Apreciação do livro:
Carlos Gomes, A Nacionalização da
Banca em Portugal. Nove Meses a Construir, Nove Anos a Destruir, UNICEPE, Porto, Novembro de 2011 (192 págs. em
formato A5, 8,60 €).
Preâmbulo
O livro do economista
Carlos Gomes [1], que acabamos de ler, constituiu para nós uma grata surpresa.
Trata-se de um estudo cuidado e rigoroso sobre como foi construída e mais tarde
destruída a nacionalização da Banca portuguesa, e do que representou do ponto
de vista socio-económico esta importante conquista do «25 de Abril», enquanto
perdurou. A prosa do autor é sóbria e directa, como convém a um trabalho de
cunho científico; de jargão técnico reduzido e leitura agradável, tornando a
obra acessível a uma larga audiência. O autor revela um conhecimento profundo
de todos os temas que aborda no livro. E são muitos e todos eles importantes. A
obra apresenta inúmeros factos e dados quantitativos bem documentados, todos de
grande valor e que não são fáceis de obter.
Consideramos a obra da Carlos Gomes de leitura
obrigatória e insubstituível para quem queira conhecer com rigor a história
económica e financeira de Portugal, quer do período revolucionário, quer do período
contra- e pós-revolucionário (de 25/11/1975 a 11/2/1984) dos sucessivos
governos da direita (PS, PS-CDS, PSD, PSD-CDS, PS-PSD).
O livro está estruturado
em cinco capítulos e sete anexos. O primeiro capítulo («Antecedentes») resume
os aspectos salientes da banca antes do «25 de Abril». Os três capítulos seguintes
analisam a construção da Banca nacionalizada. O último capítulo analisa o
processo de destruição da Banca nacionalizada. Antes de passarmos a uma breve
apreciação destes temas, acompanhando a obra de Carlos Gomes, parece-nos
importante desmascarar:
O tão propalado mito do caos económico do «25 de Abril»
Logo que o PS assumiu a
liderança oficial da contra-revolução, a seguir ao 25 de Novembro de 1975,
passou rapidamente a controlar os órgãos de comunicação social, com destaque
para a televisão, conforme já assinalámos noutro local. Passou, então, a martelar nas cabeças dos
portugueses, com o apoio da restante direita, as seguintes mensagens:
(1) as empresas nacionalizadas – incluindo os bancos nacionalizados – são
(eram) ineficientes,
(2) a reforma agrária é (era) uma caterva de ocupações selvagens dos
comunistas,
e, na sua totalidade, o «gonçalvismo» (de facto, a
revolução) é (era)
(3) algo caótico, uma ditadura comunista, um processo cheio de exageros que
deixou a economia destruída e o povo português sem futuro. O futuro estaria no
PS e no «Europa Connosco».
Quanto aos pontos 2 e 3
já os desmontámos parcialmente noutros artigos deste blog. Quanto ao ponto 1, o
livro de Carlos Gomes fornece uma contribuição importantíssima para a sua
desmontagem.
Há uma questão pertinente
que quem nos lê poderá levantar: não será que estamos a ser parciais nas nossas
análises, usando fontes de informação também parciais? Quanto a isto, comecemos
por lembrar a nossa constante insistência (nossa e de autores que citamos), em nos
basearmos em factos documentados e em dados quantitativos de fontes oficiais. Mas
há ainda um aspecto relevante a acrescentar: é que também consultamos e usamos
fontes que não comungam ou são mesmo hostis das nossas posições
ideológicas. Sempre que afirmações substantivas de tais fontes (relatórios,
artigos, estudos, declarações de imprensa, etc.) suportam as nossas afirmações
a suspeita de parcialidade é definitivamente removida.
