quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Deformações Inaceitáveis num Texto de Lenine | Unacceptable deformations in a Lenin’s Text

Deformações Inaceitáveis num Texto de Lenine Feitas pelo Arquivo Marxista na Internet (AMI)
E como foram usadas por Istvan Meszaros

Unacceptable deformations in a Lenin’s Text Made by the Marxists Internet Archive
(MIA)
And how they were used by Istvan Meszaros


As seguintes duas passagens de «A Questão das Nacionalidades ou “Autonomização”», carta escrita por Lenine em Dezembro de 1922 – Janeiro de 1923 (Cartas ao Congresso, Obras Completas, Volume 36), estão publicadas pelo AMI com interpolações entre parênteses rectos (nossa tradução do inglês):

«Penso que a pressa de Estaline e a sua infatuação com a administração pura, conjuntamente com o seu desprezo contra o notório “socialismo nacionalista” [Estaline criticou as nações minoritárias por não serem “internacionalistas” dado quererem unir-se à Rússia], desempenhou aqui um papel fatal. Geralmente, em política, o desprezo desempenha o pior papel.»

e
«Julgo ser desnecessário explicar isto em grande detalhe a bolcheviques, a comu-nistas. Julgo ainda que, no caso presente, e quanto à nação georgiana, temos um caso típico em que uma atitude genui-namente proletária torna necessário ter um cuidado profundo, uma atenção e disponibilidade para compromissos. O georgiano [Estaline] negligente deste aspecto da questão, ou que descui-dadamente atire accusações de "socia-lismo nationalista" (quando ele próprio é, de facto, um verdadeiro "socialista nacio-nalista" e até mesmo um vulgar brigão panrusso), viola, na essência, os interesses de solidariedade da classe proletária, porque nada atrasa tanto o desenvol-vimento e fortalecimento da solidariedade de classe proletária como a injustiça nacional; nada sensibiliza mais os nacio-nais "ofendidos" que o sentimento de igualdade e a violação dessa igualdade -- a violação dessa igualdade por camaradas proletários, ainda que por negligência ou zombaria. Por isso mesmo, é preferível neste caso exagerar do que limitar as concessões e indulgência às minorias nacionais.»

Verificámos que estas interpolações não aparecem nas versões francesa, italiana e galego-portuguesa do AMI. Mais importante ainda, é ir à fonte original. A secção russa do AMI é pobre e não tem o volume 36. Pode-se, porém, consultar o original em portais russos, nomeadamente em leninism.su (em russo, o texto está no volume 45). Para possibilitar o controlo das nossas afirmações inserimos as referidas passagens em Apêndice.

As interpolações AMI no texto (!) não estão autenticadas; a responsabilidade por elas só pode ser atribuída ao editor do AMI. Neste caso, ao responsável pela Transcription/ Mark-up, Brian Baggins, figura proeminente do AMI conforme diz o “About”.

O AMI tornou-se um importante repositório internacional para a pesquisa marxista. Deveria, portanto, sustentar uma atitude de honestidade e seriedade. A inserção de tais interpolações em textos originais é completamente inaceitável.

Neste caso concreto, as interpolações servem para difamar Estaline, conforme expõe o artigo A Critique of Hegelian-Trotskyism by Vijay Singh de 4 de Junho de 2016. O «Hegeliano-Trotskista» é o húngaro Istvan Meszaros que escreveu o artigo National and International Aspects of Emancipation (Aspectos Nacionais e Internacionais de Emancipação) onde afirma (traduzimos do artigo de Vijay Singh):


«O contraste entre a abordagem de Lenine e Estaline destas questões não poderia ser maior. Lenine sempre defendeu o direito das várias minorias nacionais a uma autonomia total, «até mesmo à secessão», enquanto Estaline as degradou a meras "regiões fronteiriças", a ser mantidas a todo o custo, na mais estrita subordinação aos interesses da Rússia. É por isso que Lenine o condenou em termos inequí-vocos, insistindo que, se prevalecessem os pontos de vista defendidos por Estaline, então "a ‘liberdade de se separar da união’ pela qual nos justificamos será um mero pedaço de papel, incapaz de defender os não-russos da investida desse homem realmente russo, o panrusso chauvinis-ta”.»


