A ingerência do imperialismo ianque-alemão
Na Ucrânia, um governo legítimo, eleito
democraticamente, reconhecido internacionalmente como tal, inclusive pelos EUA
e UE, foi derrubado violentamente por ingerência flagrante, às claras, do
imperialismo ianque e alemão. Nos artigos anteriores sobre esta ingerência
analisámos brevemente as suas causas e a sua expressão logística: incitamento
de forças de direita e fascistas com apoio em armamento e equipamento militar
(espingardas, pistolas, matracas, tacos de basebol americanos, capacetes,
escudos, etc.); apoio operacional (formação de equipas treinadas por
profissionais -- muitos americanos, conforme revelou um
fascista hospitalizado na Lituânia -- para o
combate de rua e montagem de provocações); apoio propagandístico (rádios ao
serviço da CIA, rádios e agências de informação «ocidentais»); apoio
diplomático (pressões e ameaças de representantes da UE e dos EUA, apoio
pessoal aos manifestantes de políticos americanos de destaque, que passearam
nas ruas de Kiev de braço dado com os fascistas, etc.).
O caso da Rússia
Perguntar-se-á: e a Rússia? Não se ingeriu?
Não tem a Rússia interesses na Ucrânia?
De facto, alguns media «ocidentais», de
pendor social-democrata, têm procurado desculpabilizar a ingerência do
imperialismo ianque-alemão transmitindo a ideia de que se trata simplesmente de
uma disputa entre duas potências de interesses opostos: EUA e Rússia.
Transmitem, como é de norma em tais media, uma ideia superficial e
futebolística da política, passando por cima de factos incómodos e da análise
de motivações profundas.
Analisemos o caso da Rússia. A Rússia é um
país capitalista. Tem uma democracia de estilo «ocidental»; aliás, montada
desde os tempos de Yeltsin com o apoio e aconselhamento activo dos EUA; com a
participação do capital americano no assalto aos bens do Estado, ao lado e em
aliança com os actuais oligarcas russos. Muitos dos quais apoiam o partido de
Putin-Medvedev Rússia Unida. Um partido que representa os interesses de uma
larga aliança de classes e, por isso mesmo, proclama uma ideologia centrista de
combinação de «economia de mercado» com alguma regulação estatal,
suficientemente flexível para não incomodar os oligarcas. Uma espécie de PS
russo. Putin foi, aliás, um bom aluno de Anatoly Sobchak, economista russo
defensor da «teoria» do «socialismo de mercado» que tanto influenciou
Gorbatchev; teoria que ajudou a desmantelar o socialismo soviético. Anatoly
Sobchak ajudou a guindar Putin ao poder e defende agora a «economia de
mercado»; de facto, sempre defendeu; a palavra «socialismo» serviu no passado
como táctica de embuste. Em suma, não se poderia desejar melhores crentes na
«economia de mercado» do que Putin-Medvedev.
Alguns oligarcas russos, contudo, abraçam o
neoliberalismo puro e duro, ao estilo ocidental, e gostariam por isso mesmo de
ver confrades seus movendo livremente as alavancas do poder na Rússia, em santa aliança
com o «Ocidente»; é o caso do presidente da Yukos, Mikhail Khodorkovsky, que
foi julgado e preso por fraude e evasão fiscal. Posto em liberdade, foi logo
prestar o seu apoio à direita e aos fascistas da Ucrânia.
São os regimes capitalistas todos iguais?
Portanto: dois regimes, ambos capitalistas,
ambos interessados na Ucrânia.
Quer isso dizer que os que não distinguem
entre EUA e Rússia têm razão?
De forma nenhuma. Qualquer sistema
sócio-económico baseado na divisão em classes pode vestir as mais diversas
roupagens políticas, de acordo com as necessidades de momento da classe ou
camada social dominante. A formação sócio-económica capitalista -- baseada na propriedade privada dos meios de produção -- tem conhecido na História as mais diversas formas políticas, num largo
espectro que podemos dizer que vai desde o nazi-fascismo às sociais-democracias
escandinavas. Por conseguinte, nem todos os «capitalismos» são iguais. Em cada
momento é dever das forças progressistas, quando forçadas a uma escolha, a
escolher a aliança com os sistemas políticos capitalistas que melhor servem os
interesses dos trabalhadores na luta contra os sistemas políticos mais
reaccionários, mais danosos para os interesses da luta pela emancipação do
trabalho. Assim, por exemplo, durante a II.ª Guerra Mundial as forças mais
progressistas escolheram aliar-se aos «aliados» contra os nazi-fascistas
alemães, italianos e japoneses. Sem quaisquer ilusões sobre o conteúdo de
classe dos «aliados» EUA e Reino Unido. Aliás, estes, também não tinham
quaisquer ilusões e, logo que a guerra terminou, passaram de imediato a atacar
com todo o ardor as forças progressistas e a oferecer benesses aos fascistas
que tinham derrotado.