Ora, a este propósito, transcrevemos uma importante
passagem do Relatório elaborado por uma Missão a Portugal, do Department of Economics, Massachusetts
Institute of Technology - MIT, com
patrocínio da OCDE, entre 15 a 20 de Dezembro de 1975:
«2. CONDIÇÕES MACROECONÓMICAS EM 1975
Para um país
que recentemente passou por profundas reformas sociais, por uma avalanche de
mudanças na sua posição no comércio internacional, e por seis governos
revolucionários nos últimos dezanove meses, Portugal goza de uma saúde
económica inesperadamente boa. Embora a produção real tenha caído nitidamente
em 1975, o declínio não foi desastroso; a melhor estimativa é um decréscimo de
3 por cento no Produto Interno Bruto (PIB). Em comparação com outros países da
OCDE, os efeitos sentidos em Portugal não parecem ter sido muito piores do que
a média; de facto, o desempenho da economia foi bastante robusto, se se tiver
em conta as incertezas políticas verificadas em 1975. Como termos de
comparação, nos Estados Unidos o decréscimo do PIB em 1975 foi de cerca de três
por cento, na Alemanha Ocidental foi próximo de quatro por cento, e na Itália
foi de quase quatro e meio por cento.» (Membros da Missão e
autores do relatório: Rudiger Dornbusch, Richard S. Eckaus, Lance Taylor.)
Lembremos que em 1975 se estava em plena «crise do
petróleo». Apesar disso, como diz o Relatório, Portugal gozou no período
revolucionário de uma «saúde económica inesperadamente boa», com um desempenho do
PIB superior ao de outras economias capitalistas avançadas (de facto, da grande
maioria delas). A Missão a Portugal foi encomendada pelo PS (estava-se no VI
Governo Provisório). Mas o Relatório da Missão não validou as teses do PS e
restante direita. Bem pelo contrário. Razão de monta para que o PS silenciasse o
Relatório. Silêncio que persiste até aos dias de hoje. A alternativa seria o PS
dizer que os participantes da Missão patrocinada pela OCDE eram todos
gonçalvistas...
A Banca antes do «25 de Abril»
Carlos Gomes analisa no
primeiro capítulo do seu livro os fins prosseguidos pela Banca durante o regime
fascista. Uma Banca «dirigida por meia dúzia de grandes grupos financeiros que,
com o seu poder financeiro e económico, simultaneamente dirigiam e controlavam
os sectores básicos da economia e, bem assim, o próprio Governo». Como
justamente observa o autor, o «objectivo dos banqueiros nunca foi o
desenvolvimento económico e social do País», mas antes a acumulação de capitais
alheios, privilegiando o crédito a empresas dos respectivos grupos e a «sociedades
sem qualquer actividade económica (fantasmas), criadas exclusivamente para
aplicar os depósitos bancários em benefício exclusivo dos seus proprietários e
administradores». Neste e noutros aspectos – falta de apoio às PMEs, falta de
supervisão do BdP, etc. – nada de novo na situação actual da Banca: é o
regresso ao «24 de Abril».
Carlos Gomes também assinala
a febre especulativa nos anos anteriores ao «25 de Abril», particularmente a
partir de 1971. Uma febre que atingiu o seu apogeu na bolha bolsista de 1973. O
rebentar desta bolha, ligada à «crise do petróleo» de 1973-74, teria tido
consequências económicas bem gravosas para os trabalhadores portugueses se não
tivesse ocorrido o «25 de Abril» e as medidas tomadas pelos governos
revolucionários.
Um importante aspecto
deste período é o da luta dos trabalhadores bancários pelas suas condições de
trabalho. Luta em que os trabalhadores demonstraram grande unidade,
determinação e coragem, perante as manobras do patronato, e a repressão do
governo fascista e PIDE/DGS. Os trabalhadores formaram os seus sindicatos e
reagiram de forma unida à repressão – invasão dos sindicatos, despedimentos,
prisões de dirigentes sindicais, etc. --
com manifestações e greves. Em Novembro de 1973 foi
eleito o Secretariado da Intersindical Nacional que incluiu na sua composição
os bancários do Sul.
A nacionalização da Banca
Carlos Gomes descreve detalhadamente,
nos capítulos 2, 3 e 4, como a poderosa e experiente organização sindical dos
bancários desempenhou um papel importantíssimo no desenvolvimento do processo
revolucionário, primeiro na vigilância, denúncia e oposição às manobras de
sabotagem dos banqueiros e, a seguir ao «11 de Março», na nacionalização da Banca.
