domingo, 15 de março de 2020

Um ajuste de contas? | A Reckoning?

Um ajuste de contas?

Por Greg Godels

Fonte:
Tradução: JMS

Para entender o caos económico global sofrido nas últimas semanas, é essencial separar a causa próxima da causa final.

A causa imediata ou próxima é o contágio em expansão do coronavírus (Covid-19) muitas vezes fatal. O colapso dos mercados accionistas mundiais tem sido um efeito imediato e amplamente observado dessa causa próxima. A carnificina do vírus na RPChina desencadeou uma resposta rápida e eficaz, mas que amorteceu a actividade económica num país que já lida com uma desaceleração económica atingida por sanções económicas e tarifas. Os investidores institucionais, os gestores de fundos de cobertura e seus semelhantes notaram a carnificina e o contágio e, antecipando os seus efeitos na actividade global, retiraram os seus activos em acções e transferiram-nos para refúgios mais seguros, como títulos do Tesouro dos EUA. O pânico inicialmente abalou os mercados de títulos, reduzindo drasticamente os dividendos.

A rápida disseminação do vírus trouxe ainda mais perturbações económicas.

No entanto, a causa final da actual turbulência económica mundial é a fragilidade e vulnerabilidade do sistema capitalista global. Essa afirmação não é trivial nem auto-evidente. Desde a grave crise de 2007-2009, o capitalismo vem mancando, graças a medidas extraordinárias de bancos centrais, reduções de impostos, gastos militares e consumo impulsionado pelo crédito. As vítimas da anterior crise sobrevivem com empregos de serviços casuais e baixos salários, enquanto os ricos investem em ações inflaccionadas por fusões, aquisições e recompras de acções. Os esguicgos de crescimento vacilam, mantendo a economia capitalista em estagnação. A crescente irrelevância dos partidos políticos centristas é uma manifestação da insatisfação das massas com a crescente desigualdade e empobrecimento de muitos. A questão não era se este curso é sustentável, mas quando falharia.

A sinistra ameaça do coronavírus à actividade económica internacional -- trabalho, lazer, viagens, todas as formas de vida social -- desencadeou um colapso do mercado com base no medo de que o sistema capitalista possa sair do controlo. Os investidores sabem que as fraquezas do sistema, a falta de preparativos adequados, o status quo político e o governo ineficaz predizem um resultado assustador.

Diferentemente da resposta rápida e completa da China, que em grande parte impediu a disseminação do vírus, a complacência nos países capitalistas ocidentais é chocante. Hoje, sete vezes mais pessoas por milhão de pessoas foram infectadas pelo vírus na Itália do que na RPChina, onde a doença apareceu pela primeira vez. Os novos casos na Itália são 3.497 contra apenas 11 na RPC em 14 de Março. As mortes chinesas caíram para 13 em 14 de março, enquanto 175 italianos, 97 iranianos e 60 espanhóis morreram com o vírus. Todos os meios de comunicação ocidentais que se preocupam com o "autoritarismo" chinês não desviarão a atenção das incríveis falhas da preparação da saúde pública nos países capitalistas ocidentais.

A falta de um sistema de saúde universal, equitativo e abrangente (como o Medicare for All!) e um setor de saúde pública robusto colocam os EUA especialmente em risco. Junte-se-lhe a desigualdade e a injustiça dos cuidados de saúde com a obcessão histórica com a autonomia pessoal, e o desastre perfila-se no horizonte.

Um gatilho exógeno de turbulência económica tem precedentes em tempos recentes. O ataque da Al Qaeda a civis dos EUA em 11 de setembro de 2001 produziu uma queda de 7+% no mercado de acções, aprofundou a desaceleração das dotcom, causou uma baixa no mercado de acções e crescente desemprego no ano seguinte. Tal como o coronavírus em 2020, em 2001 um  inesperado factor não-económico abalou uma economia instável e atormentada por “activos” supervalorizados. A actual instância promete ser muito pior.

Grande parte da história económica do século XXI tem sido uma batalha dos formuladores de políticas contra a deflação, uma batalha para sustentar activos artificialmente inflacionados, geralmente virtuais. Desde a viragem do novo século e da bolha das dotcom até hoje, os activos tóxicos infectaram a economia produtiva. Ironicamente, um vírus "tóxico" aparentemente aleatório, está agora a ameaçar o enfraquecido organismo económico global, destruindo "valor" aos biliões.

Claro que o perigo ainda está por vir. Os mercados estão apenas a antecipar as horas de trabalho perdidas, as demissões, os custos com saúde, as perdas de negócios, a produção desacelerada, o efeito inverso da “riqueza”, o consumidor relutante, o investimento frouxo e uma série de outros choques económicos que poderiam alimentar uma espiral deflacionária. O sector financeiro também está chocado, porque os valores dos activos estão a entrar em colapso num ambiente de baixos juros.

