É sabido que, nos
últimos anos, têm aportado às costas dos países do Sul da Europa
(principalmente Itália, Grécia e, em grau menor, França e Espanha) milhares de
imigrantes provenientes do Médio Oriente e Norte de África. Vêm em condições
precárias, em todo o tipo de embarcações sobrelotadas, originando naufrágios e
mortes por afogamento em números elevados. Chegados à UE, são metidos em campos
de condições muitas vezes duvidosas ou mesmo definitivamente más. Espalham-se
pela UE e criam bidonvilles
improvisados em Paris, Berlim, Calais, etc., de uma miséria extrema. Têm
servido para tudo, inclusive para o acirrar das forças neo-nazis da UE, como o
movimento Pegida na Alemanha.
A questão básica
e essencial, que a nosso ver se coloca, é a seguinte: qual a causa do fenómeno?
Ora, é na
resposta a esta questão que os porta-vozes informativos ocidentais se mostram
estranhamente omissos ou só sussurram meias-verdades.
Começa, desde
logo, pela dificuldade em obter dados sobre a origem destes imigrantes à força,
ou, como também dizem, refugiados ou requerentes de asilo (asylum seekers). É fácil de obter dados sobre quantos destes
imigrantes têm os países da UE. Há catadupas de dados sobre isso, porque
interessa às Alemanhas, Franças, Holandas, Reinos Unidos, etc., ficar bem na
fotografia, propagandearem a sua generosidade e poderem queixar-se do fardo
assistencial que suportam. Estes países também apontam como causa essencial as
redes de tráfico humano que querem combater, por exemplo na Líbia. (Muitas
vezes tal combate disfarça a ingerência pura e simples.) Mas -- como em todo o
comércio -- para haver comércio é preciso primeiro que existam mercadorias.
Também para haver comércio da miséria (as redes de traficantes) é preciso
primeiro que existam os miseráveis. Os que em desespero procuram o Eldorado
europeu para fugir à extrema miséria ou aos perigos da guerra nos seus países.
Portanto,
dizer-se que a causa é simplesmente a miséria e as redes de tráfico, é muito
curto. A resposta
torna-se clara quando obtemos números sobre as origens dos imigrantes. Os
melhores que obtivemos são os da Agência para os Refugiados da ONU (AR-ONU),
referentes a 2014:
País de origem
|
N.º de refugiados
|
Síria
|
67.000
|
Eritreia
|
34.000
|
“Desconhecido”
(Iémen, Líbia, Iraque, Mali, Sudão do
Sul)
|
26.000
|
Afeganistão
|
13.000
|
Mali
|
10.000
|
Gâmbia
|
9.000
|
Nigéria
|
9.000
|
Somália
|
7.000
|
Palestina
|
6.000
|
Senegal
|
5.000
|
Como se vê na
tabela os dados da AR-ONU – a mais creditada para ter dados fiáveis – incluem
uma enorme verba de “desconhecidos”. Consultando outras fontes, verifica-se que
os “desconhecidos” incluem pelo menos o Iémen, a Líbia, o Iraque, o Mali e o
Sudão do Sul.
Em 1972 foi
publicado um livro muito famoso, pelo escritor e político progressista da
Guiana, Walter Rodney: Como a Europa
Subdesenvolveu a África. Ora, a resposta à pergunta acima é, no fundo, a
reedição actualizada do livro de Rodney. Os refugiados vêm aos magotes para a
UE porque é a única forma que encontram de fugir da miséria e da guerra criadas pela UE. Isto é, de certo modo a
UE recolhe certos frutos inesperados das sementes que semeou. Se não, vejamos:
Síria: depois de
uma primeira fase de revolta popular contra Assad, rapidamente o imperialismo
europeu (sempre de braço dado com os EUA, claro), apoiou e incentivou uma ala
reaccionária anti-Assad a quem fornceu armamento. Colaborou nisso com os
regimes sunitas reaccionários do Médio Oriente (Arábia Saudita, Qatar, Iémen,
Bahrein, etc.). Resultado: criação do tenebroso ISIL (Estado Islâmico do Iraque
e Levante), que agora os EUA procuram conter. Objectivo imperial: controlo do
petróleo e de posição geoestratégica de apoio a Israel e contra o Irão.
Resultado: genocídio, guerra, sectária terrível, morticínios de crueldade inaudita,
milhões de deslocados.
