terça-feira, 18 de agosto de 2015

A história ignominiosa do PS: O II Governo Constitucional PS-CDS (Fev-Ago 1978)

    Janeiro de 1978. Em apenas três anos e oito meses após o «25 de Abril» o PS tinha efectuado uma viragem de 180º. Da grandiloquente vozearia a favor do marxismo, do socialismo auto-gestionário, do «É aos trabalhadores que compete organizar a democracia» (Mário Soares à chegada a Lisboa em 28/4/74), nada restava. O PS, tendo liderado com a CIA a contra-revolução vitoriosa, não tinha agora o mínimo pejo em aliar-se à extrema-direita, ao CDS, onde se acolitavam muitas figuras do salazarismo. Uma aliança julgada impossível na altura. Quer por muitos PSs, quer pelos comunistas aderentes da peregrina ideia da «maioria de esquerda»! (Ideia que, contra toda a evidência -- exaustiva e esmagadora evidência -- ainda andou lastimosamente a peregrinar por muitos anos.)
    O II Governo Constitucional tomou posse a 23 de Janeiro de 1978. Liderado por Mário Soares, era constituído por 12 ministros do PS e 2 do CDS. Estes últimos eram Vítor Sá Machado, Ministro dos Negócios Estrangeiros, e Basílio Horta, Ministro do Comércio e Turismo. De facto, tinha mais um ministro do CDS: o general Firmino Miguel, Ministro da Defesa, bem conhecido pelas suas posições reaccionárias. Apesar de Mário Soares lhe augurar um brilhante futuro, o governo só aguentou sete meses, tendo terminado o seu mandato a 29 de Agosto de 1978. Entre outras razões, porque a Reforma Agrária não estava a ser desmantelada ao ritmo desejado pelo CDS.
    O II Governo Constitucional vai, como é óbvio, continuar a destruir as conquistas da revolução, nomeadamente da Reforma Agrária (Luís Saias do PS) e dos direitos dos trabalhadores (Maldonado Gonelha do PS). Isto, apesar de a 26 de Janeiro Salgado Zenha, figura proeminente do PS, dizer que o novo governo iria «fortificar a democracia». Bela demonstração de um dos muitos significados de «democracia»
    O CDS, para além da importante pasta dos Negócios Estrangeiros, teve um papel fiscalizador e incentivador do ritmo de destruição das conquistas da revolução. A sua participação no governo conferiu-lhe também uma aura de respeitabilidade «democrática»; melhor dizendo: constituiu uma afirmação de que o regime saído da contra-revolução estava já pronto a acolher no seu seio a extrema-direita. Ainda para mais, acolhida por um dos componentes da «maioria de esquerda»! Que apoteose! Juntamente com o regresso dos monopólios e latifúndios, significava, em muitos sentidos, o regresso ao 24 de Abril. Inclusive, com a ascensão de figuras gradas do antigamente.