Esta afirmação de Meszaros baseia-se na seguinte passagem da referida carta de Lenine (tradução nossa):

«É bastante natural que, em tais circuns-tâncias, a "liberdade de se separar da união" pela qual nos justificamos, será um mero pedaço de papel, incapaz de defen-der os não-russos da investida desse ho-mem realmente russo, o panrusso chauvi-nista, um patife e tirano na sua essência, tal como é o típico burocrata russo.»

A tese de Meszaros é de que Lenine estaria aqui a referir-se a Estaline. Contudo, a afirmação de Lenine não valida tal interpretação. Lenine refere-se ao «típico burocrata russo» e não a Estaline. Mas, como diz Vijay Singh, «Claro que para os trotskistas o termo burocrata, devido a um reflexo pavloviano, remete para Estaline».

Meszaros prossegue no suporte da sua tese citando a segunda passagem acima:

«O georgiano [Estaline] negligente deste aspecto da questão…»

A interpolação nesta passagem é útil a Meszaros na sua difamação de Estaline. Mas será que a interpolação se justifica?

Não. Não se justifica. A tradução do original em russo é:

«O georgiano que trate com desdém este aspecto da questão, que desdenhosamente atire acusações de "social-nacionalismo" (quando ele próprio é, de facto, um real e verdadeiro não só "social-nacionalista" mas mesmo um vulgar brigão panrusso), esse georgiano, em essência, viola os interesses da solidariedade de classe proletária, …»

Vemos claramente que a interpolação é abusiva. A frase original refere-se a qualquer georgiano desdenhoso deste aspecto da questão, etc.: «O georgiano queesse georgiano... viola…» Lenine está a analisar o chamado «caso da Geórgia» de 1921 e comenta quanto a qualquer georgiano nas ditas condições. Na realidade, as versões em francês, italiano e galego-português do AMI concordam precisamente com o original russo (ver Apêndice).

Quanto à primeira interpolação não faz qualquer sentido. Estaline (ou qualquer outro) não iria criticar as nações minoritárias por não serem internacionalistas, dado quererem unir-se à Rússia.

A qualidade da tradução AMI é também muito quationável. Por exemplo, a tradução que consideramos correcta da primeira passagem, tendo em conta as palavras russas usadas, é:

Penso que a pressa e o entusiasmo administrativo de Stalin, bem como o seu ressentimento contra o notório "social-nacionalismo", desempenharam aqui um papel fatal. O ressentimento geralmente desempenha na política o pior papel.

Portanto, não temos «infatuação com a administração pura» mas «entusiasmo administrativo» (administratorskoye uvlecheniye); não «desprezo» mas «ressentimento» (ozlobleniye); não «socialismo nacionalista» mas «social-nacionalismo» (sotsial-natsionalizma). A tradução AMI faz o que pode para rebaixar Estaline.

A tese de Meszaros não tem qualquer fundamento. É bem sabido que as opiniões de Estaline estavam alinhadas com as de Lenine no tópico das «nacionalidades». Estaline escreveu Marxismo e a Questão Nacional em 1913, trabalho que foi apreciado por Lenine. Estaline tornou-se Comissário do Povo para as Nacionalidades depois da Revolução de Outubro, precisamente devido ao seu conhecimento e posições correctas sobre o assunto. É também bem conhecido que a Constituição de 1936 da URSS, geralmente chamada Constituição de Estaline (preparada por uma comissão presidida por Estaline), reconhecia o direito à secessão de qualquer nação da URSS. Estaline nunca defendeu qualquer «social-nationalimo». Contrariamen-te ao que afirma Meszaros, a carta de Lenine não diz em nenhum lugar que Estaline negou o direito à secessão de minorias nacionais degradando-as para «regiões fronteiriças». Concordamos com Vijay Singh que isso é «uma pura invenção do nosso hegeliano».