Logo a seguir ao «25 de
Abril» «os banqueiros enveredaram pela utilização da Banca como principal instrumento
de sabotagem da nossa economia. Procuraram, de imediato, responsabilizar o “25
de Abril” pelas dificuldades então sentidas e criar condições para um golpe de
Estado que permitisse inverter a situação e restituir-lhes o poder que se
esfumava. Esta estratégia implicava o apoio financeiro a partidos e outras
instituições de direita e extrema-direita, bem como a reconquista de posições a
nível do aparelho de Estado. Sentindo-se incapazes, ao nível do poder, de
travar de imediato a revolução, os banqueiros trataram de transferir para o
estrangeiro elevados montantes de dinheiro deles e dos depositantes [com o
conluio de especuladores internacionais], e de congelar as transferências para
o País dos fundos entregues pelos emigrantes». Carlos Gomes assinala a este
propósito: «É sintomático verificar que, entre Março de 1974 e Março de 1975,
os depósitos nos bancos comerciais privados diminuíram cerca de 10 milhões de
contos, mas que os depósitos na CGD e BFN [Banco de Fomento Nacional],
controlados pelo Estado, registaram um aumento da ordem dos 15 milhões de
contos».
Em 15 de Setembro de 1974
(II Governo Provisório, I Governo Revolucionário de Vasco Gonçalves) os bancos
emissores foram nacionalizados e foram publicados decretos que permitiram a
intervenção estatal nos bancos comerciais e nas instituições parabancárias. O
alcance destas medidas foi limitado, numa clara demonstração do que já dissemos várias vezes neste blog: quaisquer
que sejam as medidas reguladoras, elas acabam sempre por ser contornadas pelos
banqueiros se não houver nacionalização e um controlo efectivo da gestão por
parte dos trabalhadores. Carlos Gomes também diz: «Os acontecimentos de “11 de Março
de 1975” vieram pôr em evidência os perigos que existiam, para os superiores
interesses da revolução, se não fossem tomadas medidas imediatas no campo de
controlo efectivo do poder económico e financeiro.»
A seguir ao «11 de Março»
criaram-se as condições políticas para avançar de imediato para a
nacionalização da Banca: «Logo após a nacionalização em 14 de Março de 1975, os
próprios Sindicatos tomaram a iniciativa de fechar os bancos em defesa da
democracia e em apoio do MFA, impedindo administradores, gerentes e directores
de entrar nos bancos, a não ser aqueles em que os trabalhadores tinham
confiança. Os três sindicatos fizeram então um comunicado em que afirmavam que
a Banca só poderia reabrir em novos moldes, ao serviço do Povo».
Pela primeira vez na sua
história Portugal dispunha de «A Banca ao Serviço do Povo», isto é ao serviço
do desenvolvimento económico e social do povo trabalhador português, e não ao
serviço dos interesses da grande burguesia e seus acólitos. O slogan «A Banca
ao Serviço do Povo» não foi um mero slogan. Teve uma tradução concreta na
prática. Por exemplo, na política de crédito. Como diz Carlos Gomes, «o crédito
[passou] a ser entendido como um bem público e a sua distribuição a orientar-se
pelos seguintes objectivos: contribuir para a manutenção do emprego; contribuir
para o equilíbrio da Balança de Pagamentos; apoiar o investimento para permitir
a criação de novos postos de trabalho; diminuir a dependência externa da
economia portuguesa.» Foi particularmente importante o crédito oferecido às
PMEs, às unidades colectivas de produção e às cooperativas agrícolas (uma vez
avaliadas as suas condições económicas e financeiras, como é óbvio). A Banca
nacionalizada passou a ser o motor do planeamento económico. Foram também
importantes um sem-número de iniciativas no sentido de melhorar a coordenação
entre os bancos e aumentar a sua eficiência, acabando com duplicações de
serviços e promovendo a especialização bancária.
Todas estas medidas – e
muitas mais que o leitor encontrará descritas no livro de Carlos Gomes – postas
em prática em escassos nove meses, exigiram um grande empenho, esforço e saber
dos trabalhadores bancários, bem como – e este é o cerne imprescindível de
qualquer nacionalização ao serviço do povo – a sua participação directa na gestão bancária. Sem a participação
directa dos trabalhadores nos órgãos de gestão qualquer que seja a
nacionalização está votada ao insucesso e à sua recuperação pelo grande
capital.
