sábado, 8 de março de 2014

Ucrânia: a face do imperialismo ianque-alemão

A ingerência do imperialismo ianque-alemão
   
    Na Ucrânia, um governo legítimo, eleito democraticamente, reconhecido internacionalmente como tal, inclusive pelos EUA e UE, foi derrubado violentamente por ingerência flagrante, às claras, do imperialismo ianque e alemão. Nos artigos anteriores sobre esta ingerência analisámos brevemente as suas causas e a sua expressão logística: incitamento de forças de direita e fascistas com apoio em armamento e equipamento militar (espingardas, pistolas, matracas, tacos de basebol americanos, capacetes, escudos, etc.); apoio operacional (formação de equipas treinadas por profissionais -- muitos americanos, conforme revelou um fascista hospitalizado na Lituânia -- para o combate de rua e montagem de provocações); apoio propagandístico (rádios ao serviço da CIA, rádios e agências de informação «ocidentais»); apoio diplomático (pressões e ameaças de representantes da UE e dos EUA, apoio pessoal aos manifestantes de políticos americanos de destaque, que passearam nas ruas de Kiev de braço dado com os fascistas, etc.).

O caso da Rússia
   
     Perguntar-se-á: e a Rússia? Não se ingeriu? Não tem a Rússia interesses na Ucrânia?
   De facto, alguns media «ocidentais», de pendor social-democrata, têm procurado desculpabilizar a ingerência do imperialismo ianque-alemão transmitindo a ideia de que se trata simplesmente de uma disputa entre duas potências de interesses opostos: EUA e Rússia. Transmitem, como é de norma em tais media, uma ideia superficial e futebolística da política, passando por cima de factos incómodos e da análise de motivações profundas.
    Analisemos o caso da Rússia. A Rússia é um país capitalista. Tem uma democracia de estilo «ocidental»; aliás, montada desde os tempos de Yeltsin com o apoio e aconselhamento activo dos EUA; com a participação do capital americano no assalto aos bens do Estado, ao lado e em aliança com os actuais oligarcas russos. Muitos dos quais apoiam o partido de Putin-Medvedev Rússia Unida. Um partido que representa os interesses de uma larga aliança de classes e, por isso mesmo, proclama uma ideologia centrista de combinação de «economia de mercado» com alguma regulação estatal, suficientemente flexível para não incomodar os oligarcas. Uma espécie de PS russo. Putin foi, aliás, um bom aluno de Anatoly Sobchak, economista russo defensor da «teoria» do «socialismo de mercado» que tanto influenciou Gorbatchev; teoria que ajudou a desmantelar o socialismo soviético. Anatoly Sobchak ajudou a guindar Putin ao poder e defende agora a «economia de mercado»; de facto, sempre defendeu; a palavra «socialismo» serviu no passado como táctica de embuste. Em suma, não se poderia desejar melhores crentes na «economia de mercado» do que Putin-Medvedev.
    Alguns oligarcas russos, contudo, abraçam o neoliberalismo puro e duro, ao estilo ocidental, e gostariam por isso mesmo de ver confrades seus movendo livremente as alavancas do poder na Rússia, em santa aliança com o «Ocidente»; é o caso do presidente da Yukos, Mikhail Khodorkovsky, que foi julgado e preso por fraude e evasão fiscal. Posto em liberdade, foi logo prestar o seu apoio à direita e aos fascistas da Ucrânia.

São os regimes capitalistas todos iguais?
     
