luta de
classes com as omissões do nosso "salvador da paz" documentadas
abaixo.
«O PCUS não duvida do
futuro do movimento comunista, portador da alternativa ao capitalismo,
movimento dos mais audazes e consequentes combatentes pela paz, pela
independência e progresso dos seus países, pela amizade entre os povos da
Terra. … O reforço da amizade e o desenvolvimento por todos os meios da
cooperação com os países socialistas é a principal prioridade da política
internacional da União Soviética! ...
«Como será o mundo
quando atravessar o marco secular da nossa revolução, como será o socialismo,
que grau de maturidade terá alcançado a comunidade mundial (!) de estados e
povos? ... Em Outubro de 1917 deixámos para trás de nós o velho mundo,
rejeitando-o irrevogavelmente. Avançamos para um mundo novo, o mundo do
comunismo. Não nos desviaremos nunca deste caminho!»
|
"The
leadership of the party demonstrated [between February and October 1917] the
capacity for collective creative pursuit, by refusing stereotypes and slogans
which, just yesterday, in another situation, seemed unquestionable and the
only ones possible." (It seemed, he says, not that they were!). "It
may be said that the very course of Leninist thought ... was a brilliant
example of anti-dogmatic, truly dialectical thinking, and consequently of new
thinking. Thus, and only in this way, do the true Marxist-Leninists think and
act, especially in times of change, in critical times, when the fates of
revolution and peace, socialism and progress are decided.”
"The
decision on the New Economic Policy was also deeply imbued with the
revolutionary dialectic, which substantially broadened
the horizons of ideas about socialism and the ways in which it was
established."
"At
this moment we are turning more and more frequently to the last works of Lenin,
to the Leninist idea of New Economic Policy, and we seek to take from this
experience all that is valuable and necessary for us today. Of course, it
would be wrong to put an equal sign between NEP and what we are doing today …
Nevertheless, NEP also had a wider scope. It was the task … of building the
new society ... ‘with the help of the enthusiasm born of the great
revolution, the personal interest, the economic accounting’ ..."
As
will become clear later, Gorbachev did not cite this because of the “revolutionary
enthusiasm” or “economic accounting”, but because of the reference to “personal
interest”.
The
absence of personal interest in the producers of state-owned enterprises and
co-operatives is pointed out and used by Gorbachev not as an argument for a rethinking
on how it could be re-established in the framework of socialist enterprises,
but rather to propose going over to “competition of forms of property”, to “socialist
market economy”. What was intended and was established was the revival of private
property instincts.
But
this only happened after the onion changed of layer. Here, on the commemoration
of the 70th anniversary, only the first tunes of the future leitmotiv were played, but the motive
itself has not yet unfolded. But these first tunes were there, though most
listeners and readers have paid no attention to this aspect of the speech.
In
the area of foreign policy there was another development of the leitmotiv: the transformation of
Leninist politics of peaceful coexistence, of the policy of fighting
imperialism by peaceful means to an anti-Leninist policy of promiscuity with
imperialism, as a supposed way to avoid the atomic war, and whose first
chord, begun at the 22nd Congress of the CPSU, has already been quoted. But
the change of principle, the rejection of the content of the class struggle
in the policy of peaceful coexistence, was still camouflaged, denied:
"The
Leninist conception of peaceful coexistence has naturally undergone changes
... However, as an extension of the class policy of the victorious
proletariat, peaceful coexistence became, in particular in the nuclear age, a
prerequisite for the survival of all humanity."
"The
27th Congress drew up a new detailed conception of foreign policy. Its
starting point, as is well known, is the following idea: notwithstanding the
profound contradictions of today’s world and the fundamental differences
between the states that compose it, the world is mutually interconnected, it
is interdependent and forms a definite whole."
This
description of the world situation as it stood at the time has nothing to do
with a Marxist description, since it intentionally does not define the
content and nature of the “profound contradictions” and “fundamental
differences”.
Anyway,
since at this time the CPSU is still more permeated with Leninist thought
than with Gorbachev's “new thinking”, he cannot help but confront elementary insights
of Marx and Lenin.
“...
We are now, at this new turn of world history theoretically working out the
prospects of advancing toward a stable peace. With the help of the new
thinking, we have essentially justified the necessity and possibility of a comprehensive
system of international security under the conditions of disarmament. It is
now necessary to demonstrate the necessity, the real possibility of reaching
this goal and to achieve it."
In
order to make such a "demonstration," Gorbachev needs to prove that
the elementary theses of Leninism are no longer valid, that is, in the first
place, to respond in a "new way" to the question of the essence of
imperialism, in which, "as is well known, lies the main danger of war.”
The
same applies to the following two questions which he raises:
"Will
capitalism be able to free itself from militarism, can it function and
develop economically without it?"
"Can
the capitalist system do without neo-colonialism?”
“In
other words, it is a question of whether capitalism will be able to adapt to
the conditions of a world without nuclear weapons and demilitarized, the
conditions of a new and just world economic order, the conditions of an
honest confrontation of the spiritual values of the two worlds.”
Anyone
who poses these questions, and in this way, does it because he has already
clearly answered yes to all of them. However, at this point, Gorbachev still
cannot assert it directly. That’s why he answers:
“Life
will give the answers.”
But
then he immediately confesses that his policy is based on a positive response
to the above questions:
"So,
what do we expect, knowing that we will have to build a more secure world
together with the capitalist countries?"
So,
there you have it: you cannot reach a secure world against imperialism; you have
to "build it together with it"! At the end of an arbitrary
interpretation of examples chosen also arbitrarily, Gorbachev reaches the
desired conclusion that imperialist contradictions can be "modified."
"The
situation does not look insurmountable ... we are faced with a historical
choice, dictated by the laws of a world in many ways connected and unified."
