quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O sector financeiro. V: O «caso» BPN (conclusão)

Nos dois artigos anteriores sobre o caso BPN (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/11/o-sector-financeiro-v-o-caso-bpn.html;  http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/12/o-sector-financeiro-v-o-caso-bpn.html ) discutimos os seguintes tópicos: 1 – Preliminares; 2 – Fraudes; 3 – Nojeiras para todos os gostos; 4 – Os processos e os arguidos. Os tópicos do presente artigo, que conclui a nossa análise do caso BPN, são:
5 – A «nacionalização» PS do BPN e seus custos
6 – A estranha negligência do BdP e o incrível Constâncio
7 – O inquérito parlamentar e seu esvaziamento pelo PS
8 – A reprivatização: entrega do BPN ao BIC
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5 - A «nacionalização» PS do BPN e seus custos
A 3 de Novembro de 2008, depois de no dia anterior José Sócrates anunciar que ia propor à AR a nacionalização do BPN, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, veio prestar ao país esclarecimentos sobre a necessidade de nacionalização devido ao «risco sistémico» (impedir o contágio a outros bancos da falta de liquidez do BPN, assegurar a liquidez do BPN e proteger os depositantes). A resposta do presidente do BPN, Miguel Cadilhe, é de que considera a nacionalização «desproporcionada» e motivada por razões «políticas»; anuncia também a sua saída do banco assim que a nacionalização se concretize. No mesmo dia o funcionamento do BPN passava a ser acompanhado por dois administradores da CGD.
Teixeira dos Santos, afirmava também, na Comissão de Orçamento e Finanças da AR, que a nacionalização do BPN não deveria ter um impacto «significativo» nas contas públicas e que «A nossa preocupação aqui é, de facto, fazer com que os eventuais custos sejam mínimos e, se possível, que não haja custos para os contribuintes que resultem desta operação» ([38]). Mais declarou que o BdP e a CGD já tinham feito «uma injecção de liquidez» de 435 milhões de euros, um valor que disse ser «recuperável» por corresponder a créditos, quando foi questionado sobre o dinheiro já gasto pelo Estado e que este poderia ainda vir a gastar.
Ao contrário do que afirmou Teixeira dos Santos a nacionalização teve (e continua a ter) um impacto brutal nas contas públicas, na dívida pública. E o valor referido por Teixeira dos Santos ainda não foi recuperado. Terá Teixeira dos Santos mentido conscientemente? Pensamos que não. Trata-se simplesmente da posição de classe do PS, da «costela» burguesa dos seus membros, que os torna sempre complacentes perante os interesses da alta burguesia. A mesma «costela» que veremos ser exibida por Vítor Constâncio.
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A 5 de Novembro de 2008 a AR aprova a nacionalização do BPN, com os votos a favor do PS e votos contra de todos os outros partidos. Mesmo o PSD, de onde provinha o «bando» do BPN, votou contra! Era importante para o PSD aparecer como «desligado do bando».
Para entendermos o que significava esta nacionalização, regressemos ao artigo de Honório Novo ([3]; notas e itálicos nossos):
«Ao "nacionalizar" apenas o BPN [em vez do Grupo SLN], o Governo deixou nas mãos dos accionistas -- alguns dos quais fortemente responsáveis pela gestão fraudulenta do BPN -- toda a parte restante do Grupo SLN. Permaneceram na posse desses accionistas activos muito relevantes, designadamente de natureza imobiliária (por exemplo, imóveis próximos de futuro aeroporto de Alcochete, ou em zonas turísticas privilegiadas do Algarve, algumas referidas na mais recente campanha eleitoral presidencial). Mesmo em contexto económico desfavorável, só estes activos imobiliários da SLN foram avaliados em cerca 1300 milhões de euros (recorde-se que a estimativa mais recente do Governo para o "buraco" do BPN, a suportar por todos nós, ronda os 2100 milhões de euros, valor mínimo).
O PCP disse, e continua hoje a dizer, que o Governo deixou nas mãos dos accionistas da SLN activos que poderiam e deveriam servir para evitar que a pesada factura provocada pela acção mafiosa do "bando" do BPN vá, mais tarde ou mais cedo, pesar tanto na bolsa dos contribuintes. […]» [Só bastante mais tarde o BE veio a apoiar a solução proposta pelo PCP.]
