terça-feira, 24 de outubro de 2017

A deriva reaccionária dos conformadores ideológicos em Portugal

A continuada crise do capitalismo (que permanece globalmente, conforme inclusive o FMI, Davos, etc., reconhecem), o incremento das lutas populares e êxitos anti-imperialistas (Venezuela, Donbass, debacle do Daesh, etc.) têm vindo a preocupar o grande capital. As grandes corporações destinadas a conformar ideologicamente o povo – media e grandes casas editoriais, interligadas com o grande capital – reflectem, como é natural, tais preocupações.

No caso específico de Portugal há um motivo adicional de preocupação do grande capital: o aceitável desempenho geral do governo da ala esquerda do PS, sob acordo do BE e PCP. Já escrevemos sobre este aspecto. Para dar um exemplo recente, o aumento de IRC para as empresas com lucros acima dos 35 milhões de euros, que o governo se terá comprometido com o PCP vir a incluir no orçamento de estado para 2018, é obviamente motivo de “preocupação” do grande capital.

A democracia burguesa, controlada como é pelo grande capital, admite alguma “liberdade de informação” nas seguintes condições: o capitalismo não está em crise; o seu poder não é ameaçado; a sua mensagem (conformação) ideológica é dominante. Se tais condições são satisfeitas, essa liberdade é do interesse da democracia burguesa: cimenta a ilusão de que ela é o máximo possível de democracia. Se, pelo contrário, tais condições estão sob ameaça, o grande capital trata imediatamente de restringir essa liberdade (e outras), reforçando a desinformação, deformação e conformação em seu benefício.

É o que se passa em Portugal. Logo que foi empossado o governo de António Costa o grande capital (incluindo o seu representante, Cavaco Silva) mostrou o seu desagrado. O que lhe interessava era um governo PSD-CDS ou, ainda melhor, um governo de aliança central, envolvendo a tradicional ala direita do PS e permitindo reduzir ao mínimo a luta de classes.

Com consequência, assiste-se desde 2016 a um progressivo aumento do reaccionarismo dos media e das publicações nos escaparates das livrarias.

Comecemos por estas últimas:

Entramos numa grande livraria destinada a um público vasto, e que vemos? Para além de secções extensas sobre ficção, arte, religião e espiritualismo, uma secção reduzida de história e ainda mais reduzida sobre ciência. Encontramos montes de livros sobre anjos, papas, pastorinhos, Fátima e “Você pode falar com Deus”; biografias e análises variadas de Salazar, Caetano, cardeal Cerejeira e Pinto Balsemão; livros de economia tão atraentes como “Porque falham os negócios?”; montanhas de livros anti-soviéticos como o da filósofa alemã Hannah Arendt (“As Origens do Totalitarismo”), do historiador reaccionário Orlando Figes (“A Tragédia de Um Povo. A Revolução Russa”), do escritor fascista Sojenitsine (ressuscitado pelos nossos editores!), e do escritor trotskista George Orwell, cujos livros foram (pelo menos em parte) encomendados pelos serviços secretos britânicos a que pertenceu. Também encontramos inúmeros exemplares do livro “A Ameaça Vermelha” tendo na capa as efígies de António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, e defendendo em subtítulo que Portugal está em 2017 pior que em 2015. Este também tem todo o aspecto de livro encomendado.

Quanto aos media e cingindo-nos apenas às questões nacionais:

De assinalar o espaço (nos jornais), tempo (TV) e ênfase constantemente dadas às declarações públicas do PSD e CDS contra o governo. Tais declarações são as notícias principais e merecem os grandes títulos de capa dos jornais. Exemplos recentes são a afirmação do PSD de que a declaração de Costa sobre os incêndios "é insulto à inteligência" dos portugueses, e a afirmação do CDS de que a sua moção de censura visa "dar voz" aos indignados com o governo. Pretende-se à viva força impor a ideia de que os incêndios são exclusiva culpa do governo, como se as políticas florestais dos anteriores governos nada tivessem a ver com isso.