Ora, no caso da Ucrânia, temos:
Por um lado, os capitalistas dos EUA-Alemanha
desejosos de explorar a mão-de-obra e recursos naturais da Ucrânia, estendendo
o seu «espaço vital» até às fronteiras com a Rússia. Daí à entrada da Ucrânia
para a NATO e instalação de mísseis balísticos na fronteira da Ucrânia com a
Rússia, vai um pequeno passo. Temos o mais importante e agressivo imperialismo
que a História conheceu. Que não recua perante nada. Que se estriba numa
espantosa e dominadora rede de propaganda a nível mundial. Que tem
sistematicamente violado as leis internacionais, invadido e ocupado
militarmente vários países, sempre colocando os seus «fantoches» no poder
(Guatemala, Chile, Congo, Iraque, Afeganistão, etc., etc.; a lista é
longuíssima). Que, no caso da Ucrânia, não recuou perante a aliança com
nazi-fascistas e se ingeriu abertamente, ajudando de todas as maneiras
possíveis a derrubar um regime democraticamente eleito. Que tacitamente apoiou
forças que se pronunciaram claramente pela discriminação contra os seus
próprios cidadãos russófonos -- maioria no
Sul e Leste do país --, chegando ao ponto de querer impedir o
ensino da língua russa. Que recebe e acolhe terroristas (alguns procurados
internacionalmente) em conclaves europeus, que proclamam querer instalar um
regime fascista na Ucrânia (embora disfarcem a designação por figuras de
retórica); mais ainda: que anunciam alto e bom som que a sua «revolução»
fascista irá servir como modelo para toda a Europa. Imperialismo que se prepara para impor medidas
de «austeridade» à Ucrânia mais gravosas dos que as aplicadas na Grécia,
conforme já anunciou o FMI; incluindo retirar o subsídio estatal do gás
natural. (O gás natural é a componente energética dominante dos lares
ucranianos.)
Por outro lado, temos os capitalistas da
Rússia cujos apetites imperialistas são incipientes e locais. Rússia, cujo
governo não se ingeriu na Ucrânia. Não houve um único exemplo concreto revelado pelos media
«ocidentais» de ingerência da Rússia na Ucrânia; se houvesse um único exemplo
os media «ocidentais» não deixariam de badalá-lo até à exaustão. Que
procurou sempre, até ao fim, vias de diálogo diplomático com o «Ocidente»; mas
que, e muito bem, se recusou sempre a dialogar com os nazi-fascistas. Rússia
que tem laços históricos centenares com a população russófona da Ucrânia; em
particular, com a Crimeia, que pertenceu à Rússia até 1954 (doada nesse ano à
Ucrânia para fins comemorativos da amizade russo-ucraniana) e que constitui uma
república autónoma da Ucrânia. Rússia que não impôs condições de
«austeridade» na oferta que fez de concessão de ajuda financeira; impôs condições
razoáveis de juro dos mercados capitalistas.
É evidente, portanto, qual o prato da balança
que favorece os trabalhadores ucranianos: a aliança com a Rússia contra o
regime caceteiro imposto pelos nazi-fascistas ucranianos com o apoio do mais
sinistro imperialismo que a História regista: o imperialismo ianque de braço
dado com o comparsa alemão. É também o prato da balança que mais favorece as
perspectivas de luta dos trabalhadores a nível mundial. É dever das forças
progressistas protestar veementemente contra o que os imperialistas ianques e alemães
estão a fazer na Ucrânia.
Factos
que os media e outras fontes vão
revelando
1 - A
provocação
Foi descoberta uma conversa telefónica entre o
ministro dos negócios estrangeiros da Estónia, Urmas Paet, e a representante
dos negócios estrangeiros da UE, Catherine Ashton. O primeiro, que esteve em
Kiev, inclusive na praça Maidan, transmite as suas impressões à Catherine
dizendo que pelo que viu o povo não confia nos dirigentes de Maidan (os
dirigentes nazi-fascistas da «revolução»). Diz também que os franco-atiradores
que atiraram sobre a população não eram da polícia do deposto presidente Yanukovitch,
mas estavam sim ao serviço dos dirigentes de Maidan, e que atiraram indiscriminadamente contra manifestantes
pró e contra Yanukovitch. A declaração textual é a seguinte (tradução, comentários
e itálicos nossos) [1]:
«Toda a evidência mostra
que as pessoas que foram mortas pelos franco-atiradores, pessoas de ambos os
lados, quer polícias quer pessoas nas ruas… que foram os mesmos franco-atiradores,
que mataram pessoas de ambos os lados. A mesma escrita [documentos apanhados
aos franco-atiradores?], o mesmo tipo de balas [que os da «revolução»]; e é
realmente inquietante que a nova coligação não queira investigar o que
exactamente aconteceu. Existe, portanto, um
entendimento que se tem vindo a reforçar que, por trás dos franco-atiradores não
estava Yanukovitch, mas sim alguém da nova coligação.»