Carlos Gomes descreve a
participação verdadeiramente épica dos trabalhadores bancários nas Comissões
Administrativas dos bancos, então constituídas. Diz assim a este propósito: «Estas
comissões respondiam perante o Estado e detinham poderes, determinados pela lei
ou pelos estatutos das respectivas instituições de crédito, que abrangiam a área
do trabalho e a prática de actos relacionados com a gestão corrente. Além
disso, eram obrigadas, após o termo do seu mandato, a relatar a sua actividade
e a prestar contas perante o Ministério das Finanças -- MF». Eis o «caos» do
«25 de Abril»! Onde estão, nos tempos de hoje, os relatos de actividade da
gestão bancária e sua responsabilização perante o Estado, capazes de ter
evitado as fraudes do BPN, BES, BCP, etc.? Capazes de evitar que se tivesse
perdido o rasto de biliões de euros? Em clara contraposição às atoardas
insubstanciadas de PSs, PSDs e CDSs, havia rigor e preocupação com o bem
público durante todos os governos revolucionários de Vasco Gonçalves (18/7/74 a
19/9/75). O caos da gestão privada, ao serviço de interesses egoístas e, por
isso mesmo, secretiva e prenhe de todas as corrupções, é fruto da
contra-revolução do «25 de Novembro». Conduziu ao monumental caos actual.
Um outro aspecto
importante assinalado por Carlos Gomes (itálicos nossos): «Estas Comissões
Administrativas foram constituídas sobretudo por técnicos bancários que, embora
na sua maioria sem experiência de gestão, conseguiram manter o funcionamento
normal das instituições apesar das sabotagens e provocações constantes que
tiveram de enfrentar. Houve a preocupação
de escolher bons técnicos, independentemente das suas opções políticas ou
religiosas.» De facto, as medidas tomadas eram de tal bondade, clareza e
transparência, que conquistaram a adesão dos trabalhadores de um largo espectro
político, incluindo, naturalmente, trabalhadores do PS. Uma das razões, aliás, que
explica a sobrevivência da Banca nacionalizada por nove anos (!) após o período
revolucionário.
Carlos Gomes descreve um
sem-número de sabotagens que a Banca nacionalizada teve de enfrentar (abandono
das empresas pelos seus proprietários, sobre e subfacturação em transações com
o estrangeiro, compra por residentes de moeda estrangeira a emigrantes, transferências
de depósitos à ordem para os bancos estrangeiros, depois depositados por estes
a prazo na banca nacionalizada (!), dificuldades criadas pela Banca
internacional, incluindo da «Europa connosco», etc.). Apesar de todas as
dificuldades, a Banca nacionalizada contribuiu para baixar a inflação (30 % em
Abril de 1974) e aumentar a produção, diminuindo em 1975 o défice da balança
comercial em cerca de 7,5 milhões de contos. Sucesso notável para escassos nove
meses!
A superioridade de «A
Banca ao Serviço do Povo» foi claramente demonstrada, destruindo-se «o mito da
impossibilidade das instituições bancárias, seguradoras e outras grandes
empresas, poderem sobreviver sem a participação activa e directa dos detentores
do capital ou dos seus representantes.»
A destruição da Banca
nacionalizada
Carlos Gomes conta como,
escassos dez dias após o «25 de Novembro», uma seca carta do BdP o suspendeu
das actividades de coordenador e dava por finda a coordenação da actividade
bancária no Porto. Um saneamento da esquerda seguido de inúmeros outros. Um mês
depois já o VI Governo Provisório (PS) começou a restringir benefícios
creditícios às PMEs, banindo-os três meses depois.
