Um ajuste de contas?
Por Greg Godels
Fonte:
Tradução: JMS
Para entender o caos económico global sofrido nas últimas
semanas, é essencial separar a causa próxima da causa final.
A causa imediata ou próxima é o contágio em expansão do
coronavírus (Covid-19) muitas vezes fatal. O colapso dos mercados accionistas
mundiais tem sido um efeito imediato e amplamente observado dessa causa
próxima. A carnificina do vírus na RPChina desencadeou uma resposta rápida e
eficaz, mas que amorteceu a actividade económica num país que já lida com uma
desaceleração económica atingida por sanções económicas e tarifas. Os
investidores institucionais, os gestores de fundos de cobertura e seus
semelhantes notaram a carnificina e o contágio e, antecipando os seus efeitos
na actividade global, retiraram os seus activos em acções e transferiram-nos
para refúgios mais seguros, como títulos do Tesouro dos EUA. O pânico
inicialmente abalou os mercados de títulos, reduzindo drasticamente os dividendos.
A rápida disseminação do vírus trouxe ainda mais
perturbações económicas.
No entanto, a causa final da actual turbulência económica
mundial é a fragilidade e vulnerabilidade do sistema capitalista global. Essa
afirmação não é trivial nem auto-evidente. Desde a grave crise de 2007-2009,
o capitalismo vem mancando, graças a medidas extraordinárias de bancos centrais,
reduções de impostos, gastos militares e consumo impulsionado pelo crédito.
As vítimas da anterior crise sobrevivem com empregos de serviços casuais e
baixos salários, enquanto os ricos investem em ações inflaccionadas por
fusões, aquisições e recompras de acções. Os esguicgos de crescimento vacilam,
mantendo a economia capitalista em estagnação. A crescente irrelevância dos
partidos políticos centristas é uma manifestação da insatisfação das massas
com a crescente desigualdade e empobrecimento de muitos. A questão não era se
este curso é sustentável, mas quando falharia.
A sinistra ameaça do coronavírus à actividade económica
internacional -- trabalho, lazer, viagens, todas as formas de vida social --
desencadeou um colapso do mercado com base no medo de que o sistema
capitalista possa sair do controlo. Os investidores sabem que as fraquezas do
sistema, a falta de preparativos adequados, o status quo político e o governo ineficaz predizem um resultado
assustador.
Diferentemente da resposta rápida e completa da China, que
em grande parte impediu a disseminação do vírus, a complacência nos países
capitalistas ocidentais é chocante. Hoje, sete vezes mais pessoas por milhão
de pessoas foram infectadas pelo vírus na Itália do que na RPChina, onde a
doença apareceu pela primeira vez. Os novos casos na Itália são 3.497 contra
apenas 11 na RPC em 14 de Março. As mortes chinesas caíram para 13 em 14 de
março, enquanto 175 italianos, 97 iranianos e 60 espanhóis morreram com o
vírus. Todos os meios de comunicação ocidentais que se preocupam com o
"autoritarismo" chinês não desviarão a atenção das incríveis falhas
da preparação da saúde pública nos países capitalistas ocidentais.
A falta de um sistema de saúde universal, equitativo e
abrangente (como o Medicare for All!)
e um setor de saúde pública robusto colocam os EUA especialmente em risco.
Junte-se-lhe a desigualdade e a injustiça dos cuidados de saúde com a
obcessão histórica com a autonomia pessoal, e o desastre perfila-se no
horizonte.
Um gatilho exógeno de turbulência económica tem
precedentes em tempos recentes. O ataque da Al Qaeda a civis dos EUA em 11 de
setembro de 2001 produziu uma queda de 7+% no mercado de acções, aprofundou a
desaceleração das dotcom, causou uma baixa no mercado de acções e crescente
desemprego no ano seguinte. Tal como o coronavírus em 2020, em 2001 um inesperado factor não-económico abalou uma
economia instável e atormentada por “activos” supervalorizados. A actual
instância promete ser muito pior.
Grande parte da história económica do século XXI tem sido
uma batalha dos formuladores de políticas contra a deflação, uma batalha para
sustentar activos artificialmente inflacionados, geralmente virtuais. Desde a
viragem do novo século e da bolha das dotcom até hoje, os activos tóxicos
infectaram a economia produtiva. Ironicamente, um vírus "tóxico"
aparentemente aleatório, está agora a ameaçar o enfraquecido organismo económico
global, destruindo "valor" aos biliões.