Os media passaram também a apresentar toda e qualquer iniciativa irrelevante do capital (irrelevante do ponto de vista do bem-estar sustentável dos trabalhadores, mas relevante do ponto de vista de lucros) como algo de miraculoso, que irá salvar o país. É o caso, por exemplo, da abertura pela Altice de um segundo “call center” em Vieira do Minho (Vejam bem! Um novo “call center”! Maravilha, não é?). Altice que realizou o dia mundial do grupo em Lisboa e diz-se empenhada em investir em Portugal. Já são 1600 empregos em “call centers” da Altice, mas… disse assim um empresário da PT-Altice: "Há 3500 trabalhadores da PT que estão em casa (já estavam quando a Altice comprou a operadora portuguesa há dois anos e meio). Não temos trabalho para eles".

Nota-se também a intenção de amedrontar a pequena burguesia urbana (rendas de casa, impostos, etc.). Um exemplo é o comentário “O regresso da troika para trabalhadores independentes” de O Jornal Económico, metendo medo com o “enorme aumento de impostos” que vêm aí sobre as profissões liberais. O autor da notícia é um… advogado.

Quantos aos trabalhadores, os media são omissos. Greves, manifestações e lutas locais passam quase sempre ao lado dos jornais e TV. Quando são relatadas são sempre acompanhadas de chamadas de atenção reaccionárias de que a "greve prejudica a economia” ou de que a “greve prejudica os utentes". É raríssimo encontrar-se uma explicação correcta das razões de luta dos trabalhadores.

Um partido que sempre foi maltratado pelos media, mas cujo mau tratamento aumentou, é o PCP. A razão é simples. É o partido que encabeça o movimento dos trabalhadores e segue uma linha consequente nessa luta. Quaisquer medidas apresentadas pelo PCP, mesmo que comedidas, são sempre apresentadas pelos jornais como uma grande conspiração do PCP, do estilo "PCP força governo" ou "PCP manipula governo".

Presentemente, até noticiaristas passaram a botar, sempre que podem, a sua colherada comentarista contra o PCP. No passado mês de Abril, quando o PCP defendia a gestão pública da CGD e de outros bancos, um noticiarista do JN noticiou: “Jerónimo de Sousa defendeu a gestão pública,”; mas logo a seguir despiu o casaco de noticiarista e vestiu o de comentarista, afirmando “apesar de se saber que a gestão privada é melhor do que a pública”. Um douto noticiarista, não é? Este “apesar de se saber” é esmagador! Infelizmente, o douto noticiarista “esquece-se” de que a gestão pública só foi pior do que a gestão privada quando os gestores nomeados pelos poderes públicos, por incumbência ou iniciativa própria, arruinaram empresas públicas para justificar a “necessidade” de privatização a preços de saldo a favor do grande capital.
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Como alternativa aos conformadores ideológicos dominantes, aqui deixamos uma sugestão: ler as notícias de https://www.abrilabril.pt/

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Acerca dos resultados das eleições autárquicas



No momento em que escrevemos, com praticamente todos os resultados das eleições autárquicas contabilizados, surge claramente uma constatação: a enorme transferência de votos do PSD, PCP e (em menor grau) do BE para o PS.
  
É certo que nas eleições autárquicas há muitos factores em jogo. Para além do nível de consciência política das massas, das classes trabalhadoras – factor predominante nas eleições legislativas --, há outros factores em jogo: desempenho técnico das anteriores vereações, clientelismo-caciquismos locais, etc. Destes últimos, o primeiro pode explicar a reeleição de Rui Moreira no Porto, e o segundo a insólita eleição do não menos insólito Isaltino Morais em Oeiras.
  
Nestas eleições houve vários casos locais; tal como os citados, contra o PS. Mas houve também um pano de fundo – aquilo que alguns jornalistas denominaram de «revoada» --a favor do PS, que alcançou resultados históricos, à custa do PSD, PCP e BE.
  
Porquê?
  
A razão está no brilharete económico que o PS tem vindo a alcançar. O brilharete tem os seus pontos escuros (de que falaremos noutro artigo) mas, no imediato – e as massas populares tendem a pensar no imediato a não ser em tempos de crise – as populações estão animadas com o governo da ala esquerda do PS.
  
