Num artigo
anterior em que analisámos a produção em outsourcing – a actual fonte de super-exploração do trabalho usada
pelos monopólios – referimos o caso de Portugal que «ainda produz em outsourcing bens de consumo como
confecções e calçado, para grupos estrangeiros que exploram os nossos baixos
salários e precariedade de emprego». Citámos, a esse respeito, um caso concreto
da indústria de calçado.
Segundo os
dados do Boletim da AICEP (Portugal Global n.º 90, Setembro 2016) -- que se baseia em dados do
INE --, as indústrias de vestuário e calçado constituíram
conjuntamente em 2015, o terceiro maior
grupo exportador de bens, de entre 16 grupos: contribuiu com 9,6% do total de exportações de bens (4,8
mil milhões de euros de um total de 49,8 mil milhões de euros).
O grupo «vestuário e
calçado» só foi suplantado nas exportações de bens pelo grupo «máquinas e
aparelhos» (14,6%) e «veículos e outros materiais de transporte (11,4%).
As indústrias de vestuário e calçado são de trabalho
intensivo. Segundo um estudo,
empregavam em 2015 cerca de 115,9 mil trabalhadores; ou seja, cerca de 15% do total de trabalhadores
empregados em 2015 nas indústrias trabalhadoras. (Nestas, há outras também de
trabalho intensivo: «madeira e cortiça», «peles e couros», etc.)
O JN de hoje, 3 de Fevereiro, publicou
um interessante artigo de opinião da autoria de Óscar Afonso, Presidente do OBEGEF-Observatório
de Economia e Gestão de Fraude. Intitulado «Vestuário e calçado: nova crise
iminente?» o artigo, que assume uma posição pró-capitalista, alerta
precisamente para algo que abordámos no artigo supra-citado e ouros: a
vulnerabilidade da economia portuguesa que, para além de assentar quase
exclusivamente nas exportações -- desprezando a produção para o mercado
nacional que diminuiria as importações --, assenta em larga medida em exportações
de baixo valor acrescentado proveniente de produção terceirizada («sub-contratada»,
como diz pudicamente Óscar Afonso) para monopólios estrangeiros que
super-exploram os trabalhadores portugueses. Isto, até acharem preferível deslocalizar
empresas para outros horizontes que permitem maior super-exploração do
trabalho. Quando o autor diz no final «subsiste ainda um elevado número de
empresas cuja competitividade depende do preço», deve entender-se: cujo lucro
para o patrão estrangeiro, descontado o lucro para o subcontratado patrão
português, ainda é atraente para ambos, dado o muito baixo “preço” e más condições
do trabalho português.
Aqui deixamos ficar o
artigo:
Vestuário e calçado: nova crise iminente?
Escrito por Óscar
Afonso
Publicado pelo Jornal de Notícias em 3-Fev-2018
(acessível online)
Desde há alguns meses, em particular no
pós-verão, muitas empresas dos setores industriais intensivos em trabalho do
vestuário e do calçado, localizadas maioritariamente nos concelhos de
Felgueiras, S. João da Madeira, Santo Tirso, Trofa e Vizela, enfrentam uma
quebra muito acentuada de encomendas - sabe-se informalmente da deslocalização
para países de mão de obra barata do Leste europeu e Norte de África.
Muitas das respetivas empresas já
atribuíram as férias do ano aos seus trabalhadores. Há mesmo trabalhadores que
já "devem" horas às empresas (horas em casa sem produzir, mas pagas).
Com este "clima" instalado, os prejuízos e as dificuldades vão-se
avolumando. A refletir este cenário está o recurso, por parte de algumas
empresas, ao Programa Especial de Revitalização (PER), vocacionado para as
empresas recuperáveis, mas em situação económica difícil; isto é, em
insolvência iminente.
Apesar deste programa, se nos próximos
meses persistir a situação de ausência de encomendas, iremos certamente
assistir a uma maré de falências e de desemprego nos concelhos referidos.
Trata-se de setores com empresas fortemente integradas em redes, que produzem
em Portugal em subcontratação por marcas internacionais - a Inditex é o exemplo
de referência, mas parece não ser o único.
Salientam-se ainda dois aspetos que poderão
ser paradoxais face a esta realidade. Por um lado, o longo silêncio das
respetivas associações empresariais. Será caso para questionar se se inibem de
trazer notícias indesejadas por dependerem quase integralmente de fundos
estatais e, portanto, do poder político para a sua existência. Por outro lado,
as exportações podem continuar a crescer apesar desta situação. Observando os
valores de janeiro a novembro de 2017 do Instituto Nacional de Estatística
regista-se que a taxa de variação homóloga nominal foi de 3,3% no vestuário e
de 3,5% no calçado. No entanto, e aqui é que está o problema, esse aumento das
exportações está sustentado por importações, sendo a transformação local apenas
marginal - acabamentos e embalagem! Efetivamente, naquele período, a taxa de
variação das importações foi bem mais significativa, registando 5,5% no
vestuário e 6,0% no calçado.
Apesar da fração de empresas que evoluíram
substancialmente nas últimas décadas, em ambos os setores, com melhoria nas
suas competências e nos modelos de negócio, subsiste ainda um elevado número de
empresas cuja competitividade depende do preço.