terça-feira, 20 de novembro de 2018

Os «libertadores» americanos


O Senhor Nuno Melo, deputado do CDS no PE, afirmou no final do programa da RTP de 18Nov2018, a propósito da crescente militarização da Alemanha e França e a disputa entre Macron e Trump sobre a NATO, que isso era uma infelicidade porque «A Europa devia estar agradecida aos americanos que a tinham libertado de dois totalitarismos; primeiro do totalitarismo nazi e depois do totalitarismo da União Soviética que depois da 2.ªGM oprimiu vários países europeus».

Esta tese reaccionária é antiga. Foi adoptada por antigos e actuais fascistas, entre os quais o fascista Soljenitsine que glorificou o regime de Franco e se pronunciou contra a revolução do 25 de Abril. Também ele se lamentava da ingratidão dos europeus para com os «libertadores» americanos.

Como muitas atoardas reaccionárias e fascistas, que misturam várias falsidades numa única frase, leva mais tempo a desmontar do que a enunciar. O deputado comunista presente no programa da RTP já não teve aí tempo de o fazer. Vamos fazê-lo aqui rapidamente, ao correr da pena, reservando o desmascaramento detalhado e fundamentado em fontes primárias para outra oportunidade.

-- O grande capital (Ford, IBM, etc., etc.) e a administração americana tiveram grandes negócios com o regime de Hitler até quase ao fim de 1941, bem depois do início da 2.ªGM e com o exército nazi às portas de Moscovo.

-- Isto é, até finais de 1941 os americanos não se importaram minimamente com o totalitarismo nazi. Inclusive, até essa altura, o que dominava a política americana era a tese da «neutralidade», de não entrar na 2.ªGM.

-- Essa política só foi alterada em 7 de Dezembro de 1941 com o ataque japonês a Pearl Harbor. A América entrou na guerra, não porque fosse anti-totalitarista (haja em vista a ajuda actual concedida aos fascistas ucranianos), mas porque os seus interesses imperiais no Pacífico estavam fortemente ameaçados.

-- A viragem da política americana face a Hitler e a sua entrada na guerra foi, digamos, um subproduto do ataque japonês. Até aí a América contentava-se em fornecer ajuda ao seu aliado britânico e considerava isso suficiente.

-- Já depois da entrada na 2.ªGM e firmada a aliança com a URSS, os EUA e a GBR fizeram tudo que podiam para atrasar a abertura da 2ª frente em Normandia. Estaline queixou-se amargamente a Roosevelt e Churchill sobre isso. Efectivamente, a política pérfida e traiçoeira dos EUA e GBR era deixar a Alemanha e URSS desgastarem-se mutuamente, de forma a esmagar a URSS ou, pelo menos, torná-la irrelevante depois da guerra.

-- Em Novembro de 1942, EUA e GBR, quando decorria a titânica batalha de Estalinegrado (a maior batalha da História), desembarcaram sim, mas foi no Norte de África. Tratavam de defender aí, no Mediterrâneo, os seus enclaves imperiais (Grécia, Médio Oriente, Egipto, Líbia, etc.).

-- A derrota nazi em Estalinegrado foi uma surpresa para EUA e GBR. Mesmo assim, pensavam que a URSS estaria perdida. Só no verão de 1943, depois da batalha de Kursk (a maior batalha de tanques da História), com a vitória do Exército Vermelho é que os líderes dos EUA e GBR começaram a encarar mais seriamente a necessidade da 2.ª frente.

-- Só em Junho de 1944, quase um ano depois (!), teve lugar o desembarque na Normandia que tanto tinha já sido pedido pela liderança soviética, que desejava o mais cedo possível iniciar as tarefas de reconstrução e poupar vidas humanas. Os EUA e GBR fizeram o desembarque não tanto para derrotar o nazismo, mas pelo receio de que a URSS libertasse sozinha a Alemanha e outros países ocidentais, pondo em causa o capitalismo na Europa continental. E, mesmo assim, por essa altura, altos políticos dos EUA e GBR procuravam nos bastidores, com o apoio de diplomatas suecos, avaliar a possibilidade de chegar a um entendimento com nazis «apresentáveis», como Doenitz, para recuperar a Alemanha fascista contra a URSS. Isto é, para continuar no pós-guerra a sua política ante-guerra.

