Com a subida ao poder de
fascistas e anticomunistas na Ucrânia, regressaram velhas mentiras históricas. Como
a do alegado genocídio de ucranianos por fome alegadamente imposta pelos
“estalinistas” em 1932-33: o alegado “Holodomor” retratado no filme “Bitter
Harvest” (Colheita Amarga) a circular
brevemente em Portugal.
Mentiras apoiadas pelos
serviços secretos imperiais. Para branquear, saudar e legitimar o poder
pró-imperial extremamente reaccionário, imposto na Ucrânia para servir os
interesses do grande capital. E também para alimentar a campanha contra Estaline
e o socialismo soviético.
Esta campanha chegou a
Portugal. Em 3 de Março, duas semanas depois de a AR ter
condenado a ilegalização do PC da Ucrânia, o PSD propôs um voto de “condenação pelo Holodomor”. O PS – que não gosta de deixar créditos
direitistas em mãos alheias, ainda que escondidos por detrás de belas palavras
como “homenagem” e “vítimas” – também propôs um voto de «homenagem às vítimas
da grande fome na Ucrânia». Ambos os votos foram aprovados. O do PSD, com o
apoio do CDS, PAN e um deputado do PS, a abstenção do PS e votos contra do PCP,
BE, PEV e três deputados do PS. O do PS, com os votos do CDS, PAN e BE, a
abstenção do PSD e votos contra do PCP e PEV. Note-se (mais uma vez!) o
alinhamento do BE com o PS.
O PCP desmascarou,
em certa medida, a «exumação do cadáver de uma campanha lançada há vários anos pela
extrema-direita ucraniana». É uma campanha que desde a Guerra Fria tem sido
desmascarada. É claro que muitos cidadãos honestos não têm conhecimento disso.
No PSD, PS, etc., também há os desconhecedores; mas, mais do que isso, abundam
os desonestos lambe-botas do grande capital e do império.
Para os
cidadãos desconhecedores mas honestos aqui deixamos ficar a tradução de um
excelente artigo
de Grover Furr, Professor e especialista em história da URSS da Universidade de
Montclair, EUA, publicado na revista Counterpunch
em 3 de Março.
* * *
O “Holodomor” e o filme “Bitter Harvest” são
mentiras fascistas
3 de Março de 2017
(Nota do autor: Neste
artigo baseio-me em grande medida em evidência citada na investigação de Mark
Tauger da Universidade da Virgínia Ocidental. Tauger dedicou a sua vida
profissional a estudar as fomes e agricultura russa e soviética. É uma
autoridade mundial nestes temas e alvo do desagrado vigoroso dos nacionalistas e
anticomunistas ucranianos porque a sua investigação explode as falsidades
deles.)
O filme nacionalista
ucraniano “Bitter Harvest” propaga mentiras inventadas pelos nacionalistas
ucranianos. Na sua
análise Louis Proyect propaga essas mentiras.
Proyect cita o artigo de
Jeff Coplon “Em busca
do Holocausto Soviético: Uma Fome de Há 55 Anos Atrás Alimenta a Direita”
publicado em Village Voice, 1988. Nele,
Coplon mostra que os mais destacados peritos ocidentais na versão dominante e
anticomunista da história soviética, rejeitaram qualquer noção de uma fome
deliberada imposta aos ucranianos. E continuam a rejeitá-la. Proyect omite a menção
deste facto.
Houve uma fome muito
séria na USSR, incluindo na (mas não limitada à) RSS da Ucrânia em 1932-33. Mas
nunca existiu qualquer evidência de um “Holodomor” ou “fome deliberada” e não
existe nenhuma hoje.
A ficção do “Holodomor”
foi inventada por ucranianos colaboradores dos nazis, que encontraram depois da
guerra portos de abrigo na Europa Ocidental, Canadá e EUA. Uma narrativa inaugural
é a de Yuri Tchumatski, Porque Razão Um Holocausto Vale Mais Do Que Outros?
publicada na Austrália em 1986 pelos “Veteranos do Exército Insurgente
Ucraniano”; este trabalho constitui um ataque alargado aos “Judeus” por serem
demasiado pró-comunistas.