Eritreia: Na
Eritreia não há guerra e o regime, tanto quanto sabemos, tem seguido políticas
a favor do povo. Pensamos que são erradamente classificados como eritreus
muitos que fogem ao regime etíope -- que tem sofrido calamidades climáticas e a
deportação maciça de trabalhadores seus da Arábia Saudita – e do Sudão – em
estado permanente de guerras por todo o lado, nomeadamente com o Sudão do Sul,
estado de maioria cristã e com forte penetração dos EUA (o emblemático chapéu
do presidente foi oferta de George Bush) pelo controlo de jazidas fronteiriças
de petróleo cobiçadas pelos EUA.
Iémen: clima de
guerra permanente depois da intervenção da Arábia Saudita, aliada dos EUA e do
Reino-Unido. Objectivo imperial: controlo do petróleo, impedimento de estado
laico ou aliado com o Irão.
Iraque: EUA, NATO
e estados reaccionários árabes derrubaram o regime de Saddam. Resultado: saque de riquezas e
«negócios da China» feitos pelos «humanitários» estado-unidenses. Calamidade
social sem precedentes.
Líbia: No
seguimento de uma insurreição popular, apoiada pela esquerda líbia, NATO e EUA
apoiam e controlam o governo de Benghazi. Objectivo imperial: controlo do
petróleo (já em grande parte controlado pelos EUA no tempo de Kadafi) e de
posição geoestratégica no mediterrâneo. Resultado: Guerra sectária, inflitrada
por jihadismo ISIL. Situação humanitária calamitosa.
Mali: Uma
neocolónia da França para a qual exporta minérios e produtos agrícolas.
Dependência do FMI e BM. Apesar do (por causa do) «combate à pobreza» do BM, o
Mali está sempre pobre. Em 2010 tinha praticamente o mesmo índice de pobreza de
1994. É um dos muitos países sugados pelos vampiros. No Mali ainda existem
cerca de 200.000 escravos.
Afeganistão: Os
EUA derrubaram um regime progressista que estava a tomar políticas importantes a
favor do povo. O derrube foi feito através do apoio da guerrilha mujahidin. Das suas fileiras saíu a
Al-Qaeda. Parida, portanto, pelos EUA. A intervenção EUA-NATO do Afeganistão
apoiou um governo de corruptos que chefiam o narco-tráfico do país. A guerra
continua. A calamidade é permanente.
Nigéria: Um país
de muito petróleo controlado pela Shell. Está tudo dito. Poder nas mãos de
corruptos aliados ao imperialismo. A Shell saca o petróleo como quer, deixando
uma enorme desastre ambiental atrás de si (abundam as imagens, reportagens e
filmes na Internet). A Nigéria também tem sofrido os cuidados especiais do
FMI-BM; resultado: estava em 2010 mais pobre (99,1% da população vivendo com
menos de 1,25 US$/dia) do que em 1992 (62,3% da população vivendo com menos de
1,25 US$/dia).
Podíamos
continuar, mas a história é muito semelhante. O democrático e livre mundo
ocidental, por todo o lado onde pode destrói forças e governos progressistas
que defendem políticas a favor das populações. É a lógica de ferro do
capitalismo, cuja força motriz não são as necessidades sociais, mas sim os
lucros de 0,01% de tubarões.
* * *
Agora dizem-nos
que temos de «partilhar o esforço» e receber 1.400 refugiados. Fomos nós que os
criámos? Não. A que propósito temos nós de alombar com a solução de problemas
criados pelos imperiais? Não se trata aqui de uma falta de solidariedade e
muito menos de falta de «internacionalismo proletário». Não tem absolutamente
nada a ver com isso. A questão é que nós já temos qualquer coisa como 2 milhões
de refugiados à força, encalhados neste Portugal de miséria: são os
pensionistas, os desempregados e os que ganham salários de miséria. Também eles criados pelas políticas
imperiais. A não ser que os 1.400 refugiados não venham aumentar o exército
de desempregados em Portugal, e sejam, mal entrem em Portugal, instalados nas
mansões e pagos vitaliciamente pelos bolsos dos Ricardo Salgado, Fernando
Ulrich, Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Passos Coelho, Sócrates, Armando Vara,
Pina e Moura, Mário Soares, Cavaco Silva, Zeinal Bava, Mário Lino, etc., etc. Mas, a ser assim, porque não começar por extrair o cacau a estes figurões para dar aos tais 2 milhões de imigrantes já cá encalhados?
[1] Os números da
Agência para os Refugiados da ONU foram obtidos de um artigo do The Economist (http://www.economist.com/blogs/economist-explains/2015/05/economist-explains-6#OBJiVpJ7syGuqKee.99
,
http://www.economist.com/blogs/economist-explains/2015/05/economist-explains-6#0JyedE4UtZsyGOA3.99). Consultámos também o Eurostat que
inclui dados sobre migrações na UE (http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/Asylum_statistics)
e a BBC (http://www.bbc.com/news/world-europe-24583286)