A world "unified by laws",
which compel capitalism to peaceful coexistence with socialism or otherwise
face downfall:
“Either
the collapse or the joint pursuit of a new economic order, in which the
interests of these or those or third parties are taken into account on the
basis of equal rights. The path to the establishment of such an order seems now
to come into sight" -- this is the "happy message" which the "new
thinker" Gorbachev announces to the humanity shaken by the fears of an
atomic war. «New thinking»? Very old, social-democratic-pacifist rubbish that serves only one purpose:
to lead people into political passivity in the faith that "the people
from up there" will deal with the matter!
In
order to fully grasp the element of seduction played by Gorbachev in this
closing session, one must first of all appreciate the fast turn from the
sermon of system co-operation to the familiar and trusting class-struggle
tones with which he concludes his speech, and this can only be done correctly
and without difficulty if one confronts this declaration of loyalty to the
class struggle with the omissions of our "peace saviour" documented
below.
"The
CPSU has no doubts about the future of the communist movement, the bearer of
the alternative to capitalism, the movement of the most daring and consequent
fighters for peace, for the independence and progress of their countries, for
the friendship among the peoples of the earth… The strengthening of
friendship and development by all means of co-operation with the socialist
countries is the main priority of the international policy of the Soviet
Union! ...
"How
will be the world when it goes through the secular milestone of our
revolution, how will socialism be, what degree of maturity will the world
community (!) of states and peoples have achieved? ... In October 1917 we
left the old world behind us, rejecting it irrevocably. We move forward into
a new world, the world of communism. We will never stray from this path!”
|
III -
A terceira casca: A ruptura pública com o leninismo na política externa –
naturalmente para «salvar a paz» (ND de 08.12.1988) [7]
Em Outubro de 1988, Gorbatchev
assumiu também o cargo de Presidente; substituiu Gromiko como presidente do
Presidium do Soviete Supremo.
A 7 de Dezembro de 1988
discursou na assembleia da ONU em Nova Iorque e confirmou a ruptura com a
concepção leninista da coexistência pacífica, que o seu ministro dos Negócios
Estrangeiros, Chevardnadze, já tinha anunciado poucas semanas antes no mesmo
local, na 43.ª Assembleia Geral da ONU, com as seguintes palavras:
«A direcção da União
Soviética esforçou-se por dar um sentido -- desde o início ancorado no
marxismo -- à ideia de interdependência entre a moderação de classe (!) e a
universalidade humana, dando prioridade aos interesses comuns de todos os
povos. Vemos a coexistência pacífica como princípio universal nas relações
entre os estados e não como uma forma especial da luta de classes».
O discurso de Gorbatchev
glosa esta declaração e envolve-a de uma coroa de justificações, todas baseadas
na premissa de que a União Soviética e os comunistas lidavam agora com um
imperialismo reformado, que de monstro devorador de seres humanos se
convertera em manso cordeiro vegetariano, já a enterrar a intenção de
erradicar o socialismo da Terra. Presta, então, especial tributo aos líderes
do imperialismo mais poderoso e sem escrúpulos, o dos EUA. Podemos, assim,
ler aí coisas sobre as quais hoje muitos se perguntam: como pude eu, com
formação marxista, ver em tais palavras uma análise séria da situação!?
«A economia mundial
está a tornar-se um organismo único, à margem do qual nenhum Estado pode
desenvolver-se normalmente…»
A realidade, porém, deveria
ser assim descrita: «A economia mundial está em vias de ser encaixada num
organismo único, dentro do qual nenhum Estado se poderá desenvolver
normalmente.»
Mas Gorbatchev continua
assim:
«Seria ingénuo
acreditar que os problemas que atormentam hoje a humanidade podem ser
resolvidos através de meios e métodos que antes se utilizaram ou eram
considerados adequados. … Esta experiência [acumulada até hoje pela
humanidade] resultou de uma prática e de uma configuração do mundo, que já
pertencem ou irão pertencer ao passado.»
Que ninguém acredite
que se refere aqui sobretudo às práticas do imperialismo! Não, trata-se sobretudo
da experiência da revolução como caminho para a solução dos problemas
sociais.
«Hoje, porém, surge um
outro mundo perante nós, para o qual é preciso procurar outros caminhos do
futuro …
«Entrámos hoje numa
época em que os interesses universais da humanidade assentam no progresso. A
consciência disto exige que também a política mundial seja determinada pela
prioridade dos valores humanos universais».
Para o marxismo, o
movimento operário representa os interesses gerais da humanidade porque os
trabalhadores só se podem libertar da exploração libertando a humanidade da
exploração. Mas Gorbatchev prega-nos a comunhão de interesses entre
trabalhadores, explorados do terceiro mundo, e exploradores imperialistas.
«Trata-se de
cooperação, que, com mais rigor, se deveria chamar “co-criação” e “co-desenvolvimento”».
«É evidente, por
exemplo, que a violência e a ameaça de violência não podem nem devem ser
instrumentos da política externa … A todos, mas aos mais fortes em primeiro
lugar é exigido restrição voluntária e total exclusão da utilização da
violência no exterior.»
Algumas pessoas
admiraram-se que Gorbatchev, apesar desta condenação eloquente do uso da
violência, tenha todavia autorizado a intervenção das suas tropas na Lituânia
e aberto o caminho aos americanos para a guerra do Golfo, ao dar instruções
ao seu representante na ONU para não usar o direito de veto da União
Soviética. Esta gente ainda não aprendeu a reconhecer o sentido escondido dos
oráculos Gorbatchevianos: ao insistir na «total exclusão da violência no
exterior», Gorbatchev apenas estava uma vez mais a tornar claro que a União
Soviética, sob a sua direcção, não mexeria um dedo nem colocaria nenhum
soldado em acção no caso de nova tentativa de golpe contra-revolucionário num
dos países socialistas. Se a exigência «global» fosse dirigida a todos, então
a União Soviética teria usado o seu veto contra a guerra do Golfo, não é?