«Defendemos a nacionalização do Grupo [SLN] porque era essa a melhor forma -- como hoje é mais evidente -- de defender o interesse público; defendemos a nacionalização da SLN/BPN porque essa era a única forma de impedir que os accionistas, que se tinham servido do BPN, continuassem a beneficiar dos activos não nacionalizados do Grupo, e, simultaneamente, ficassem livres de responder pelos prejuízos que causaram ao banco (que, no fundo, é o que lhes garante esta "nacionalização" [PS] do BPN)»
O PS apresentou um projecto de lei (viria a ser a Lei 62-A/2008) determinando no n.º 2 do artigo 2.º a «nacionalização de todas as acções representativas do capital social do BPN», a cargo, portanto, dos contribuintes, sem qualquer cobertura porporcionada pelos activos dos accionistas da SLN. Isto é, as vítimas do «bando» eram suportadas por todos nós enquanto os membros do «bando» se ficavam a rir. E foi isso mesmo que veio a ser aprovado pela mão do PS e do BE que votaram a favor do citado n.º e art.º, tendo o PSD e o CDS optado pela abstenção. Só o PCP e «Os Verdes» votaram contra.
«Todos os que disseram não à solução de nacionalização do Grupo SLN são responsáveis políticos -- mesmo que em graus diferenciados -- pelos prejuízos que o país vai pagar com a solução de nacionalizar apenas os prejuízos do BPN: o Governo que apresentou a proposta; o PS e o BE que votaram a favor da nacionalização das acções do BPN; o PSD e o CDS, que brandiram o espantalho de uma vasta e generalizada operação de nacionalização, para além do BPN, e se abstiveram quanto à nacionalização de "todas as acções representativas do capital social do BPN"; Cavaco Silva porque promulgou a Lei 62-A/2008 em tempo record […]».
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A Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia (CE) também abriu uma investigação sobre a nacionalização do banco a 24 de Outubro de 2011 ([28]), com o objectivo de agregar toda a informação necessária e garantir que a ajuda atribuída ao banco foi limitada ao mínimo estritamente necessário, «no interesse de uma competição justa e dos contribuintes portugueses». Apesar desta jesuítica bondade da CE, ela mesmo reconhece que «não possui nesta fase a informação necessária para tomar uma posição». A troika se tem encarregado de tomar essa «posição», exigindo da população pobre portuguesa o pagamento dos «buracos» abertos pelos ricos.
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Será que a preocupação de Teixeira dos Santos era apenas a de evitar o «risco sistémico»? Parece que não, tanto mais que o BPN representava apenas 2% de quota de mercado. Um artigo recente da União de Reformados e Pensionistas da Banca ([39]) vem trazer um importante esclarecimento a esta questão (itálicos nossos): «Porque, para além da corrupção e das altas personalidades envolvidas, o que muita gente não sabe, porque não foi divulgado, é que muito dinheiro da Segurança Social estava lá depositado, e essa verdade não convêm a ninguém. […] »
«Os descontos que fazemos para a reforma são geridos pela Centro Nacional de Pensões da Segurança Social ou a Caixa Geral de Aposentações […]. Mas, como é óbvio, esse dinheiro não fica a “dormir” durante anos para ser utilizado para pagar as pensões mais tarde. […] No caso da Segurança Social, o dinheiro das reformas é gerido pela CGD que investe esse dinheiro em títulos de dívida portuguesa, sendo assim a CGD um dos maior credores do próprio Estado com um valor superior a 5 mil milhões de euros. […] Sabe-se que a CGD tinha várias contas no BPN aproveitando os juros irreais praticados nesse banco, quanto não se sabe ao certo, falava-se na altura em mais de 500 milhões de euros, mas talvez seja muito mais. O BPN foi criado 1993, e em 1999 foi aberta uma ou várias contas pela CGD utilizando os fundos da Segurança Social, sendo nessa altura José Oliveira e Costa o seu presidente e o ministro responsável pela Segurança Social no governo Ferro Rodrigues […] Com a gestão de um fundo de maneio de 2 mil milhões de euros, a Segurança Social teria um depósito de cerca de 500 milhões no BPN (ou mais) o que representa 25% de todo o fundo num banco que tinha apenas 2% de quota de mercado. Esse dinheiro investido pela Segurança Social [1/4 de todo o fundo] foi o principal motivo da nacionalização do BPN, um banco que custou ao Estado, segundo alguns cálculos, 8 mil milhões e que foi vendido ao BIC por apenas 40 milhões. Esse escândalo não podia ser revelado.»