    Portanto: dois regimes, ambos capitalistas, ambos interessados na Ucrânia.
    Quer isso dizer que os que não distinguem entre EUA e Rússia têm razão?
    De forma nenhuma. Qualquer sistema sócio-económico baseado na divisão em classes pode vestir as mais diversas roupagens políticas, de acordo com as necessidades de momento da classe ou camada social dominante. A formação sócio-económica capitalista -- baseada na propriedade privada dos meios de produção -- tem conhecido na História as mais diversas formas políticas, num largo espectro que podemos dizer que vai desde o nazi-fascismo às sociais-democracias escandinavas. Por conseguinte, nem todos os «capitalismos» são iguais. Em cada momento é dever das forças progressistas, quando forçadas a uma escolha, a escolher a aliança com os sistemas políticos capitalistas que melhor servem os interesses dos trabalhadores na luta contra os sistemas políticos mais reaccionários, mais danosos para os interesses da luta pela emancipação do trabalho. Assim, por exemplo, durante a II.ª Guerra Mundial as forças mais progressistas escolheram aliar-se aos «aliados» contra os nazi-fascistas alemães, italianos e japoneses. Sem quaisquer ilusões sobre o conteúdo de classe dos «aliados» EUA e Reino Unido. Aliás, estes, também não tinham quaisquer ilusões e, logo que a guerra terminou, passaram de imediato a atacar com todo o ardor as forças progressistas e a oferecer benesses aos fascistas que tinham derrotado.
    Ora, no caso da Ucrânia, temos:
    Por um lado, os capitalistas dos EUA-Alemanha desejosos de explorar a mão-de-obra e recursos naturais da Ucrânia, estendendo o seu «espaço vital» até às fronteiras com a Rússia. Daí à entrada da Ucrânia para a NATO e instalação de mísseis balísticos na fronteira da Ucrânia com a Rússia, vai um pequeno passo. Temos o mais importante e agressivo imperialismo que a História conheceu. Que não recua perante nada. Que se estriba numa espantosa e dominadora rede de propaganda a nível mundial. Que tem sistematicamente violado as leis internacionais, invadido e ocupado militarmente vários países, sempre colocando os seus «fantoches» no poder (Guatemala, Chile, Congo, Iraque, Afeganistão, etc., etc.; a lista é longuíssima). Que, no caso da Ucrânia, não recuou perante a aliança com nazi-fascistas e se ingeriu abertamente, ajudando de todas as maneiras possíveis a derrubar um regime democraticamente eleito. Que tacitamente apoiou forças que se pronunciaram claramente pela discriminação contra os seus próprios cidadãos russófonos -- maioria no Sul e Leste do país --, chegando ao ponto de querer impedir o ensino da língua russa. Que recebe e acolhe terroristas (alguns procurados internacionalmente) em conclaves europeus, que proclamam querer instalar um regime fascista na Ucrânia (embora disfarcem a designação por figuras de retórica); mais ainda: que anunciam alto e bom som que a sua «revolução» fascista irá servir como modelo para toda a Europa. Imperialismo que se prepara para impor medidas de «austeridade» à Ucrânia mais gravosas dos que as aplicadas na Grécia, conforme já anunciou o FMI; incluindo retirar o subsídio estatal do gás natural. (O gás natural é a componente energética dominante dos lares ucranianos.)
    Por outro lado, temos os capitalistas da Rússia cujos apetites imperialistas são incipientes e locais. Rússia, cujo governo não se ingeriu na Ucrânia. Não houve um único exemplo concreto revelado pelos media «ocidentais» de ingerência da Rússia na Ucrânia; se houvesse um único exemplo os media «ocidentais» não deixariam de badalá-lo até à exaustão. Que procurou sempre, até ao fim, vias de diálogo diplomático com o «Ocidente»; mas que, e muito bem, se recusou sempre a dialogar com os nazi-fascistas. Rússia que tem laços históricos centenares com a população russófona da Ucrânia; em particular, com a Crimeia, que pertenceu à Rússia até 1954 (doada nesse ano à Ucrânia para fins comemorativos da amizade russo-ucraniana) e que constitui uma república autónoma da Ucrânia. Rússia que não impôs condições de «austeridade» na oferta que fez de concessão de ajuda financeira; impôs condições razoáveis de juro dos mercados capitalistas.
    É evidente, portanto, qual o prato da balança que favorece os trabalhadores ucranianos: a aliança com a Rússia contra o regime caceteiro imposto pelos nazi-fascistas ucranianos com o apoio do mais sinistro imperialismo que a História regista: o imperialismo ianque de braço dado com o comparsa alemão. É também o prato da balança que mais favorece as perspectivas de luta dos trabalhadores a nível mundial. É dever das forças progressistas protestar veementemente contra o que os imperialistas ianques e alemães estão a fazer na Ucrânia.

Factos que os media e outras fontes vão revelando
   
1 - A provocação
   
Foi descoberta uma conversa telefónica entre o ministro dos negócios estrangeiros da Estónia, Urmas Paet, e a representante dos negócios estrangeiros da UE, Catherine Ashton. O primeiro, que esteve em Kiev, inclusive na praça Maidan, transmite as suas impressões à Catherine dizendo que pelo que viu o povo não confia nos dirigentes de Maidan (os dirigentes nazi-fascistas da «revolução»). Diz também que os franco-atiradores que atiraram sobre a população não eram da polícia do deposto presidente Yanukovitch, mas estavam sim ao serviço dos dirigentes de Maidan, e que atiraram indiscriminadamente contra manifestantes pró e contra Yanukovitch. A declaração textual é a seguinte (tradução, comentários e itálicos nossos) [1]:
   
«Toda a evidência mostra que as pessoas que foram mortas pelos franco-atiradores, pessoas de ambos os lados, quer polícias quer pessoas nas ruas… que foram os mesmos franco-atiradores, que mataram pessoas de ambos os lados. A mesma escrita [documentos apanhados aos franco-atiradores?], o mesmo tipo de balas [que os da «revolução»]; e é realmente inquietante que a nova coligação não queira investigar o que exactamente aconteceu. Existe, portanto, um entendimento que se tem vindo a reforçar que, por trás dos franco-atiradores não estava Yanukovitch, mas sim alguém da nova coligação
   