1978

Fevereiro
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Comentário
1/2. R. J. Bloomfields, novo embaixador  dos EUA em Lisboa: «os comunistas não representam ameaça imediata».
Continuaram (e continuam) a não representar.
2/2. Soares apresenta hoje à tarde o programa do governo. Carlucci jantou com M. Soares.
Carlucci controlando se tudo está a ir bem.
3/2. Soares na apresentação do programa do governo na AR: «primeiro a economia depois o socialismo».
Confusionismo ao gosto soarista. Aparentemente no socialismo não haveria economia! De facto, o que Soares pretende convencer é de que irá construir o socialismo, mas… com economia capitalista.
3/2. Soares na apresentação do programa do governo na AR: «Não se trata agora de meter o socialismo na gaveta, mas de salvar a democracia». 
Mais confusionismo. Para Soares só há democracia capitalista; isto é, a ditadura dos ricos. Precisamente por (e para) isso Soares meteu o socialismo na gaveta. E temos agora a democracia dos ricos.
Nesta tirada como na anterior deve-se ter em atenção que Soares e todos os líderes do PS-PSD-CDS apostam na falta de politização das massas. Apostam na – e fazem todos os possíveis para consolidar a – ignorância das massas.
3/2. Salgado Zenha na apresentação do programa do governo na AR, depois de dizer que «a solução encontrada é patriótica, salutar e democrática» pretendeu saber do secretário-geral «qual a razão porque se prosseguem os contactos «com duas forças políticas que se opõem ao governo, encarniçadamente, quando já existe um acordo maioritário».
Para Zenha, PS-CDS é o máximo expectável de democracia. Para quê procurar mais?
Campinos, Machado Rodrigues e mais 3 socialistas é que não ficaram convencidos: abandonaram a AR.
A solução PS-CDS também agrada aos EUA: Jimmy Carter felicita Soares.
13/2. Termina a discussão do programa do governo na AR. A finalizar a sessão Salgado Zenha diz que não há partidos com «pecados originais», daí que se justifique a aliança do PS com o CDS.
Para Zenha – como para o PS – o 25 de Abril passou uma esponja por cima dos fascistas deixando-os limpos de «pecados originais». Pela mão do PS voltaram ao poder. Limpos. E como democratas, claro.
13/2. A finalizar a sessão na AR, de apresentação do programa PS-CDS, Salgado Zenha deseja, com humor, «boa sorte» à oposição e, voltando-se para os deputados das bancadas do PSD e do PCP afirma «que Deus vos acompanhe!».
Assistimos a esta triste palhaçada, da saudação final e teatral de Zenha. Bem ao gosto PS. Um PS que tanto gosta de se afirmar «laico e socialista».
16/2. Soares ao jornal Portugal Socialista: «se este governo falhasse nada de bom poderia vir para a esquerda».
A «esquerda», como a entende Soares, é de braço dado com o CDS. A partir de agora, sim, vão ser só maravilhas para a «esquerda».
20/2. A Intervenção Socialista (João Cravinho, Jorge Sampaio, Nuno Portas, Bénard da Costa, etc.) dissolve-se e adere ao PS.
Pois claro. Agora com o PS de braço dado com o CDS é que o «socialismo» vai avançar. Para quê «Intervenção Socialista» se PS-CDS já estão a tratar disso?
20/2. António Reis (PS): «governo já deu provas de um novo estilo de governar».
Sim. Mais à direita.

    A destruição da Reforma Agrária continua. 10/2: no debate do programa na AR o novo ministro da Agricultura, Luís Saias, mostrou-se disposto a aplicar a «lei Barreto». A 21/2 a CAP defende a «lei Barreto», revelando claramente que estrato social representa a CAP. E Barreto. A 27/2, as organizações da lavoura criam uma confederação nacional: CNA. Um despertar muito tardio do pequeno e médio campesinato, de impacto reduzido.
    A destruição dos direitos dos trabalhadores também prossegue. A 12/2, Gonelha clarifica: «política social determinada pela política económica»; isto é, se os capitalistas não tiverem lucros ao seu agrado, então salários baixos e despedimentos irão ser o «socialismo democrático» do PS-CDS. A 16/2, o governo diz que vai actualizar pensões e salários mínimos; irão ser constantemente «comidos» pela inflação. Também a 16/2, diz Gonelha: «temos hoje capacidade de dar resposta a qualquer crise» e que essa «capacidade de encaixe leva-nos a encarar com algum optimismo a guerrilha pontual [movida pelas lutas dos trabalhadores e pela CGTP]» (nesta notícia o JN publica quatro fotos de Gonelha em gesticulações comicamente pomposas, típicas do personagem). Contudo, o CDS anuncia mais de um ano de austeridade. A 24/2, é revelado que Portugal tem os impostos mais pesados da OCDE. Ainda temos o IRS dos mais altos da EU. Continuidade de regime.
    Num artigo de 19/2, o JN revela que em Maio passado o PS tinha comemorado no Porto o «dia do trabalho» com uma reunião onde se vitoriou longamente a Carta Aberta. Nesse mesmo mês, em Portalegre, no decorrer de uma efervescente reunião da Comissão Nacional do PS foi aprovado o «documento Gonelha» intitulado «A questão sindical - análise, projecto e táctica» em que o PS se esforçava por aparecer («se encontrar» – ! – diziam eles) como partido dos trabalhadores. Cria-se a fundação José Fontana e um novo Órgão Sindical de que é director F. Marcelo Curto. Conclui o JN: «É aí que o PS inicia a jogada que vai, não conduzi-lo à vitória, mas à derrota no interior da Carta Aberta, que passa a ser dominada pelo PSD e pelo PCP(m-l) agora aliado [esteve sempre] ao reformismo social-democrata.» A Carta Aberta dará, mais tarde, lugar à UGT.
    Com o CDS no poder, 600 oficiais saneados no 25 de Abril sentem agora reunidas as condições para reclamar o regresso às fileiras. Muitos serão atendidos.