«Uma exigência da nova
etapa é a desideologização das relações entre estados.»
Ele praticou esta
«desideologização» de forma consequente: mais nenhuma palavra contra os
«imperialistas», só propaganda da confiança para com eles, como se segue:
«Do nosso ponto de
vista existem perspectivas muito optimistas para o futuro próximo e distante.
Vejam como se alteraram as nossas relações com os EUA. A pouco e pouco
começou a formar-se uma compreensão mútua, surgiram elementos de confiança,
sem os quais é muito difícil avançar na política.»
Bem, aqui temos de
perguntar quem avançou na política: a «confiante» União Soviética, ou os EUA,
de forma nenhuma confiáveis (e também de forma nenhuma dignos de confiança!)?
Trata-se, portanto, de frases gorbachevianas vazias de conteúdo, que conduzem
ao engano!
|
III - The third layer: The public rupture with
Leninism in foreign policy – in order to "save peace", of course
(ND of 08.12.1988) [7]
In October 1988 Gorbachev also took
over the office of President; he replaced Gromyko as chairman of the
presidium of the Supreme Soviet.
On
December 7, 1988, he addressed the UN assembly in New York and confirmed the break
with the Leninist conception of peaceful coexistence, which his Minister of Foreign
Affairs, Shevardnadze, had already announced a few weeks earlier in the same
place, at the 43rd General Assembly of the UN, with the following words:
"The
leadership of the Soviet Union has endeavoured to give a sense -- from the
outset anchored in Marxism -- to the idea of interrelation between class
moderation (!) and the human universality, giving priority to the common
interests of all peoples. We see peaceful coexistence as a universal
principle in the relations between states and not as a special form of class
struggle."
Gorbachev's
speech elaborates on this statement and surrounds it with a wreath of
justifications, all based on the premise that the Soviet Union and the communists
were now dealing with a reformed imperialism, converted from a human-devouring
monster into a tame vegetarian lamb, who is already burying its intention of
eradicating socialism from the face of the earth. With that, he pays especial
tribute to the leaders of the strongest and most ruthless imperialism, those
of the USA. We can, therefore, read things there about which many ask
themselves today: how could I, a trained Marxist, see in such words a serious
analysis of the situation!?
'The
world economy is turning into a single organism, and outside of it no State
can develop in a normal way ...”
The
reality, however, should be described as follows: "The world economy is
about to be encased into a single organism within which no single state can
develop normally."
But
Gorbachev goes further:
"It
would be naive to believe that the problems that afflict humanity can today
be solved by the means and methods that were previously used or considered
appropriate. ... This experience [accumulated until now by humanity] was the result
from a practice and a configuration of the world, which already belong or
will belong to the past.”
Let
no one believe that what is mainly meant here are the practices of
imperialism! No, what is mainly meant is the experience of the revolution as
a way to solve social problems.
"Today,
however, another world is emerging before us, for which other ways into the
future must be sought. ...
"We
have now entered an epoch in which progress will underlie the universal
interests of all humanity. This realization requires that world politics be
also determined by the priority of universal human values. "
For
Marxism the workers' movement represents universal human interests because
workers can only free themselves from exploitation by freeing humanity from
exploitation. But Gorbachev preaches us on the common interests of workers, of
the exploited of the Third World, and of the imperialist exploiters.
“This
is about co-operation, which, more rigorously, should be called ‘co-creation’
and ‘co-development’ ".
"It
is clear, for instance, that violence and the threat of violence cannot be and
should not be instruments of foreign policy ... From all, but first and
foremost from the mightier, is demanded voluntary restraint and total
exclusion of the use of violence abroad.”
Some
people have been amazed that Gorbachev, despite this eloquent condemnation of
the use of violence, has nevertheless allowed his troops to intervene in
Lithuania and opened the way to the Americans in the Gulf War by giving
instructions to his UN representative not to use the Soviet Union right of veto.
These people have not yet learned to recognize the hidden meaning of the
Gorbachevian oracles: when insisting on the “total exclusion of the use of
violence abroad”, Gorbachev was only, once again, making it clear that the
Soviet Union, under his direction, would not move a finger nor would place
any soldier into action in the case of a new attempt of a counterrevolutionary
coup in any of the socialist countries. If the “global” requirement were
addressed to all, the Soviet Union would then have used its veto against the
Gulf War, wouldn’t it?
"A
requirement of the new stage is the de-ideologization of relations between
states."
He
consistently practiced this "de-ideologization": no more words
against the "imperialists", only propaganda of trust towards them,
as follows:
"From
our point of view, there are very optimistic prospects for the near and
distant future. Look how our relations with the United States have changed.
Little by little, mutual understanding began to emerge, elements of trust
have emerged, without which it is very difficult to move forward in politics."
Well,
here we have to ask who has moved forward in politics: the “trusting”
|
«Todos têm de
participar no movimento para uma maior unidade do mundo.»
Mas a quem é dirigido
este apelo? Às potências liderantes imperialistas? Seria inútil: o seu
objectivo era e mantém-se a unificação do mundo sob a sua direcção!
Então a quem? Só restam
aqueles que não confiam nas boas intenções dos imperialistas, por exemplo um
Honecker ou um Fidel Castro ou chefes de Estado no «Terceiro Mundo», que não
se deixam «unificar» pelo Banco Mundial ou pelo FMI. Eis pois Gorbatchev como
agente da propaganda do capital mundial! Difamação, deturpação deliberada das
suas intenções? Vejam quem é este homem hoje! Não é suficiente?
Gorbatchev sobre a ONU:
«Infelizmente, logo
após a sua fundação ficou sob a pressão da “guerra fria”. Durante muitos anos
transformou-se num campo de batalhas propagandísticas e de cultivo da
confrontação política.»
Ninguém estranhou estas
palavras, ninguém se lembrou das instruções de Lenine aos diplomatas
soviéticos: utilizar todas as oportunidades, todos os fóruns para desmascarar
as intrujices e a hipocrisia dos imperialistas para denunciar a sua
brutalidade perante as classes e povos oprimidos?