    A notícia com o telefonema foi primeiro passada no canal Russia Today (https://www.youtube.com/watch?v=Xh_YkdGbWqk&feature=youtube_gdata_player) e confirmada depois por outras fontes. Sobre o crédito que merece o Russia Today ver [2]. Catherine Ashton e outras figuras de proa ao serviço do imperialismo não se mostraram minimamente incomodadas com as revelações. Pelo contrário. Continuam a divulgar que Yanukovitch é o «mau» da fita.
    Note-se que uso de provocação não é novidade. É uma linha de actuação característica das forças reaccionárias ao longo da História. Esta versão moderna de provocação com franco-atiradores e grande desprezo por vidas humanas é modus operandi característico da CIA e dos bandidos da Escola das Américas. Foi usada em 1972 no Chile para guindar Pinochet ao poder. Mais recentemente, foi usado exactamente o mesmo tipo de provocação na preparação em Abril de 2002 de um golpe de estado contra Hugo Chávez na Venezuela. Nessa altura franco-atiradores também dispararam contra oposicionistas de Chávez. Inicialmente conotados em altos berros pelos EUA como chavistas, uma análise posterior atenta das gravações vídeo, completada por investigação, mostrou que os franco-atiradores estavam a soldo dos oposicionistas e da CIA.
   
2 - Os oligarcas
   
Os oligarcas que dominam o novo poder na Ucrânia são mostrados aqui:
   
3 - Os nazi-fascistas
   
Os chefes nazi-fascistas são retratados aqui:
A wikipedia disponibiliza informação bastante esclarecedora sobre os chefes e seus partidos:
Acerca de Oleh Tyahnykov e seu partido Svoboda («Liberdade»!):
Acerca de Andriy Parubiy, comandante militar dos manifestantes-atacantes nazi-fascistas e seu partido «Sector Direito»:
Acerca do candidato presidencial Dmytro Yarosh, do «Sector Direito»:
Procurado pela Interpol por terrorismo:
Não perdeu tempo a pedir ao novo governo armamento para o seu partido:
Este artigo do jornal Público é também esclarecedor sobre o «Sector Direito»:
Acerca do actual primeiro-ministro da coligação direita-nazi-fascista e seu partido pró-alemão «Pátria»:
A imprensa «ocidental» falou muito da mansão luxuosa de Yanukovitch. «Esqueceu-se» de falar nas mansões ainda mais luxuosas dos dirigentes da direita e nazi-fascistas, em particular dessa chorosa e sinistra «vítima» Yulia Timoshenko, líder do partido pró-alemão «Pátria», justamente condenada por fraudes e peculato. A Yulia tem não uma mas várias mansões luxuosas, uma delas com uma piscina nas margens do Dnieper.
   
4 - A desinformação imperialista
   
O papel dos EUA no apoio aos nazi-fascistas num site norte-americano (pró-capitalista):
O que a imprensa «ocidental» esquece dizer sobre os sentimentos do povo ucraniano e das suas lutas contra as forças militarizadas dos partidos nazi-fascistas:

NOTAS
[1] "All evidence shows that people who were killed by snipers from both sides, both policemen and people from the streets, that it was the same snipers killing people from both sides. Same handwriting, same type of bullets, and it's really disturbing that the new coalition don't want to investigate what exactly happened. So there is now a stronger and stronger understanding that behind the snipers it was not Yanukovich, it was somebody from the new coalition.". Ver https://www.youtube.com/watch?v=d-Y_v7wRWGo&feature=youtube_gdata_player
[2] O Russia Today (RT), apesar do controlo do Kremlin, é, actualmente, entre os canais de maior divulgação internacional e acessíveis ao público português, o mais pluralista e progressista. (Nem sempre foi assim.) Tem comentadores de todo o espectro político, desde pró-capitalistas a comunistas. Os entrevistadores também são de várias persuasões. Tem, inclusive, programas da autoria de jornalistas que foram figuras de proa da TV americana, como Larry King da CNN. O realizador de cinema Oliver Stone também aparece frequentemente no RT. Se o RT fosse liminarmente anti-americano, Larry King, Oliver Stone e outros não colaborariam com o RT. Recentemente a correspondente americana do RT demitiu-se em público, num programa de notícias, em protesto contra a Rússia e sua «intervenção» na Ucrânia, dizendo que não poderia fazer parte de uma TV «que encobre acções» de Putin. Não revelou, infelizmente, de que «acções» se tratava. Mas uma coisa é certa: se um correspondente russo da CNN fizesse tal coisa num programa em público da CNN arriscava-se a ser enfiado em Guantanamo por atentar contra a segurança dos EUA.
É evidente, entretanto, que as notícias que emanam do RT não prescindem da comparação com outras, de outras fontes, e da sua incorporação reflectida num quadro de análise internamente consistente que tem em conta as componentes económicas e classistas.