Março
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Comentário
10/3. Projectos do PS para as empresas em autogestão aprovados por maioria. Em vez de geridas pelos trabalhadores (cerca de 30 mil em autogestão) as empresa passam para os patrões, com comissões de trabalhadores.
Eis o que Mário Soares entendia por autogestão socialista. As comissões de trabalhadores rapidamente passarão para os amarelos, e depois desaparecerão por serem redundantes.

    Sucedem-se as greves (Sonae, Oliva, Sociedade Nacional dos Sabões, Mondrel, Sonae/Novoplan, Função Pública, Professores, etc.). Mas a revolução há muito acabou e as lutas dos trabalhadores são bem mais difíceis.
    A 2/3, Silva Lopes (PS), governador do BdP anuncia que as medidas de austeridade vão ser muito reforçadas. A 15/3 sobem o imposto profissional (+10%) e o imposto de transacções (actual IVA). A 24/3, a energia eléctrica aumenta quase 50%.
    A 8/3, é noticiado que foram semeados mais de 250 mil ha pelas UCPs e Cooperativas do Alentejo. Estrénuo esforço dos trabalhadores que infelizmente vai ser destruído.
    A 20/3, PS e CDS partilham a nova administração da RTP. (Esta e posteriores «partilhas», com monopólios pelo meio, passa a ser a «liberdade de informação»; isto é, liberdade de só dizer o que permite o capital.) A 29/3, Soares Louro diz que «TV vai mudar». Ah, pois vai, vai. Vai ficar totalmente ao serviço do capital e do imperialismo.

Abril
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Comentário
3/4. Vital Moreira em comício no Porto do PCP: «Não podem coexistir democracia política e oligarquia económica e social».
Desde que Vital Moreira passou para o PS, já podem.
14/4. M. Soares ao Le Monde: «uma política realista para deter o vento que sopra da direita»
Como se sabe, não há nada melhor para deter o «vento da direita» do que levar a cabo políticas de direita.
14/4. M. Soares ao Le Monde: «Nem eleições antecipadas nem revisão constitucional. Aguentaremos até 1980.»
Não aguentaram. E a revisão constitucional estava na forja. Quando a lei não agrada… muda-se a lei. A 9/4, Freitas do Amaral admite: «Trabalhamos há 6 meses na revisão constitucional.»
27/4. M. Soares à France-Inter considera que edificar actualmente o socialismo em Portugal equivaleria a criar um «socialismo de miséria» devido às condições económicas do país.
Estão a ver porque o PS pôs o «socialismo na gaveta»? Para já, segundo Soares, há que edificar o capitalismo de miséria com enormíssima desigualdade social. Mais tarde, quando as galinhas tiverem dentes… se verá.
28/4. M. Soares a jornalistas espanhóis: «O socialismo ainda não foi construído em nenhum país.»
Em que mundo viverá Soares? E que entenderá ele por «socialismo»? Afinal, o «socialista» de «Partido Socialista», significa o quê?
30/4. M. Soares em Madrid: «dissidentes do PSD poderão passar-se para o PS»
Claro. Eles andam sempre a passar-se de um lado para o outro. E nem dão pelas diferenças.

    A reacção instala-se nas FFAA, atingindo o próprio Vasco Lourenço que leva um pontapé do CR, de saída de governador militar de Lisboa (1/4). Já tinha cumprido o seu papel de líder militar da contra-revolução. Agora, só lhe restava carpir mágoas, o que vem penosamente fazendo até hoje. Penosamente, para os que estiveram com a revolução, bem entendido. Na hora do pontapé os amiguinhos do PS não fizeram nenhuma manifestação em prol de «o Lourenço e mais nenhum».
    Também a 1/4 – surpresa! – registam-se aumentos de cerca de 25% no cabaz de compras. E a 3/4 é noticiado que o 3.º pacote de medidas de austeridade vai ser anunciado no dia seguinte. Não se tomam medidas de fixação de preços ou de tectos dos grandes vencimentos; mas aos salários dos trabalhadores, a esses sim, é imposto um limite de aumento que irá rapidamente ser comido pela inflação: 22% nesta altura. A 13/4 são anunciados, para breve,  novos aumentos de preçosde produtos essenciais. A 20/4, é também anunciado o aumento do preço da carne de porco. A 17/4, M. Soares classifica os protestos populares generalizados contra a subida de preços como acções contestatárias desenvolvidas pela «extrema-esquerda» e «acções subversivas da ordem democrática»! É este o «socialismo democrático», onde o povo fica de fora.
    Por todo o lado os direitos dos trabalhadores são espezinhados, mesmo nas grandes empresas: A Soares da Costa não aplica a legislação e despede como quer (os elementos sindicais activos) sem que nas notas de despedimento indique os motivos (3/4). O PS assobia para o lado.
    A 6/4, na AR, é posto à votação um voto de protesto do PS contra críticas a Ramalho Eanes por parte do PSD. Obtém o apoio do CDS e do… PCP! (Sobre uma disputa entre comadres havia a abstenção. Assim, até parece que o PCP esteve com o «25 de Novembro».)
    Estão em curso conversações com o FMI. A 7/4, Vítor Constâncio diz na AR que «governo não aceitará “linha dura” do FMI». Mais tarde, aceita.

