O aumento das
agressões e provocações dos EUA com a administração Obama, os crimes
impunemente cometidos em todo o mundo, o rufar dos tambores de guerra em
sintonia com o aumento das despesas em armas sofisticadas, incluindo as
nucleares, são temas expostos no artigo abaixo recentemente publicado (tradução
nossa) do jornalista Johm Pilger.
John Pilger, de
quem já falámos em artigos anteriores, descreve ainda, com conhecimento e
perspicácia, a propaganda anestesiante que os governos americanos têm feito,
criando no seu povo (e não só) a convicção de que «o que aconteceu não
aconteceu», e outras convicções que evidenciam ser a «liberdade de expressão»
ao serviço dos monopólios uma farsa sinistra. Tal como as constantes violações
dos direitos do homem daqueles que se autopraclamam os seus mais lídimos
defensores. Violações, aliás, que não são só no plano externo; internamente os
EUA são actualmente e destacadamente o país com a maior população prisional de
todo o mundo, sendo a maior parte desta da minoria afro-americana. Prisões
geridas por privados; logo, quanto mais presos têm mais lucram com subsídios do
Estado. Os EUA transformaram-se num gigantesco Estado Policial, onde os
maus-tratos, a tortura, os longos encarceramentos muitas vezes por motivos
políticos – sim, há muitos presos políticos nos EUA -, a pena de morte, os
linchamentos, o atirar a matar sobre negros e outras minorias, tornaram-se
rotinas diárias.
Os dois
candidatos das próximas eleições presidenciais são «faces da mesma moeda». Os
monopólios já escolheram: apoiam masivamente Hillary Clinton, melhor
posicionada para levar a cabo a agenda imperial. Tudo aponta para que esta
mulher – o ser mulher é tão irrelevante como o Obama ser negro – venha a
dirigir uma administração ainda mais reaccionária do que a de Obama.
Será que isto são
temas de somenos importância para os portugueses? De forma nenhuma. Por trás
dos EUA, intimamente ligados a eles, estão a UE e a NATO. Uma UE cada vez mais
à direita, mais tolerante a até incentivadora de limitações de direitos, de
comportamentos fascizantes. E uma NATO que é cada vez mais uma ameaça à paz
mundial (vide última reunião em Varsóvia). Uma NATO que cada vez mais parece
empenhada em desencadear uma conflagração em larga escala. Repetindo a história
imperialista: guerra em prol do aumento da taxa de lucro das multinacionais.
Portugal (ainda) é um país da UE e da NATO.
* * *
Silenciando a América Quando se Prepara para a Guerra
http://www.informationclearinghouse.info/article45196.htm
John Pilger,
29/07/2016
De regresso aos
EUA em ano de eleições fico espantado com o silêncio. Cobri quatro campanhas
presidenciais desde 1968; estive com Robert Kennedy quando ele foi baleado e vi
o seu assassino preparando-se para o matar. Foi o meu baptismo da «maneira
americana» (American way), juntamente
com a violência espumante da polícia de Chicago na Convenção falsificada do
Partido Democrático. A grande contra-revolução tinha começado.
O primeiro a ser
assassinado nesse ano, Martin Luther King, ousara relacionar o sofrimento dos
afro-americanos com o povo do Vietname. Quando Janis Joplin cantou «A liberdade
é apenas uma palavra para tudo que não se tem a perder» falou, talvez sem se
aperceber, para milhões de vítimas da América em lugares distantes.
«Perdemos 58.000 jovens
soldados no Vietname que lutaram pela nossa liberdade.» Assim dizia o guia do
Serviço Nacional de Parques quando filmava na semana passada o Memorial de
Lincoln em Washington. Ele arengava a um grupo escolar de jovens adolescentes
em brilhantes T-shirts cor de
laranja; como, se por distracção, tivesse invertido a verdade sobre o Vietname
numa mentira incontestada.
Os milhões de
vietnamitas que morreram, ficaram deficientes, envenenados e sem recursos,
devido à invasão americana, não figuram na história das jovens cabeças; isto
para já não falar dos 60.000 veteranos que, segundo estimativas, se suicidaram.
A um amigo meu, um fuzileiro que ficou paraplégico no Vietname, perguntavam-lhe
muitas vezes «Por que lado combateu?»
Alguns anos atrás
estive numa exposição muito visitada, «O Preço da Liberdade», no venerável Smithsonian Institution em Washington. Às
filas de gente do povo, na maioria crianças empurrando-se numa cave de
atracções revisionistas, eram fornecidas uma variedade de mentiras: as bombas
atómicas de Hiroshima e Nagasaki tinham salvo «um milhão de vidas»; o Iraque tinha sido «libertado [por] ataques
aéreos de precisão sem precedentes». O tema era sem qualquer dúvida heróico: só
os americanos pagam o preço da liberdade.