É assim tão difícil de
reconhecer, por trás destas palavras de Gorbatchev, o grande e vergonhoso
salamaleque aos imperialistas do representante da potência soviética, o seu
ultrajante pedido de desculpas pelo comportamento «inconveniente» dos
diplomatas soviéticos que antecederam Gorbatchev, que «infelizmente» não se coibiram
de levar a luta de classes até aos salões abençoados de East River!? [8]
É claro que Gorbatchev
sabia a estranheza, a indignação que o seu discurso provocaria em muitos
comunistas na União Soviética e em todo o mundo. Tendo em atenção a sua
sólida formação em marxismo-leninismo e o facto de possuir uma inteligência
acima da média, então também podemos assumir que ele mesmo tinha consciência
do carácter ilusório das suas esperançosas imagens futuras de uma cooperação
plena de confiança entre o imperialismo e o socialismo. É, portanto,
compreensível a sua necessidade de combater desde logo o mais que justificado
cepticismo quanto à sua utópica «visão de paz»:
«Não haverá aqui um
certo romantismo, um exagero das possibilidades e do amadurecimento da
consciência social no mundo? Ouvimos este género de dúvidas e de perguntas
tanto na nossa casa como de alguns parceiros ocidentais. Estou convencido de
que não estamos desligados da realidade. No mundo já se formaram forças que,
desta ou daquela maneira, incitam à entrada num período de paz. …»
Quem à época se deixou
embalar por este canto da sereia, porque correspondia ao seu desejo de evitar
o amplamente pintado perigo da guerra nuclear, quem, portanto, substituiu a
análise racional da realidade por ilusões, agora, depois de as bolas de sabão
Gorbatchevianas terem rebentado e o mundo se movimentar exactamente nas vias
determinadas pelas leis descobertas por Marx e Lenine, e não pelas «novas
[leis] objectivas» afirmadas por Gorbatchev, tem de reconhecer, no mínimo,
que Gorbatchev foi um erro fatal.
E depois há que colocar
uma questão: Quantas vezes Estaline foi declarado culpado e condenado por não
ter acreditado nos avisos sobre a data exacta do assalto do exército alemão-fascista,
e dessa forma – como se afirma levianamente – muitos milhares ou centenas de
milhares de soldados soviéticos foram absurdamente sacrificados (quando se
trata de ampliar a conta de culpas de Estaline, a escala para cima não tem
fim)?
Mas qual é então o peso
do «erro» Gorbatchev, um erro que não só é responsável por recuos, mas também
por ter deitado a perder em vão os resultados de 70 anos de um Estado
socialista, as vidas de todas as vítimas da revolução, da guerra civil e da
II Guerra Mundial, um erro que provocou milhares de vítimas nas guerras entre
os povos da ex-União Soviética, as vítimas da tragédia jugoslava e todos os
que morrem no terceiro mundo porque já não existe o campo socialista?
Por que motivo o erro
de um, que no entanto não impediu a maior vitória histórica do socialismo, é
razão para a condenação eterna e porque é que o «erro» do outro, que teve
como consequência a pior e mais sangrenta derrota do movimento operário e de
todas as forças progressistas, nunca antes considerada possível, não merece sequer
ser referido?
|
"Everyone
has to participate in the movement for greater unity in the world."
But
to whom is this appeal addressed? To the leading imperialist powers? That
would be useless: their aim was and remains the unification of the world
under their direction!
To
whom then? The remaining ones are those who do not trust the good intentions
of the imperialists, for example a Hoenecker or a Fidel Castro or heads of
state of the "
Gorbatchev
about the UN:
"Unfortunately,
shortly after its foundation it became under the pressure of the ‘cold war’.
For many years it became a field of propaganda battles and cultivation of
political confrontation."
Was
no one surprised at these words, has no one remembered Lenin's instructions
to the Soviet diplomats -- to use every opportunity, every forum to expose
the con-tricks and hypocrisy of the imperialists to denounce their brutality
to the oppressed classes and peoples?
Is
it so difficult to recognize behind Gorbachev's words the shameful kowtow of
the representative of Soviet power before the imperialists, the ignominious
apology for the "unseemly" behaviour of the Soviet diplomats preceding
Gorbachev, who "unfortunately" did not shy away from carrying the
class struggle to the sacred halls on the East River!? [8]
Naturally
Gorbachev knew the strangeness, the indignation that his speech would provoke
in many communists in the Soviet Union and throughout the world. And if we
take into account his solid formation in Marxism-Leninism and the fact that
he has an above average intelligence, then we may also assume that he himself
was aware of the illusory character of his hopeful future images of a full
trusting co-operation between imperialism and socialism. It is therefore
understandable his need of countering, in advance, the more than justified scepticism
regarding his utopian “vision of peace”:
"Don’t
we have here a certain amount of romanticism, an exaggeration regarding the
possibilities and the maturing of social consciousness in the world? We hear
this kind of doubts and questions both at our home and from some Western
partners. I am convinced that we are not detached from reality. There have
already been formed forces in the world that, in one way or another, incite
us to enter a period of peace. ..."
Whoever
let himself/herself be lulled at that time by such siren singing, because it fulfilled
his/her longing of avoiding the enormously painted danger of nuclear war, whoever,
therefore, substituted rational analysis of reality for wishful thinking, must,
at least today, after the Gorbachevian soap bubbles have burst and the world
moves in exactly the ways determined by the laws discovered by Marx and Lenin
and not by the "new objective” laws claimed by Gorbachev, acknowledge that
Gorbachev, to say the least, was a fatal mistake.
And
then a thoughtful question ought to be asked: How many thousands of times was
Stalin found guilty and convicted for not believing the warnings about the
exact date of the German-fascist army attack, and so -- as is lightly said – many
thousands or hundreds of thousands of Soviet soldiers have absurdly been sacrificed
(when it comes to expanding Stalin's guilt account, the scale upwards has no
end)?