Maio-Junho-Julho-Agosto
Notícia
Comentário
7/5. Acordo com o FMI: aumenta a taxa de juro (4%) do crédito e mantém os salários que são comidos por inflação elevada. Soares considerou um «êxito» o acordo conseguido com o FMI.
O primeiro acordo do PS com o FMI. O primeiro de vários de iniciativa PS. Até Sócrates. Todos lesivos dos trabalhadores portugueses.
No mesmo dia é anunciado que o custo de vida teve um aumento médio de 35,6% no espaço de um ano; isto é, desde que o PS detém o poder.
7/5. Sete socialistas exigiram a liberdade imediata para Edmundo Pedro.

Edmundo Pedro do PS é o contra-revolucionário que obteve armas dos meios militares para matar comunistas. Exceptuando uma curta prisão VIP, nada lhe aconteceu, claro.
A 6/6, voltou ao Secretariado do PS. Promoção por serviços prestados.
13/6. M. Soares no Sabugal: «futuro pertence ao socialismo democrático».
Isto depois de ter dito que o punha na gaveta. Ou será a prática PS-CDS o tal «socialismo democrático»?
5/7. António Barreto critica nos EUA o acordo PS-CDS («incompleto e mal feito»). Não gosta da actual equipa do MAP (Ministério da Agricultura e Pescas). Diz também que saiu do governo por desacordo com M. Soares, pois queria combater mais o PCP. Enfim, um anti-comunista puro.

A 6/7, a Federação de Lisboa do PS critica Barreto e apoia a equipa do MAP. A 9/7, outras Federações do PS manifestam-se contra Barreto que acusam de «identidade de princípios e de acção» com a direita. Até Manuel Alegre teria pedido a expulsão de Barreto do PS!
A 10/7, numa reunião do PS no Solar de Mateus, o «presidencialismo» é defendido por Barreto e Medeiros Ferreira sob o lema: «criação de um bloco hegemónico para apoiar o futuro PR». Tipo Ein Führer. O direitismo é de tal monta que até os direitistas Cardia, V. Constâncio e A. Reis se sentem obrigados a demarcar-se, a 11/7, das «conclusões de Mateus».
13/7. M. Soares procura acalmar os ânimos dentro do CDS.
Sem comentários.
14/7. CDS: «Se não sai a equipa do MAP, poderá cair o governo».
O CDS esperava um MAP à Barreto, correndo rapidamente com os comunistas do Alentejo e liquidando sem delongas a Reforma Agrária. Opunha-se à equipa de António Campos do PS, que também queria liquidar a Reforma Agrária mas a ritmo mais lento.
14/8. M. Soares entrevistado pela rádio: «golpe antidemocrático», assim classificou o que está a passar-se, mas, «o PS não fará obstrução ao governo Nobre da Costa».
Tinha-se consumado o fim do governo PS-CDS e Eanes tinha escolhido Nobre da Costa, um tecnocrata pró-PSD, para PM. O socialista Soares falou de grosso («golpe antidemocrático») mas não fez «obstrução». Pois. E para não ferir a susceptibilidade do compadre Eanes (compadre na contra-revolução) apressou-se a esclarecer a 15/7: «aquela coisa do “golpe antidemocrático” não se referia a Eanes». Referia-se, talvez, a almas do outro mundo.