Embora alguns estejam a chamar isso de crise financeira, ela não é estimulada por factores financeiros; nem está confinada ao sector financeiro. Tão pouco é uma crise de superprodução, subconsumo ou lucratividade, embora esteja a transformar-se rapidamente em tudo isso e, inevitavelmente, como todas as crises económicas, uma crise de acumulação. A economia global estava à beira do precipício; o coronavírus empurrou-a.

O vírus não poderia ter chegado em pior momento. A guerra entre globalistas e nacionalistas económicos, travada com tarifas e sanções, estava a afectar fortemente muitos países e permanece instável. Apesar da euforia do mercado de acções (desligada da realidade), os mercados de bens estavam frouxos ou em declínio. O comércio internacional caiu abaixo dos níveis históricos de crescimento.

Preocupado com o dever tácito de estabilizar a economia dos EUA para um candidato num ciclo eleitoral presidencial, o Federal Reserve disparou prematuramente o rolo monetário, diminuindo as taxas de juros em antecipação do escorregamento económico do "problema chinês". Agora têm apenas medidas radicais para enfrentar a crise (um programa anunciado em 12 de Março que injecta liquidez de um bilião e meio no sector bancário e anuncia a expansão da compra de activos para combater a deflação).

Os russos agravaram a crise ignorando o plano saudita de reforçar os mercados de petróleo. Na sexta-feira, 6 de Março, recusaram juntar-se aos sauditas na redução da produção de petróleo para estabilizar os preços. De maneira irresponsável, a liderança saudita -- sob forte pressão política de déficites orçamentários e uma oferta pública de acções decepcionante -- anunciou uma guerra de preços (e prendeu membros oposicionistas da família real).

Quando os preços do petróleo caíram, o rublo russo também caiu, forçando o banco central da Rússia a interromper temporariamente as compras externas.

De acordo com especialistas russos, a não manutenção de preços foi destinada aos frackers dos EUA que não conseguem produzir com lucro quando os preços estão baixos. Alexander Dynkin é citado como tendo dito: "O Kremlin decidiu sacrificar a OPEP+ para parar os produtores de xisto dos EUA e punir os EUA por atacarem o Nord Stream 2." [ênfase minha] Os russos certamente sabiam que a indústria de fraturamento dos EUA já estava à beira do colapso por causa de uma dívida maciça e incontrolável (mais de US $ 120 mil milhões com vencimento nos próximos 2 anos!). Assim, a Rússia arriscou uma profunda deflação do preço do petróleo em vingança pela ataque dos EUA ao seu projeto europeu de gasoduto ‘- um olho-por-olho capitalista.

Escrevi com frequência sobre o imperialismo energético nos últimos dois anos (especialmente, o uso extorsionista pelos EUA de incentivo a guerras, a sanções e ameaças, a fim de conquistar mercados). Dado os malefícios que uma guerra para afundar preços tem em países vulneráveis ​​dependentes da produção de petróleo, como a Venezuela, aqueles que vêem a Rússia como algo mais do que um país capitalista pressionando os seus próprios interesses podem encontrar um motivo para reconsiderar.

Um vírus horrível, respostas incompetentes e atrasadas, políticas económicas mal concebidas, e uma guerra de preços irresponsável contribuem para um colapso dos mercados movido pelo medo como o acto de abertura de um possível drama de uma espiral deflacionária sem precedentes.

Alguém acredita que os líderes do mundo capitalista possam lidar com este desafio?
A Reckoning?

By Greg Godels

Source:

To understand the global economic chaos endured over the last few weeks, it is essential to separate the proximate from the ultimate cause. 

The immediate or proximate cause is the often fatal, expanding contagion of the coronavirus (Covid-19). The collapse of worldwide equity markets has been an immediate and widely noted effect of this proximate cause. The virus’s carnage in PRChina triggered a rapid and effective response, but one that dampened economic activity in a country already dealing with a slowing economy battered by economic sanctions and tariffs. Institutional investors, hedge fund managers, and their ilk took note of the carnage and contagion and, anticipating its effects on global activity, withdrew their assets from equities and moved them to safer havens, like US Treasury bonds. The panic initially shook the bond markets, lowering yields dramatically.

The rapid spread of the virus brought even greater economic disruption in its wake.

However, the ultimate cause of the current worldwide economic turbulence is the fragility and vulnerability of the global capitalist system. That statement is neither trivial nor self-evident. Since the severe crisis of 2007-2009, capitalism has been limping along, thanks to extraordinary central bank measures, tax cuts, military spending, and expansive credit-driven consumer demand. The casualties of the previous crisis survive on low-paying, casual service jobs while the rich engorge themselves on stocks inflated by mergers and acquisitions and stock buybacks. Every tentative growth spurt falters, returning the capitalist economy into stagnation. The increasing irrelevance of centrist political parties is one manifestation of the mass dissatisfaction with the growing inequality and impoverishment suffered by many. The question was not whether this course is sustainable, but when it would fail.