But
what is then the weight of Gorbachev's "mistake", a mistake that is
not only responsible for setbacks, but has also squandered the results of 70
years of socialist statehood, so that all victims of the revolution, civil
war and Second World War were in vain, a mistake that has caused thousands of
victims in the wars between the peoples of the former Soviet Union, the
victims of the Yugoslav tragedy and all those who die in the Third World
because the socialist camp no longer exists?
Why
the mistake of one – which nevertheless did not prevent the greatest
historical victory of socialism -- is the reason for eternal damnation, and
why the "mistake" of the other, which resulted in the worst and
bloodiest defeat of the labour movement and of all progressive forces, never
before considered possible, does not even deserve to be mentioned?
|
IV. A
quarta casca da cebola: o ataque declarado às bases económicas do Estado
soviético – a propriedade social dos meios de produção
Este ataque foi apresentado
principalmente num encontro de Gorbatchev com representantes seniores dos
meios de comunicação de massas em 29 de Março de 1989 (ND de 1/2.04.1989).
Quem ler este discurso
a correr, contestará resolutamente que seja feito nele um ataque declarado
contra os fundamentos do socialismo, pois este discurso é também um excelente
exemplo da arte de induzir em erro e logro, que Gorbatchev domina com
mestria.
Ele não é um actor
solitário. Examinou minuciosamente onde falhou a sua referência e pai
espiritual Krutchev. (No seu discurso refere várias vezes que «nós»
examinámos esta questão com rigor.) Uma das razões é que reconheceu que Krutchev
tinha cometido um grave erro táctico. Colocara-se sempre à frente do
«movimento reformador», e por isso focou em si todos os ataques dos chamados
«conservadores». Isto não aconteceria com Gorbatchev. Ele actuaria de forma
mais astuta: não estaria na linha da frente, mas sim como «mediador», aquele
que mantém o partido unido contra os «extremos» de ambos os lados.
Para representar o
«centro», precisava de uma oposição dos dois lados opostos. Não tinha que se
preocupar com a oposição da esquerda, aqueles que se opunham ao seu
amolecedor rumo liberalizador. Só tinha de se esforçar para que nunca
conseguissem ter do seu lado a maioria dos órgãos decisórios. Isso seria mais
fácil se tivesse uma oposição à direita, que na verdade pressionasse na
direcção por si desejada, mas com exigências que pareciam exageradas na
respectiva situação, com um ultra-radicalismo perante o qual se podia
apresentar como reconfortante reformador moderado e defensor do que ainda era
considerado intocável na consciência geral. Ieltsine assumiu com gosto este
papel do «impulsionador». Ambos estavam de acordo, como o afirmaram muitas
vezes, sobre o destino da viagem. O que na verdade não significava que Ieltsine
se daria eternamente por satisfeito no papel de extremista refreado pelo N.º
1, como Gorbatchev ainda viria a aprender. Mas temporariamente a parelha
funcionou excelentemente:
Ligatchev criticava Gorbatchev
pela esquerda, Ieltsine acusava-o de ser um «indeciso» e Gorbatchev repelia o
primeiro asperamente como «conservador» e representante da «nomenclatura»
anquilosada, interesseira e só preocupada com as suas sinecuras, e
simultaneamente apresentava Ieltsine como defensor resoluto de posições
socialistas, aparecendo assim como o homem, sem cuja acção equilibradora, o
partido estaria fadado à desintegração.
Quando, p. ex., Ieltsine
exigiu que se retirasse da Constituição o artigo consagrando o papel
dirigente do partido, num primeiro momento Gorbatchev reagiu com um
indignado: «Não, nunca!». Depois, o seu «Não» enfraqueceu: «Não, não nas
actuais condições.» E depois, num curto espaço de tempo, aterrou na
justificação da necessidade da abolição desse artigo. O mesmo aconteceu com a
exigência da abolição do sistema monopartidário e em muitos outros casos.
Isto tornar-se-ia num ritual bem ensaiado, funcionando fielmente, da «perestroika».
Mas como no movimento
operário e especialmente nos partidos comunistas, o termo «esquerda» da
geografia política está conotado positivamente e «direita» negativamente, então
não se podia manter que a oposição de esquerda fosse designada de esquerda e
a pseudo-oposição de direita, de direita. Assim, seguramente para espanto de
muitos, dentro e também fora da União Soviética, Ieltsine torna-se um
«opositor de esquerda» e Ligatchev de «direita». Pois não queria Ligatchev
conservar o que existia? Era portanto «conservador»; logo, como todos os
conservadores, de direita. E não era Ieltsine alguém que pressionava
impetuosamente para a mudança, ou seja, um revolucionário, logo, como todos os
revolucionários, de esquerda? Ora aí está!
Assim temos o
espectáculo raro de que a «esquerda» na União Soviética são aqueles a quem
batem palmas os governantes e os seus media nas metrópoles do capital,
enquanto os «direitas» têm uma péssima {imagem na} imprensa.
Esta inversão dos
conceitos «esquerda» e «direita» não foi feita, claro, sem a intervenção de Gorbatchev.
É ele o principal responsável de remover a estigmatizante etiqueta «direita» dos
«reformadores radicais» e de a colar aos seus verdadeiros opositores, a
verdadeira esquerda, os defensores do socialismo. Só quem conhece esta
encenação da mascarada política moscovita, é capaz de descodificar os
discursos de Gorbatchev.
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IV. The fourth layer of the onion: the open attack
on the economic bases of the Soviet state -- the social ownership of the
means of production
This
attack was stated principally at a meeting of Gorbachev with senior
representatives of the mass media on 29 March 1989 (ND 1, 2.04.1989).