Este período é marcado por avanços importantes do capital e dos latifúndios.
Avanços do capital:
Desintervenções na Grão-Pará, Xavier de Lima e Habitat, e apoio financeiro à J. Pimenta (4/5). A 28/5, um encontro de industriais portugueses exige a revisão do regime das contratações colectivas de trabalho e desfere violentos ataques ao sector nacionalizado; Marcelo Curto (PS) dá-lhes a mão nesse mesmo dia, afirmando num encontro dos metalúrgicos socialistas que «empresas privadas não são máquina de exploração – mas de progresso». Ah, grande socialista!
A 30/6, a J Pimenta é desintervencionada e fala-se nos órgãos de comunicação em 700 despedimentos na calha. A 25/7, a J Pimenta despedirá de facto 1400 trabalhadores, 75% do pessoal! A 18/8, a Comissão de Trabalhadores (CT) da J. Pimenta «exige» a intervenção directa do Poder. Uns líricos, se calhar também convencidos de que o PS é de esquerda. A 20/8, J. Pimenta é aplaudido por investidores e credores que querem a desintervenção da firma. Estais a ver, CT da J. Pimenta? Chama-se a isto, capitalismo.
O capital mostra-se impaciente em vingar as afrontas do «25 de Abril» e, claro, exercer a sua função de sugar as mais-valias produzidas pelos trabalhadores, sem restrições. A 1/7, o 1.º Encontro de Investidores Estrangeiros do Norte e Centro proclama que a «instabilidade laboral prejudica o investimento estrangeiro» (isto dos trabalhadores terem direito à greve é uma chatice). A 21/7, a CIP diz-se sem confiança no governo, e que só avançará a «contribuição da indústria privada quando deixar de sentir obstáculos». Nada de obstáculos! A 4/8, os empresários de hotelaria querem impor salários inferiores aos então vigentes.
O avanço do capital configura, de facto, a recuperação dos monopólios. São favorecidas as grandes empresas (o grande capital), mas não as PMEs que se queixam a 27/6 em reunião: «estamos a caminho da devastação, da miséria e da falência». Mas só agora viram isso.
Lutas dos trabalhadores:
Os trabalhadores procuram opor-se ao avanço do capital e à destruição dos seus direitos, mas deparam, como é óbvio, com uma lógica do Poder muito diferente da do período revolucionário, agravada por um anti-comunismo e anti-sindicalismo feroz.
A 17/6, a CGTP repudia em comunicado a acção da PSP que «amedrontou os operários» no dia da greve da construção civil. A intimidação constante dos trabalhadores em luta pelos seus direitos passa a vigorar pela mão do PS. Até hoje. A 20/7, a CGTP vai solicitar audiência urgente ao governo, sobre: violações sistemáticas e impunes do patronato às leis do trabalho, objecções de fundo ao diploma criador dos «juízes sociais» de nomeação do governo. Esta e posteriores audiências caíram em orelhas moucas. Numa bela demonstração de que o Estado e a sua Lei estão sempre ao serviço da classe dominante. Acrescente-se que a invenção PS dos «juízes sociais» constituiria uma nova versão do corporativismo fascista. A 29/7, Luís Veloso, da União de Sindicatos do Porto, falou da «paciência com limites» dos trabalhadores perante a inflação galopante e que «mais de milhão e meio de trabalhadores se pode manifestar a qualquer momento». O capital não se amedrontou. Sabia bem onde estava o poder judicial e o das armas.
Pelo sim, pelo não -- e para desactivar a unidade na luta dos trabalhadores e promover a colaboração de classes --, o capital pela mão do PS-PSD, anuncia a 23/8 que a Carta Aberta-Madisca (Movimento Autónomo Democrático de Intervenção Sindical) dava lugar à UDTP (União Democrática dos Trabalhadores Portugueses). A futura UGT.
Avanços dos latifúndios:
Entregas de reservas a latifundiários, a 4/5, na zona da reforma agrária: 15 mil pessoas ficarão no desemprego mas o governo está a estudar soluções (pois, está a «estudar»), revelou o porta-voz do CDS (!); a 10/5, trabalhadores rurais, UCPs e Cooperativas, sindicatos agrícolas, industriais corticeiros e suas organizações de classe, técnicos do MAP, instituto dos produtos florestais, comissão permanente para os assuntos da cortiça, todos contestam a «lei Barreto da cortiça» (ver artigo anterior) que descapitaliza UCPs e Cooperativas. A lei, contudo, permanece. A bem da penetração capitalista e latifundiária no Alentejo. A 13/5, um plenário das UCPs pronuncia-se: «não se aceitam entregas de reservas que destruam postos de trabalho». Sem efeito. A CAP está cada vez mais provocadora: a 19/4, ameaça com «corte de víveres às cidades» e a 22/5 corta em Albergaria-a-Velha a estrada nacional dando 30 dias de prazo ao governo para acabar com a reforma agrária.