A apreciação de Proyect
perpetua as seguintes falsidades sobre a colectivização soviética da
agricultura e sobre a fome de 1932-33:
* Que, em geral, os
camponeses resistiram à colectivização porque era uma “segunda servidão”.
* Que a fome foi causada
pela colectivização forçada. Na realidade a fome teve causas ambientais.
* Que “Estaline” – a
liderança soviética – criou deliberadamente a fome.
* Que ela tinha como
objectivo destruir o nacionalismo ucraniano.
* Que “Estaline” (o
governo soviético) pôs um fim à política de “ucranização”, à promoção de uma
política de encorajamento da língua e cultura ucranianas.
Nenhuma destas alegações
é verdadeira. Nenhuma delas é apoiada por evidências. São simplesmente
afirmadas pelas fontes nacionalistas ucranianas com o objectivo de justificar
ideologicamente a sua aliança com os nazis e a sua participação no Holocausto
Judaico, o genocídio dos polacos ucranianos (os massacre 1943-44 na Volínia) e
o assassinato de judeus, comunistas, e muitos camponeses ucranianos depois da
guerra.
O objectivo final é
igualar o comunismo ao nazismo (o comunismo foi posto fora da lei na actual “Ucrânia
democrática”), a USSR à Alemanha nazi, e Estaline a Hitler.
Colectivização da
Agricultura – A Realidade
A Rússia e a Ucrânia
sofreram fomes graves em ciclos de poucos anos durante mais de um milénio. A fome
acompanhou a revolução de 1917, tornando-se mais séria em 1918-1920. Outra fome
grave, incorrectamente chamada “fome do Volga”, surgiu em 1920-21. Houve fomes
em 1924 e de novo em 1928-29, esta última especialmente severa na RSS da
Ucrânia. Todas estas fomes tiveram causas ambientais. O método medieval de “campo
aberto” da agricultura camponesa tornava impossível uma agricultura eficiente e
inevitáveis as fomes.
Os líderes soviéticos, entre
eles Estaline, decidiram que a única solução seria reorganizar a agricultura na
base de grandes herdades como se fossem fábricas, tais como as que existem no Midwest Americano, que foram
deliberadamente adoptadas como modelo. Quando os sovkozes ou “herdades
soviéticas” pareceram funcionar bem, a liderança soviética tomou a decisão de
colectivizar a agricultura.
Contrariamente à
propaganda anticomunista, a maioria dos camponeses aceitou a colectivização. A
resistência foi modesta; os actos de rebelião aberta foram raros. Em 1932 a
agricultura soviética, incluindo a da RSS da Ucrânia, estava largamente colectivizada.
Em 1932 a agricultura
soviética foi atingida por uma combinação de catástrofes ambientais: seca em
algumas áreas; demasiada chuva, noutras; ataques de “ferrugem”-puccinia e de “carvão” (doenças fungais);
infestações de insectos e ratos. A erradicação de ervas daninhas foi negligenciada
por fraqueza dos camponeses, reduzindo ainda mais a produção.
A reacção do governo
soviético mudou quando a escala da falência das colheitas se tornou clara no
Outono e Inverno de 1932. Acreditando inicialmente que a má gestão e sabotagem
eram as principais causas de colheitas pobres, o governo removeu muitos líderes
do partido e das herdades colectivas (não há qualquer evidência de que tenha
havido “execuções” como a de Mykola no filme). No início de Fevereiro de
1933, o governo soviético começou a fornecer ajudas massivas de cereais a áreas
de fome.
O governo soviético também
organizou rusgas em herdades camponesas para confiscar excessos de cereais a
fim de alimentar as cidades, que não produziam a sua própria alimentação. Fizeram-no
também para impedir o açambarcamento; numa fome os cereais poderiam ser
revendidos a preços inflacionados. Em condições de fome um mercado livre de
cereais não poderia ser permitido, a não ser que se deixassem os pobres morrer
à fome como tinha sido a prática no regime dos Czares.