Anyone
who reads this speech fleetingly will resolutely object that an open attack
against the foundations of socialism has been made, for this speech is at the
same time an excellent example of the art of misleading and deceiving, which
Gorbachev handles in a masterful way.
He
is no solo actor. He examined very closely where his model and spiritual
father Khrushchev has failed. (In his speech he repeatedly mentions that
"we" examined this question rigorously.) One of the reasons is that
he recognized that Khrushchev had made a serious tactical error. He was
always at the forefront of the "reform movement," and has therefore
focused on himself all attacks of the so-called "conservatives." That
should not happen to Gorbachev. He would do it in a more clever way: he should
not be the frontmost, but the “mediator”, the one who holds the party together
against the “extremes” on both sides.
In
order to represent the “centre”, he needed an opposition from two opposite
sides. He did not have to worry about the opposition of the left, those who
opposed his softening course of liberalization; all he had to do was to make
sure that they could never get on their side the majority of the decision-making
bodies. This would be all the more easily achieved if he had an opposition to
the right, which actually pressed in the direction he desired, but with
demands that seemed excessive in the respective situation, with an
ultra-radicalism facing which he could present himself as a comforting
moderate reformer and defender of what is still regarded as inviolable in the
general consciousness. Yeltsin was only too happy to take up this role of “hustler”.
Both of them agreed quite well on where the journey should go, as they
themselves admitted many times. This did not really mean that Yeltsin would
be eternally satisfied in the role of hothead held back by No. 1, as Gorbachev
would still have to learn. But
temporarily the pair functioned excellently:
Ligachev
criticized Gorbachev from the left, Yeltsin accused him of being an
"undecided," and Gorbachev repelled harshly the former as a "conservative"
and representative of the ossified "nomenklatura", selfish and only
preoccupied with their sinecures, and at the same time he portrayed Yeltsin
as a resolute defender of socialist positions, thus appearing as the man,
without whose balancing action, the party would be doomed to disintegration.
When,
e.g., Yeltsin demanded that the article which laid down the party's leading
role be deleted from the Constitution, Gorbachev reacted in a first moment
with an outraged: "No, never!" Then his "No" weakened:
"No, not in the present conditions." And then, in a short time, he
landed on the justification of the necessity of abolishing that article. This
was also the case with the demand for the abolition of the one-party system
and in many other cases. This would become a well-rehearsed, and reliably
functioning ritual of the “perestroika”.
But
since in the workers’ movement and especially in the communist parties, the
term “left”, of the political geography, has a positive connotation and “right”
a negative one, it was not possible, therefore, to maintain the left
opposition being called left and the pseudo opposition from the right, right.
And consequently, and certainly to the astonishment of many, in the Soviet
Union and also outside of it, Yeltsin becomes a "left-wing
opponent" and Ligachev a "right-winger". Did not Ligachev want
to keep what existed? He was therefore a "conservative" and for
that reason, like all conservatives, a right-winger. And was not Yeltsin a
man who pressed impetuously for changes, that is, a revolutionary, and like
all revolutionaries a leftist? There you have it!
As
a result of this we were then offered the rare spectacle that the
"left" in the Soviet Union are those to whom the rulers and their
media in the metropolis of the capital clap their hands to, while the "right-wingers"
have a very bad {image in the} press.
This
reversal of the concepts “left” and “right” was, of course, not without Gorbachev's
intervention. He bears the main responsibility for removing the stigmatizing label
of "right" from the "radical reformers" and of sticking it
to his true opponents, the true left, the defenders of socialism. Only those
who know this staging of the Muscovite political masquerade are able to
decode the speeches of Gorbachev.
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Vejamos agora a
directiva do caminho a seguir que Gorbatchev apresenta ao pessoal dos meios
de comunicação:
«Partimos do princípio
de que, sem a resolução do problema alimentar e sem a formulação de uma
política agrícola moderna (!) a perestroika não ganharia força e não avançaria.
Aliás, também estávamos conscientes de que mesmo no sector agrícola não era
possível contar com mudanças profundas, se não fossem acompanhadas por
profundas mudanças no conjunto da sociedade.»
«É justamente esta
perspectiva objectiva da situação que tornou necessária a reforma económica
radical. Por isso mesmo também necessitávamos de uma reforma política.»
«Os bens alimentares
são o problema fundamental da nossa realidade. Se o resolvermos, isso é um ganho
colossal não só na economia, mas também na área social e a nível político. Se
não conseguirmos resolver este problema, digamo-lo abertamente, podemos
quebrar a perestroika, e seguir-se-á uma séria desestabilização da
sociedade.»
A perestroika não foi quebrada.
Por isso mesmo, a desestabilização da sociedade que já existia, continuou.
Naturalmente que o
problema alimentar era, na verdade, muito importante, mas não era o problema
fundamental da realidade soviética. O problema fundamental era o desencadeamento
das forças anti-socialistas, nacionalistas, monárquicas e anti-semitas,
incentivadas pelo ataques cada vez mais fortes dos media ao partido e ao aparelho de Estado. O problema fundamental
era a ameaça ao socialismo na União Soviética, e através disso em todos os
países socialistas europeus. As propostas que Gorbatchev apresentou aos
representantes dos media eram tais
que esta ameaça só poderia ter um enorme aumento.
«Tem um significado
fundamental que, pela primeira vez desde há muitos anos, um plenário [do CC]
tenha colocado no núcleo da solução dos problemas económicos uma mudança
radical nas relações de propriedade e de produção no país, a transição para
novas formas de gestão económica, e uma mudança essencial nos métodos de
direcção. … Tenho consciência de que se trata de uma mudança fundamental da
nossa orientação quer no desenvolvimento do sector agrícola, quer na economia
em geral.»
«Por isso os resultados
deste plenário, as suas consequências políticas e objectivos vão muito para
além da questão agrícola, e têm um significado teórico, político e económico
fundamental.»