Isto é, o «bando» locupletou-se à custa de fundos de pensões dos portugueses!
Uma verdade que o «socialista» Teixeira dos Santos não devia e não podia deixar de saber.
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Se em 2 de Novembro de 2008 Teixeira dos Santos falava num «buraco» de 700 milhões de euros, esse «buraco» rapidamente disparou para valores muito mais elevados. Já em 18 de Dezembro de 2008 as auditorias revelavam 950 milhões de euros de perdas e imparidades ocultadas ou omitidas pelos ex-gestores. Em 3 de Fevereiro de 2009 as perdas atingiam 1,8 mil milhões de euros, contabilizadas as imparidades nos bancos Insular, Cayman e IFI. A estimativa do «buraco» foi evoluindo, situando-se hoje em 8,3 mil milhões de euros (ver figura abaixo): 5% do PIB e 11% do resgate da troika.
Concluindo:
A nacionalização PS -- a única nacionalização na história deste partido que se diz socialista -- descarregou sobre os bolsos dos contribuintes um enormíssimo e crescente «buraco», resultado da actividade criminosa de um «bando» PSD, mantendo intocáveis os activos do «bando».
Que palmarés para o PS! Com socialistas assim está o grande capital descansado!
E já vimos abundantemente que, de facto, está (ver, a propósito, http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/06/seguro-portas-na-internacional.html ).
A evolução do «buraco». Começou com os anunciados 700 milhões de euros e já está em 8,3 mil milhões de euros.


6 - A estranha negligência do BdP e o incrível Constâncio
Voltemos ao já citado artigo de Honório Novo ([3]):
«Apesar do BdP ter levantado dúvidas quanto à estrutura do Grupo SLN, a verdade é que (apesar de problemas detectados por sucessivas inspecções do BdP, apesar das reservas levantadas por auditorias externas às contas no ano 2000, apesar da demissão de alguns administradores que se recusaram a assinar contas, e apesar do BPN nunca ter indicado os destinatários finais de algumas das «empresas» off-shore que o BdP chegou a identificar) nunca a supervisão obrigou o Grupo a separar as suas duas áreas de actividade (financeira e empresarial). […]
O BdP detectou a quase totalidade destes problemas e irregularidades em diversas inspecções. Só que tais irregularidades nunca foram eliminadas de forma definitiva, e persistiram ao longo de toda a década de 2000. A supervisão nunca determinou qualquer auditoria informática (que teria detectado a contabilidade paralela do BI), nem nunca determinou qualquer auditoria externa ao Grupo SLN/BPN feita por entidade por si indicada. Sublinhe-se que todos estes caminhos estavam, já à altura, previstos na lei, e poderiam e deveriam ter sido utilizados pelo BdP. Mesmo sem a utilização de medidas «extremas», também previstas na lei (como a nomeação de administradores delegados), radica por certo na passividade da supervisão o facto deste esquema ilegal e fraudulento se ter mantido impune e em operação durante mais de oito anos.»
De facto, a detecção pelo BdP de irregularidades está bem documentada ([40])
Diz ainda Honório Novo:
«Para além desta inaceitável passividade, recorde-se que o BdP manteve sempre uma postura de falta de colaboração com o Parlamento, invocando sistematicamente o segredo profissional e bancário para recusar entregar documentação e informações relevantes solicitadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI], não obstante as garantias de reserva de confidencialidade e o facto da Comissão ter também como missão apurar a forma de actuação da própria supervisão bancária.»
A isto pode juntar-se as amnésias de Vítor Constâncio nas respostas oficiais ao PGR/DCIAP (diz, p.ex., em 2004 que não conhece o BI e, em 2005, que não deu por nada quanto às contas do BI já divulgadas nos media aquando da Operação Furacão).
Na CPI, onde foi ouvido a 9 e 16 de Junho de 2009, Constâncio tem algumas frases memoráveis ([40]). Disse, p.ex., que não tinha motivos para desconfiar do BPN, já que Oliveira e Costa tinha desempenhado funções governativas e no próprio BdP, sendo inclusive nomeado para representar o país no Banco Europeu de Investimento em 1991, após sair do Governo. Clara Machado, Directora-Adjunta do Departamento de Supervisão Bancária do BdP também afirmou: «Era impensável, para mim, que conheci já há muitos anos o Dr. Oliveira e Costa e conhecendo o percurso todo que ele teve, que houvesse um esquema com todos estes contornos no BPN.» Isto é, para Constâncio e seus émulos os banqueiros e pessoas «graúdas» nunca podem, por definição, cometer ilícitos. Belos supervisores!