Claro que o perigo ainda está por vir. Os mercados estão
apenas a antecipar as horas de trabalho perdidas, as demissões, os custos com
saúde, as perdas de negócios, a produção desacelerada, o efeito inverso da
“riqueza”, o consumidor relutante, o investimento frouxo e uma série de
outros choques económicos que poderiam alimentar uma espiral deflacionária. O
sector financeiro também está chocado, porque os valores dos activos estão a
entrar em colapso num ambiente de baixos juros.
Embora alguns estejam a chamar isso de crise financeira,
ela não é estimulada por factores financeiros; nem está confinada ao sector
financeiro. Tão pouco é uma crise de superprodução, subconsumo ou
lucratividade, embora esteja a transformar-se rapidamente em tudo isso e,
inevitavelmente, como todas as crises económicas, uma crise de acumulação. A
economia global estava à beira do precipício; o coronavírus empurrou-a.
O vírus não poderia ter chegado em pior momento. A guerra
entre globalistas e nacionalistas económicos, travada com tarifas e sanções,
estava a afectar fortemente muitos países e permanece instável. Apesar da
euforia do mercado de acções (desligada da realidade), os mercados de bens
estavam frouxos ou em declínio. O comércio internacional caiu abaixo dos
níveis históricos de crescimento.
Preocupado com o dever tácito de estabilizar a economia
dos EUA para um candidato num ciclo eleitoral presidencial, o Federal Reserve disparou
prematuramente o rolo monetário, diminuindo as taxas de juros em antecipação do
escorregamento económico do "problema chinês". Agora têm apenas
medidas radicais para enfrentar a crise (um programa anunciado em 12 de Março
que injecta liquidez de um bilião e meio no sector bancário e anuncia a
expansão da compra de activos para combater a deflação).
Os russos agravaram a crise ignorando o plano saudita de
reforçar os mercados de petróleo. Na sexta-feira, 6 de Março, recusaram
juntar-se aos sauditas na redução da produção de petróleo para estabilizar os
preços. De maneira irresponsável, a liderança saudita -- sob forte pressão
política de déficites orçamentários e uma oferta pública de acções decepcionante
-- anunciou uma guerra de preços (e prendeu membros oposicionistas da família
real).
Quando os preços do petróleo caíram, o rublo russo também
caiu, forçando o banco central da Rússia a interromper temporariamente as
compras externas.
De acordo com especialistas russos, a não manutenção de
preços foi destinada aos frackers
dos EUA que não conseguem produzir com lucro quando os preços estão baixos.
Alexander Dynkin é citado como tendo dito: "O Kremlin decidiu sacrificar
a OPEP+ para parar os produtores de xisto dos EUA e punir os EUA por atacarem o Nord Stream 2."
[ênfase minha] Os russos certamente sabiam que a indústria de fraturamento
dos EUA já estava à beira do colapso por causa de uma dívida maciça e
incontrolável (mais de US $ 120 mil milhões com vencimento nos próximos 2
anos!). Assim, a Rússia arriscou uma profunda deflação do preço do petróleo
em vingança pela ataque dos EUA ao seu projeto europeu de gasoduto ‘- um olho-por-olho
capitalista.
Escrevi com frequência sobre o imperialismo energético nos
últimos dois anos (especialmente, o uso extorsionista pelos EUA de incentivo
a guerras, a sanções e ameaças, a fim de conquistar mercados). Dado os malefícios
que uma guerra para afundar preços tem em países vulneráveis dependentes da
produção de petróleo, como a Venezuela, aqueles que vêem a Rússia como algo
mais do que um país capitalista pressionando os seus próprios interesses
podem encontrar um motivo para reconsiderar.
Um vírus horrível, respostas incompetentes e atrasadas,
políticas económicas mal concebidas, e uma guerra de preços irresponsável
contribuem para um colapso dos mercados movido pelo medo como o acto de
abertura de um possível drama de uma espiral deflacionária sem precedentes.
Alguém acredita que os líderes do mundo capitalista possam
lidar com este desafio?
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A Reckoning?
By Greg
Godels
Source:
To
understand the global economic chaos endured over the last few weeks, it is
essential to separate the proximate from the ultimate cause.
The
immediate or proximate cause is the often fatal, expanding contagion of the
coronavirus (Covid-19). The collapse of worldwide equity markets has been an
immediate and widely noted effect of this proximate cause. The virus’s
carnage in PRChina triggered a rapid and effective response, but one that
dampened economic activity in a country already dealing with a slowing
economy battered by economic sanctions and tariffs. Institutional investors,
hedge fund managers, and their ilk took note of the carnage and contagion
and, anticipating its effects on global activity, withdrew their assets from
equities and moved them to safer havens, like US Treasury bonds. The panic
initially shook the bond markets, lowering yields dramatically.