«O sector agrícola
assumirá o papel precursor, pioneiro na introdução das correspondentes formas
de economia e de direcção. … Se os meios de comunicação não fizerem um
esforço real e o povo não compreender as medidas aqui propostas, dificilmente
as coisas avançarão. … Naturalmente que aqui chocam diferentes interesses. …»
E que resoluções foram
tomadas para alcançar uma agricultura «moderna»? Não se acredita, mas é
verdade: a ressureição da pequena agricultura familiar, a mais improdutiva,
aquela que, principalmente para as mulheres, é a mais escravizadora forma de
economia agrícola! Isto é tão monstruoso que ele não tem coragem para
apresentar a essência da coisa de forma clara, sem cosmética, fazendo
intermináveis rodeios antes de indiciar o que se trata.
«O plenário aprovou a
libertação do enorme potencial dos kolkhozes e dos sovkhoses através da sua
reestruturação interna mediante o arrendamento e a fundação de cooperativas. O
plenário também aprovou o apoio às empresas e combinados agrícolas, à
economia camponesa, à agricultura individual, aos contratos de arrendamento
não só a kolkhozes e sovkhozes, mas também fora deles. … Dito de outra forma,
camaradas, nada de dogmatismos mas sim o máximo de apoio a tudo o que reforce
a independência, a sensação de ser dono da propriedade.»
Quem nessa altura, ao
ler estas afirmações, não quis ainda acreditar que estas «reformas» apontavam
para a eliminação da propriedade social, para o regresso da agricultura
privada, logo para a formação de uma nova classe de kulaks, que condenaria a
massa dos camponeses a uma existência de miséria, então o desenvolvimento
posterior deve tê-lo convencido de que foi vítima de uma avaliação errada
ditada pela boa fé.
A passagem seguinte do
seu discurso mostra que a clique de Gorbatchev estava decidida a afastar, por
todos os meios, qualquer resistência a esta política de restauração. Inicialmente
isso foi tentado através da difamação moral de todos aqueles que se opunham a
esta política e defendiam as formas socialistas, sociais, de produção:
«Muitos dirigentes e
técnicos dos kolkhozes e sovkhozes ainda têm profundamente interiorizado o
método administrativo. Por isso discordam do arrendamento.» (O arrendamento significa
explorações agrícolas familiares, aprovadas por resoluções e propagandeadas
por Gorbatchev e meios de comunicação, em terras que os kolkhozes e sovkhozes
teriam de ceder para esse fim.)
«Eles {dirigentes e
técnicos dos kolkhozes e sovkhozes} querem dar ordens, distribuir tarefas,
comandar, para manter as pessoas na sua dependência. Mas o arrendamento
significa uma relação entre parceiros, obrigações mútuas e não ingerência.
Isto é autonomia …».
É importante relembrar
mais uma vez, no final desta secção, que Gorbatchev afirmou claramente que
atribuía à agricultura um papel pioneiro na introdução de novas formas de
propriedade e de economia. Isto foi uma indicação suficientemente clara da
direcção que seria dada à chamada «reforma económica» em todos os outros
ramos da economia.
(Cascas V a IX e suplemento em próximo artigo.)
|
Let
us now look at Gorbachev's directive on the way forward, presented to the
people of the media:
"We
have assumed that, without the resolution of the food problem without the
formulation of a modern (!) agricultural policy, the perestroika would not
gain strength and would not advance. Moreover, we were also aware that even
in the agricultural sector we can hardly expect any profound changes unless
they are accompanied by profound changes in society as a whole."
“It
is precisely this objective view of the situation that made necessary the
radical economic reform. That’s why we also needed a political reform."
"Foodstuffs
are the fundamental problem of our reality. If we solve it, there is a huge
gain not only in the economy, but also in the social area and at the
political level. If we do not succeed in solving this problem, let us say it
openly, the perestroika may be broken off, and there will be a serious
destabilization of society."
The
perestroika was not broken off. And precisely for this reason, the already
existing destabilization of the society went on.
Of
course, the food problem was indeed a very important one, but it was not the
fundamental problem of Soviet reality. The fundamental problem was the
unleashing of the anti-socialist, nationalist, monarchical and anti-Semitic
forces, which were spurred by the increasingly strong attacks of the media on
the party and the state apparatus. The fundamental problem was the
endangerment of socialism in the Soviet Union, and consequently in all
European socialist countries. The proposals that Gorbachev made to media
representatives were such that this threat could only be thereof greatly
increased.
"It
is of fundamental importance that, for the first time in many years, a [CC]
plenum has placed at the heart of the solution of economic problems a radical
change in ownership and production relations in the country, in the
transition to new forms of economic governance and a fundamental change in
management methods. ... I am aware that we have here a fundamental change in
our attitude towards the development of both the agricultural sector and the
whole economy.”
'This
is why the results of this plenum, its political and objective consequences
go far beyond the agricultural question and have a fundamental theoretical,
political and economic significance.”
'The
agricultural sector will play the pioneering role, pioneering the
introduction of the corresponding forms of economy and management. ... If the
media do not make a real effort and the people do not understand the measures
proposed here, things will hardly advance. ... Of course different interests
clash here. ...”
And
what resolutions have been taken to achieve a "modern" agriculture?
It is hard to believe, but it is true: the revival of the small family
farming, the most unproductive, the one that, especially for women, is the
most enslaving form of agricultural economy! This is so monstrous that he
does not have the courage to present the essence of the thing clearly,
without cosmetics, and goes through endless detours before giving indications
of what it is about.
"The
plenum has approved the freeing of the enormous potential of the kolkhozes
and the sovkhozes through their internal restructuring with the help of
leasing and founding of cooperatives. The plenum also approved the support of
agricultural enterprises and combines, of the peasant economy, of individual
agriculture, and of lease contracts not only to the kolkhozes and sovkhozes,
but also outside them. … Putting it in another way, comrades, no dogmatisms
but instead the maximum of support to everything that reinforces the
independence, the feeling of owning the property."