Outras frases memoráveis de Constâncio ([40]):
«Num sistema de organização capitalista de mercado de livre iniciativa, há fraudes, há corrupção, há tudo isso, em todos os países e em todos os sectores, e não há regulação e supervisores que descubram todas essas fraudes quando elas estão a ser cometidas.»
«Não há garantias absolutas em nenhum país e em nenhum sistema, nessa matéria, a menos que queiram, de facto, que se constitua uma espécie de polícia de supervisão com milhares de pessoas que se instalem ao pé de cada administração e de cada direcção de serviço dos bancos, e de outras actividades, já agora, e que controlem tudo. Não é esse o sistema em que vivemos, de facto, e, portanto, não tenham ilusões de que haverá fraudes e corrupção nestas actividades, em todos os países e também em Portugal.»
Mas, então, se é assim, para que existem entidades supervisoras? Mais vale acabar com a actividade supervisora do BdP, despedir Constâncios e sequazes e poupar uns cobres. Constâncio diz-nos, ao fim e ao cabo, que o sistema capitalista está podre. Sabemos isso. Mas diz-nos mais: que nada há a fazer, quando, de facto, mesmo nas apertadas malhas do capitalismo, há. Quando Constâncio diz que nada há a fazer isso é uma simples desculpabilização da sua passividade.
«Mas também lhe quero dizer, […] olhos nos olhos, que nada me pesa na consciência, em termos de ter cometido qualquer acto deliberado ou por omissão, que tenha contribuído para esta situação em que se viveu no BPN, com o desfecho que é conhecido.».
Não pesa na consciência de Constâncio a sua atitude de passividade, objectivamente a favor dos vilões financeiros (tudo «boa gente», claro), que está a obrigar milhões de portugueses a ter de contribuir para pagar um «buraco» de 8,3 mil milhões de euros. Bela consciência!
 O incomodado Constâncio quando na audição parlamentar quis passar a mensagem que no actual sistema capitalista a negligência dos reguladores bancários é um facto normal.

Conforme é afirmado em [40], a negligência do BdP facilitou e protegeu o gangsterismo financeiro que tomou conta do grupo SLN/BPN. É uma estranha negligência que só se entende, claro, como decorrente da solidariedade de classe. E esse entendimento é ainda mais justificado quando se sabe que Constâncio e C.ª não sofreram qualquer sanção, do regime português ou do regime da UE; antes foram premiados! Constâncio ascendeu a n.º 2 (vice-presidente) do BCE em 2010, «ano em que errou nas previsões macroeconómicas, falhou na regulação bancária, ao actuar tardiamente no casos BPN e BPP, que custaram aos contibuintes portugueses um montante superior a 9.500 milhões de euros» [41-42]. A C.ª de Constâncio continuou a gozar de privilégios acrescidos de sultões ([43]). Quanto ao BCE ficámos esclarecidos: são dignos candidatos a lugares cimeiros do BCE todos que, por sua passividade, deixam livres o grande capital e seus representantes políticos fazerem o que querem.

7 - O inquérito parlamentar e seu esvaziamento pelo PS
Em 22 de Novembro de 2008 o Grupo parlamentar do PS viabiliza a Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI). A 6 de Janeiro de 2009 a CPI sofre o primeiro contratempo: o BdP, o BPN, as firmas de auditoria Ernest & Young, Deloitte, Bdo Binder e PriceWaterHouseCoopers, recusam enviar documentação aos deputados da comissão de inquérito! Todas (inclusive a entidade supervisora do Estado, BdP) invocando sigilo profissional! (Ver mais detalhes em [44].) Em Janeiro de 2009, novos contratempos: Oliveira e Costa e outros arguidos invocam a sua condição de arguidos para não responder às questões dos deputados.
Um bom exemplo da farsa da representação da soberania popular por um parlamento burguês.
O inquérito das comissões de inquérito da AR é sempre o inquérito que a ocultação dos «podres» da burguesia consente.
