Tal como em anos anteriores, uma vez conhecida
a Previsão de Outono de 2017 do
Eurostat e outros documentos, apresentamos uma reflexão sobre a situação
económica e social do país.
É conhecido que se registou em 2017 uma pequena
melhoria da situação económica portuguesa. Essa melhoria não surge isolada. É
em grande parte influenciada por uma melhoria moderada das economias dos EUA e da
Alemanha. Houve também ligeiras melhorias na economia japonesa e noutras da UE.
Para além do continuado baixo preço do petróleo, devem-se tais melhorias a
valorizações de activos financeiros e de propriedade.
Quanto a este último aspecto, os economistas da OCDE reconhecem as bases
fictícias da melhoria, dizendo o seguinte: «Os riscos financeiros também
estão a aumentar nas economias avançadas, com o longo período de baixas taxas
de juros a incentivar uma maior tomada de risco e novos aumentos nas avaliações
de activos, inclusive nos mercados imobiliários. Os investimentos produtivos que gerariam os meios para pagar as
obrigações financeiras associadas (bem como cumprir outros compromissos com os
cidadãos) parecem insuficientes.» (itálico nosso). Portanto, a nível global,
continua a dominar o regabofe especulativo do capital financeiro com lucros que
não assentam no capital produtivo.
No caso de Portugal o turismo também tem
contribuído para a melhoria, não só pelas receitas próprias que produz como
pelo estímulo que propaga a outros sectores empresariais, contribuindo para
aumentos de investimento.
Vejamos alguns indicadores.
PIB,
investimento, balança comercial
Segundo o BdP e Eurostat, o PIB deverá ter
crescido 2,6% em 2017. Logo, um crescimento maior que o esperado em 2016 pela Comissão
Europeia (CE) -- 1,2% -- e governo -- 1,5%. O peso do turismo no PIB subiu 47%
em 8 anos. Em 2016 aumentou de 11,5 M€ (milhões de euros), mais 10% que em
2015. Em 2016 o turismo representava 7%
do PIB e tinha um impacto total no PIB (através de outras actividades) estimado
em 16%. O crescimento em 2017 deverá ter sido também da ordem dos 10%,
contribuindo em cerca de 7,7% do PIB.
O crescimento homólogo do investimento privado
(FBCF = formação bruta de capital fixo) no primeiro semestre de 2017 foi de
10%, suportado pela construção e pelo equipamento. Em Dezembro passado o BdP
estimava a FBCF em 8,3% do PIB, mas projectava uma descida para 6,1% em 2018.
Note-se que, segundo os dados do INE, em 2015
– o ano mais recente com dados do INE – a FBCF aumentou de 1,85 B€ (mil milhões
de euros) face a 2014. Contudo, se tomarmos apenas em conta as actividades
produtivas (agricultura, silvicultura e pescas, as várias indústrias,
construção, produção e distribuição de electricidade, captação e tratamento de
água), os dados do INE mostram, não uma subida da FBCF, mas uma descida de 13 M€. Efectivamente, onze das
dezoito áreas da actividade produtiva reportadas pelo INE registaram descidas da FBCF entre 2014 e 2015.
Aguardamos com interesse os dados de 2016 e anos seguintes.
O investimento público tem estado sempre cerca
de 10% abaixo do orçamentado desde a saída da troika. Em 2016, Portugal estava
em último lugar dos países da UE-28 no que respeita à FBCF no sector público:
1,5% do PIB. Mais baixo que em 2015: 2,2% do PIB. A descida de investimento
público é responsável pela continuada degradação de vários serviços públicos,
nomeadamente na saúde, justiça e serviços de segurança social.
O défice da balança comercial continuou a
agravar-se em 2017, aumentando de 12,42 B€ (B€ = mil milhões de euros) de
Janeiro a Novembro (contra 9,79 B€ no mesmo período de 2016). Isto, apesar do
recorde de exportações de 5,22 B€ em Novembro de 2017. Segundo o governo, as exportações
irão cair de 8,3% (em 2017) para 5,4% em 2018.
