O Vice-Presidente
dos EUA, Mike Pence, discursou no passado dia 14 de Abril na VIII Cimeira das
Américas. O discurso
de Pence foi uma exibição revoltante de hipocrisia, cinismo e mentiras.
Começou por
anunciar que «ontem à noite, por decisão do presidente Trump» os EUA tinham
atacado Bashar al Assad -- al Assad, não a Síria -- por ter usado «armas
químicas» contra o povo. Esqueceu-se de dizer que o ataque antecipou a
investigação da OPAQ sobre um ataque de que ainda ninguém encontrou evidência. Mostrou
o músculo à cimeira.
Apresentou depois
os EUA como uns amigalhaços da América Latina, a quem prestam grandes ajudas. Citou, como exemplo, a compra de abacates à Colômbia a troco de arroz americano. O
exemplo dos abacates teve pelo menos a vantagem de ocultar quem são os
verdadeiros amigalhaços sul-americanos dos EUA.
Evocou depois a
defesa da democracia e liberdade que os EUA promovem na América. Estaria a
pensar em Pinochet, Stroessner, Banzer, Somoza, etc., etc., como exemplos de
democratas promovidos pelos EUA?
Zurze depois Cuba
e Venezuela, chamando ditadores aos Castros e a Maduro. Ameaça Cuba com
castigos. Diz que «O presidente Trump foi claro: os EUA não ficarão de braços
cruzados enquanto a Venezuela desmorona». Não falou da guerra económica atiçada
pelos EUA. Compreende-se, já que se mostrou muito comovido com as dificuldades
que os venezuelanos sofrem; dificuldades precisamente causadas pela guerra económica.
Também se esqueceu de mencionar o apoio dos EUA aos grupos fascistas e violentos
da oposição venezuelana. Oposição cheia de democratas amantes de liberdade como os EUA
gostam de promover. Daquela democracia e liberdade que fizeram dos EUA um dos
países com mais miséria, mais violentos e com maior repressão de quem não está
de acordo com os representantes dos oligarcas.
O discurso está
cheio de «por decisão do presidente Trump», «Como o Presidente Trump disse»,
«como o presidente Trump deixou claro», «O presidente Trump enviou-me à América
do Sul», «sob o presidente Donald Trump», «o presidente Trump assinou», etc. Lembra
um discurso de um bonzo nazi incensando o Fuhrer. Quando o discurso termina jesuiticamente com
«À medida que avançamos, tenhamos fé -- fé na capacidade ilimitada das pessoas
do Novo Mundo de avançar os princípios que sempre foram a fonte da nossa
grandeza. Tenhamos esse outro tipo de fé. Lembrem-se de orar pelas pessoas que
estão a lutar sob o peso da tirania, lembrando, como diz o Bom Livro, que “onde
está o espírito do Senhor, há liberdade”» o retrato de Pence fica completo.
Um participante
na Cimeira deu a resposta adequada e incisiva a Pence: o Ministro dos Negócios
Estrangeiros de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla. Aqui
deixamos a sua resposta:
Chanceler cubano: O governo dos EUA não pode ser
uma referência para a América Latina
Bruno Rodríguez Parrilla intervem na Cimeira das
Américas
14 de Abril de 2018
*
O senhor vice-presidente dos Estados Unidos
da América parece mal informado, ignora a realidade, esconde a verdade.
Quero perguntar-lhe directamente, ao Sr.
Pence, se a Doutrina Monroe
orienta ou não o seu governo na sua política em relação à América Latina.
Quero responder-lhe
com as palavras de Bolívar: "Os Estados Unidos parecem destinados pela
Providência a assolar a América com misérias em nome da liberdade".
Quero citar
Marti: O que fiz até hoje, e farei, é impedir que os Estados Unidos se estendam
pelas Antilhas e caiam com mais essa força nas terras da América.
Não é nada democrático
atacar a Venezuela e mencionar o Presidente Nicolás Maduro Moros, quando ele
foi excluído e não está aqui para lhe responder.
Rejeito as
referências insultuosas a Cuba e à Venezuela e a atitude humilhante que assumiu
para com a América Latina e o Caribe.
O vácuo moral do
governo dos Estados Unidos não pode ser, não é uma referência para a América
Latina e o Caribe.
