sábado, 1 de fevereiro de 2020

A Novela das marionetas de Trump na Venezuela



A Novela das marionetas de Trump na Venezuela

João Pedro Stedile

Membro da equipa de coordenação do Movimento dos Trabalhadores sem Terra, MST, Brasil

Fonte:  O Lado Oculto
Trump’s Puppet Show in Venezuela

By  João Pedro Stedile

Member of the co-ordination team of “Movimento dos Trabalhadores sem Terra (Landless Workers’ Movement), MST,” Brazil

Source:  O Lado Oculto











De usurpação em usurpação, o homem de mão de Trump na Venezuela, Juan Gaidó, prossegue a sua saga contra as instituições democráticas ao mesmo tempo que vai esfacelando a oposição de direita. Não na sua qualidade de presidente da República “interino” mas na de “presidente” de um parlamento paralelo decidiu nomear um chefe fascista ausente do país para “recuperar” a estação de televisão Telesur, espaço de liberdade de expressão e informação na América Latina. Desconhece-se como se processará o assalto às instalações e fontes de emissão, mas Washington não desiste de agitar Guaidó.
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From usurpation to usurpation, Trump's hand in Venezuela, Juan Gaidó, continues his saga against democratic institutions while shattering the right-wing opposition. Not in his capacity as “interim” President of the Republic, but as “President” of a parallel parliament, he decided to appoint a fascist leader absent from the country to “recover” the Telesur television station, a space for freedom of expression and information in Latin America. It is unknown how the assault on installations and sources of emissions will take place, but Washington does not give up on agitating Guaidó.

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O governo Trump considera-se dono da Venezuela e exige que o povo obedeça ao seu capataz, Juan Guaidó, que por sinal é muito bem pago.

Em 2015 houve eleições para a Assembleia Nacional da Venezuela. A representação é unicameral, não existem senadores - só deputados: são 167.

Nessas eleições, a oposição ao “chavismo” conquistou a maioria dos deputados. Os “chavistas” ficaram em franca minoria com apenas 55 deputados, organizados num bloco denominado Pátria. O Tribunal de Justiça Eleitoral cancelou a eleição de alguns deputados por fraude e ou por corrupção, decisão que os partidos direitistas não quiseram reconhecer. Instalou-se assim um conflito permanente acerca da legitimidade e legalidade da Assembleia Nacional. Uma batalha incessante entre o Poder Executivo “chavista” e a oposição direitista que controlava o parlamento.

Numa resposta a este impasse e ao aumento da violência, com atentados, “guarimbas” (distúrbios terroristas nas ruas) de sectores radicais de direita, o governo usou as suas faculdades constitucionais e convocou, em 2017, uma Assembleia Popular Constituinte que, segundo a Constituição em vigor, tem um nível institucional superior ao Presidente e ao Parlamento. A oposição mais radical recusou-se a participar nas eleições para a Constituinte, pois sua táctica é derrubar o governo pela violência.

Desde então funcionam na Venezuela dois colégios legislativos.

A saga de Juan Guaidó

Em 2018 realizaram-se eleições para a Presidência da República e os governos estaduais. A oposição participou nas eleições, que contou com a presença de observadores de várias instituições internacionais. Maduro derrotou três outros competidores e a oposição elegeu alguns governadores estaduais. Todos tomaram posse regularmente em 10 de Janeiro de 2019.

Logo em Janeiro de 2019, articulado pelo governo Trump, o sector mais radical dos partidos direitistas, que se distingue pela realização de atentados nas cidades, conseguiu eleger o deputado Juan Gerardo Guaidó como presidente da Assembleia Nacional. O que deveria ser um acto normal, a eleição anual do presidente da Assembleia pelos deputados, transformou-se numa afronta à democracia. Guaidó autoproclamou-se Presidente da República, num desafio ao presidente recém-eleito e empossado pelos Poderes Judiciais segundo a Constituição: Nicolás Maduro.