A campanha
eleitoral de 2016 foi notável, não só pela ascensão de Donald Trump e Bernie
Sanders como pela manutenção de um silêncio persistente sobre uma
auto-outorgada divindade assassina. Um terço dos membros da ONU sentiram a bota
americana: governos derrubados, democracia subvertida, imposição de boicotes e
bloqueios. A maior parte dos presidentes responsáveis por isso eram liberais:
Truman, Kennedy, Johnson, Carter, Clinton, Obama.
O registo
impressionante de perfídia está tão alterado na consciência pública que, como
escreveu o falecido Harold Pinter [actor inglês progressista] , isso «nunca
aconteceu …Nada aconteceu de facto. Mesmo quando estava a acontecer, não estava
a acontecer. Não teve importância. Não teve qualquer interesse. Não teve
importância...» Pinter exprimiu uma admiração irónica por aquilo que chamou de
«uma manipulação bastante clínica do poder a nível mundial, que se mascara de
força em prol do bem universal. É um acto de hipnose muito bem sucedido,
brilhante e astuto.»
Considere-se
Obama. Está-se a preparar para deixar a administração e a adulação já
recomeçou. Ele é «fixe». Obama, um dos presidentes mais violentos, deu rédea
solta ao aparelho de fazer guerra do Pentágono, aparelho desacreditado pelo seu
antecessor. Obama perseguiu mais denunciantes (whistleblowers) – os que dizem a verdade – do que qualquer outro
presidente. Sentenciou Chelsea Manning como culpada ainda antes de ter sido
julgada. Obama, actualmente, leva a cabo uma campanha mundial sem precedentes de
terrorismo e assasinato com drones.
Em 2009, Obama
prometeu «livrar o mundo de armas nucleares» e obteve o Prémio Nobel da Paz.
Ora, nenhum presidente americano construiu mais mísseis nucleares do que Obama.
Ele «modernizou» o arsenal americano do dia do juízo final, incluindo uma nova
arma «mini» nuclear cuja dimensão e tecnologia «inteligente» é tal que o seu
uso «já não é impensável», assegura-nos um general de topo.
James Bradley, o escritor
da obra mais vendida Flags of Our Fathers, filho de um dos fuzileiros dos EUA que
içou a bandeira em Iwo
Jima, disse: «[Um] grande mito que vemos ser apresentado é o de Obama como uma
espécie de fulano pacífico, que está a procurar livrar-se de armas nucleares.
Ele é o maior guerreiro nuclear que existe. Está a empenhar-nos numa corrida
ruinosa de gastos de triliões [milhões de milhões] de dólares em mais armas
nucleares. De uma forma ou de outra, as pessoas vivem nesta fantasia, de que
pelo facto de ele dar vagas conferências de imprensa e prelecções, bem como
mostras fotográficas do tipo «está tudo bem», tal fantasia corresponde à
política que é seguida. Não corresponde.»
Sob o cuidado de
Obama está a ser preparada uma nova guerra fria. O presidente russo é um vilão
de pantomina; os chineses ainda não estão sob a forma caricatural e sinistra da
longa trança – quando todos os chineses foram banidos dos EUA – mas os
guerreiros dos media já estão a
trabalhar nisso.
Nem Hillary
Clinton nem Bernie Sanders se referiram a qualquer destes temas. Para eles não
há riscos nem perigos para os EUA e todos nós. Para eles a maior concentração
de tropas nas fronteiras da Rússia desde a Segunda Guerra Mundial não
aconteceu. A 11 de Maio a Roménia apareceu nos ecrãs com uma base NATO de
«mísseis de defesa», com os seus mísseis americanos de primeiro-ataque
apontados ao coração da Rússia, a segunda potência nuclear mundial.
Na Ásia o
Pentágono está a enviar navios, aviões e forças especiais para as Filipinas,
para ameaçar a China. Os EUA já cercam a China com centenas de bases militares
que fazem um arco da Austrália à Ásia e através do Afeganistão. Obama chama um
«pivot» a isto.
Em consequência
directa disto a China reportou ter alterado a sua política de armas nucleares
de não-primeiro-ataque para um alerta elevado e colocou armas nucleares em
submarinos. A escalada acelera-se.
Foi Hillary
Clinton quem, como Secretária de Estado em 2010, trasnformou em questão
internacional a competição por reivindicações territoriais de rochedos e
recifes no Mar do Sul da China. Seguiram-se a histeria da CNN e BBC; a China
estaria a construir pistas nas ilhas disputadas. Nos seus enormes jogos de
guerra em 2015, a Operação Sabre Talismã,
os EUA praticaram no «entupimento» do Estreito de Malaca, através do qual passa
a maior parte do petróleo e comércio chinês. Mas isto não foi notícia.