A 8/7, as UCPs denunciam os ataques à reforma agrária afirmando que haverá mais 25.000 desempregados se forem atendidos todos os pedidos de reservas. A 10/6, Freitas do Amaral (CDS) faz saber que divergências com o PS no MAP «são e vão ser conciliáveis». Mas não irão ser.
Aspectos económicos:
O custo de vida não pára de aumentar. A 29/6, os telefones encarecem mais de 50%.
É concluído o acordo com o FMI, com V. Constâncio a explicar, a 20/5, que o objectivo do acordo é o «saneamento financeiro da economia portuguesa». É sempre esta a justificação. Ainda agora, com a Grécia, também foi. O diabo está no detalhe: saneamento de quê, para quê e ao serviço de quem?
A 19/7, Constâncio declara que a dívida externa deve duplicar dentro de 5 a 6 anos (em 1977 era de 4,4 biliões de dólares).
A 25/7 o escudo vale menos 60% que em 1973.
Aspectos sociais:
É apertado o controlo dos meios de comunicação, que perdura até hoje: a 14/5, Soares pede poderes legislativos à AR (são-lhe concedidos a 3/6) -- «é necessário reforçar a autoridade democrática» -- para combater o fascismo, organizações extremistas, o separatismo, e… os abusos da liberdade de imprensa; liberdade que por esta altura já não era muita. A 15/5, o conselho de ministros aprova alterações à lei de imprensa. A 31/5, João Gomes (PS) promete sanear o SECS -- Secretaria de Estado da Comunicação Social; isto é, deixar só ficar os politicamente correctos.
O branqueamento e inserção de fascistas na vida pública, prossegue: a 7/5, 9 pides são julgados: 2 são absolvidos e outros dois são apenas condenados a suspensão… política!; a 15/5, Carlos Azeredo (militar de direita) e Cal Brandão defendem o réu da rede bombista Mota Freitas. (Quando o bombismo e terrorismo é contra a esquerda, mormente comunistas, então é apoiado pelo regime «democrático» e deixa de ser terrorismo para ser «justa indignação das populações».) Mota Freitas veio a ser absolvido a 7/7, juntamente com o seu associado, o agente Regadas!
A 5/7, os estudantes do Ensino Superior vão fazer pela 1.ª vez desde há uns anos um cortejo da mini-queima. É o regresso da alienação estudantil que permanece até hoje.
A 16/7, Freitas do Amaral propõe que uma «Confederação de Associações de Famílias» se tornasse num parceiro social fundamental! Enfim, lembranças do «Deus, Pátria e Família» de Salazar.
Aspectos políticos:
A 3/7, Sá Carneiro, regressado ao poder no PSD, impõe nova estratégia sob o lema grandiloquente de «projecto de salvação nacional»! Vêem, como o projecto de Cavaco Silva já tinha sido inventado por Sá Carneiro? (Andamos de salvação em salvação. Mas sempre condenados.) O projecto de Carneiro é um chorrilho de tiradas triviais, demagógicas e populistas, cabendo na «compreensão» das camadas mais atrasadas da população (principalmente, o campesinato do Centro e Norte): salvar a democracia, travar a degradação de nível de vida, aumento do bem-estar, adesão à Internacional Socialista contra bloqueamento do PS. A 22/8, Sá Carneiro propõe aumentar o número de círculos eleitorais, uma medida que teve em dada altura bom acolhimento do PS. O aumento de círculos eleitorais com deputados uninominais tornaria rotineira e sem sobressaltos a alternância PS-PSD no poder, com ou sem CDS.
A 24/7, o CDS faz cair o governo. Álvaro Cunhal volta a apelar á maioria de esquerda! A 28/7, Eanes exonera Soares (mas o governo mantém-se em funções). A 29/7, Sá Carneiro defende a formação de um «governo com base e iniciativa presidencial». É esta a solução de Eanes anunciada a 10/8: Nobre da Costa (que foi ministro de Soares) será o próximo PM. «Boa escolha!» diz o CDS. A 17/8, a CIP concorda: «a melhor solução para agora». Os órgãos da direita europeia rejubilam (14/8): Le Matin (França): «uma garantia para os economistas europeus»; Die Welt (RFA): «imagem de marca do novo Portugal». Fomos aprovados. Estamos no bom caminho.
*    *   *