Este acto unilateral fez parte de um plano golpista, que previa inclusivamente a intervenção de forças armadas dos Estados Unidos, da Colômbia e do Brasil. Após uma série de episódios e um ciclo de mobilizações populares durante o ano de 2019, o golpe foi derrotado. A ampla maioria do povo continuou a apoiar o governo de Nicolás Maduro, apesar da crise económica e do bloqueio económico e financeiro imposto pelo governo de Trump.

O ponto decisivo para o êxito das manobras golpistas consistia em dividir as Forças Armadas, conquistando o seu apoio ao golpe. Para tanto, os sectores direitistas recorreram a numerosos procedimentos valendo-se de mentiras, de tentativas de cooptação e de corrupção de militares. As Forças Armadas da Venezuela, no entanto, mantiveram-se leais à Constituição e ao governo comandado por Nicolás Maduro, contribuindo assim para a derrota dos grupos e partidos direitistas e golpistas.

Nasce um parlamento paralelo

O mandato de Guaidó como presidente da Assembleia Nacional terminou em Janeiro de 2020. No dia 5, data constitucional prevista para a eleição do novo presidente parlamentar, parte da oposição ao “chavismo” – mais civilizada e contrária à intervenção norte-americana – discordou dos adeptos da reeleição de Guaidó e apresentou um outro candidato.

Antecipando a iminente derrota, Guaidó orquestrou uma confusão na entrada do edifício da Assembleia, numa tentativa frustrada para boicotar a sessão. Apesar disso, compareceram 127 deputados, sendo eleito com 81 votos – a maioria dos presentes – o deputado Luis Parra, do partido oposicionista Primero Justicia, como novo presidente da Assembleia e substituto de Guaidó.

Enraivecido, Guaidó reuniu no mesmo dia, na sede de um jornal opositor, 30 deputados que o reelegeram por unanimidade para continuar na presidência da Assembleia. Nasceu um parlamento paralelo.

A divisão da oposição precipitou o caos. O sector radical, terrorista, subordinado aos Estados Unidos, conta com apenas 30 deputados, liderados por Guaidó. A maioria da oposição, que se propõe conquistar o governo pela via democrática e conta com uma base de 81 deputados, só reconhece Luis Parra como presidente da Assembleia Nacional.

Ataque à Telesur

No dia 14 de Janeiro, o parlamento paralelo comandado por Guaidó reuniu-se novamente e tomou a decisão de escolher um novo presidente para a companhia estatal de comunicações, a Telesur. Como se um acto administrativo como esse fosse uma atribuição da Assembleia ou do presidente da Assembleia. Guaidó nomeou o jornalista Leopoldo Castillo para “recuperar” a Telesur. Além do absurdo jurídico, tramado apenas para gerar fatos políticos, Leopoldo Castillo – um antigo militante da extrema- direita venezuelana – encontra-se, do momento, fora do país.

Na década de oitenta, Castillo foi embaixador da Venezuela em El Salvador e participou, com a direita fascista local, nos acontecimentos que levaram ao assassínio de padres jesuítas.  

A Telesur é uma Fundação latino-americana que não depende juridicamente da Assembleia Nacional da Venezuela. A presidente é a jornalista colombiana Patricia Villegas. Esta tentativa de usurpação de Guaidó, mais uma, explica-se como uma acção realizada a pedido dos seus padrinhos nos Estados Unidos, em parte devido à queda de audiências da CNN em espanhol, estação de televisão pertencente a um grupo direitista que apoia Trump. E explica-se ainda, sobretudo, porque a Telesur tem transmitido com fidelidade os acontecimentos não só da Venezuela, mas também os do Chile, Argentina, Peru, Equador, Colômbia, contrapondo-se às manipulações mediáticas do império.

Jorram milhões de dólares

A articulação de Guaidó com Trump e a sua equipa é permanente. No dia 14 de Janeiro, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos aplicou sanções ao deputado Luis Parra e a outros dois deputados membros da presidência eleita da Assembleia Nacional. O governo Trump considera-se dono da Venezuela e exige que o povo obedeça ao seu capataz, Juan Guaidó, que por sinal é muito bem pago.

