No artigo de Janeiro
de 2015, Charlie Hébdo e a
hipocrisia «ocidental», dizíamos:
«Nos dois a quatro
milhões de pessoas que dizem ter tido a manifestação de ontem em Paris,
constam, sem dúvida, muitos democratas interessados no progresso social, numa
sociedade mais justa, livre dos diktats do grande capital. Mas constam
também, muitos e muitos milhares dos fascistas de Le Pen, do Bloco Flamengo e
do Partido da Liberdade do holandês Geert Wilders, para quem o pretexto da “liberdade
de expressão” (fascistas incomodados com a “liberdade de expressão”!) serve
objectivos xenófobos e racistas, as leis anti-emigrante e uma UE cada vez mais
dividida entre países de 1.ª e de 2.ª, neocolonizados.»
E ainda
«A manifestação de
ontem é também a imagem epitomizada de uma Europa ideologicamente confusa,
acreditando na existência de “bons” e “maus” fascistas, albergando
carinhosamente em todos os escalões administrativos e educativos os seus “bons”
e muito votados fascistas – que ontem passearam promiscuamente lado a lado com
democratas -, que ajudam a lutar contra os “maus” fascistas. »
A confusão ideológica
que grassa na Europa – e muito particularmente na França, roída até à medula
pelos caldos fedorentos fornecidos em doses industriais por uma
intelectualidade decadente, patética e mercenária, pós-modernista e sempre
prenhe de discursos sobre uma mística «modernidade», isto é, uma atitude moderna
(?) em prol da colaboração de classes e da sustentação do Império – é agora
posta a nu por recentes cartoons do Charlie Hébdo :
O Charlie Hébdo gozando
aqui com a criança síria que morreu ao chegar à Europa.
E aqui, troçando das crianças refugiadas
muçulmanas que morrem em naufrágios, por incapacidade de marchar sobre as águas
cristãs.
* *
*
Enfim, cartoons que são o exemplo da
democracia hipócrita desta Europa neoliberal de Merkel-Hollande e Cameron, onde
a liberdade de expressão é, de facto, a liberdade da expressão filo-fascista. Uma Europa dominada pelos mais
“modernos” frutos da mentalidade fascista, debitados cinicamente 24 horas por
dia em todos os canais de TV e pelos jornais das grandes corporações servindo a «liberdade de expressão» do grande capital. Isto durante décadas e décadas; e
mais intensamente e impunemente desde
que o socialismo da Europa de Leste foi derrotado.
Frutos que têm alimentado milhões de «Charlies»,
incluindo da classe operária, todos cinicamente modernaços, todos
beatificamente copiando as mais recentes modas do Império, todos convictos individualistas,
todos votantes nos partidos dos «arcos da governação». E todos sumamente
imbecis, ignorantes (com orgulho na ignorância e dela defensores) e desprovidos
de qualquer sentido crítico. Pelo menos até ficarem sem meios de subsistência.
E mesmo assim...
Non, nous
ne sommes pas Charlie.