A notícia com o telefonema foi primeiro
passada no canal Russia Today (https://www.youtube.com/watch?v=Xh_YkdGbWqk&feature=youtube_gdata_player)
e confirmada depois por outras fontes. Sobre o crédito que merece o Russia Today
ver [2]. Catherine Ashton e outras figuras de proa ao serviço do imperialismo
não se mostraram minimamente incomodadas com as revelações. Pelo contrário.
Continuam a divulgar que Yanukovitch é o «mau» da fita.
Note-se que uso de provocação não é novidade. É
uma linha de actuação característica das forças reaccionárias ao longo da História.
Esta versão moderna de provocação com franco-atiradores e grande desprezo por
vidas humanas é modus operandi
característico da CIA e dos bandidos da Escola das Américas. Foi usada em 1972 no
Chile para guindar Pinochet ao poder. Mais recentemente, foi usado exactamente
o mesmo tipo de provocação na preparação em Abril de 2002 de um golpe de estado
contra Hugo Chávez na Venezuela. Nessa altura franco-atiradores também
dispararam contra oposicionistas de Chávez. Inicialmente conotados em altos
berros pelos EUA como chavistas, uma análise posterior atenta das gravações vídeo,
completada por investigação, mostrou que os franco-atiradores estavam a soldo
dos oposicionistas e da CIA.
2 - Os oligarcas
Os oligarcas que dominam o novo poder na Ucrânia
são mostrados aqui:
3 - Os nazi-fascistas
Os chefes nazi-fascistas são retratados aqui:
A wikipedia disponibiliza informação bastante
esclarecedora sobre os chefes e seus partidos:
Acerca de Oleh Tyahnykov e seu partido Svoboda
(«Liberdade»!):
Acerca de Andriy Parubiy, comandante militar dos
manifestantes-atacantes nazi-fascistas e seu partido «Sector Direito»:
Acerca do candidato presidencial Dmytro
Yarosh, do «Sector Direito»:
Procurado pela
Interpol por terrorismo:
Não perdeu tempo a
pedir ao novo governo armamento para o seu partido:
Este artigo do jornal Público é também
esclarecedor sobre o «Sector Direito»:
Acerca do actual primeiro-ministro da coligação
direita-nazi-fascista e seu partido pró-alemão «Pátria»:
A imprensa «ocidental» falou muito da mansão
luxuosa de Yanukovitch. «Esqueceu-se» de falar nas mansões ainda mais luxuosas
dos dirigentes da direita e nazi-fascistas, em particular dessa chorosa e sinistra
«vítima» Yulia Timoshenko, líder do partido pró-alemão «Pátria», justamente
condenada por fraudes e peculato. A Yulia tem não uma mas várias mansões luxuosas, uma
delas com uma piscina nas margens do Dnieper.
4 - A desinformação
imperialista
O papel dos EUA no
apoio aos nazi-fascistas num site norte-americano (pró-capitalista):
O que a imprensa «ocidental» esquece dizer
sobre os sentimentos do povo ucraniano e das suas lutas contra as forças
militarizadas dos partidos nazi-fascistas:
NOTAS
[1]
"All evidence shows that people who were killed by snipers from both sides,
both policemen and people from the streets, that it was the same snipers
killing people from both sides. Same handwriting, same type of bullets, and
it's really disturbing that the new coalition don't want to investigate what
exactly happened. So there is now a stronger and stronger understanding that
behind the snipers it was not Yanukovich, it was somebody from the new
coalition.". Ver https://www.youtube.com/watch?v=d-Y_v7wRWGo&feature=youtube_gdata_player
[2] O Russia
Today (RT), apesar do controlo do Kremlin, é, actualmente, entre os canais
de maior divulgação internacional e acessíveis ao público português, o mais
pluralista e progressista. (Nem sempre foi assim.) Tem comentadores de todo o
espectro político, desde pró-capitalistas a comunistas. Os entrevistadores também
são de várias persuasões. Tem, inclusive, programas da autoria de jornalistas
que foram figuras de proa da TV americana, como Larry King da CNN. O realizador
de cinema Oliver Stone também aparece frequentemente no RT. Se o RT fosse
liminarmente anti-americano, Larry King, Oliver Stone e outros não colaborariam
com o RT. Recentemente a correspondente americana do RT demitiu-se em público,
num programa de notícias, em protesto contra a Rússia e sua «intervenção» na
Ucrânia, dizendo que não poderia fazer parte de uma TV «que encobre acções» de
Putin. Não revelou, infelizmente, de que «acções» se tratava. Mas uma coisa é certa: se um
correspondente russo da CNN fizesse tal coisa num programa em público da CNN arriscava-se a ser enfiado em Guantanamo
por atentar contra a segurança dos EUA.
É evidente, entretanto, que as notícias que
emanam do RT não prescindem da comparação com outras, de outras fontes, e da
sua incorporação reflectida num quadro de análise internamente consistente que
tem em conta as componentes económicas e classistas.