O governo também afirmou que a descida de exportações em 2018 seria
acompanhada de uma descida de importações. Parece-nos pouco credível. Entre outras razões, porque as fortunas dos mais ricos continuam a
aumentar (como veremos abaixo) e as importações de artigos de luxo não são
controladas. Em 2017 dispararam as vendas de carros de luxo: uma subida de 7,1%
(!) com mais 14.804 veículos tais como Ferraris, Lamborghinis, Bentleys, Maseratti,
Jaguares, Aston Martins, Porsches, etc. Qualquer coisa como 5 a 6 B€!
Indicadores
laborais
A taxa de desemprego no final de 2017, segundo
a CE, é de 9,9%. A previsão para 2018 é próxima deste valor: 9,8%. As previsões
do Eurostat e FMI para 2018 são algo mais optimistas (8,5% e 9%,
respectivamente).
Tal como em 2016, a diminuição da taxa de
desemprego deveu-se em grande parte ao turismo. Em Fevereiro, a taxa de
desemprego ainda estava, segundo o INE, em 10,5%. Mas, de Janeiro de 2016 a Junho de 2017 o turismo criou 60 mil empregos
(Confederação do Turismo de Portugal).
A descida da taxa de desemprego corresponde,
de facto, à criação de emprego pouco qualificado e mal pago, muitas vezes
precário (cerca de 15% dos empregos são precários), ao mesmo tempo que têm sido
eliminados postos de trabalho de maior qualificação e salário. A própria CE reconhece isso mesmo: «Portugal
cria emprego pouco qualificado e mal pago» (declaração de 12 de Novembro de
2017). Alguns factos:
-- De 2012 a 2016 a banca portuguesa cortou 10
mil postos de trabalho. Foi o maior corte na zona euro.
-- Em 2017 a CGD cortou mais de 600 postos de
trabalho.
-- Em Janeiro deste ano os CTT anunciaram
planos para fechar mais do dobro do número de lojas que fecharam desde 2013, o
ano da privatização. Até Março, vão encerrar 22 lojas. Os CTT pretendem despedir
800 trabalhadores em 3 anos.
-- No sector das administrações públicas havia
em Setembro de 2017 uma diminuição de 6.600 postos de trabalho face ao
trimestre anterior. Desde o final de 2011 foram eliminados cerca de 60 mil
postos de trabalho.
-- «Em Portugal há falta de enfermeiros tendo em conta a população, alerta a Comissão Europeia. Temos 6,3
destes profissionais por cada mil habitantes, quando a média europeia é de 8,4»
(DN, 3/12/2017). É conhecida a grande emigração de enfermeiros, que saem do país
devido aos baixos salários e más condições laborais.
-- Segundo um estudo da Iberinform -- organização ao serviço dos patrões -- publicado no
passado Dezembro, as mil maiores empresas portuguesas obtiveram em 2016 maior
produtividade, geraram 77% do PIB, e tiveram lucros acumulados que aumentaram 2,89% atingindo 5,8 B€ face a 5,7 B€
em 2015. Contudo, criaram menos
postos de trabalho que em 2015.
Em 22 de Dezembro de 2017 o JN publicou a
notícia de que 58% dos desempregados não recebiam subsídio de desemprego.
Quanto a salários e direitos laborais,
atentemos nestes dados:
-- Em Junho de 2016, 23% dos portugueses
ganhavam o salário mínimo nacional.
-- No terceiro trimestre de 2017, de 141.500
empregos criados, 96.400 (68%) eram de menor qualificação com salários abaixo
de 733 €, sendo 56.700 (40%) abaixo de 666 €!
-- Em 2017, no sector privado e em termos
nominais, a média salarial subiu 1,8% de Janeiro a Julho de 2017. Mas,
descontando a inflação, a subida foi de 0,6%...
-- Efectivamente, um artigo
do economista Eugénio Rosa de 16 de Junho de 2017, mostra documentadamente
que o ganho médio em Portugal caiu em relação ao ganho médio da UE-28. Todavia –
e esta é a velha questão das médias -- o mesmo não aconteceu com os membros do conselho de administração
e de fiscalização da CGD que, logo após a enorme recapitalização da “Caixa” com
o dinheiro dos contribuintes, tiveram aumentos que variaram entre 79,6% e
166,9%!!! Além disso – e para que não restassem
dúvidas sobre a existência de dois mundos aparte, o do capital e o do trabalho
-- a administração da CGD logo fez
saber que pretendia congelar os salários dos trabalhadores até 2020!!!