Num artigo anterior, de Novembro de 2015, quando estava em discussão o acordo do PS com o BE e PCP, defendemos esse acordo («Os trabalhadores e as camadas mais pobres não compreenderiam, aliás, uma recusa do BE e do PCP a um acordo com o PS, impedindo uma melhoria das condições de vida. Foi, por isso, acertada a decisão de convergência do BE e PCP num acordo com o PS.»). Estávamos, contudo, enganados quando apontávamos razões pelas quais «o Acordo irá ter vida curta». Vários factores económicos globais têm contribuído para a durabilidade do acordo.
  
Num outro artigo sobre o momento político, de Janeiro de 2017, dizíamos ainda que a convergência do PS com o BE e PCP «Permitiram ainda -- e este aspecto não é de somenos importância -- difundir a ideia de que a austeridade não é «inevitável» desde que haja confluência das forças sociais ligadas ao mundo do trabalho que se oponham decididamente à agenda do capital.»
  
A derrocada do PSD nas autárquicas, com transferência de votos para o PS, tem precisamente a ver com este aspecto: o brilharete económico do PS com a demonstração de que a austeridade imposta pelo PSD não era inevitável; era sim mera submissão a interesses estrangeiros em correlação com interesses do grande capital nacional (em particular, o bancário). Apesar dos esforços de Passos Coelho, a imagem transmitida às massas populares foi a de uma mentira contra o povo. Permanecerá esta imagem de mentira do PSD nas mentes dos estratos sociais que tendem a ir a reboque dos barões do PSD, nomeadamente do pequeno campesinato do Centro e Norte? Veremos.
  
O CDS praticamente não sofreu perdas, por duas razões: alguma descolagem das teses do PSD no termo final da governação PSD/CDS; o efeito estabilizador das adesões ao catolicismo (padres, freiras, Opus Dei, etc.), da recente propaganda sobre Fátima e das pregações do clero.
  
Quanto às perdas do PCP e BE, a razão está em que, para as massas populares, a mensagem principal foi de que o brilharete económico se deveu exclusivamente ao PS. O PS ganhou uma nova imagem: a de um PS ressuscitado, defensor estrénuo do povo.
  
O facto de as medidas levadas a cabo pelo PS, o terem sido por vinculação e pressão do PCP e BE, ficou esquecido: Os media contribuíram para isso, mas não só. O PCP e o BE não conseguiram passar a mensagem de que o governo do PS não seria o do «milagre económico» e das benesses para o povo sem eles. 
  
Quanto ao BE, isso não nos surpreende, dada a sua postura baixamente reformista, de medidas a curto prazo, e de disposição para servir de muleta ao PS. 
  
Quanto ao PCP, é diferente. O PCP, para além de medidas a curto prazo como a do aumento do salário mínimo, defendeu medidas estruturais de fundo, importantes e necessárias, tais como a renegociação da dívida, a nacionalização da banca, e a saída do euro e da UE. Concentrou-se, porém, nestas eleições autárquicas e pelo que pudemos ver, exclusivamente nas questões técnicas locais. É uma área que, embora imprescindível nas autárquicas, tende a perder-se nas consciências das massas como mais uma enumeração de itens face a outras enumerações que parecem igualmente bons apresentadas por outros, Isto é, faltou uma mensagem de fundo: a de que no «local» tal como demonstrado no «global» é o PCP que tem verdadeiramente defendido os trabalhadores. E que o brilharete PS também se deveu ao PCP.
  
Parece-nos também ter faltado ao PCP mostrar claramente que não irá servir de muleta ao PS, esclarecer as limitações das actuais reformas PS e defender com afinco (e justificação acessível às grandes massas) a necessidade de renegociação da dívida, da nacionalização da banca, e da saída do euro e da UE. É óbvio que o que se irá passar a nível internacional (nomeadamente a aproximação de uma nova crise, para além de outros fenómenos de desagregação do capitalismo a que estamos a assistir) irá influir em tudo isto. Nas condições objectivas e subjectivas.
  
Para além das lutas dos trabalhadores, lutas populares, etc., as próximas eleições legislativas irão ter um papel importante no delinear de um novo rumo. Esperemos que o PCP, como vanguarda dos trabalhadores, tenha a arte política de influenciar substantivamente esse novo rumo.