segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Acerca dos resultados das eleições autárquicas



No momento em que escrevemos, com praticamente todos os resultados das eleições autárquicas contabilizados, surge claramente uma constatação: a enorme transferência de votos do PSD, PCP e (em menor grau) do BE para o PS.
  
É certo que nas eleições autárquicas há muitos factores em jogo. Para além do nível de consciência política das massas, das classes trabalhadoras – factor predominante nas eleições legislativas --, há outros factores em jogo: desempenho técnico das anteriores vereações, clientelismo-caciquismos locais, etc. Destes últimos, o primeiro pode explicar a reeleição de Rui Moreira no Porto, e o segundo a insólita eleição do não menos insólito Isaltino Morais em Oeiras.
  
Nestas eleições houve vários casos locais; tal como os citados, contra o PS. Mas houve também um pano de fundo – aquilo que alguns jornalistas denominaram de «revoada» --a favor do PS, que alcançou resultados históricos, à custa do PSD, PCP e BE.
  
Porquê?
  
A razão está no brilharete económico que o PS tem vindo a alcançar. O brilharete tem os seus pontos escuros (de que falaremos noutro artigo) mas, no imediato – e as massas populares tendem a pensar no imediato a não ser em tempos de crise – as populações estão animadas com o governo da ala esquerda do PS.
  
Num artigo anterior, de Novembro de 2015, quando estava em discussão o acordo do PS com o BE e PCP, defendemos esse acordo («Os trabalhadores e as camadas mais pobres não compreenderiam, aliás, uma recusa do BE e do PCP a um acordo com o PS, impedindo uma melhoria das condições de vida. Foi, por isso, acertada a decisão de convergência do BE e PCP num acordo com o PS.»). Estávamos, contudo, enganados quando apontávamos razões pelas quais «o Acordo irá ter vida curta». Vários factores económicos globais têm contribuído para a durabilidade do acordo.
  
Num outro artigo sobre o momento político, de Janeiro de 2017, dizíamos ainda que a convergência do PS com o BE e PCP «Permitiram ainda -- e este aspecto não é de somenos importância -- difundir a ideia de que a austeridade não é «inevitável» desde que haja confluência das forças sociais ligadas ao mundo do trabalho que se oponham decididamente à agenda do capital.»
  
A derrocada do PSD nas autárquicas, com transferência de votos para o PS, tem precisamente a ver com este aspecto: o brilharete económico do PS com a demonstração de que a austeridade imposta pelo PSD não era inevitável; era sim mera submissão a interesses estrangeiros em correlação com interesses do grande capital nacional (em particular, o bancário). Apesar dos esforços de Passos Coelho, a imagem transmitida às massas populares foi a de uma mentira contra o povo. Permanecerá esta imagem de mentira do PSD nas mentes dos estratos sociais que tendem a ir a reboque dos barões do PSD, nomeadamente do pequeno campesinato do Centro e Norte? Veremos.
  
O CDS praticamente não sofreu perdas, por duas razões: alguma descolagem das teses do PSD no termo final da governação PSD/CDS; o efeito estabilizador das adesões ao catolicismo (padres, freiras, Opus Dei, etc.), da recente propaganda sobre Fátima e das pregações do clero.
  
Quanto às perdas do PCP e BE, a razão está em que, para as massas populares, a mensagem principal foi de que o brilharete económico se deveu exclusivamente ao PS. O PS ganhou uma nova imagem: a de um PS ressuscitado, defensor estrénuo do povo.
  
O facto de as medidas levadas a cabo pelo PS, o terem sido por vinculação e pressão do PCP e BE, ficou esquecido: Os media contribuíram para isso, mas não só. O PCP e o BE não conseguiram passar a mensagem de que o governo do PS não seria o do «milagre económico» e das benesses para o povo sem eles. 
  
Quanto ao BE, isso não nos surpreende, dada a sua postura baixamente reformista, de medidas a curto prazo, e de disposição para servir de muleta ao PS. 
  
Quanto ao PCP, é diferente. O PCP, para além de medidas a curto prazo como a do aumento do salário mínimo, defendeu medidas estruturais de fundo, importantes e necessárias, tais como a renegociação da dívida, a nacionalização da banca, e a saída do euro e da UE. Concentrou-se, porém, nestas eleições autárquicas e pelo que pudemos ver, exclusivamente nas questões técnicas locais. É uma área que, embora imprescindível nas autárquicas, tende a perder-se nas consciências das massas como mais uma enumeração de itens face a outras enumerações que parecem igualmente bons apresentadas por outros, Isto é, faltou uma mensagem de fundo: a de que no «local» tal como demonstrado no «global» é o PCP que tem verdadeiramente defendido os trabalhadores. E que o brilharete PS também se deveu ao PCP.
  
Parece-nos também ter faltado ao PCP mostrar claramente que não irá servir de muleta ao PS, esclarecer as limitações das actuais reformas PS e defender com afinco (e justificação acessível às grandes massas) a necessidade de renegociação da dívida, da nacionalização da banca, e da saída do euro e da UE. É óbvio que o que se irá passar a nível internacional (nomeadamente a aproximação de uma nova crise, para além de outros fenómenos de desagregação do capitalismo a que estamos a assistir) irá influir em tudo isto. Nas condições objectivas e subjectivas.
  
Para além das lutas dos trabalhadores, lutas populares, etc., as próximas eleições legislativas irão ter um papel importante no delinear de um novo rumo. Esperemos que o PCP, como vanguarda dos trabalhadores, tenha a arte política de influenciar substantivamente esse novo rumo.