Carlos Gomes relata como
em finais de 1975 se começou a espalhar a ideia a nível do Poder duma possível
falta de competência dos elementos nomeados para as Comissões Administrativas. Lembramo-nos
bem destas atoardas. Embora Carlos Gomes não o diga, o PS era sem qualquer
dúvida o principal responsável por estas atoardas, já que na altura o Poder era
o PS e este nunca desmentiu as atoardas; pelo contrário, sempre as subscreveu e
difundiu. Além disso, nem o PS nem ninguém apresentou alguma vez provas
concretas de «falta de competência». Por outro lado, já nos habituámos às
tiradas encomiásticas de PSs, PSDs e CDSs da «competência» de Dias Loureiros,
Ricardos Salgados, etc. Podemos estar seguros de que, no que respeita às
sumidades do grande capital, nunca os PSs, PSDs e CDSs detectarão «falta de
competência».
Carlos Gomes assinala três razões para as
atoardas: «[...] pretender[-se] demonstrar falsamente que antes, com as antigas
administrações, é que a Banca estava bem, estava segura e apresentava bons
resultados, abrindo-se assim o caminho à defesa da reprivatização»; «[...] o de
haver directores, gerentes e outros funcionários superiores, mais preocupados
com a defesa das suas carreiras profissionais em consequência das fusões
presumíveis ou da realização de trabalhos colectivos para a Banca em determinados
sectores [...]; «[... a] intenção, sob a capa de eventual incompetência, de
destacar para as futuras Comissões Administrativas elementos selecionados, em
primeira instância, pela sua filiação partidária ou subserviência aos interesses
dos anteriores banqueiros [...]». A este propósito, aponte-se que praticamente todos
os gestores nomeados por PS, PSD e CDS para empresas nacionalizadas tiveram
como missão destruí-las a fim de posteriormente as privatizar ao desbarato. Era
esta a «competência» de tais gestores e a sua demonstração de que as
nacionalizações não prestavam.
O PS não perdeu tempo em
mostrar à restante direita como se devia fazer para destruir a Banca
nacionalizada: logo em Janeiro de 1976 (VI Governo Provisório, MF-Salgado Zenha
do PS) as Comissões Administrativas foram extintas e substituídas por Conselhos
de Gestão (CG) constituídos por directores e técnicos que, na sua maioria, já
nada tinham a ver com a nacionalização da banca. Diz assim Carlos Gomes: «[foram
selecionados para os CGs] não os melhores técnicos e gestores bancários mas, em
geral, entre funcionários mais conservadores e ligados a interesses privados,
em muitos casos oriundos de altos cargos desempenhados na anterior banca
privada, dispostos a participar activa ou passivamente duma política de
recuperação capitalista ou de submissão a interesses monopolistas. Muitos
deles, homens de confiança dos antigos banqueiros, transitaram mais tarde para
as administrações dos bancos reprivatizados». em Março de 1976 as CGs iniciaram
o desmantelamento da coordenação bancária; por essa altura o BdP (Governador
Silva Lopes, veio a pertencer ao PRD eanista), prefigurando a linha de
Constâncios e Costas, demitiu-se das funções que legalmente lhe estavam
cometidas «optando por uma actuação cúmplice face aos desmandos dos
novos Conselhos de Gestão».
Com os Governos
Constitucionais, foi «um ver se te avias». Nas palavras de Carlos Gomes: «Os
governos que se seguiram apontaram os seus programas, abertamente e sem
rodeios, para a sucessiva recuperação do capitalismo, a submissão da economia
portuguesa aos interesses dos grandes monopólios nacionais e internacionais,
usando para isso os condicionalismos, imposições ou recomendações do FMI».
