quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Três temas a merecer atenção



Vários eventos e desenvolvimentos de 2016 chamam a atenção para três temas:
   
Desigualdade social
   
Todos os anos o Crédit Suisse publica um relatório sobre a distribuição da riqueza mundial pela população adulta (elaborado por três especialistas que já faziam isso na ONU). O relatório de 2016 revela um quadro impressionante:
   
-- Os 1% do topo têm 51% da riqueza mundial; os 50% de baixo têm 1%.
   
-- Os 10% do topo têm 89% da riqueza. Basta ter 72 mil euros de riqueza (sem dívidas) para pertencer aos 10% do topo. Para pertencer aos 50% de baixo é porque tem menos de 3.395 euros (sem dívidas).
   
-- Embora a maioria dos pobres se concentrem na Índia, África e países asiáticos pobres, há números elevados de pobres na Europa e América do Norte, com respectivamente 34% nos 50% de baixo e 9% nos 20% de baixo. A grande maioria destes não tem riqueza, mas só dívidas.
   
-- A desigualdade social a nível mundial não pára de aumentar. No relatório de 2015 os 1% do topo tinham 48% da riqueza. O Banco Mundial (BM) bem declara como objectivo o combate à pobreza. Mas onde ele e o seu apêndice FMI penetram a pobreza e desigualdade social só aumentam. E não vale a pena BM-FMI deitarem as culpas a governos porque todos eles são do agrado ou mesmo inspirados/instalados, activamente/militarmente, pela casa-mãe: a administração dos EUA.
   
-- Em Portugal a desigualdade social tem aumentado, conforme já referimos em outros artigos. Em 2016 era noticiado que a crise obrigou 9% das famílias a cortar comida aos filhos e os sem-abrigo têm aumentado. Entretanto, há mais milionários e bilionários e os salários dos gestores não param de aumentar.
   
Extrema-direita cresce
   
A extrema-direita tem vindo a crescer, particularmente na Europa e na América do Norte. 
   
-- Os partidos populistas de extrema-direita têm vindo a crescer de forma significativa na Europa: França (FN de M. le Pen), Itália (Força Itália, Partido 5 Estrelas, etc.), Alemanha (Alternativa, PDN recentemente permitido pelo Supremo Tribunal apesar da sua doutrina nazi), Áustria (FPO, esteve quase a conquistar a presidência em 2016), Holanda (Partido da Liberdade de Wilders, um dos mais votados), Suécia (Democratas Suecos), Dinamarca (DPP), Hungria (Fidez no governo, e o Jobbik, 3.º mais votado e declaradamente nazi e anti-semita), Polónia (PiS, PPP), etc.
   
-- Na América do Norte, como se sabe, venceu um candidato da direita populista. A "doutrina" de Trump e sua equipa parecem-se muito com a da extrema-direita populista europeia.
   
– Não nos enganemos com os partidos de direita que têm tido uma posição doutrinária mais “soft”. Quando tocar a reunir e na ausência de uma esquerda hábil e forte iremos encontrá-los de braço dado com a extrema-direita, conforme a História já demonstrou. Eis um exemplo recente: a Rússia (que apesar do seu actual capitalismo predador teve um passado forte de luta contra o nazismo, é aliada de países com esse passado, e tem uma esquerda forte) apresentou na ONU, no passado Novembro, uma proposta de resolução advogando: 
   
“Combater a glorificação do nazismo, neo-nazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia, e a intolerância que com elas se relaciona”.
   
A resolução foi aprovada com 131 votos a favor. Mas teve votos contra dos EUA e da Ucrânia (e do Palau)! E – pasme-se – 48 abstenções que incluíram todos os países europeus excepto a Sérvia e a Bielorússia! Incluindo a abstenção da “socialista” França onde também existe agora um novo partido social-democrata que se chama Partido Comunista Francês.
   
- Vêm-se agravando os ataques às liberdades democráticas na Europa e na América do Norte. Cargas violentas sobre manifestações pacíficas, proibições de manifestações (nomeadamente quando os trabalhadores lutam por manter os seus direitos, como aconteceu em França), infracções à liberdade de expressão (múltiplos exemplos, a que não escapam as universidades: em 2015 a biblioteca da Sorbonne proibiu a aquisição de um livro de um historiador só porque ele defendia a condução por Estaline da luta da URSS contra o nazismo na 2.ª GM), proibições de emprego de comunistas (proibições às claras ou encapotadamente), re-escrita da história incensando o papel de fascistas, etc.
   
