O Senhor Nuno Melo,
deputado do CDS no PE, afirmou no final do programa da RTP de 18Nov2018, a
propósito da crescente militarização da Alemanha e França e a disputa entre
Macron e Trump sobre a NATO, que isso era uma infelicidade porque «A Europa
devia estar agradecida aos americanos que a tinham libertado de dois
totalitarismos; primeiro do totalitarismo nazi e depois do totalitarismo da
União Soviética que depois da 2.ªGM oprimiu vários países europeus».
Esta tese reaccionária é
antiga. Foi adoptada por antigos e actuais fascistas, entre os quais o fascista
Soljenitsine que glorificou o regime de Franco e se pronunciou contra a
revolução do 25 de Abril. Também ele se lamentava da ingratidão dos europeus para
com os «libertadores» americanos.
Como muitas atoardas
reaccionárias e fascistas, que misturam várias falsidades numa única frase,
leva mais tempo a desmontar do que a enunciar. O deputado comunista presente no
programa da RTP já não teve aí tempo de o fazer. Vamos fazê-lo aqui
rapidamente, ao correr da pena, reservando o desmascaramento detalhado e
fundamentado em fontes primárias para outra oportunidade.
-- O grande capital
(Ford, IBM, etc., etc.) e a administração americana tiveram grandes negócios
com o regime de Hitler até quase ao fim de 1941, bem depois do início da 2.ªGM
e com o exército nazi às portas de Moscovo.
-- Isto é, até finais de
1941 os americanos não se importaram minimamente com o totalitarismo nazi.
Inclusive, até essa altura, o que dominava a política americana era a tese da
«neutralidade», de não entrar na 2.ªGM.
-- Essa política só foi
alterada em 7 de Dezembro de 1941 com o ataque japonês a Pearl Harbor. A
América entrou na guerra, não porque fosse anti-totalitarista (haja em vista a
ajuda actual concedida aos fascistas ucranianos), mas porque os seus interesses
imperiais no Pacífico estavam fortemente ameaçados.
-- A viragem da política
americana face a Hitler e a sua entrada na guerra foi, digamos, um subproduto
do ataque japonês. Até aí a América contentava-se em fornecer ajuda ao seu
aliado britânico e considerava isso suficiente.
-- Já depois da entrada
na 2.ªGM e firmada a aliança com a URSS, os EUA e a GBR fizeram tudo que podiam
para atrasar a abertura da 2ª frente em Normandia. Estaline queixou-se
amargamente a Roosevelt e Churchill sobre isso. Efectivamente, a política pérfida
e traiçoeira dos EUA e GBR era deixar a Alemanha e URSS desgastarem-se
mutuamente, de forma a esmagar a URSS ou, pelo menos, torná-la irrelevante
depois da guerra.
-- Em Novembro
de 1942, EUA e GBR, quando decorria a titânica batalha de Estalinegrado
(a maior batalha da História), desembarcaram sim, mas foi no Norte de África.
Tratavam de defender aí, no Mediterrâneo, os seus enclaves imperiais (Grécia,
Médio Oriente, Egipto, Líbia, etc.).
-- A
derrota nazi em Estalinegrado
foi uma surpresa para EUA e GBR. Mesmo assim, pensavam que a URSS estaria
perdida. Só no verão de 1943, depois da batalha de Kursk (a maior batalha de
tanques da História), com a vitória do Exército Vermelho é que os líderes dos
EUA e GBR começaram a encarar mais seriamente a necessidade da 2.ª frente.
-- Só em Junho de 1944,
quase um ano depois (!), teve lugar o desembarque na Normandia que tanto tinha já
sido pedido pela liderança soviética, que desejava o mais cedo possível iniciar
as tarefas de reconstrução e poupar vidas humanas. Os EUA e GBR fizeram o
desembarque não tanto para derrotar o nazismo, mas pelo receio de que a URSS
libertasse sozinha a Alemanha e outros países ocidentais, pondo em causa o
capitalismo na Europa continental. E, mesmo assim, por essa altura, altos
políticos dos EUA e GBR procuravam nos bastidores, com o apoio de diplomatas
suecos, avaliar a possibilidade de chegar a um entendimento com nazis «apresentáveis»,
como Doenitz, para recuperar a Alemanha fascista contra a URSS. Isto é, para
continuar no pós-guerra a sua política ante-guerra.