A 26/8 é formado o III governo, por tecnocratas do PSD, CDS e PS, com afirmações vazias de Nobre da Costa: «acção pragmática voltada para a resolução de problemas», «terão de ser tomadas algumas medidas políticas de fundo», «controlar a inflação e conter o desemprego», etc.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Breve reflexão sobre a onda de imigrantes do Médio Oriente e Norte de África

É sabido que, nos últimos anos, têm aportado às costas dos países do Sul da Europa (principalmente Itália, Grécia e, em grau menor, França e Espanha) milhares de imigrantes provenientes do Médio Oriente e Norte de África. Vêm em condições precárias, em todo o tipo de embarcações sobrelotadas, originando naufrágios e mortes por afogamento em números elevados. Chegados à UE, são metidos em campos de condições muitas vezes duvidosas ou mesmo definitivamente más. Espalham-se pela UE e criam bidonvilles improvisados em Paris, Berlim, Calais, etc., de uma miséria extrema. Têm servido para tudo, inclusive para o acirrar das forças neo-nazis da UE, como o movimento Pegida na Alemanha.
   
A questão básica e essencial, que a nosso ver se coloca, é a seguinte: qual a causa do fenómeno?
   
Ora, é na resposta a esta questão que os porta-vozes informativos ocidentais se mostram estranhamente omissos ou só sussurram meias-verdades.
   
Começa, desde logo, pela dificuldade em obter dados sobre a origem destes imigrantes à força, ou, como também dizem, refugiados ou requerentes de asilo (asylum seekers). É fácil de obter dados sobre quantos destes imigrantes têm os países da UE. Há catadupas de dados sobre isso, porque interessa às Alemanhas, Franças, Holandas, Reinos Unidos, etc., ficar bem na fotografia, propagandearem a sua generosidade e poderem queixar-se do fardo assistencial que suportam. Estes países também apontam como causa essencial as redes de tráfico humano que querem combater, por exemplo na Líbia. (Muitas vezes tal combate disfarça a ingerência pura e simples.) Mas -- como em todo o comércio -- para haver comércio é preciso primeiro que existam mercadorias. Também para haver comércio da miséria (as redes de traficantes) é preciso primeiro que existam os miseráveis. Os que em desespero procuram o Eldorado europeu para fugir à extrema miséria ou aos perigos da guerra nos seus países.
   
Portanto, dizer-se que a causa é simplesmente a miséria e as redes de tráfico, é muito curto. A resposta torna-se clara quando obtemos números sobre as origens dos imigrantes. Os melhores que obtivemos são os da Agência para os Refugiados da ONU (AR-ONU), referentes a 2014:
    
País de origem
N.º de refugiados
Síria
67.000
Eritreia
34.000
“Desconhecido”
(Iémen, Líbia, Iraque, Mali, Sudão do Sul)
26.000
Afeganistão
13.000
Mali
10.000
Gâmbia
9.000
Nigéria
9.000
Somália
7.000
Palestina
6.000
Senegal
5.000
    
Como se vê na tabela os dados da AR-ONU – a mais creditada para ter dados fiáveis – incluem uma enorme verba de “desconhecidos”. Consultando outras fontes, verifica-se que os “desconhecidos” incluem pelo menos o Iémen, a Líbia, o Iraque, o Mali e o Sudão do Sul.
   
Em 1972 foi publicado um livro muito famoso, pelo escritor e político progressista da Guiana, Walter Rodney: Como a Europa Subdesenvolveu a África. Ora, a resposta à pergunta acima é, no fundo, a reedição actualizada do livro de Rodney. Os refugiados vêm aos magotes para a UE porque é a única forma que encontram de fugir da miséria e da guerra criadas pela UE. Isto é, de certo modo a UE recolhe certos frutos inesperados das sementes que semeou. Se não, vejamos:
   
Síria: depois de uma primeira fase de revolta popular contra Assad, rapidamente o imperialismo europeu (sempre de braço dado com os EUA, claro), apoiou e incentivou uma ala reaccionária anti-Assad a quem fornceu armamento. Colaborou nisso com os regimes sunitas reaccionários do Médio Oriente (Arábia Saudita, Qatar, Iémen, Bahrein, etc.). Resultado: criação do tenebroso ISIL (Estado Islâmico do Iraque e Levante), que agora os EUA procuram conter. Objectivo imperial: controlo do petróleo e de posição geoestratégica de apoio a Israel e contra o Irão. Resultado: genocídio, guerra, sectária terrível, morticínios de crueldade inaudita, milhões de deslocados.
   