-- Não foram os EUA que libertaram a Europa. Foi a URSS. O desembarque na Normandia, tão propagandeado no Ocidente, empalidece face ao esforço de guerra soviético, à grandiosidade das batalhas travadas pelo Exército Vermelho. Os EUA sempre conviveram bem com o nazi-fascismo e ainda hoje convivem.

-- Nos países libertados no Leste as autoridades soviéticas garantiram eleições livres. Não se imiscuíram nas eleições. Os povos escolheram o regime que quiseram. Naturalmente, a igualdade de oportunidades de todos os partidos e a grande atracção popular pelo socialismo, levou a eleger parlamentos e governos de maioria de partidos proletários. Por exemplo, na Checoslováquia, as eleições de 1946 produziram os seguintes resultados (wikipedia): Partido Comunista: 31,2%, 93 deputados; Partido Nacional Socialista (um partido social-democrata): 18,4%, 55 deputados; Partido Popular: 15,7%, 46 deputados; Partido Democrático: 14,1%, 43 deputados; Partido Social-Democrata: 12,1%, 37 deputados; Partido Comunista da Eslováquia: 6,9%, 21 deputados; Partido da Liberdade: 0,9%, 3 deputados; Partido Trabalhista: 0,7%, 2 deputados.

-- Os países do Leste escolheram regimes de democracia popular: socialismo com manutenção parcial de mercado e parte da burguesia. Continuaram a existir vários partidos, eleições livres, direitos democráticos e ampla participação popular; num quadro muito diferente do actual em que são perseguidos os partidos comunistas e socialistas e os regimes são pró-fascistas que constantemente incensam em paradas civis e militares os seus heróis fascistas e… até mesmo as suas divisões das Waffen SS!!!. Tudo isto sem incomodar minimamente a NATO e os EUA. Onde está afinal o anti-totalitarismo dos «libertadores» americanos?

-- No CAME os países do Leste gozavam dos mesmos direitos que a URSS. Idem, no Pacto de Varsóvia que só foi criado bastante depois da NATO após esgotados todos os esforços da URSS para não haver pactos militares e haver desarmamento. As pretensas «invasões» da Hungria e da Checoslováquia pela URSS, não foram nenhumas invasões, mas sim sublevações violentas de bandos armados desses países, instigados pelos serviços secretos ocidentais com primazia da CIA, serviços esses que tinham infiltrado clandestinamente nesses países muitos dos seus agentes e mesmo oficiais do exército disfarçados de civis. Parte importante da liderança desses países, perante o perigo da restauração violenta do capitalismo, pediu ajuda oficial à URSS. A URSS enviou tarde e a contragosto algumas tropas para ajudar a conter a sublevação. A intervenção dessas tropas foi extremamente moderada. As eleições livres, os direitos democráticos e ampla participação popular foram restauradas.

-- Na Europa Ocidental os EUA intervieram, no pós-guerra, para dividir a Alemanha e para organizar golpes anti-democráticos contra os governos da França e da Itália, só porque participavam nele comunistas. Os EUA (e GBR) não recuaram perante executar assassinatos políticos e desencadear intervenções armadas para impor a vontade deles contra a vontade do povo. Assim aconteceu na Grécia no pós-guerra, onde esmagaram da forma mais brutal e sangrenta a revolução popular encabeçada pelos comunistas e instalaram um regime fantoche com um rei escolhido por eles e enviado de Inglaterra.

-- Nas intervenções pós-guerra contra os povos europeus (e não só), os serviços secretos dos EUA incorporaram e utilizaram agentes nazis, nomeadamente a rede do General Reinhard Gehlen.

-- Foram – e são -- os «libertadores» americanos que sempre se deram bem com o totalitarismo e não a União Soviética. Só os reaccionários e fascistas estão agradecidos aos «libertadores» americanos.