A Venezuela saiu da Organização
de Estados Americanos no passado 27 de Abril (anunciado a 26). É o primeiro
país americano a dar este passo histórico, marcando a defesa da soberania e não
sujeição às ingerências dos EUA.
A OEA é uma instituição
criada em 1889 pelos EUA dentro do espírito da doutrina Monroe, para «justificar»
a intervenção norte-americana nos assuntos internos de outros países do
continente americano, incluindo o derrube violento de governos democraticamente
eleitos que não sejam do seu agrado, com banhos de sangue de activistas
populares. Coisa que os EUA fizeram repetidamente, com apoio de burguesias
subservientes, instaurando as ditaduras mais repressivas e monstruosas que a
história conhece: Rios Montt e outros na Guatemala, Batista em Cuba, os vários
governos das ditaduras militares no Brasil, Videla e outros da Argentina, os
Somoza na Nicarágua, os Duvalier no Haiti, Jimenez e Andrés Perez na Venezuela,
Stroessner no Paraguai, Barrientos e Banzer na Bolívia, Trujillo na República
Dominicana, Pinochet no Chile, etc., etc., etc.
Alguns países da OEA têm
funcionado permanentemente como apêndices
dos EUA. Entre eles enfileiram desde Estados que são uma espécie de plataforma
de negócios dos EUA, como Guiana, Bahamas, Santa Lucia, Barbados, Jamaica,
etc., até outros de burguesias extremamente reaccionárias que têm assumido um
papel militante e nuclear de cães de guarda e praças de armas dos interesses
americanos – isto é, dos monopólios americanos – na América Central e do Sul. É
o caso do México, Colômbia e Honduras.
Actualmente, com o núcleo
duro e estável EUA-Canadá-México-Colômbia-Honduras, alinham destacadamente os
governos de direita do Peru, Brasil, Argentina, Uruguai, Panamá e Guatemala. O
actual Secretário-Geral da OEA, Luís Almagro, do Uruguai, tem operado como um agente
dos EUA, tomando a iniciativa de propor as manobras mais ingerencistas dos EUA,
defendendo-as acerrimamente. O rancor deste energúmeno por tudo que cheire a
defesa de soberania, a sua postura sistemática
de arruaceiro fascista apelando à intervenção imperial em países soberanos, têm
sido de tal calibre (ele até espuma pela boca!) que a suspeita de ser um agente
pago pelos EUA salta imediatamente à cabeça.
A saída da Venezuela da
OEA teria necessariamente – como tudo que vai contra as teses imperiais – de
suscitar as maiores distorções nos media
dos monopólios e seus subsidiários (como os principais jornais e canais de TV
portugueses). Pensamos, por isso, ser de interesse apresentar aqui a tradução
de uma peça da Telesur (cadeia de TV multi-estatal da Venezuela, Cuba, Equador,
Bolívia, Nicarágua e Uruguai; disponível na TV por cabo em Portugal) com
anotações nossas entre parênteses rectos.
* * *
O que os media
dominantes não lhe dizem sobre a saída da Venezuela da OEA
Telesur, 26 de Abril de
2017
Durante semanas os media dominantes escalaram os seus
ataques contra a Venezuela, iludindo os seus leitores sobre a actual agitação
política. Hoje não é diferente.
A decisão [de sair da
OEA] foi anunciada depois do Conselho Permanente da OEA ter aprovado uma
convocação de ministros dos negócios estrangeiros [em Washington] para discutir
a Venezuela [oficialmente, «para tratar da crise da Venezuela»] sem o acordo
deste país. Houve 19 votos a favor de efectuar a reunião [Guiana, Bahamas,
Santa Lucía, Argentina, Barbados, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica,
Estados Unidos, Honduras, Guatemala, Jamaica, México, Panamá, Paraguai, Peru e
Uruguai], 10 contra [Venezuela, Antigua e Barbuda, Bolívia, Dominica, Equador,
Haiti, Nicarágua, San Cristóbal e Nieves, San Vicente e Granadinas, Suriname], uma
abstenção e uma ausência.
Criticando a OEA por
convocar a reunião, [a chanceler da Venezuela, Delcy] Rodriguez disse que a organização
regional baseada nos EUA pretende criminalizar o governo e desestabilizar a
democracia constitucional. Tais acções, afirmou, têm a intenção de facilitar
uma mudança de regime e a intervenção estrangeira. O representante da Venezuela
na OEA deu voz às preocupações de Rodriguez, acrescentando que os estados
membros de direita estão a pressionar a Venezuela para que aceite uma
ingerência nos seus assuntos internos.