-- Não foram os EUA que libertaram a Europa. Foi a URSS. O desembarque
na Normandia, tão propagandeado no Ocidente, empalidece face ao esforço de
guerra soviético, à grandiosidade das batalhas travadas pelo Exército Vermelho.
Os EUA sempre conviveram bem com o
nazi-fascismo e ainda hoje convivem.
-- Nos países libertados
no Leste as autoridades soviéticas garantiram eleições livres. Não se
imiscuíram nas eleições. Os povos escolheram o regime que quiseram.
Naturalmente, a igualdade de oportunidades de todos os partidos e a grande
atracção popular pelo socialismo, levou a eleger parlamentos e governos de
maioria de partidos proletários. Por exemplo, na Checoslováquia, as eleições de
1946 produziram os seguintes resultados (wikipedia): Partido Comunista: 31,2%,
93 deputados; Partido Nacional Socialista (um partido social-democrata): 18,4%,
55 deputados; Partido Popular: 15,7%, 46 deputados; Partido Democrático: 14,1%,
43 deputados; Partido Social-Democrata: 12,1%, 37 deputados; Partido Comunista
da Eslováquia: 6,9%, 21 deputados; Partido da Liberdade: 0,9%, 3 deputados;
Partido Trabalhista: 0,7%, 2 deputados.
-- Os países do Leste
escolheram regimes de democracia popular: socialismo com manutenção parcial de
mercado e parte da burguesia. Continuaram a existir vários partidos, eleições
livres, direitos democráticos e ampla participação popular; num quadro muito
diferente do actual em que são perseguidos os partidos comunistas e socialistas
e os regimes são pró-fascistas que constantemente incensam em paradas civis e
militares os seus heróis fascistas e… até mesmo as suas divisões das Waffen
SS!!!. Tudo isto sem incomodar minimamente a NATO e os EUA. Onde está afinal o anti-totalitarismo dos
«libertadores» americanos?
-- No CAME os países do
Leste gozavam dos mesmos direitos que a URSS. Idem, no Pacto de Varsóvia que só
foi criado bastante depois da NATO após esgotados todos os esforços da URSS
para não haver pactos militares e haver desarmamento. As pretensas «invasões»
da Hungria e da Checoslováquia pela URSS, não foram nenhumas invasões, mas sim
sublevações violentas de bandos armados desses países, instigados pelos serviços
secretos ocidentais com primazia da CIA, serviços esses que tinham infiltrado
clandestinamente nesses países muitos dos seus agentes e mesmo oficiais do
exército disfarçados de civis. Parte importante da liderança desses países,
perante o perigo da restauração violenta do capitalismo, pediu ajuda oficial à
URSS. A URSS enviou tarde e a contragosto algumas tropas para ajudar a conter a
sublevação. A intervenção dessas tropas foi extremamente moderada. As eleições
livres, os direitos democráticos e ampla participação popular foram
restauradas.
-- Na Europa Ocidental os
EUA intervieram, no pós-guerra, para dividir a Alemanha e para organizar golpes
anti-democráticos contra os governos da França e da Itália, só porque
participavam nele comunistas. Os EUA (e GBR) não recuaram perante executar
assassinatos políticos e desencadear intervenções armadas para impor a vontade
deles contra a vontade do povo. Assim aconteceu na Grécia no pós-guerra, onde
esmagaram da forma mais brutal e sangrenta a revolução popular encabeçada pelos
comunistas e instalaram um regime fantoche com um rei escolhido por eles e
enviado de Inglaterra.
-- Nas intervenções
pós-guerra contra os povos europeus (e não só), os serviços secretos dos EUA
incorporaram e utilizaram agentes nazis, nomeadamente a rede do General
Reinhard Gehlen.
-- Foram – e são -- os «libertadores» americanos que sempre se deram bem
com o totalitarismo e não a União Soviética. Só os reaccionários e fascistas
estão agradecidos aos «libertadores» americanos.