Desde a contra-revolução de Novembro de 1975
os direitos dos trabalhadores têm sido fortemente atingidos. As contratações
colectivas caíram a pique e os delegados sindicais são perseguidos em muitas
empresas. Conhecemos empresas em que pura e simplesmente os sindicatos estão
proibidos de entrar, numa clara ilustração do que significa a democracia
burguesa, ainda que se trate da democracia portuguesa com um governo da ala
esquerda do PS sob acordo do PCP e BE. De facto, não é pelo acordo do PCP e BE
com o PS que algo substancial ocorreu neste aspecto. Pelo contrário, como já
vamos ver.
A tabela abaixo mostra o número de
trabalhadores portugueses enquadrados em acordos de contratação colectiva, bem
como a respectiva percentagem face à população empregada a tempo completo. Com
a crise de 2008 e os governos de Passos Coelho esse número (e percentagem) caiu
a pique de 2010 para 2012. A partir de 2013 verificou-se um ligeiro aumento,
mas longe dos valores pré-crise. Com o governo PS houve um ligeiro aumento em
2016. Mas, em 2017, e apesar do aumento
de emprego (embora o valor final concreto não seja ainda conhecido), o
número de trabalhadores com contrato colectivo diminuiu!
Contratação Colectiva
Ano
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
N.º de trabalhadores com contrato colectivo (milhões)
|
1,6
|
1,7
|
1,4
|
1,7
|
0,90
|
0,12
|
0,18
|
0,24
|
0,5
|
0,6
|
0,5
|
Percentagem em termos do n.º de trabalhadores a tempo
completo.
|
35,8%
|
37,8%
|
32,0%
|
39,4%
|
22,0%
|
3,1%
|
4,7%
|
6,1%
|
12,6%
|
14,8%
|
|
É claro que os trabalhadores não deixaram nem
deixarão de lutar. O ano de 2017 foi fértil em greves, concentrações e outras
formas de luta. São de destacar, entre outras, as greves na Somincor (mina de
Neves-Corvo), Tesco (multinacional japonesa), Thyssenkrupp Elevadores,
entrepostos
logísticos da Sonae, Beralt Tin & Wolfram (minas da Panasqueira),
CTT, Triumph, Auto-Europa, Multiauto, Matutano (Grupo Pepsico), e Imprensa Nacional Casa da
Moeda.
Estas lutas dos trabalhadores muitas vezes não passam nos media dos grupos corporativos (jornais
de grande circulação, TV, etc.). Quando passam, é sob a forma de breve menção,
silenciando ou distorcendo as razões os trabalhadores, e mencionando apenas os
incómodos que acarretam, para lançar a pequena burguesia contra o movimento dos
trabalhadores. Quem queira estar a par do mundo do trabalho – um mundo à parte dos media
do grande capital – terá de consultar os portais da CGTP-IN, da Abril-Abril,
ler o «Avante!», etc.
No passado 12 de Janeiro teve lugar um
plenário da CGTP-IN que reuniu cerca de 750 delegados sindicais. Foi aprovada
uma resolução política, «Agir e Lutar», apontando como fundamental para
2018 a reposição dos direitos retirados e a melhoria efectiva da vida dos
trabalhadores. A CGTP-IN destaca justamente que o Orçamento do Estado para 2018
«reflecte avanços que melhoram a vida dos trabalhadores e do povo [...], resultado da acção e da luta reivindicativa
desenvolvida nos locais de trabalho». Mas, declara também que o OE demonstra
«insuficiências» e que, portanto, é necessário «ir mais além», afirmando 2018
como «um ano decisivo para, no quadro da
actual correlação de forças na Assembleia da República, garantir a reposição integral
de direitos usurpados por décadas de política de direita» (itálicos nossos).
Dívida
Pública (DP), Dívida Externa (DE) e Défice Orçamental (DO)
Portugal tinha em 2016 a terceira maior DP
(dívida das administrações públicas, central, regional e local) da UE-28 --
130,1% --, logo a seguir à da Grécia (180,8%) e Itália (132%). Em 2017 a DP
ficou em 126,4%.
É conveniente, porém, analisar a DP no quadro
de todas as dívidas sectoriais.