Foi por estes motivos que
a Venezuela decidiu sair da organização dos 35 países [permanece noutras, como
a CELAC e ALBA]. Os media dominantes,
porém, transmitem uma imagem radicalmente diferente da situação.
Os canais de notícias
corporativos transmitem a ideia da saída da OEA como um esforço do governo para
«se manter no poder» face aos protestos da oposição, mas não se limitam a isso.
De facto, não noticiam os critérios dúplices da organização quanto a países de
esquerda como a Venezuela, e o desrespeito que essa organização tem tido pelos
abusos dos direitos humanos em países geridos por governos de direita.
Eis alguns exemplos:
A 3 de Abril a OEA
realizou uma sessão extraordinária sobre a Venezuela, apesar das objecções da
Bolívia, o país presidente pro tempore
da organização. O representante boliviano da OEA, Diego Pary Rodriguez, arguiu
que a sessão violava a soberania da Venezuela, dado que a organização regional
estava a ingerir-se nos assuntos internos do país [o que é contrário aos
estatutos da OEA].
A OEA, não obstante,
avançou com a sessão sem a aprovação da Bolívia, nomeando a direitista Honduras
como «presidente interino». Pary e os seus homólogos da Nicarágua, El Salvador,
Dominica e Haiti condenaram esta acção por ser um «golpe institucional».
Nas semanas que
antecederam e se seguiram à sessão de 3 de Abril, o Secretário-Geral da OEA Luis
Almagro apelou a uma mudança de regime na Venezuela, apoiando a violência dos
protestadores da oposição. O apoio de Almagro à intervenção estrangeira contra
um governo democraticamente eleito levanta a questão da sua imparcialidade
relativamente àquele país sul-americano.
Quando em 2014 os protestos
da oposição custaram a vida a 43 pessoas, vários estados membros da OEA, como
os EUA e o Panamá, atribuíram as culpas ao Presidente Nicolás Maduro, apelando
à sua expulsão. Culparam Maduro apesar da maioria das mortes ter sido da
autoria dos protestadores anti-governo.
Em 11 de Abril de 2002, quando
o anterior Presidente Hugo Chavez foi temporariamente removido por um golpe da
direita [«temporariamente» apenas
porque o povo conseguiu derrotar os golpistas] a OEA ignorou o apelo de ajuda
do governo socialista [democraticamente eleito, segundo os cânones da OEA]. A
organização esperou dias [à espera de ver se o golpe vingava] até iniciar
sessões sobre a tomada ilegal do poder. Quando acabaram por reunir já Chavez
estava de novo no poder.
Os media dominantes também não noticiam a falta de acção da OEA
relativamente aos abusos de direitos humanos cometidos em países com governos
de direita.
No México, por exemplo, o
Comité de Protecção dos Jornalistas noticiou que cinco jornalistas foram
assassinados nas últimas oito semanas. Quatro camponeses que participaram na
luta pelos direitos à terra foram mortos pela polícia; isto, só neste último
mês. A taxa de assassinatos de mulheres no país tem vindo a aumentar.
Na Colômbia, 35 líderes
da luta pela justiça social foram assassinados desde o início do ano, conforme noticiou
a ONU. Contando apenas Janeiro e Fevereiro, 3.549 pessoas de cerca de 900
famílias foram deslocadas à força através da Colômbia, a maioria das quais
indígenas e negros. Em 2016 foram cometidos 59 homicídios de advogados dos
direitos humanos e um total de 11.363 pessoas de cerca de 3.000 famílias foram deslocadas
à força.
Nas Honduras, centenas de
activistas representando organizações de negros, indígenas, LBGTI,
trabalhadores e camponeses foram sistematicamente assassinados desde o golpe
que expulsou o presidente de esquerda Manuel Zelaya. Embora a OEA tenha
temporariamente suspendido as Honduras depois do golpe [só «para inglês ver»], acabou
por reintegrar o país apesar de saber da violência contra quem protestasse;
violência sancionada pelo governo. Honduras foi considerado o país mais
perigoso do mundo pelos defensores da terra e do ambiente da ONG Global Witness.
É bem claro que as atrocidades
cometidas contra os direitos humanos em países de direita como o México,
Colômbia e Honduras ultrapassam de longe tudo de que tem sido acusada a
Venezuela [infundadamente acusada a Venezuela de Chavez e Maduro. Em antes
deles houve, de facto, monumentais abusos contra os direitos humanos, como p.
ex. os 396 mortos do «caracazo»].
Tendo isto em conta, um raciocínio fundamentado deveria questionar os critérios
dúplices da OEA contra a Venezuela e a cumplicidade dos media dominantes na perpetuação de falsas narrativas.