Whoever
at the time, when reading these statements, did not yet want to believe that
these "reforms" pointed to the elimination of social property, to
the return to private agriculture, and thus to the formation of a new class
of kulaks, which would condemn the mass of peasants to an existence of
misery, the subsequent development must then have convinced him/her that
he/she fell victim to a misjudgement dictated by good faith.
The
following passage from his speech shows that Gorbachev's clique was
determined to dispel, by all means, any resistance to their policy of
restoration. Initially, this was pursued through moral defamation of all
those who opposed this policy and defended the socialist, the social, forms
of production:
"Many
leaders and technicians of the kolkhozes and sovkhozes have still deeply
internalized the administrative method. For this reason they disagree with
the lease." (The “lease” meant the peasant family farms approved by
resolutions and advertised by Gorbachev and the media, established on lands that
the kolkhozes and sovkhozes had to deliver for leasing.)
"They
{leaders and technicians of the kolkhozes and sovkhozes} want to give orders,
distribute tasks, command, to keep people in their dependency. But leasing
means a relationship between partners, mutual obligations and
non-interference. This is autonomy. ...”
It
is important at the end of this section to once again recall that Gorbachev
clearly stated that agriculture played a pioneering role in introducing new
forms of property and economy. This was a sufficiently clear indication of
the direction that would propel the so-called “economic reform” in all other
branches of the economy.
(Layers V through IX with a supplement
in following post.)
|
Notas | Notes
As notas com a menção «N.
Ed.» são do editor de www.hist-socialismo.net. As restantes são nossas.
The
notes with the mention ‘N. Ed.’ are from the editor of www.hist-socialismo.net.
The other ones are ours.
[1] Fidel Castro, Um Grão de Milho. Uma Conversa que Tomás
Borge. Ed. Caminho, 1993.
[2] ND: Neues Deutschland (Nova Alemanha), órgão
central do Partido Socialista Unificado Alemão (Sozialistische
Einheitspartei Deutschlands, SED).
ND: Neues Deutschland (New Germany), central
organ of the Socialist Unity Party of
Germany (Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, SED).
[3] Citações cotejadas
com a edição em francês Réponses de
Mikhaïl Gorbatchev aux questions de L’Humanité, Edition de L’Agence de
presse Novosti, Moscovo, 1986, p. 16 (Ver também Avante!, de 20.02.1986) (N.
Ed.) L’Humanité é o órgão central do
Partido Comunista Francês, PCF.
Quotations
compared with the French edition Réponses
de Mikhaïl Gorbatchev aux questions de L'Humanité, Edition de L'Agence de
presse Novosti, Moscow, 1986, p. 16 (See also Avante!, 20.02.1986) (N. Ed.) L'Humanité is the central organ of the French
Communist Party, PCF.
[4] Cotejado com o
original em russo, Documentos do XXVII
Congresso do Partido Comunista da União Soviética, Politizdat, Moscovo,
1986, pp. 8-9. (N. Ed.)
Compared
with the original in Russian, Documents
of the 27th Congress of the Communist Party of the Soviet Union,
Politizdat, Moscow ,
1986, pp. 8-9. (N. Ed.)
[5] Período da NEP:
período da Nova Política Económica (NEP), de Março de 1921 a finais de 1927, em
que o governo soviético, a fim de impulsionar a economia que sofria os efeitos
das grandes destruições da 1.ªGM e da guerra civil-intervencionista, permitiu
certas medidas de tipo capitalista: venda livre pelos camponeses de excedentes
de cereais (o que incentivou a produção camponesa), comércio privado, empresa
privada de pequena escala e certas concessões ao capital estrangeiro. Dizemos
de «tipo capitalista» porque tais medidas, convivendo com sectores já
socializados, estiveram sempre sob controlo do Estado proletário, que definiu
quais os ramos e moldes em que operavam essas medidas, tendo sempre em vista o
seu carácter transitório e posterior passagem à economia socialista.
NEP
period: New Economic Policy (NEP) period, from March 1921 to the end of 1927, during
which the Soviet government, in order to kick-off the economy that had suffered
the effects of the great destruction of WWI and the civil-interventionist wars,
permitted certain capitalist-type measures: free sale by the peasants of cereal
surpluses (which encouraged peasant production), private trade, small-scale
private enterprise, and certain concessions to foreign capital. We speak of a
"capitalist type" because such measures, operating side by side with
already socialized sectors, were always under the control of the proletarian
state, which defined the branches and forms in which those measures operated,
always taking into account their transitory character and subsequent passage to
the socialist economy.
[6] Citações cotejadas
com o original em russo, M. S. Gorbatchev, Outubro
e a Perestroika: A Revolução Continua, Izdátelstvo Politítcheskoi
Literaturi, Moscovo, 1987, pp. 8-9. (Ver também Pravda de 3 de Novembro de
1987. (N. Ed.)
Quotations
compared with the original Russian, M. S. Gorbachev, October and Perestroika: The Revolution Continues, Izdátelstvo
Politítcheskoi Literaturi, Moscow ,
1987, pp. 8-9. (See also Pravda, 3 November 1987.)
[7] As citações do
discurso de M.S. Gorbatchev na 43ª Assembleia Geral da ONU, em 7 de Dezembro de
1988, foram cotejadas com o original em russo, disponível até recentemente em http://www.gorby.ru/rubrs.asp?art_id=21943&rubr_id=243&page=1.
(N. Ed.)
Quotations
of M.S. Gorbachev's address to the 43rd UN General Assembly on 7 December 1988
were compared to the Russian original, available until recently at
http://www.gorby.ru/rubrs.asp?art_id=21943&rubr_id = 243 & page = 1.
(N. Ed.)
[8] East River: estuário
de água salgada em Nova York, em cujas margens fica a sede da ONU.
East
River: salt water estuary
in New York City on whose banks stands the UN headquarters.