quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Os EUA em escalada imperial

O aumento das agressões e provocações dos EUA com a administração Obama, os crimes impunemente cometidos em todo o mundo, o rufar dos tambores de guerra em sintonia com o aumento das despesas em armas sofisticadas, incluindo as nucleares, são temas expostos no artigo abaixo recentemente publicado (tradução nossa) do jornalista Johm Pilger.
   
John Pilger, de quem já falámos em artigos anteriores, descreve ainda, com conhecimento e perspicácia, a propaganda anestesiante que os governos americanos têm feito, criando no seu povo (e não só) a convicção de que «o que aconteceu não aconteceu», e outras convicções que evidenciam ser a «liberdade de expressão» ao serviço dos monopólios uma farsa sinistra. Tal como as constantes violações dos direitos do homem daqueles que se autopraclamam os seus mais lídimos defensores. Violações, aliás, que não são só no plano externo; internamente os EUA são actualmente e destacadamente o país com a maior população prisional de todo o mundo, sendo a maior parte desta da minoria afro-americana. Prisões geridas por privados; logo, quanto mais presos têm mais lucram com subsídios do Estado. Os EUA transformaram-se num gigantesco Estado Policial, onde os maus-tratos, a tortura, os longos encarceramentos muitas vezes por motivos políticos – sim, há muitos presos políticos nos EUA -, a pena de morte, os linchamentos, o atirar a matar sobre negros e outras minorias, tornaram-se rotinas diárias.
   
Os dois candidatos das próximas eleições presidenciais são «faces da mesma moeda». Os monopólios já escolheram: apoiam masivamente Hillary Clinton, melhor posicionada para levar a cabo a agenda imperial. Tudo aponta para que esta mulher – o ser mulher é tão irrelevante como o Obama ser negro – venha a dirigir uma administração ainda mais reaccionária do que a de Obama.
   
Será que isto são temas de somenos importância para os portugueses? De forma nenhuma. Por trás dos EUA, intimamente ligados a eles, estão a UE e a NATO. Uma UE cada vez mais à direita, mais tolerante a até incentivadora de limitações de direitos, de comportamentos fascizantes. E uma NATO que é cada vez mais uma ameaça à paz mundial (vide última reunião em Varsóvia). Uma NATO que cada vez mais parece empenhada em desencadear uma conflagração em larga escala. Repetindo a história imperialista: guerra em prol do aumento da taxa de lucro das multinacionais. Portugal (ainda) é um país da UE e da NATO.
*    *    *
   
Silenciando a América Quando se Prepara para a Guerra
   
http://www.informationclearinghouse.info/article45196.htm
John Pilger, 29/07/2016
   
De regresso aos EUA em ano de eleições fico espantado com o silêncio. Cobri quatro campanhas presidenciais desde 1968; estive com Robert Kennedy quando ele foi baleado e vi o seu assassino preparando-se para o matar. Foi o meu baptismo da «maneira americana» (American way), juntamente com a violência espumante da polícia de Chicago na Convenção falsificada do Partido Democrático. A grande contra-revolução tinha começado.
   
O primeiro a ser assassinado nesse ano, Martin Luther King, ousara relacionar o sofrimento dos afro-americanos com o povo do Vietname. Quando Janis Joplin cantou «A liberdade é apenas uma palavra para tudo que não se tem a perder» falou, talvez sem se aperceber, para milhões de vítimas da América em lugares distantes.
   
«Perdemos 58.000 jovens soldados no Vietname que lutaram pela nossa liberdade.» Assim dizia o guia do Serviço Nacional de Parques quando filmava na semana passada o Memorial de Lincoln em Washington. Ele arengava a um grupo escolar de jovens adolescentes em brilhantes T-shirts cor de laranja; como, se por distracção, tivesse invertido a verdade sobre o Vietname numa mentira incontestada.
   
Os milhões de vietnamitas que morreram, ficaram deficientes, envenenados e sem recursos, devido à invasão americana, não figuram na história das jovens cabeças; isto para já não falar dos 60.000 veteranos que, segundo estimativas, se suicidaram. A um amigo meu, um fuzileiro que ficou paraplégico no Vietname, perguntavam-lhe muitas vezes «Por que lado combateu?»
   
Alguns anos atrás estive numa exposição muito visitada, «O Preço da Liberdade», no venerável Smithsonian Institution em Washington. Às filas de gente do povo, na maioria crianças empurrando-se numa cave de atracções revisionistas, eram fornecidas uma variedade de mentiras: as bombas atómicas de Hiroshima e Nagasaki tinham salvo «um milhão de vidas»;  o Iraque tinha sido «libertado [por] ataques aéreos de precisão sem precedentes». O tema era sem qualquer dúvida heróico: só os americanos pagam o preço da liberdade.
   