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A CPI ouve vários testemunhos que ajudam a compreender o caso BPN. Ouve também vários implicados que demonstram uma notável «amnésia» ([45]). A maioria dos implicados, dos que não se recusaram a responder com base no facto de o processo estar em julgamento (casos de Oliveira e Costa e de José Caprichoso), respondeu «Não sei», «Já não me recordo», etc. Já vimos atrás, as afirmações mentirosas e amnésicas de Dias Loureiro. Um Dias Loureiro que a 27/1/2009 voltou a afirmar na CPI que foi alertar o BdP sobre o «modelo de gestão» do BPN no que foi desmentido, no dia seguinte, pelo ex-vice-governador do BdP, António Marta. Em segunda audição, a 5/5/2009, Dias Loureiro mostrou-se amnésico quanto aos negócios em Porto Rico, declarando que se limitou a assinar documentos.
*    *    *
O comportamento do PS na CPI foi aquele que seria de esperar de um partido que é, de facto, de direita. Um PS que rejeitou o recurso aos tribunais no levantamento do sigilo bancário no BPN e não se empenhou em levar ao Tribunal da Relação de Lisboa a questão da apresentação de documentos por parte do BdP e BPN, conforme parecer jurídico disponível na CPI.
Quanto ao relatório final, preparado pelo PS, este foi contestado por toda a oposição no debate de 7/7/2009 na CPI. A esquerda classificou-o como uma tentativa de branquear o papel de Vítor Constâncio enquanto governador do BdP -- acusado de ter falhado nas suas funções de fiscalização ao BPN.
Não nos esqueçamos que Vítor Constâncio é um destacado militante do PS que já foi Secretário-Geral! Ao PS também não convinha que no relatório transparecesse algo revelador da «estranha» nacionalização do BPN por obra e graça do PS.
O PS acabou por aprovar sozinho as conclusões do relatório, contra a posição de todos os restantes partidos [46].

8 - A reprivatização: entrega do BPN ao BIC
A chamada «reprivatização» do BPN é mais um exemplo do conluio, do favorecimento criminosso, do regime ao grande capital financeiro. Tratou-se de uma simples entrega de mão beijada. Vejamos porquê.
Depois de ter incorporado o BPN na CGD, em 2008, com gestores a ganhar 17 mil euros/mês (o presidente, Francisco Bandeira, acumulou 15.350 € de salários como vice da CGD com 63.070 € do BPN, tornando-se o mais bem pago da Caixa, superando Faria de Oliveira, [47]), o governo PS aprova em Novembro de 2009 a reprivatização do BPN (diploma promulgado pelo PR em Dezembro). Em Agosto de 2010 o Governo anuncia que o BPN será vendido no mínimo por 180 milhões de euros. Em Maio de 2011, no âmbito do memorando de entendimento com a troika, é acordada a venda do BPN sem um preço mínimo; prepara-se assim a venda ao desbarato. Em 31 de Julho 2011, o governo de Passos Coelho anuncia que o BPN foi vendido ao Banco BIC Português, um banco luso-angolano controlado por Isabel dos Santos e Américo Amorim.
Foi vendido, não por 180 milhões de euros, mas sim por 40 milhões de euros! Em Janeiro de 2012 é conhecido que o Governo pretende fazer um aumento de capital de 600 milhões de euros no BPN, um valor superior aos 500 milhões de euros previstos. Mas o BIC não está satisfeito: reclama do Estado 100 milhões de euros em Julho de 2013 ([48]), embora o seu presidente Mira Amaral (PSD) considere «muito positivo» o balanço do primeiro ano de integração do BPN no BIC (pudera!), [49]; mas não se esquece de confirmar que o BIC deixa para o Estado a «responsabilidade» por «tudo o que é passado» ([50]); não vá haver algum amnésico do PS, PSD, CDS que esteja esquecido de que segundo o acordo com o BIC este pode devolver ao Estado (a todos nós) os créditos em incumprimento. Foram, aliás, criadas três (!) empresas públicas para gerir a «má» herança do BPN: 4.232 milhões de lixo tóxico (capitais fictícios quase sem valor ou de valor questionável). Portanto, o BIC comprou o BPN a «preço de saldo» e limpo de «impurezas».
Em Maio de 2010 é também aprovada em Assembleia Geral da SLN a mudança de nome da sociedade para Grupo Galilei. E, também aqui, o Estado (todos nós) ficou com 300 milhões de dívida da SLN ([51]). Que se poderia esperar de um Estado que representa os interesses do grande capital, em especial do capital financeiro?!