No final de 2016 a dívida do sector não financeiro
totalizava 715.154 M€, assim repartida: DP, 300.958 M€; dívida das empresas
privadas, 265.213 M€; dívida das famílias, 142.079 M€. A dívida total do sector
não financeiro era financiada em cerca de 1/3 por credores estrangeiros; mas, a DP era financiada quase em metade por credores estrangeiros (46,6%). (Dados
do BdP, que obtivemos a partir do artigo de Eugénio Rosa «A
Divida que está a Estrangular o País, o Estado, as Empresas e as Famílias»,
cuja leitura recomendamos.)
Somando todas as parcelas que devemos ao
estrangeiro, com juros a taxas entre 3% e 4%, a nossa dívida externa bruta era,
em final de 2016, de 398.850 M€, e a líquida (subtraindo o que temos a haver do
estrangeiro) era de 181.315 M€, praticamente igual ao PIB previsto para 2017.
Eugénio Rosa assinala que a DE é «cerca de três vezes mais do que quando o
país entrou para a zona Euro» e ainda, como é fácil de entender, «os
encargos com a divida externa são muito pesados, funcionando também como um
garrote que impede um crescimento económico e desenvolvimento sustentado e
elevado».
A situação da DP no início de 2017 não era
famosa. A DP estava a aumentar a um ritmo superior ao de 2016. Enquanto em 2016
tinha aumentado a uma média de 1.222 M€/mês, nos primeiros dois meses de 2017
aumentou a uma média de 1.912 M€/mês atingindo 304.782 M€. O aumento continuou
pelo menos até metade de 2017, atingindo no final de Junho 132,4% do PIB.
No final de 2017 a DP só baixou porque o
governo retirou dinheiro da «almofada financeira» para efectuar pagamentos
antecipados da dívida ao FMI num total de 10 B€ (foi paga 80% da dívida; o
último pagamento antecipado de 1 B€ no passado Dezembro só vencia entre Março e
Maio de 2021). Entretanto, uma emissão de obrigações do Tesouro no valor de 6
B€ colmatou a «almofada financeira», embora a menor nível. O atractivo desta
engenharia financeira é que substituiu a taxa de juro usurária cobrada pelo FMI
(4,3%) por uma muito mais baixa, a das obrigações do Tesouro, da ordem de 1,6%
(indexada à taxa Euribor).
Para 2018 o governo pretende continuar com
esta engenharia financeira a fim de baixar a DP. (A previsão do Eurostat é de
124,1%; para o FMI – entusiasmado com os pagamentos antecipados – a previsão é de
122,5% !) O problema está em que tal engenharia não é livre de riscos. A taxa
Euribor pode aumentar e novos buracos bancários podem «comer» a «almofada». No
artigo de Eugénio Rosa já citado, o autor refere uma reunião de economistas do
PS e BE (o PCP não foi convidado) que delineou cinco medidas para baixar a DP,
incluindo as duas adoptadas em 2017. Nenhuma das cinco medidas é livre de
riscos e, como diz Eugénio Rosa, «… mesmo implementando todas estas [cinco] medidas,
a redução dos encargos com a divida que se obteria, por um lado, não resolveria
de nenhuma forma o problema … até porque a divida continuaria a crescer
alimentada pelo défice orçamental enquanto durasse e pelo reduzido aumento do
PIB; e, por outro lado, mesmo aqueles “resultados/poupanças” são aleatórios
(podem variar de ano para ano, e mesmo em relação ao previsto).»
Na realidade, para evitar o desastre económico
e social, não existe alternativa credível que não seja a renegociação da dívida,
conforme vimos a defender neste blog
desde o seu início (em 2012).
Quanto ao défice orçamental, ele caiu de 2% do
PIB em 2016 para 1,4% em 2017. A previsão do Eurostat para 2018 mantém este
valor. Apesar do DO em 2016 e 2017 ter sido inferior aos 3% impostos por
Bruxelas, isso não foi aproveitado para, p. ex., aumentar o investimento
público e com isso melhorar os serviços sociais (ver o que dissemos acima). Tal
aumento seria possível com pequeníssimo impacto na DP.
O critério dos 3% é, de facto, um «critério
mágico» fixado pelas economias dominantes da UE que não tem em conta a
diversidade estrutural das economias dos países mais pobres.