A campanha eleitoral de 2016 foi notável, não só pela ascensão de Donald Trump e Bernie Sanders como pela manutenção de um silêncio persistente sobre uma auto-outorgada divindade assassina. Um terço dos membros da ONU sentiram a bota americana: governos derrubados, democracia subvertida, imposição de boicotes e bloqueios. A maior parte dos presidentes responsáveis por isso eram liberais: Truman, Kennedy, Johnson, Carter, Clinton, Obama.
   
O registo impressionante de perfídia está tão alterado na consciência pública que, como escreveu o falecido Harold Pinter [actor inglês progressista] , isso «nunca aconteceu …Nada aconteceu de facto. Mesmo quando estava a acontecer, não estava a acontecer. Não teve importância. Não teve qualquer interesse. Não teve importância...» Pinter exprimiu uma admiração irónica por aquilo que chamou de «uma manipulação bastante clínica do poder a nível mundial, que se mascara de força em prol do bem universal. É um acto de hipnose muito bem sucedido, brilhante e astuto.»
   
Considere-se Obama. Está-se a preparar para deixar a administração e a adulação já recomeçou. Ele é «fixe». Obama, um dos presidentes mais violentos, deu rédea solta ao aparelho de fazer guerra do Pentágono, aparelho desacreditado pelo seu antecessor. Obama perseguiu mais denunciantes (whistleblowers) – os que dizem a verdade – do que qualquer outro presidente. Sentenciou Chelsea Manning como culpada ainda antes de ter sido julgada. Obama, actualmente, leva a cabo uma campanha mundial sem precedentes de terrorismo e assasinato com drones.
   
Em 2009, Obama prometeu «livrar o mundo de armas nucleares» e obteve o Prémio Nobel da Paz. Ora, nenhum presidente americano construiu mais mísseis nucleares do que Obama. Ele «modernizou» o arsenal americano do dia do juízo final, incluindo uma nova arma «mini» nuclear cuja dimensão e tecnologia «inteligente» é tal que o seu uso «já não é impensável», assegura-nos um general de topo.
   
James Bradley, o escritor da obra mais vendida Flags of Our Fathers, filho de um dos fuzileiros dos EUA que içou a bandeira em Iwo Jima, disse: «[Um] grande mito que vemos ser apresentado é o de Obama como uma espécie de fulano pacífico, que está a procurar livrar-se de armas nucleares. Ele é o maior guerreiro nuclear que existe. Está a empenhar-nos numa corrida ruinosa de gastos de triliões [milhões de milhões] de dólares em mais armas nucleares. De uma forma ou de outra, as pessoas vivem nesta fantasia, de que pelo facto de ele dar vagas conferências de imprensa e prelecções, bem como mostras fotográficas do tipo «está tudo bem», tal fantasia corresponde à política que é seguida. Não corresponde.»
   
Sob o cuidado de Obama está a ser preparada uma nova guerra fria. O presidente russo é um vilão de pantomina; os chineses ainda não estão sob a forma caricatural e sinistra da longa trança – quando todos os chineses foram banidos dos EUA – mas os guerreiros dos media já estão a trabalhar nisso.
   
Nem Hillary Clinton nem Bernie Sanders se referiram a qualquer destes temas. Para eles não há riscos nem perigos para os EUA e todos nós. Para eles a maior concentração de tropas nas fronteiras da Rússia desde a Segunda Guerra Mundial não aconteceu. A 11 de Maio a Roménia apareceu nos ecrãs com uma base NATO de «mísseis de defesa», com os seus mísseis americanos de primeiro-ataque apontados ao coração da Rússia, a segunda potência nuclear mundial.
   
Na Ásia o Pentágono está a enviar navios, aviões e forças especiais para as Filipinas, para ameaçar a China. Os EUA já cercam a China com centenas de bases militares que fazem um arco da Austrália à Ásia e através do Afeganistão. Obama chama um «pivot» a isto.
   
Em consequência directa disto a China reportou ter alterado a sua política de armas nucleares de não-primeiro-ataque para um alerta elevado e colocou armas nucleares em submarinos. A escalada acelera-se.
   
Foi Hillary Clinton quem, como Secretária de Estado em 2010, trasnformou em questão internacional a competição por reivindicações territoriais de rochedos e recifes no Mar do Sul da China. Seguiram-se a histeria da CNN e BBC; a China estaria a construir pistas nas ilhas disputadas. Nos seus enormes jogos de guerra em 2015, a Operação Sabre Talismã, os EUA praticaram no «entupimento» do Estreito de Malaca, através do qual passa a maior parte do petróleo e comércio chinês. Mas isto não foi notícia.
   