Clinton declarou
que a América tem um «interesse nacional» nas águas asiáticas. As Filipinas e o
Vietname foram encorajados e subornados para fazer valer as suas reivindicações
e velhas inimizades com a China. Na América, o povo está a ser preparado para
ver uma ofensiva em qualquer posição defensiva da China, preparando assim o
terreno para rápida escalada. Uma estratégia semelhante de provocação e
propaganda está a ser aplicada à Rússia.
Clinton, a «candidata
feminina», deixou um rasto de golpes sangrentos: nas Honduras, na Líbia
(acrescido do assassínio do presidente líbio), e na Ucrânia. Esta última é
agora um parque temático da CIA, enxameado de nazis, e linha da frente de uma
guerra apontada à Rússia. Foi através da Ucrânia – literalmente, país fronteira – que os Nazis invadiram a URSS, que perdeu
27 milhões de seres humanos. Esta catástrofe épica permanece presente na
Rússia. A campanha presidencial de Clinton recebeu dinheiro de todos menos um
dos dez maiores fabricantes de armamentos. Não houve nenhum outro candidato que
ficasse perto disso.
Sanders, a
esperança de muitos jovens americanos, não é muito diferente de Clinton na sua
visão de propretário do mundo. Apoiou Bill Clinton no bombardeamento ilegal da Sérvia.
Apoiou Obama no seu terrorismo por drones, na provocação e no re-envio de
forças especiais (esquadrões da morte) ao Iraque. Não teve nada a dizer nas
ameaças à China e na aceleração do risco nuclear. Concorda que Edward Snowden
deveria ser julgado e chama a Hugo Chavez – um social-democrata como ele – «um
ditador comunista morto». Promete apoiar Clinton se esta for nomeada.
A eleição de
Trump ou Clinton é a ilusão da escolha que não é escolha: duas faces da mesma
moeda. Ao transformar minorias em bodes escapatórios ou prometer «fazer de novo
grande a América», Trump é o populista doméstico de extrema-direita; Clinton,
porém, pode ser mais letal para o mundo.
«Só Donald Trump
disse algo de significativo e crítico da política estrangeira dos EUA», escreveu
Stephen Cohen, professor emérito de História da Rússia da Universidade de
Princeton e NY, um dos poucos peritos americanos sobre a Rússia que falou sobre
o risco de guerra.
Cohen referiu-se
numa emissão da rádio a questões críticas que só Trump tinha levantado. Entre
elas: porque razão estão os EUA «em todo o lado no globo»? Qual é a verdadeira
missão da NATO? Porque razão os EUA sempre procuraram mudar os regimes no
Iraque, Síria, Líbia e Ucrânia? Porque razão Washington trata a Rússia e Vladimir
Putin como inimigos?
A histeria dos
meios de comunicação liberais sobre Trump serve como ilusão de um «debate livre
e aberto», de «democracia em acção». As ideias de Trump sobre os imigrantes e
muçulmanos são grotescas; contudo, o deportador-mor de pessoas vulneráveis não
é Trump mas Obama, cuja traição à população de cor é o seu legado, bem como o
armazenamento nas prisões de uma população de maioria negra, que é agora mais
numerosa que o Gulag de Estáline.
A campanha
presidencial pode não ser sobre populismo, mas sobre liberalismo americano, uma
ideologia que se auto-considera moderna e, por isso, superior, e única via
verdadeira. Os que se situam à sua direita têm uma semelhança com os
imperialistas cristãos do séc. XIX, com o dever divino de converter, co-optar
ou conquistar.
Na Inglaterra
isto é Blairismo. O criminoso de guerra cristão Tony Blair não foi incomodado
por causa da sua preparação secreta da invasão do Iraque em grande medida
porque a classe política liberal e os meios de comunicação apoiaram o seu «Britannia é fixe». O aplauso do Guardian era ensurdecedor; ele foi chamado de «místico».
Uma diversão importada dos EUA, conhecida como identidade política, ficou
facilmente ao seu cuidado.
A História foi
declarada terminada, as classes foram abolidas, e o género promovido a
feminismo; inúmeras mulheres tornaram-se deputadas do Novo Partido Trabalhista:
votaram no primeiro dia no Parlamento em cortes de benefícios de pais sozinhos
– mães na maioria – conforme tinham sido instruídas a fazer, e uma maioria
votou pela invasão que produziu 700.000 viúvas iraquianas.
O equivalente a
isto nos EUA são os belicistas politicamente correctos do New York Times, do Washington Post e das redes de TV que dominam o debate
político. Assisti ao furioso debate na CNN sobre as infidelidades de Trump.
Claramente, disseram os da CNN, não se poderia confiar num homem como ele para
a Casa Branca. Não foram levantadas questões. Nem uma palavra sobre os 80% de
americanos cujo rendimento colapsou para níveis de 1970. Nada sobre a deriva
para a guerra. A mensagem sensata transmitida parece ter sido «apertem o nariz»
e votem por Clinton: qualquer um menosTrump. Desta maneira, vocês travam o
monstro mas preservam o sistema que tem fome de uma nova guerra.