The ominous threat of the Coronavirus to international economic activity-- work, leisure, travel, all forms of social life-- has triggered a market meltdown based on a fear that the capitalist system may spiral out of control. Investors know that the system’s weaknesses, the lack of adequate preparations, the political stasis, and ineffective governing foretell a frightening outcome. 

Unlike the rapid and thorough Chinese response which has largely arrested the virus’s spread, complacency in the Western capitalist countries is shocking. Today, seven times more people per millions of population  have been infected by the virus in Italy than in PRChina, where the illness first broke. New cases in Italy are 3,497 against only 11 in PRC on March 14. Chinese deaths fell to 13 on March 14, while 175 Italians, 97 Iranians, and 60 Spaniards died from the virus. All the Western media hand wringing about Chinese “authoritarianism” will not deflect the incredible failures of public health preparedness in the Western capitalist countries.

The lack of a universal, equitable, and comprehensive healthcare system (like Medicare for All!) and a robust public health sector put the US especially at risk. Couple the unevenness and unfairness of healthcare with the historical obsession with personal autonomy, and disaster is on the horizon.

An exogenous trigger of economic turmoil is not unprecedented in recent times. The attack by al Qaeda on US civilians on September 11, 2001 produced a 7+% drop in the stock market, deepened the dotcom downturn, and fueled a stock market retreat and growing unemployment for the next year or so. As with the Coronavirus in 2020, an unexpected, non-economic factor jolted a shaky economy in 2001, then also plagued by overvalued “assets.” This instance promises to be far worse.

Much of the economic history of the twenty-first century has been a battle by policy makers against deflation, a battle to prop up artificially inflated, often virtual, assets. From the turn of the new century and the dotcom bubble until today, toxic assets have infected the productive economy. Ironically, a seemingly random “toxic” virus is now threatening the weakened global economic organism, destroying “value” by the trillions. 

Of course the danger still lies ahead. Markets are only anticipating the lost work-hours, the layoffs, the healthcare costs, the business closures, the slowed production, the inverse “wealth” effect, the reluctant consumer, the slackening investment, and a host of other economic shocks that could feed a deflationary spiral. The financial sector is stunned by this as well because asset values are collapsing in a low-interest environment.

Though some are calling this a financial crisis, it is not spurred by financial factors; nor is it confined to the financial sector. Nor is it a crisis of overproduction, under-consumption, or profitability, though it is quickly morphing into all of the above and, inevitably, where all economic crises arrive, a crisis of accumulation. The global economy was rocking on a precipice; the Coronavirus pushed it over.

The virus couldn’t have come at a worse time. The war between the economic globalists and nationalists, waged with tariffs and sanctions, was taking a heavy toll on many countries and remains unsettled. Despite equity market euphoria (disconnected from all reality), commodity markets were slack or declining. International trade had slipped below historic growth levels.

Saddled with the unspoken duty to stabilize the US economy for an incumbent in a Presidential election cycle, the Federal Reserve shot its monetary wad prematurely, lowering interest rates in anticipation of limited economic slippage from the “Chinese problem.” They are now left with only radical measures to meet the crisis (a program injecting a trillion and a half in liquidity into the banking sector and expanding deflation-fighting asset purchases was announced on March 12).

The Russians exacerbated the crisis by shunning the Saudi plan to bolster oil markets. On Friday, March 6, they refused to join the Saudis in curtailing oil production to stabilize prices. Irresponsibly, the Saudi leadership-- under severe political pressure from budgetary shortfalls and a disappointing IPO-- announced a price war (and arrested oppositional members of the Royal family).

As oil prices collapsed, the Russian ruble collapsed as well, forcing the Russian central bank to halt foreign purchases temporarily.

According to Russian insiders, the withdrawal from price maintenance was aimed at US frackers who cannot produce profitably when prices are low. Alexander Dynkin is quoted as saying: "The Kremlin has decided to sacrifice OPEC+ to stop U.S. shale producers and punish the U.S. for messing with Nord Stream 2." [my emphasis] The Russians surely knew that the US fracking industry was already on the verge of collapse because of massive, unmanageable debt (over $120 billion maturing over the next 2 years!). Thus, Russia risked a profound oil-price deflation in revenge for US subversion of its European gas pipeline project-- a capitalist tit-or-tat. 

I have written about energy imperialism frequently over the last two years (especially, the US’s extortionate use of war-mongering, sanctions, and threats in order to garner market share). Given the ugly effects of a price-war race to the bottom on vulnerable oil production-dependent countries like Venezuela, those who see Russia as something more than another capitalist country pressing its own interests may find a reason to reconsider.

A nasty virus, incompetent and delayed responses, ill-conceived economic policies, an irresponsible price war, all contribute to a fear-driven market collapse as the opening act of a possible drama featuring an unprecedented deflationary spiral. 

Does anyone believe that the leaders of the capitalist world can manage this challenge?