Clinton declarou que a América tem um «interesse nacional» nas águas asiáticas. As Filipinas e o Vietname foram encorajados e subornados para fazer valer as suas reivindicações e velhas inimizades com a China. Na América, o povo está a ser preparado para ver uma ofensiva em qualquer posição defensiva da China, preparando assim o terreno para rápida escalada. Uma estratégia semelhante de provocação e propaganda está a ser aplicada à Rússia.
   
Clinton, a «candidata feminina», deixou um rasto de golpes sangrentos: nas Honduras, na Líbia (acrescido do assassínio do presidente líbio), e na Ucrânia. Esta última é agora um parque temático da CIA, enxameado de nazis, e linha da frente de uma guerra apontada à Rússia. Foi através da Ucrânia  – literalmente, país fronteira  – que os Nazis invadiram a URSS, que perdeu 27 milhões de seres humanos. Esta catástrofe épica permanece presente na Rússia. A campanha presidencial de Clinton recebeu dinheiro de todos menos um dos dez maiores fabricantes de armamentos. Não houve nenhum outro candidato que ficasse perto disso.
   
Sanders, a esperança de muitos jovens americanos, não é muito diferente de Clinton na sua visão de propretário do mundo. Apoiou Bill Clinton no bombardeamento ilegal da Sérvia. Apoiou Obama no seu terrorismo por drones, na provocação e no re-envio de forças especiais (esquadrões da morte) ao Iraque. Não teve nada a dizer nas ameaças à China e na aceleração do risco nuclear. Concorda que Edward Snowden deveria ser julgado e chama a Hugo Chavez – um social-democrata como ele – «um ditador comunista morto». Promete apoiar Clinton se esta for nomeada.
   
A eleição de Trump ou Clinton é a ilusão da escolha que não é escolha: duas faces da mesma moeda. Ao transformar minorias em bodes escapatórios ou prometer «fazer de novo grande a América», Trump é o populista doméstico de extrema-direita; Clinton, porém, pode ser mais letal para o mundo.
«Só Donald Trump disse algo de significativo e crítico da política estrangeira dos EUA», escreveu Stephen Cohen, professor emérito de História da Rússia da Universidade de Princeton e NY, um dos poucos peritos americanos sobre a Rússia que falou sobre o risco de guerra.
   
Cohen referiu-se numa emissão da rádio a questões críticas que só Trump tinha levantado. Entre elas: porque razão estão os EUA «em todo o lado no globo»? Qual é a verdadeira missão da NATO? Porque razão os EUA sempre procuraram mudar os regimes no Iraque, Síria, Líbia e Ucrânia? Porque razão Washington trata a Rússia e Vladimir Putin como inimigos?
   
A histeria dos meios de comunicação liberais sobre Trump serve como ilusão de um «debate livre e aberto», de «democracia em acção». As ideias de Trump sobre os imigrantes e muçulmanos são grotescas; contudo, o deportador-mor de pessoas vulneráveis não é Trump mas Obama, cuja traição à população de cor é o seu legado, bem como o armazenamento nas prisões de uma população de maioria negra, que é agora mais numerosa que o Gulag de Estáline.
   
A campanha presidencial pode não ser sobre populismo, mas sobre liberalismo americano, uma ideologia que se auto-considera moderna e, por isso, superior, e única via verdadeira. Os que se situam à sua direita têm uma semelhança com os imperialistas cristãos do séc. XIX, com o dever divino de converter, co-optar ou conquistar.
   
Na Inglaterra isto é Blairismo. O criminoso de guerra cristão Tony Blair não foi incomodado por causa da sua preparação secreta da invasão do Iraque em grande medida porque a classe política liberal e os meios de comunicação apoiaram o seu «Britannia é fixe». O aplauso do  Guardian era ensurdecedor; ele foi chamado de «místico». Uma diversão importada dos EUA, conhecida como identidade política, ficou facilmente ao seu cuidado.
   
A História foi declarada terminada, as classes foram abolidas, e o género promovido a feminismo; inúmeras mulheres tornaram-se deputadas do Novo Partido Trabalhista: votaram no primeiro dia no Parlamento em cortes de benefícios de pais sozinhos – mães na maioria – conforme tinham sido instruídas a fazer, e uma maioria votou pela invasão que produziu 700.000 viúvas iraquianas.
   

O equivalente a isto nos EUA são os belicistas politicamente correctos do  New York Times, do Washington Post e das redes de TV que dominam o debate político. Assisti ao furioso debate na CNN sobre as infidelidades de Trump. Claramente, disseram os da CNN, não se poderia confiar num homem como ele para a Casa Branca. Não foram levantadas questões. Nem uma palavra sobre os 80% de americanos cujo rendimento colapsou para níveis de 1970. Nada sobre a deriva para a guerra. A mensagem sensata transmitida parece ter sido «apertem o nariz» e votem por Clinton: qualquer um menosTrump. Desta maneira, vocês travam o monstro mas preservam o sistema que tem fome de uma nova guerra.