Eritreia: Na Eritreia não há guerra e o regime, tanto quanto sabemos, tem seguido políticas a favor do povo. Pensamos que são erradamente classificados como eritreus muitos que fogem ao regime etíope -- que tem sofrido calamidades climáticas e a deportação maciça de trabalhadores seus da Arábia Saudita – e do Sudão – em estado permanente de guerras por todo o lado, nomeadamente com o Sudão do Sul, estado de maioria cristã e com forte penetração dos EUA (o emblemático chapéu do presidente foi oferta de George Bush) pelo controlo de jazidas fronteiriças de petróleo cobiçadas pelos EUA.
   
Iémen: clima de guerra permanente depois da intervenção da Arábia Saudita, aliada dos EUA e do Reino-Unido. Objectivo imperial: controlo do petróleo, impedimento de estado laico ou aliado com o Irão.
   
Iraque: EUA, NATO e estados reaccionários árabes derrubaram o regime de Saddam. Resultado: saque de riquezas e «negócios da China» feitos pelos «humanitários» estado-unidenses. Calamidade social sem precedentes.
   
Líbia: No seguimento de uma insurreição popular, apoiada pela esquerda líbia, NATO e EUA apoiam e controlam o governo de Benghazi. Objectivo imperial: controlo do petróleo (já em grande parte controlado pelos EUA no tempo de Kadafi) e de posição geoestratégica no mediterrâneo. Resultado: Guerra sectária, inflitrada por jihadismo ISIL. Situação humanitária calamitosa.
   
Mali: Uma neocolónia da França para a qual exporta minérios e produtos agrícolas. Dependência do FMI e BM. Apesar do (por causa do) «combate à pobreza» do BM, o Mali está sempre pobre. Em 2010 tinha praticamente o mesmo índice de pobreza de 1994. É um dos muitos países sugados pelos vampiros. No Mali ainda existem cerca de 200.000 escravos.
   
Afeganistão: Os EUA derrubaram um regime progressista que estava a tomar políticas importantes a favor do povo. O derrube foi feito através do apoio da guerrilha mujahidin. Das suas fileiras saíu a Al-Qaeda. Parida, portanto, pelos EUA. A intervenção EUA-NATO do Afeganistão apoiou um governo de corruptos que chefiam o narco-tráfico do país. A guerra continua. A calamidade é permanente.
   
Nigéria: Um país de muito petróleo controlado pela Shell. Está tudo dito. Poder nas mãos de corruptos aliados ao imperialismo. A Shell saca o petróleo como quer, deixando uma enorme desastre ambiental atrás de si (abundam as imagens, reportagens e filmes na Internet). A Nigéria também tem sofrido os cuidados especiais do FMI-BM; resultado: estava em 2010 mais pobre (99,1% da população vivendo com menos de 1,25 US$/dia) do que em 1992 (62,3% da população vivendo com menos de 1,25 US$/dia).
   
Podíamos continuar, mas a história é muito semelhante. O democrático e livre mundo ocidental, por todo o lado onde pode destrói forças e governos progressistas que defendem políticas a favor das populações. É a lógica de ferro do capitalismo, cuja força motriz não são as necessidades sociais, mas sim os lucros de 0,01% de tubarões.
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Agora dizem-nos que temos de «partilhar o esforço» e receber 1.400 refugiados. Fomos nós que os criámos? Não. A que propósito temos nós de alombar com a solução de problemas criados pelos imperiais? Não se trata aqui de uma falta de solidariedade e muito menos de falta de «internacionalismo proletário». Não tem absolutamente nada a ver com isso. A questão é que nós já temos qualquer coisa como 2 milhões de refugiados à força, encalhados neste Portugal de miséria: são os pensionistas, os desempregados e os que ganham salários de miséria. Também eles criados pelas políticas imperiais. A não ser que os 1.400 refugiados não venham aumentar o exército de desempregados em Portugal, e sejam, mal entrem em Portugal, instalados nas mansões e pagos vitaliciamente pelos bolsos dos Ricardo Salgado, Fernando Ulrich, Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Passos Coelho, Sócrates, Armando Vara, Pina e Moura, Mário Soares, Cavaco Silva, Zeinal Bava, Mário Lino, etc., etc. Mas, a ser assim, porque não começar por extrair o cacau a estes figurões para dar aos tais 2 milhões de imigrantes já cá encalhados?


[1] Os números da Agência para os Refugiados da ONU foram obtidos de um artigo do The Economist (http://www.economist.com/blogs/economist-explains/2015/05/economist-explains-6#OBJiVpJ7syGuqKee.99 ,