Esta confusão toda, a coexistência de dois presidentes da Assembleia Nacional, as disputas dentro da oposição, apenas se resolverão, provavelmente, mediante a convocação de novas eleições para o Parlamento. Eleições, previstas por lei, a serem convocadas pelo Tribunal Eleitoral no primeiro semestre deste ano. Até lá, Guaidó continuará a enganar quem quiser ser enganado. E os norte-americanos continuarão a promover as suas mentiras.

Tornou-se um facto público recentemente – tanto nos Estados Unidos como na Venezuela – que a USAID (United States Agency for International Development) contribuiu com 128 milhões de dólares e Elliott Abrams – o enviado de Trump para o golpe na Venezuela - com outros 50 milhões para financiarem as actividades de Guaidó. O conjunto da oposição recebeu da USAID, desde 2017, 467 milhões de dólares.

A actual conjuntura internacional possibilitou ao governo de Maduro obter alguns trunfos. A Venezuela foi eleita membro da Comissão de Direitos Humanos da ONU. O novo governo da Argentina expulsou a representante de Guaidó e voltou a reconhecer unicamente o governo de Maduro. Nos próximos dias deve acontecer o mesmo com o novo governo da Espanha. Guaidó não teve êxito, sequer, na tentativa de se apoderar da Embaixada da Venezuela em Brasília.

A capacidade de mobilização do povo da Venezuela e a sua unidade com as Forças Armadas são pilares fundamentais de sustentação do governo de Maduro.
The Trump administration considers itself owner of Venezuela and demands that the people obey their foreman, Juan Guaidó, who by the way is very well paid.

In 2015 there were elections for the National Assembly of Venezuela. Representation is unicameral, there are no senators -- only deputies: 167.

In these elections, the opposition to “chavism” won the majority of deputies. The “chavists” were in a clear minority with only 55 deputies, organized in a bloc called Pátria (Fatherland). The Electoral Court of Justice cancelled the election of some deputies for fraud and / or corruption, a decision that the right-wing parties did not want to recognize. Thus, a permanent conflict arose over the legitimacy and legality of the National Assembly. An incessant battle between the “Chavist” executive branch and the right-wing opposition that controlled the Parliament.

In response to this impasse and the increase in violence, with attacks, “guarimbas” (terrorist rioting on the streets) of radical right-wing sectors, the government used its constitutional powers and convened, in 2017, a Constituent People's Assembly which, according to the Constitution in force, has a higher institutional level than the President and Parliament. The most radical opposition refused to participate in the elections to the Constituent Assembly, since its tactics is to overthrow the government by violence.

Since then, two legislative bodies have operated in Venezuela.

The Saga of Juan Guaidó

In 2018 elections were held for the Presidency of the Republic and the state governments. The opposition participated in the elections, which was attended by observers from various international institutions. Maduro defeated three other contestants and the opposition elected some state governors. All took  office regularly on 10 January 2019.

As early as January 2019, articulated by Trump’s administration, the most radical sector of the right-wing parties, which distinguishes itself for carrying out attacks in the cities, managed to elect deputy Juan Gerardo Guaidó as president of the National Assembly. What should be a normal act, the annual election of the President of the Assembly by the deputies, has become an affront to democracy. Guaidó proclaimed himself President of the Republic, in a challenge to the newly elected president who took office according to the Constitution and the Judiciary Power: Nicolás Maduro.

This unilateral act was part of a coup d’etat plan, which moreover had in store the intervention of armed forces from the United States, Colombia and Brazil. After a series of episodes and a cycle of popular mobilizations during 2019, the coup was defeated. The vast majority of the people continued to support the government of Nicolás Maduro, despite the economic crisis and the economic and financial blockade imposed by Trump’s administration.