The
rapid spread of the virus brought even greater economic disruption in its
wake.
However,
the ultimate cause of the current worldwide economic turbulence is the
fragility and vulnerability of the global capitalist system. That statement
is neither trivial nor self-evident. Since the severe crisis of 2007-2009,
capitalism has been limping along, thanks to extraordinary central bank
measures, tax cuts, military spending, and expansive credit-driven consumer
demand. The casualties of the previous crisis survive on low-paying, casual
service jobs while the rich engorge themselves on stocks inflated by mergers
and acquisitions and stock buybacks. Every tentative growth spurt falters,
returning the capitalist economy into stagnation. The increasing irrelevance
of centrist political parties is one manifestation of the mass
dissatisfaction with the growing inequality and impoverishment suffered by
many. The question was not whether this course is sustainable, but when it
would fail.
The
ominous threat of the Coronavirus to international economic activity-- work,
leisure, travel, all forms of social life-- has triggered a market meltdown
based on a fear that the capitalist system may spiral out of control. Investors
know that the system’s weaknesses, the lack of adequate preparations, the
political stasis, and ineffective governing foretell a frightening
outcome.
Unlike
the rapid and thorough Chinese response which has largely arrested the
virus’s spread, complacency in the Western capitalist countries is shocking. Today,
seven times more people per millions of population have been infected
by the virus in
The
lack of a universal, equitable, and comprehensive healthcare system (like
Medicare for All!) and a robust public health sector put the
An
exogenous trigger of economic turmoil is not unprecedented in recent times. The
attack by al Qaeda on US civilians on September 11, 2001 produced a 7+% drop
in the stock market, deepened the dotcom downturn, and fueled a stock market
retreat and growing unemployment for the next year or so. As with the
Coronavirus in 2020, an unexpected, non-economic factor jolted a shaky
economy in 2001, then also plagued by overvalued “assets.” This instance promises to be far worse.
Much
of the economic history of the twenty-first century has been a battle by
policy makers against deflation, a battle to prop up artificially inflated,
often virtual, assets. From the turn of the new century and the dotcom bubble
until today, toxic assets have infected the productive economy. Ironically, a
seemingly random “toxic” virus is now threatening the weakened global
economic organism, destroying “value” by the trillions.
Of
course the danger still lies ahead. Markets are only anticipating the lost
work-hours, the layoffs, the healthcare costs, the business closures, the
slowed production, the inverse “wealth” effect, the reluctant consumer, the
slackening investment, and a host of other economic shocks that could feed a
deflationary spiral. The financial sector is stunned by this as well because
asset values are collapsing in a low-interest environment.
Though
some are calling this a financial crisis, it is not spurred by financial
factors; nor is it confined to the financial sector. Nor is it a crisis of
overproduction, under-consumption, or profitability, though it is quickly
morphing into all of the above and, inevitably, where all economic crises
arrive, a crisis of accumulation. The global economy was rocking on a
precipice; the Coronavirus pushed it over.
The
virus couldn’t have come at a worse time. The war between the economic
globalists and nationalists, waged with tariffs and sanctions, was taking a
heavy toll on many countries and remains unsettled. Despite equity market
euphoria (disconnected from all reality), commodity markets were slack or
declining. International trade had slipped
below historic growth levels.
Saddled
with the unspoken duty to stabilize the
The
Russians exacerbated the crisis by shunning the Saudi plan to bolster oil
markets. On Friday, March 6, they refused to join the Saudis in curtailing
oil production to stabilize prices. Irresponsibly, the Saudi leadership--
under severe political pressure from budgetary shortfalls and a disappointing
IPO-- announced a price war (and arrested oppositional members of the Royal
family).
As
oil prices collapsed, the Russian ruble collapsed as well, forcing the
Russian central bank to halt foreign purchases temporarily.
According
to Russian insiders, the withdrawal from price maintenance was aimed at US
frackers who cannot produce profitably when prices are low. Alexander Dynkin
is quoted as saying: "The Kremlin has decided to sacrifice OPEC+ to stop
I
have written about energy imperialism frequently over the last two years
(especially, the
A
nasty virus, incompetent and delayed responses, ill-conceived economic
policies, an irresponsible price war, all contribute to a fear-driven market
collapse as the opening act of a possible drama featuring an unprecedented
deflationary spiral.
Does
anyone believe that the leaders of the capitalist world can manage this
challenge?
|
domingo, 15 de março de 2020
Um ajuste de contas? | A Reckoning?
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