Perspectivas
para 2018
Pensamos que os comentários que fizemos em 2017 sobre a evolução da
situação económica e social portuguesa se mantêm válidos no essencial.
Quanto à economia, ela continua pouco
produtiva e vulnerável a «choques externos», como diz o Eurostat; isto é, muito
dependente da «boa saúde» das economias que compram bens e serviços a Portugal.
Quanto à exportação de bens, ela assenta em baixos salários – más condições de
vida – dos trabalhadores portugueses. Além disso, grande parte dessa exportação
depende de monopólios estrangeiros; logo, só se reflecte nesses baixos salários
e não em mais-valias retidas em Portugal.
Estas também são (quase todas) exportadas. A Previsão do Eurostat diz assim sobre o crescimento do investimento
em 2017: «…grande impulso ao investimento este ano proveio de uma melhoria de
capacidade [produtiva] na maior empresa de automóveis [Autoeuropa] do país, que
deverá desvanecer-se em 2018». O que acontece se «amanhã» o Grupo Volkswagen
decidir terminar com a Autoeuropa e deslocalizá-la para a «Cochinchina» onde os
salários são ainda mais baixos?
As previsões da OCDE para a economia mundial em 2018 e 2019 são de
abrandamento: «Embora a melhoria cíclica a curto prazo
seja bem-vinda, permanece modesta em comparação com os padrões de recuperações
passadas. Além disso, as perspectivas de continuar o aumento do crescimento
global até 2019 e garantir as bases para um maior potencial de produção e um
crescimento mais sólido e inclusivo não parecem ainda existir. Os efeitos
persistentes do prolongado crescimento inferior ao necessário, após a crise
financeira, ainda estão presentes no investimento, no comércio, na
produtividade e na evolução salarial. Prevê-se alguma melhoria em 2018 e 2019, quanto
às empresas que realizam novos investimentos para actualizar o seu stock de
capital, mas isso não será suficiente para compensar totalmente as
insuficiências passadas e, assim, os ganhos de produtividade permanecerão
limitados.»
As previsões do INE e Eurostat para a economia portuguesa em 2018 e
2019 são de abrandamento. A do Eurostat refere: «O
crescimento das exportações [de bens e serviços portugueses] deverá estar em
2019 mais alinhado com a procura externa, já que o impacto do fabrico de
automóveis e do turismo deve diminuir.».
Além disso, continua elevada a probabilidade
de uma nova crise mundial a curto prazo. Já não são só os marxistas que dizem
isso. A Perspectiva
Económica Mundial do FMI do passado Outubro (a última de 2017) diz o
seguinte:
«As valorizações de acções continuaram a
crescer e estão próximas de recordes de máximos, isto porque os bancos centrais
mantiveram regras de política monetária favoráveis, em situação de inflação
fraca. Isto faz parte de uma tendência mais geral dos mercados financeiros
globais, onde as baixas taxas de juros, uma melhoria de perspectiva económica e
um aumento do apetite de risco aumentaram os preços dos activos e diminuíram a
volatilidade»
e
«Uma acumulação contínua de cargas de dívidas e avaliações exageradas de activos
podem ter repercussões económicas globais. ... um reajuste dos riscos poderia
levar a um aumento nos spreads de
crédito e a uma queda no mercado de capitais e nos preços da habitação, fazendo
descarrilar a recuperação económica e comprometendo a estabilidade financeira».
Quanto às perspectivas sociais, e apesar de alguma melhoria das
condições de vida de certos estratos de baixos rendimentos, Portugal continua a ser um dos países mais desiguais da UE, conforme
revelou o Inquérito às Condições de Vida
e Rendimento, divulgado pelo INE no final do passado Novembro. Estamos já
abaixo da Bulgária, Lituânia, Roménia, Espanha e Letónia.
No final de 2016 11% dos trabalhadores eram pobres
e, segundo o INE, quase 2,6 milhões de portugueses (1/4 da população) estavam
em risco de pobreza. (A taxa de risco de pobreza é calculada tendo em conta
rendimentos abaixo do limiar de pobreza e indicadores de privação material, que
indicam falta de bens ou de dinheiro.)