O governo soviético
organizou departamentos políticos (politotdely) para ajudar os
camponeses nos trabalhos agrícolas. Tauger conclui: “O facto de que a colheita
de 1933 foi muito maior do que as de 1931-1932 significa que os politotdely por
todo o país ajudaram uniformemente as herdades a trabalhar melhor.” (Modernização,
100)
A boa colheita de 1933 foi
conseguida por uma população consideravelmente menor, já que muitos morreram
durante a fome, outros estavam doentes ou fracos, e ainda outros tinham fugido
para outras regiões ou para as cidades. Isto reflecte o facto de que a fome não
foi causada nem pela colectivização, nem pela interferência do governo, nem
ainda por resistência dos camponeses, mas sim por causas ambientais que já não
estavam presentes em 1933.
A colectivização da
agricultura foi uma verdadeira reforma, um marco na mudança revolucionária da
agricultura soviética. Ainda houve anos de colheitas pobres; o clima da URSS
não se alterou. Mas, graças à colectivização, só houve mais uma fome
devastadora na URSS, a de 1946-1947. O mais recente estudioso desta fome,
Stephen Wheatcroft, concluiu que a fome foi causada por condições ambientais e
pelas devastações da guerra.
As Falsas Alegações de Proyect
Proyect repete
acriticamente a inqualificável versão da história dos fascistas ucranianos
cozinhada para benefício próprio.
* Não houve nenhuma “máquina
estalinista da morte”.
* Funcionários dedicados
do partido não foram “expurgados e executados”.
* “Milhões de ucranianos”
não foram “forçados a entrar em herdades estatais e colectivas”. Tauger conclui
que a maior parte dos camponeses aceitou as herdades colectivas e trabalhou bem
nelas.
* Proyect aceita a
alegação nacionalista ucraniana de “3 a 5 milhões de mortes prematuras”. Isto é
falso.
Alguns nacionalistas
ucranianos citam números de 7 a 10 milhões, para igualar ou ultrapassar os seis
milhões do Holocausto Judaico (vide o Porque Razão Um Holocausto Vale Mais
Do Que Outros?
de Tchumatski). O próprio termo “Holodomor” (“holod” = “fome”,
“mor” do polaco “mord” = “assassínio”, ucraniano “morduvati” = “assassinar”) foi
deliberadamente construído para soar de forma semelhante a “Holocausto”.
O mais recente estudo académico
das mortes pela fome avalia-as em 2,6 milhões (Jacques Vallin, France Meslé,
Serguei Adamets, and Serhii Pirojkov, “A New Estimate of Ukrainian Population
Losses during the Crises of the 1930s and 1940s” [Uma Nova Estimativa das Perdas Populacionais Ucranianas durante as
Crises dos anos de 1930 e de 1940] Population Studies 56, 3 (2002): 249-64).
* Jeff Coplon não é um “sindicalista
canadiano” mas sim um jornalista e escritor de Nova Iorque. O livro do falecido
Douglas Tottle, Fraud, Famine and Fascism [Fraude, Fome e Fascismo], uma resposta
razoável ao fraudulento livro de Robert Conquest Harvest of Sorrow [Colheita de Dor], foi escrito
(tal como o livro de Conquest) antes da torrente de fontes primárias dos
antigos arquivos soviéticos tornados públicos desde o fim da URSS em 1991,
estando portanto muito desactualizado.