Nos últimos 100
anos, eles são responsáveis pelos mais brutais abusos contra os direitos
humanos e a dignidade humana. Todos os governos
despóticos da região, todos sem excepção, foram impostos ou receberam apoio do
governo dos Estados Unidos, incluindo as mais cruéis ditaduras militares. Actos
vergonhosos como a Operação Condor ou o
sangrento golpe de Estado no Chile
pesam sobre a consciência dos governos norte-americanos.
O país de Pence foi o primeiro e o único a
usar a arma nuclear contra civis inocentes. Ele é responsável por guerras
criminosas e centenas e centenas de milhares de mortes, de massacres de civis,
incluindo crianças, mulheres e idosos, que eles chamam de danos colaterais.
É responsável por
actos de tortura, desaparecimentos, execuções extrajudiciais e sequestros.
O governo dos
Estados Unidos é autor de violações maciças, flagrantes e sistemáticas dos
direitos humanos dos seus próprios cidadãos afro-americanos, de hispânicos, de
migrantes e de minorias.
É uma vergonha
para a humanidade que neste país de extrema riqueza haja dezenas e dezenas de
milhões de pessoas pobres.
Eles têm um
padrão racial diferenciado nas suas prisões e na aplicação da pena de morte; é
onde ocorre a maioria dos erros judiciais associados à execução de pessoas; é
onde os estudantes são mortos por armas, cujas vidas foram sacrificadas ao
imperativo do lobby político, particularmente na Flórida.
O governo dos
Estados Unidos recebeu dezenas e dezenas de milhões de dólares do lobby de
armas, e um senador de Miami recebeu nada menos que 3 milhões por apoiar o
mesmo conceito.
Miami é onde
estão as máfias políticas, onde terroristas internacionais confessos se
refugiam e é também o local da famosa fraude eleitoral do ano 2000.
O Sr. Pence não disse, quando falou em corrupção,
que o seu país é o centro da lavagem de activos financeiros do narcotráfico e
do contrabando de armas para o sul que desestabiliza países inteiros.
O sistema eleitoral que o elegeu e a
legislatura, na qual ele serviu por muito tempo, é corrupto por natureza,
porque está sustentado de maneira insolitamente legal nas contribuições
financeiras das corporações e nos chamados Comités de Acção Política.
É o governo que
impõe um feroz proteccionismo, que não toma em conta que vai arruinar a
indústria, a agricultura e o emprego em toda a nossa região.
É onde o lobby
político impôs a ideia de que a alteração climática é uma invenção anti-norte-americana.
É o sistema
político e eleitoral em que tem havido um tráfico escandaloso com dados
privados de dezenas de milhões de cidadãos.
Se o seu governo
estivesse interessado no bem-estar, nos direitos humanos e na autodeterminação
dos cubanos, poderia levantar o bloqueio, colaboraria com a nossa cooperação
internacional, em vez de sabotá-la, e daria fundos aos programas de colaboração
médica cubana no mundo e aos programas de alfabetização.
Ele referiu-se de
modo insultuoso a Cuba. Respondo com o texto da
Proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz, assinada em Havana
pelos Chefes de Estado da América Latina e do Caribe em 2014, cujos princípios
incluem o direito inalienável dos povos e dos Estados a escolher livremente o seu
próprio sistema político, económico, social e cultural.
Respondo-lhe
também com um parágrafo do documento histórico assinado no acontecimento desta
época, no Aeroporto Internacional José Martí, em Havana, por Sua Santidade o
Papa Francisco e por Sua Santidade o Patriarca Kirill, que escolheram Cuba para
assinar um documento que diz: «O nosso encontro fraterno aconteceu em Cuba, na
encruzilhada entre norte e sul, leste e oeste. Desta
ilha, símbolo das esperanças do “Novo Mundo” e dos dramáticos acontecimentos da
história do século XX ... »
Estamos a poucas
horas do 57.º aniversário do bombardeio de aviões dos EUA a aeroportos de Cuba,
em que morreram cubanos em defesa de nossa independência e soberania, em cuja
despedida de luto se proclamou o carácter socialista da Revolução Cubana, e
surpreende que, após tantas décadas, o vice-presidente Pence tenha vindo aqui
para usar a mesma linguagem que levou os governos da época a realizar esse
terrível acontecimento.
Os eventos que
ocorreram nos últimos anos mostram que a coexistência entre os Estados Unidos e
Cuba é possível, produtiva e pode ser civilizada.