Em Outubro de 2011 a Comissão Europeia anuncia a abertura de uma «investigação aprofundada» para determinar se a proposta de reestruturação do BPN «está em consonância» com as regras da União Europeia em matéria de auxílios estatais. Vai descobrir, «aprofundadamente», que está.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental calcula em 1,3 por cento do PIB o impacto no défice do custo direto da nacionalização do BPN em 2010 e 2011, um valor que supera os 1,2 por cento do PIB de impacto dos cortes nos subsídios de férias e Natal. Em Fevereiro de 2012 o PS anuncia que vai requerer a constituição de uma comissão de inquérito ao processo de reprivatização do BPN.
Enfim, o filme de certa forma repete-se, com negócios lucrativos lucrativos da Galilei e da Parvalorem (uma das três empresas públicas criada pelo Ministério das Finanças para gerir os ativos tóxicos do banco) por Oliveira e Costa e outros donos do ex-BPN, negócios com contornos pouco claros ([52-53]), com o Estado a arcar comprejuízos e a dar benesses de milhões aos grandes capitalistas ([54-55]),  com o governo a ignorar o pedido do Tribunal de Contas de uma auditoria externa ao ex-BPN ([56]), com a nomeação do antigo administrador do BPN, Franquelim Alves, para secretário de Estado do Empreendedorismo ([57-58]) e, claro está, com a nova e inevitável comissão de inquérito, a deparar outra vez com obstáculos à entrega de documentação por parte do BdP ([59]).
Dizia Honório Novo no seu artigo ([3]): «[…] é possível e perfeitamente natural […] criar um novo banco público, de pequena dimensão e actividade mais específica [HN referia o apoio às PMEs], […] repondo no médio prazo todos os encargos e prejuízos que o "bando" do BPN transferiu para o bolso dos portugueses.». Sim, é possível; mas, como é comprovadamente óbvio, está totalmente fora de ser «perfeitamente natural» para o grande capital que domina Portugal e para os políticos que o representam.
Mas o «caso da reprivatização» é já outro «caso», que mereceria uma análise aprofundada no tema das privatizações levadas a cabo pelos sucessivos governos do PS, PSD e CDS, que não foram mais do que a entrega de Portugal ao grande capital; entrega que se tornou possível com as premissas lançadas pelo golpe contra-revolucionáro de 25 de Novembro de 1975.
É um outro «caso», onde, para já, só vemos os «vilões do costume»; e não parece provável que venham a aparecer claramente os «vilões oficiais».

Referências:
 [38] Nacionalização do BPN não terá impacto «significativo» nas contas públicas, Diário de Notícias, 4/11/2008. http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=1038904
[39] «A verdade escondida por trás do escândalo do BPN», UBR (União de Reformados e Pensionistas da Banca), Economia, Notícias, 29/4/2013: http://www.ubr.pt/?m=201304
[40] «Insólitos do Banco de Portugal no caso BPN», Esquerda.net dossier | 9 Julho, 2009.
[41] Vítor Constâncio, wikipedia.pt.
[42] «Supervisores do Banco de Portugal foram promovidos», Diário de Notícias, 2/5/2012 .
[45] «Antigo administrador responde à maioria das perguntas com "não me recordo"», Lusa 17/3/2009. http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=208694&tm=6&layout=121&visual=49
Um dos inquiridos foi Francisco Comprido (antigo administrador do BPN), que durante algumas horas tentou «sacudir a água do capote» com respostas vagas. Uma síntese das respostas (comentada como uma espécie de stand-up comedy) consta de um ficheiro áudio extraído do programa da TSF O Governo Sombra.
[46] Cristina Ferreira, «Relatório da Comissão de Inquérito ao caso BPN segue em frente sob o fogo da oposição», Público, 08/07/2009
[47] «Governo colocou gestores a ganhar 17 mil euros/mês», Diário de Notícias, 29/4/2012 .
[48] Cristina Ferreira «Contrato polémico do BPN leva BIC a exigir ao Estado cerca de 100 milhões», Público, 15/07/2013.
[50] João Miguel Ribeiro «BPN: Mira Amaral confirma que BIC deixa para o Estado a “responsabilidade” por “tudo o que é passado”», PT Jornal, 15/7/2013.
[51] «Estado fica com 300 milhões de dívida da SLN» Diário de Notícias, 3/5/2012.
[52] «BPN: ex-donos mantêm negócios milionários», Diário de Notícias, 4/4/2013.