Assim, em Fevereiro de
1977 é assinado pelo I Governo Constitucional do PS (MF-Medina Carreira, então
ainda do PS) o 1.º Acordo com o FMI e a actividade bancária começa a sofrer a influência dos
sucessivos ditames daquela instituição, logo a seguir secundada pelo Banco
Mundial e pela CEE. A 8 de Julho de 1977 é publicada a Lei 46/77 que «delimitou
os sectores público e privado da economia e permitiu a criação de «sociedades
de desenvolvimento regional», de sociedades de investimento ou parabancárias,
desviando para estas as funções atribuídas apenas aos bancos. Em Agosto de 1977
surgem as parabancárias, sendo a primeira o IFADAP, seguida da FINANGESTE. Em
Dezembro de 1977 os bancos comerciais eram equiparados a bancos de investimento
em muitas funções (esta medida e a anterior eram inconstitucionais mas isso nunca
atrapalhou o PS). A partir de Novembro de 1979 (Governo PSD, MF-Jacinto
Nunes) os governos recusam-se sistematicamente em admitir nos CGs
representantes eleitos pelos trabalhadores. Em 1980, iniciam-se as acções especulativas de agências estrangeiras dos bancos
portugueses. Em Outubro de 1981 (Governo PSD-CDS de Sá Carneiro, MF-Cavaco
Silva) era constituída a SPI – Sociedade Portuguesa de Investimentos,
em que participava a Mello Deutsche
Morgan, um conglomerado de dois expoentes do imperialismo, alemão (Deutsche Bank) e ianque (Morgan Gurantee Trust Co.), com José
Manuel de Mello a representar do capital monopolista português (o tal que se
queixou que com o «11 de Março» tinha ficado sem nada, absolutamente nada,
emergia agora de bolsos cheios). Etc., etc.
Por fim, só faltava dar a machadada final na moribunda Banca
nacionalizada. Foi dada por um Decreto de 11 de Fevereiro de 1984 (Governo
PS-PSD) que abriu as portas às privatizações.
Carlos Gomes detalha com factos e documentos todo este
processo de agonia da Banca nacionalizada, relatando as inúmeras lutas dos
trabalhadores bancários para travar o processo e impedir as piores
malfeitorias. Relata também como a pouco e pouco foram desabrochando todos os
podres típicos da banca privada: a corrupção, o crédito ao desbarato para amigos mas
caro para as famílias, PMEs e sector público, o crédito mal parado, as
operações ruinosas, etc. Um relato extremamente esclarecedor.
* * *
A banca é o coração do
sistema capitalista. No capitalismo monopolista de Estado existe uma
interligação profunda entre o capital financeiro e o capital
industrial-comercial, que se traduz, por exemplo, em privilegiar créditos às
empresas do grupo financeiro, usando-as, transformando-as, deslocalizando-as,
etc., em prol da maximização dos lucros da grande burguesia
financeiro-industrial-comercial e da sua coorte mercenária de administradores,
gestores e testas-de-ferro políticos. Maximização que passa por cima de quaisquer
outras considerações e é conduzida sem quaisquer escrúpulos, permitindo tudo:
corrupção fraudes, roubos, fugas ao fisco, etc. Já vimos isto de sobra nos
recentes casos BPN e BES. Mas há quem se esqueça que os escândalos e negócios
escuros da Banca remontam bem mais longe. Remontam, por exemplo, ao escândalo
da primeira privatização de um banco nacionalizado, o Totta e Açores, vendido a
preço de saldo em 1988. Apenas quatro anos depois do decreto PS-PSD que
permitiu a liquidação da Banca nacionalizada. Em nome do socialismo.
Democrático, claro. Pelo menos os que encheram os bolsos não se queixaram de
falta de democracia.
O livro de Carlos Gomes constitui um testemunho
inequívoco de que a solução da grave situação em que o País está mergulhado terá
de passar, mais tarde ou mais cedo, pela nacionalização da Banca. Uma solução
que não é nova em Portugal, relativamente à qual existe uma experiência
histórica importante que é necessário saber utilizar; uma solução que deu no
passado provas conclusivas de servir o bem público, de servir os interesses do
povo trabalhador português. Mas que, claro, deparará com a oposição feroz de
todos os que têm privilégios a perder, os 0,1% do topo.
[1] Carlos A. G. Gomes,
nascido no Porto em 1925 e licenciado em Finanças pelo ISCEF, Lisboa,
desempenhou vários cargos importantes no sector bancário, em empresas, e
cooperativas. Foi responsável pela montagem e instalação de um banco português
em Angola, Moçambique e França. Possui um conhecimento profundo do sector
bancário português. Tem vários trabalhos de relevo, incluindo livros, em investigação
económica. Foi, de Março a Dezembro de 1975 o Coordenador das Comissões Administrativas
dos bancos nacionalizados do Norte e Centro.