quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Breve reflexão sobre a onda de imigrantes do Médio Oriente e Norte de África

É sabido que, nos últimos anos, têm aportado às costas dos países do Sul da Europa (principalmente Itália, Grécia e, em grau menor, França e Espanha) milhares de imigrantes provenientes do Médio Oriente e Norte de África. Vêm em condições precárias, em todo o tipo de embarcações sobrelotadas, originando naufrágios e mortes por afogamento em números elevados. Chegados à UE, são metidos em campos de condições muitas vezes duvidosas ou mesmo definitivamente más. Espalham-se pela UE e criam bidonvilles improvisados em Paris, Berlim, Calais, etc., de uma miséria extrema. Têm servido para tudo, inclusive para o acirrar das forças neo-nazis da UE, como o movimento Pegida na Alemanha.
   
A questão básica e essencial, que a nosso ver se coloca, é a seguinte: qual a causa do fenómeno?
   
Ora, é na resposta a esta questão que os porta-vozes informativos ocidentais se mostram estranhamente omissos ou só sussurram meias-verdades.
   
Começa, desde logo, pela dificuldade em obter dados sobre a origem destes imigrantes à força, ou, como também dizem, refugiados ou requerentes de asilo (asylum seekers). É fácil de obter dados sobre quantos destes imigrantes têm os países da UE. Há catadupas de dados sobre isso, porque interessa às Alemanhas, Franças, Holandas, Reinos Unidos, etc., ficar bem na fotografia, propagandearem a sua generosidade e poderem queixar-se do fardo assistencial que suportam. Estes países também apontam como causa essencial as redes de tráfico humano que querem combater, por exemplo na Líbia. (Muitas vezes tal combate disfarça a ingerência pura e simples.) Mas -- como em todo o comércio -- para haver comércio é preciso primeiro que existam mercadorias. Também para haver comércio da miséria (as redes de traficantes) é preciso primeiro que existam os miseráveis. Os que em desespero procuram o Eldorado europeu para fugir à extrema miséria ou aos perigos da guerra nos seus países.
   
Portanto, dizer-se que a causa é simplesmente a miséria e as redes de tráfico, é muito curto. A resposta torna-se clara quando obtemos números sobre as origens dos imigrantes. Os melhores que obtivemos são os da Agência para os Refugiados da ONU (AR-ONU), referentes a 2014:
    
País de origem
N.º de refugiados
Síria
67.000
Eritreia
34.000
“Desconhecido”
(Iémen, Líbia, Iraque, Mali, Sudão do Sul)
26.000
Afeganistão
13.000
Mali
10.000
Gâmbia
9.000
Nigéria
9.000
Somália
7.000
Palestina
6.000
Senegal
5.000
    
Como se vê na tabela os dados da AR-ONU – a mais creditada para ter dados fiáveis – incluem uma enorme verba de “desconhecidos”. Consultando outras fontes, verifica-se que os “desconhecidos” incluem pelo menos o Iémen, a Líbia, o Iraque, o Mali e o Sudão do Sul.
   
Em 1972 foi publicado um livro muito famoso, pelo escritor e político progressista da Guiana, Walter Rodney: Como a Europa Subdesenvolveu a África. Ora, a resposta à pergunta acima é, no fundo, a reedição actualizada do livro de Rodney. Os refugiados vêm aos magotes para a UE porque é a única forma que encontram de fugir da miséria e da guerra criadas pela UE. Isto é, de certo modo a UE recolhe certos frutos inesperados das sementes que semeou. Se não, vejamos:
   
Síria: depois de uma primeira fase de revolta popular contra Assad, rapidamente o imperialismo europeu (sempre de braço dado com os EUA, claro), apoiou e incentivou uma ala reaccionária anti-Assad a quem fornceu armamento. Colaborou nisso com os regimes sunitas reaccionários do Médio Oriente (Arábia Saudita, Qatar, Iémen, Bahrein, etc.). Resultado: criação do tenebroso ISIL (Estado Islâmico do Iraque e Levante), que agora os EUA procuram conter. Objectivo imperial: controlo do petróleo e de posição geoestratégica de apoio a Israel e contra o Irão. Resultado: genocídio, guerra, sectária terrível, morticínios de crueldade inaudita, milhões de deslocados.
   