[54] «Banco angolano ficou com o melhor do antigo BPN», Diário de Notícias, 3/5/2012.
[56] «Governo ignorou Tribunal de Contas», Diário de Notícias, 2/5/2012.
Lusa, 2/2/2013.
[59] «Deputados unânimes no levantamento de sigilo do Banco de Portugal», Expresso, 20/6/2012.

Os 24 arguidos do caso BPN acusados pelo Ministério Público em Novembro de 2009. Os arguidos não pronunciados no julgamento estão a cinzento. Fonte: [28].
Nome
Cargo/profissão
Acusação
Almiro Silva
Accionista da SLN
1 crime de burla qualificada sob a forma de cumplicidade
António Franco
Administrador do BPN (entre 2006 e 2008)
1 crime de burla qualificada sob a forma de cumplicidade
António Marques Cavaco1
Accionista da SLN
1 crime de burla qualificada sob a forma de cumplicidade
1 crime de falsificação de documento sob a forma de cumplicidade
Fernando Cordeiro
Accionista da SLN
1 crime de burla qualificada sob a forma de cumplicidade
Filipe B. do Nascimento
Advogado
1 crime de burla qualificada
1 crime de abuso de confiança
1 crime de burla qualificada como autor material
Francisco Sanches
Administrador da SLN
2 crimes de abuso de confiança
1 crime de burla qualificada
1 crime de falsificação de documento
1 crime de infidelidade
1 crime de aquisição ilícita de acções
Hernâni Ferreira
Gerente da sociedade FO Imobiliária
1 crime de burla qualificada
Isabel Cardoso
Administradora da Planfin
1 crime de abuso de confiança sob a forma de cumplicidade
1 crime de burla qualificada sob a forma de cumplicidade
1 crime de falsificação de documento como autora material
Isabel Ferreira
Colaboradora da Planfin
1 crime de abuso de confiança
1 crime de falsificação de documento
José Monteverde
Sócio de uma empresa ligada à SLN
1 crime de abuso de confiança sob a forma de cumplicidade
1 crime de burla qualificada
José Oliveira e Costa
Presidente executivo da SLN (entre 1998 e 2008)
1 crime de abuso de confiança
1 crime de burla qualificada
1 crime de falsificação de documento
1 crime de infidelidade
1 crime de branqueamento de capitais
1 crime de fraude fiscal qualificada
1 crime de aquisição ilícita de acções
José Vaz de Mascarenhas
Presidente do Banco Insular de Cabo Verde
2 crimes de abuso de confiança
1 crime de burla qualificada
1 crime de falsificação de documento
Leonel Mateus
Administrador da Planfin
1 crime de abuso de confiança
1 crime de burla qualificada
1 crime de falsificação de documento
1 crime de infidelidade
Luís Caprichoso
Administrador da SLN
2 crimes de abuso de confiança
1 crime de burla qualificada
1 crime de falsificação de documento
1 crime de infidelidade
1 crime de aquisição ilícita de acções
Luís Ferreira Alves
Responsável da Labicer
1 crime de burla qualificada
Luís Reis Almeida
Administrador da Planfin
1 crime de abuso de confiança
1 crime de burla qualificada
1 crime de falsificação de documento
1 crime de infidelidade
Manuel António Sousa2
Accionista da SLN
1 crime de burla qualificada sob a forma de cumplicidade
Manuel Marques Cavaco1
Accionista da SLN
1 crime de burla qualificada sob a forma de cumplicidade
Manuel Silva Santos
Galerista
1 crime de branqueamento de capitais como autor material
Ricardo Oliveira
Administrador da SLN
1 crime de burla qualificada
1 crime de falsificação de documento, como autor material
Rui Almeida Fonseca
Accionista da SLN
1 crime de burla qualificada sob a forma de cumplicidade
Rui Guimarães Dias Costa
Sócio da Labicer
1 crime de fraude fiscal qualificada
1 crime de burla qualificada
Telmo Belino Reis
Sócio da Labicer
1 crime de abuso de confiança
1 crime de burla qualificada
1 crimes de fraude fiscal qualificada
Empresa:Labicer
Laboratório industrial de cerâmica
1 crime de fraude fiscal qualificada
1Os Cavaco eram accionistas da construtora Irmãos Cavaco. 2Manuel António Sousa é um industrial ligado à empresa Rações Veríssimo.