* A afirmação de Walter
Duranty acerca de “omeletas” e “ovos” não foi feita “em defesa de Estaline” como
alega Proyect mas como crítica da política do governo soviético:
Mas — para pôr as coisas nuas e cruas — não se pode fazer uma omeleta sem
partir ovos, e os líderes bolcheviques eram tão indiferentes às vítimas
que pudessem estar envolvidas na sua acção dirigida para a socialização como
qualquer General que durante a Guerra Mundial ordenou um ataque custoso para
mostrar aos superiores que ele e a sua divisão possuíam o espírito militar
apropriado. De facto, os bolcheviques eram mais indiferentes, porque
estavam animados por uma convicção fanática. (The New York Times March
31, 1933)
É evidente que Proyect simplesmente
copiou esta falsidade proveniente de alguma fonte nacionalista ucraniana. “Garbage
In, Garbage Out” [Entra Lixo e Sai Lixo].
* Andrea Graziosi, citado
por Proyect, não é um estudioso da agricultura soviética ou da fome de 1932-33,
mas um anticomunista ideológico que concorda com qualquer e toda a falsidade
anti-soviética. O artigo citado por Proyect provém do Harvard Ukrainian
Studies, uma revista vazia de qualquer investigação objectiva, editada e financiada
pelos nacionalistas ucranianos.
* Proyect menciona “dois
decretos secretos” do Politburo soviético de Dezembro de 1932 que claramente
não leu. Estes punham um fim à “ucranização” fora da RSS da Ucrânia.
Dentro da RSS
da Ucrânia a “ucranização”continuou inalterada. Não foi “terminada”
como alega Proyect.
* Proyect, relativamente
à União Soviética, não cita qualquer evidência de uma “política de destruição
física na nação ucraniana, especialmente da sua intelligentsia” porque uma tal política não existiu.
O Triunfo do Socialismo
A colectivização
soviética da agricultura constituiu um dos maiores feitos de reforma social do
século XX, se não o maior deles todos, a par da “Revolução Verde”, do “arroz
milagroso”, e dos empreendimentos da China e EUA no controlo da água. Se
houvesse Prémio Nobel para proezas comunistas, a colectivização soviética seria
um forte candidato.
A verdade histórica sobre
a União Soviética não é só intragável para os colaboradores dos Nazis; ela é-o
para os anticomunistas de todas as cores. Muitos que se consideram da Esquerda,
tais como os Sociais-Democratas e os Trotskistas, repetem as mentiras dos
fascistas confessos e dos escritores abertamente pró-capitalistas. Estudiosos
objectivos da história soviética, como Tauger, determinados a dizer a verdade mesmo
quando essa verdade é impopular, são demasiado raros e estão frequentemente
soterrados pelo coro dos falsificadores anticomunistas.
Fontes: Trabalhos de investigação de Mark Tauger,
especialmente “Modernization in Soviet Agriculture” [Modernização da Agricultura Soviética] (2006); “Stalin, Soviet
Agriculture, and Collectivization” [Estaline,
Agricultura Soviética e Colectivização] (2006); e “Soviet Peasants and
Collectivization, 1930-39: Resistance and Adaptation.” [Camponeses
Soviéticos e Colectivização, 1930-1939: Resistência e Adaptação] (2005), todos
disponíveis na Internet. Outros artigos de Tauger estão disponíveis nesta
página: https://www.newcoldwar.org/archive-of-writings-of-professor-mark-tauger-on-the-famine-scourges-of-the-early-years-of-the-soviet-union/
Ver também o Capítulo I do
meu livro Blood Lies; The Evidence that Every Accusation against Joseph
Stalin and the Soviet Union in Timothy Snyder’s Bloodlands Is
False [Mentiras
Sangrentas: A Evidência de que Toda a Acusação contra José Estaline e a União
Soviética em Terras-Sangrentas de Timothy Snyder É Falsa ] (New York:
Red Star Press, 2013), em http://msuweb.montclair.edu/~furrg/research/furr_bloodliesch1.pdf
Sobre a fome de 1946-47 ver
Stephen G. Wheatcroft, “The Soviet Famine of 1946–1947, the Weather and Human
Agency in Historical Perspective.” [A
Fome Soviética de 1946-1947, o Clima e Acção Humana em Perspectiva Histórica]
Europe-Asia Studies, 64:6, 987-1005.