No momento em que escrevemos, com
praticamente todos os resultados das eleições autárquicas contabilizados, surge claramente uma constatação: a enorme
transferência de votos do PSD, PCP e (em menor grau) do BE para o PS.
É certo que nas eleições
autárquicas há muitos factores em jogo. Para além do nível de consciência
política das massas, das classes trabalhadoras – factor predominante nas
eleições legislativas --, há outros factores em jogo: desempenho técnico das
anteriores vereações, clientelismo-caciquismos locais, etc. Destes últimos, o
primeiro pode explicar a reeleição de Rui Moreira no Porto, e o segundo a
insólita eleição do não menos insólito Isaltino Morais em Oeiras.
Nestas eleições houve
vários casos locais; tal como os citados, contra o PS. Mas houve também um pano
de fundo – aquilo que alguns jornalistas denominaram de «revoada» --a favor do
PS, que alcançou resultados históricos, à custa do PSD, PCP e BE.
Porquê?
A razão está no
brilharete económico que o PS tem vindo a alcançar. O brilharete tem os seus
pontos escuros (de que falaremos noutro artigo) mas, no imediato – e as massas
populares tendem a pensar no imediato a não ser em tempos de crise – as
populações estão animadas com o governo da ala esquerda do PS.
Num artigo
anterior, de Novembro de 2015, quando estava em discussão o acordo do PS
com o BE e PCP, defendemos esse acordo («Os trabalhadores e as camadas mais
pobres não compreenderiam, aliás, uma recusa do BE e do PCP a um acordo com o
PS, impedindo uma melhoria das condições de vida. Foi, por isso, acertada a
decisão de convergência do BE e PCP num acordo com o PS.»). Estávamos, contudo,
enganados quando apontávamos razões pelas quais «o Acordo irá ter vida curta».
Vários factores económicos globais têm contribuído para a durabilidade do
acordo.
Num outro
artigo sobre o momento político, de Janeiro de 2017, dizíamos ainda que a
convergência do PS com o BE e PCP «Permitiram ainda -- e este aspecto não é de
somenos importância -- difundir a ideia de que a austeridade não é «inevitável»
desde que haja confluência das forças sociais ligadas ao mundo do trabalho que
se oponham decididamente à agenda do capital.»
A derrocada do PSD nas
autárquicas, com transferência de votos para o PS, tem precisamente a ver com
este aspecto: o brilharete económico do
PS com a demonstração de que a austeridade imposta pelo PSD não era inevitável;
era sim mera submissão a interesses estrangeiros em correlação com interesses
do grande capital nacional (em particular, o bancário). Apesar dos esforços
de Passos Coelho, a imagem transmitida às massas populares foi a de uma mentira
contra o povo. Permanecerá esta imagem de mentira do PSD nas mentes dos
estratos sociais que tendem a ir a reboque dos barões do PSD, nomeadamente do
pequeno campesinato do Centro e Norte? Veremos.
O CDS praticamente não
sofreu perdas, por duas razões: alguma descolagem das teses do PSD no termo
final da governação PSD/CDS; o efeito estabilizador das adesões ao catolicismo (padres,
freiras, Opus Dei, etc.), da recente propaganda sobre Fátima e das pregações do
clero.
Quanto às perdas do PCP e
BE, a razão está em que, para as massas populares, a mensagem principal foi de que o brilharete económico se deveu
exclusivamente ao PS. O PS ganhou uma nova imagem: a de um PS ressuscitado,
defensor estrénuo do povo.
O facto de as medidas
levadas a cabo pelo PS, o terem sido por vinculação e pressão do PCP e BE,
ficou esquecido: Os media
contribuíram para isso, mas não só. O PCP e o BE não conseguiram passar a
mensagem de que o governo do PS não seria o do «milagre económico» e das
benesses para o povo sem eles.
Quanto ao BE, isso não
nos surpreende, dada a sua postura baixamente reformista, de medidas a curto
prazo, e de disposição para servir de muleta ao PS.
Quanto ao PCP, é
diferente. O PCP, para além de medidas a curto prazo como a do aumento do
salário mínimo, defendeu medidas
estruturais de fundo, importantes e necessárias, tais como a renegociação
da dívida, a nacionalização da banca, e a saída do euro e da UE. Concentrou-se,
porém, nestas eleições autárquicas e pelo que pudemos ver, exclusivamente nas questões técnicas locais. É uma área que, embora
imprescindível nas autárquicas, tende a perder-se nas consciências das massas como
mais uma enumeração de itens face a outras enumerações que parecem igualmente bons
apresentadas por outros, Isto é, faltou uma mensagem de fundo: a de que no
«local» tal como demonstrado no
«global» é o PCP que tem verdadeiramente defendido os trabalhadores. E que o
brilharete PS também se deveu ao PCP.
Parece-nos também ter
faltado ao PCP mostrar claramente que não irá servir de muleta ao PS,
esclarecer as limitações das actuais reformas PS e defender com afinco (e justificação acessível às grandes massas)
a necessidade de renegociação da dívida, da nacionalização da banca, e da saída
do euro e da UE. É óbvio que o que se irá passar a nível internacional
(nomeadamente a aproximação de uma nova crise, para além de outros fenómenos de
desagregação do capitalismo a que estamos a assistir) irá influir em tudo isto.
Nas condições objectivas e subjectivas.