Eritreia: Na Eritreia não há guerra e o regime, tanto quanto sabemos, tem seguido políticas a favor do povo. Pensamos que são erradamente classificados como eritreus muitos que fogem ao regime etíope -- que tem sofrido calamidades climáticas e a deportação maciça de trabalhadores seus da Arábia Saudita – e do Sudão – em estado permanente de guerras por todo o lado, nomeadamente com o Sudão do Sul, estado de maioria cristã e com forte penetração dos EUA (o emblemático chapéu do presidente foi oferta de George Bush) pelo controlo de jazidas fronteiriças de petróleo cobiçadas pelos EUA.
   
Iémen: clima de guerra permanente depois da intervenção da Arábia Saudita, aliada dos EUA e do Reino-Unido. Objectivo imperial: controlo do petróleo, impedimento de estado laico ou aliado com o Irão.
   
Iraque: EUA, NATO e estados reaccionários árabes derrubaram o regime de Saddam. Resultado: saque de riquezas e «negócios da China» feitos pelos «humanitários» estado-unidenses. Calamidade social sem precedentes.
   
Líbia: No seguimento de uma insurreição popular, apoiada pela esquerda líbia, NATO e EUA apoiam e controlam o governo de Benghazi. Objectivo imperial: controlo do petróleo (já em grande parte controlado pelos EUA no tempo de Kadafi) e de posição geoestratégica no mediterrâneo. Resultado: Guerra sectária, inflitrada por jihadismo ISIL. Situação humanitária calamitosa.
   
Mali: Uma neocolónia da França para a qual exporta minérios e produtos agrícolas. Dependência do FMI e BM. Apesar do (por causa do) «combate à pobreza» do BM, o Mali está sempre pobre. Em 2010 tinha praticamente o mesmo índice de pobreza de 1994. É um dos muitos países sugados pelos vampiros. No Mali ainda existem cerca de 200.000 escravos.
   
Afeganistão: Os EUA derrubaram um regime progressista que estava a tomar políticas importantes a favor do povo. O derrube foi feito através do apoio da guerrilha mujahidin. Das suas fileiras saíu a Al-Qaeda. Parida, portanto, pelos EUA. A intervenção EUA-NATO do Afeganistão apoiou um governo de corruptos que chefiam o narco-tráfico do país. A guerra continua. A calamidade é permanente.
   
Nigéria: Um país de muito petróleo controlado pela Shell. Está tudo dito. Poder nas mãos de corruptos aliados ao imperialismo. A Shell saca o petróleo como quer, deixando uma enorme desastre ambiental atrás de si (abundam as imagens, reportagens e filmes na Internet). A Nigéria também tem sofrido os cuidados especiais do FMI-BM; resultado: estava em 2010 mais pobre (99,1% da população vivendo com menos de 1,25 US$/dia) do que em 1992 (62,3% da população vivendo com menos de 1,25 US$/dia).
   
Podíamos continuar, mas a história é muito semelhante. O democrático e livre mundo ocidental, por todo o lado onde pode destrói forças e governos progressistas que defendem políticas a favor das populações. É a lógica de ferro do capitalismo, cuja força motriz não são as necessidades sociais, mas sim os lucros de 0,01% de tubarões.
*    *    *
Agora dizem-nos que temos de «partilhar o esforço» e receber 1.400 refugiados. Fomos nós que os criámos? Não. A que propósito temos nós de alombar com a solução de problemas criados pelos imperiais? Não se trata aqui de uma falta de solidariedade e muito menos de falta de «internacionalismo proletário». Não tem absolutamente nada a ver com isso. A questão é que nós já temos qualquer coisa como 2 milhões de refugiados à força, encalhados neste Portugal de miséria: são os pensionistas, os desempregados e os que ganham salários de miséria. Também eles criados pelas políticas imperiais. A não ser que os 1.400 refugiados não venham aumentar o exército de desempregados em Portugal, e sejam, mal entrem em Portugal, instalados nas mansões e pagos vitaliciamente pelos bolsos dos Ricardo Salgado, Fernando Ulrich, Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Passos Coelho, Sócrates, Armando Vara, Pina e Moura, Mário Soares, Cavaco Silva, Zeinal Bava, Mário Lino, etc., etc. Mas, a ser assim, porque não começar por extrair o cacau a estes figurões para dar aos tais 2 milhões de imigrantes já cá encalhados?


[1] Os números da Agência para os Refugiados da ONU foram obtidos de um artigo do The Economist (http://www.economist.com/blogs/economist-explains/2015/05/economist-explains-6#OBJiVpJ7syGuqKee.99 ,