- Portugal tem, no essencial, escapado a este contágio. Mas não se deve deixar de estar atento ao fenómeno. Pensamos ser preocupante a forma como nos últimos vinte anos (aproximadamente) as populações idosas têm sido massacradas e sobressaltadas: pensões de miséria, centros de saúde fechados implicando em enormes deslocações na procura de cuidados; aumento geral da burocracia; declarações de impostos que obrigam a ter internet (como se os idosos, nomeadamente do interior, a tivessem! Não haja dúvida, com pensões de miséria iam agora comprar computadores e estudar informática) ou a pagar a contabilista, diminuição efectiva de descontos no IRS (p. ex., o cônjuge sem pensão de um casal idoso, não tem agora, com a declaração individual, como declarar as suas despesas de saúde), etc. Nos últimos vinte anos cada nova notícia para um idoso é uma má notícia. Daí a tendência para desprezar a “democracia” existente, os «políticos» e «partidos», e aspirar por um salvador. Quanto a nós, PCP e BES não têm dedicado atenção eficiente a este problema de uma larga camada da população portuguesa e que está em crescimento.
   
-- Note-se que enquanto a extrema-direita cresce e entra em coligações, aproximando-se cada vez mais do poder e influenciando as decisões da direita menos radical (um exemplo recente: o PM holandês do partido de direita VVD - uma espécie de PSD - ameaçado pelo crescimento da extrema-direita de Wilders, a 2 meses das eleições, começou a usar a conversa da extrema-direita contra os emigrantes), a esquerda consequente está estagnada e fragmentada. Parece-nos que a formação de múltiplos “Gran Polo Patriótico”, como na Venezuela, poderia ter um impacto positivo.
   
-- Note-se que também há trabalhadores atraídos pela extrema-direita. Os trabalhadores só adquirem consciência de classe e consciência política se tiverem condições para isso. Para uma análise do populismo de extrema-direita e aspectos relacionados com isso tem interesse ler: http://zzs-blg.blogspot.pt/2017/01/tracking-trump.html
   
Venezuela
   
Em 2016, apesar da situação muito difícil que teve de enfrentar – oposição dominando a Assembleia Nacional, guerra económica apoiada pelos EUA, a maior seca desde 1950 – o governo de Nicolás Maduro conseguiu não só suster os ataques ferozes da contra-revolução mas começar a inverter a situação, inclusive no plano económico. Um artigo de um comentarista da Telesur apresenta de forma factual e concisa as 10 grandes vitórias de Nicolás Maduro em 2016. A tradução em português deste importante artigo está disponível em https://pcb.org.br/portal2/13286
   
Entre as vitórias, é de assinalar: o desfazer, por meios legais, as urdiduras da contra-revolução; o ter impedido a Organização dos Estados Americanos, controlada pelos EUA, de condenar a Venezuela; a taxa recorde de investimento social de 71,4% do orçamento nacional (nenhum outro Estado do mundo gasta quase três quartos do seu orçamento em investimento social); a “Misión Vivienda” que em 2016 entregou 359 mil habitações (a França, p. ex., apenas construiu 109 mil habitações sociais em 2015); o sucesso do acordo entre os países da OPEP e NÃO OPEP para uma redução concertada das exportações de petróleo, o que irá contribuir para que a Venezuela obtenha um maior rendimento do petróleo; implementação de medidas para aumentar a produção, nomeadamente de alimentos, tornando o país menos dependente do petróleo.
   
Conforme justamente assinala o artigo “… durante o ano, o mais duro e o mais longo, durante o qual muitos apostaram no seu fracasso, o Presidente Nicolás Maduro frustrou todas as armadilhas e todas as dificuldades, mostrou a sua excepcional dimensão de estadista e de líder indestrutível da Revolução Bolivariana”.
   
Os desenvolvimentos revolucionários da Venezuela são um grande tema da actualidade, com implicações importantes nos ensinamentos teóricos e práticos da luta dos povos pela libertação do jugo capitalista. Não é por acaso que os media ao serviço do capital, incluindo os de Portugal, omitem, mentem, distorcem, ou deturpam o que se passa na Venezuela, e ridicularizam a acção das suas figuras dirigentes. Não lhes agrada o exemplo transmitido pela luta de um povo pela sua dignidade, soberania e contra a opressão. 
   
Cabe à esquerda consequente apoiar a revolução venezuelana e divulgar o que verdadeiramente aí se passa.