The decisive point for the success of the coup manoeuvres was to divide the Armed Forces, gaining their support for the coup. To that end, the right-wing sectors resorted to numerous procedures using lies, attempts at co-optation and corruption of the military. The Armed Forces of Venezuela, however, remained loyal to the Constitution and to the government commanded by Nicolás Maduro, thus contributing to the defeat of the right-wing and groups and parties upholding the coup plans.

A Parallel Parliament is Born

Guaidó's term as president of the National Assembly ended in January 2020. On the 5th January, the constitutional date scheduled for the election of the new parliamentary president, part of the opposition to “chavism” -- more civilized and opposed to North-American intervention -- disagreed with the supporters of Guaidó's re-election and presented another candidate.

Anticipating the imminent defeat, Guaidó orchestrated mayhem at the entrance to the Assembly building, in a failed attempt to boycott the session. Despite this, 127 deputies attended, and elected deputy Luis Parra, with 81 votes -- the majority of those present -- from the opposition party Primero Justicia, as the new president of the Assembly replacing Guaidó.

On the same day, Guaidó gathered, at the headquarters of a newspaper of the opposition, 30 deputies who unanimously re-elected him to continue as president of the Assembly. A parallel parliament was born.

The division of the opposition precipitated chaos. The radical, terrorist sector, subordinate to the United States, has only 30 deputies, led by Guaidó. The majority of the opposition, which proposes to conquer the government democratically and has a base of 81 deputies, only recognizes Luis Parra as president of the National Assembly.

Attack on Telesur

On January 14, the parallel parliament led by Guaidó met again and made the decision to choose a new president for the state-owned communications company, Telesur. As if an administrative act like that was the responsibility of the Assembly or the President of the Assembly. Guaidó appointed journalist Leopoldo Castillo to “recover” Telesur. In addition to the legal absurdity, plotted only to generate political facts, Leopoldo Castillo -- a former militant from the Venezuelan extreme right -- is, at the moment, outside the country.

In the 1980s, Castillo was Venezuela's ambassador in El Salvador and participated, with the local fascist right, in the events that led to the murder of Jesuit priests.

Telesur is a Latin American Foundation that does not legally depend on the National Assembly of Venezuela. The president is the Colombian journalist Patricia Villegas. This attempted usurpation of Guaidó, one more, is explained as an action carried out at the request of his godparents in the United States, partly due to the drop in the audience of CNN in Spanish, a television station belonging to a right-wing group that supports Trump. And the attempted usurpation is also explained, above all, by the fact that Telesur has broadcast the events with faithfulness not only in Venezuela, but also in Chile, Argentina, Peru, Ecuador, Colombia, countering the manipulations of the empire's media.

Millions of Dollars are Pouring

Guaidó's articulation with Trump and his team is permanent. On January 14, the United States Treasury Department sanctioned Congressman Luis Parra and two other members of the elected National Assembly presidency. The Trump administration considers itself owner of Venezuela and demands that the people obey their foreman, Juan Guaidó, who by the way is very well paid.

All this confusion, the coexistence of two presidents of the National Assembly, disputes within the opposition, will probably only be resolved by calling new elections for Parliament. Elections, provided for by law, are to be called by the Electoral Court in the first half of this year. Until then, Guaidó will continue to deceive anyone who wants to be deceived. And the North-Americans will continue to promote their lies.

It has recently become a public fact -- both in the United States and in Venezuela -- that the USAID (United States Agency for International Development) contributed $ 128 million and Elliott Abrams -- Trump's envoy to the coup in Venezuela -- with another $ 50 million to finance Guaidó's activities. The opposition on the whole has received $ 467 million from the USAID since 2017.

The current international situation has enabled the government of Maduro to obtain some advantages. Venezuela was elected a member of the UN Human Rights Commission. The new government of Argentina expelled the representative of Guaidó and returned to recognizing only the government of Maduro. In the coming days, the same should happen with the new government of Spain. Guaidó was unsuccessful, even in an attempt to seize the Venezuelan Embassy in Brasilia.

The ability to mobilize the people of Venezuela and its unity with the Armed Forces are fundamental pillars of support for the government of Maduro.