Mas, inclusive, estes valores parecem ser
optimistas. Segundo o estudo «Rendimento Adequado em Portugal (raP) – Quanto é
necessário para uma pessoa viver com dignidade em Portugal?» -- estudo de uma
parceria entre várias universidades, entre as quais a de Lisboa e a Católica, e
a Rede Europeia Anti-Pobreza --, o limiar
da pobreza em Portugal está subestimado. Um dos investigadores afirmou: «Há uma clara subestimação dos valores da
pobreza e há uma subestimação também dos valores, dos mínimos sociais que estão
fixados, do salário mínimo, dos mínimos sociais da protecção social».
E que se passa no outro extremo da
distribuição de rendimento? Já vimos que a venda de carros de luxo está em
alta. Não é de admirar, dado que Portugal
ganhou 7 mil milionários em 2017! Que galardão, não é? Temos agora cerca de 68 mil portugueses milionários (isto é, com património acima
de 1 M€), segundo o Global Wealth Report.
E destes 68 mil – 0,7% da
população portuguesa -- os 25 maiores
estão ainda maiores! A soma das suas fortunas atingiu 18,8 B€ em 2017, contra
15 B€ de 2016. Um crescimento de 3,8 mil milhões de
euros! Um crescimento de 25,3% que envergonha o crescimento de qualquer PIB.
Mais outra maravilha portuguesa alcançada em pleno governo de «esquerda»!!!
Com um governo de «esquerda» assim, que
permite tais maravilhas aos capitalistas, aos 0,7% da população
portuguesa, não é de admirar que a luta de classes ainda esteja a baixo vapor,
que os trabalhadores passem por muitas frustrações nas suas lutas para
conseguirem migalhas, que continuem muitos deles a ter uma vida de miséria, e
que a sua consciência política esteja algo confusa como se viu nas eleições
autárquicas. Então não querem lá ver, que mesmo com o PCP no acordo, no
essencial, plus ça change plus c’est la
même chose?
Os capitalistas é que não brincam em serviço.
Pelo sim pelo não – não vá serem colhidos de surpresa como no 25 de Abril de
1974 – tratam de pôr as suas fortunas a salvo nos paraísos fiscais. Já vimos
isso nos Panama Papers e voltamos
agora a ver de novo nos Paradise Papers:
1,4 milhões de ficheiros que expõem 127 líderes políticos e a elite capitalista
com fortuna nas Bermudas, Caimão, Maurícias, Hong-Kong e ilha de Man graças aos
serviços da Appleby & Asiatic Trust.
Desta vez e segundo o semanário Expresso, foram
encontrados nos 1,4 milhões de ficheiros «uma série de antigos administradores
do Grupo Espírito Santo e do BPN». Quem é que disse que o crime não compensa? É
claro que mal se soube dos Paradise
Papers, logo a CE veio dizer que era necessário redobrar de esforços para
pôr cobro ao escândalo, etc. Um bocado como os padres que admoestam e obrigam a
rezas de contrição os fiéis (ou outros padres) cujos pecados foram revelados.
As admoestações e rezas passam e os fiéis pouco depois recaem nos mesmos pecados.
Mas cai bem na fotografia as admoestações e rezas de contrição.
Aqui, em Portugal, é que nem rezas de
contrição se avistam. No «Pacto de Justiça» que está a ser acordado entre o PS
e BE ficou de fora o «combate ao enriquecimento ilícito». O crime continua a
compensar.
Atentemos: Medidas sobre a dívida: reunião de
economistas do PS e BE; «Pacto de Justiça»: em acordo entre o PS e BE. Cada vez
mais o BE serve de apêndice ao PS, algo que já vimos a documentar desde 2012. É
natural que assim seja. Ambos representam a mesma classe social: a pequena
burguesia urbana, com uma ala moderada (ala esquerda do PS) e outra mais
radical (BE).
Voltando aos 0,7% do topo. Mais coisa menos
coisa, são estes 0,7% de capitalistas que exercem a sua tutela, o seu domínio,
na muito democrática democracia burguesa de Portugal. Uma democracia que os
serve, mas representa uma enorme opressão – milhões de pobres, vidas de
miséria, falta de direitos e repressão de direitos -- sobre a esmagadora
maioria dos portugueses.