Vemos assim que Istvan Meszaros recorre às deformações (interpolações e más traduções) do AMI para, em conjunto com as suas deformações intencionais do texto de Lenine, poder difamar Estaline. O artigo de Vijay Singh proporciona evidência adicional disso.
The following two passages of “The Question of Nationalities or ‘Autonomisation’”, a letter written by Lenin (Letters to the Congress, Collected Works, Volume 36) in December 1922 - January 1923, are published by MIA with interpolations between square brackets:

“I think that Stalin's haste and his infatuation with pure administration, together with his spite against the notorious ‘nationalist-socialism’ [Stalin critised the minority nations for not being ‘internationalist’ because they did want to unite with Russia], played a fatal role here. In politics spite generally plays the basest of roles.”

and

“I think it is unnecessary to explain this to Bolsheviks, to Communists, in greater detail. And I think that in the present instance, as far as the Georgian nation is concerned, we have a typical case in which a genuinely proletarian attitude makes profound caution, thoughtfulness and a readiness to compromise a matter of necessity for us. The Georgian [Stalin] who is neglectful of this aspect of the question, or who carelessly flings about accusations of "nationalist-socialism" (whereas he himself is a real and true "nationalist-socialist", and even a vulgar Great-Russian bully), violates, in substance, the interests of proletarian class solidarity, for nothing holds up the development and strengthening of proletarian class solidarity so much as national injustice; "offended" nationals are not sensitive to anything so much as to the feeling of equality and the violation of this equality, if only through negligence or jest -- to the violation of that equality by their proletarian comrades. That is why in this case it is better to over-do rather than undergo the concessions and leniency towards the national minorities.”

We have checked that these interpolations do not appear in the French, Italian and Portuguese-Galician versions of MIA. Checking the original source is of course more important. The Russian section of MIA is poor and doesn’t have volume 36. But it is possible to consult the original in Russian sites, namely in leninism.su (the mentioned text is here in volume 45). In order to make it possible checking our assertions, we insert these passages in Appendix.

The MIA interpolations in the text (!) are not authenticated; responsibility for them can only be assigned to the MIA editor. In this case, to the responsible of the respective “Transcription/Mark-up”, Brian Baggins, a prominent figure of MIA as stated in the “About”.

MIA has become an important international repository for Marxist research. It should, therefore, sustain an attitude of honesty and seriousness. The insertion of such interpolations in original texts is totally unacceptable.

In this concrete case the interpolations serve to slander Stalin as exposed in the article A Critique of Hegelian-Trotskyism by Vijay Singh (posted June 4, 2016). The “Hegelian-Trotskyist” is the Hungarian Istvan Meszaros who wrote the article “National and International Aspects of Emancipation” where he states (we follow Vijay Singh presentation):


The contrast between Lenin’s and Stalin’s approach to these problems could not have been greater. Lenin always advocated the right of the various national minorities to full autonomy, ‘to the point of secession’, whereas Stalin degraded them to nothing more than ‘border regions’, to be retained at all cost, in strictest subordination to the interests of Russia. This is why Lenin condemned him in no uncertain terms, insisting that if the views advocated by Stalin prevailed, in that case “the freedom to secede from the union” by which we justify ourselves will be a mere scrap of paper, unable to defend the non-Russians from the onslaught of that really Russian man, the Great-Russian chauvinist”


This statement by Meszaros is based on the following passage of the mentioned Lenin’s letter:

“It is quite natural that in such circumstances the "freedom to secede from the union" by which we justify ourselves will be a mere scrap of paper, unable to defend the non-Russians from the onslaught of that really Russian man, the Great-Russian chauvinist, in subs-tance a rascal and a tyrant, such as the typical Russian bureaucrat is.”

Meszaros’ thesis is that Lenin is referring here to Stalin. However, Lenin’s statement does not vouch such interpretation. Lenin is referring to “the typical Russian bureaucrat” not to Stalin. But, as Vijay Singh says, “For the Trotskyists, of course, the term bureaucrat by way of Pavlovian reflex, equals Stalin”.

Meszaros then goes on supporting his thesis, by citing the second passage above:


“The Georgian [Stalin] who is neglectful of this aspect of the question…”


The interpolation in this passage serves Meszaros well in his slandering of Stalin. But is the interpolation justified?

No, it is not. The translation of the Russian original is:

“The Georgian, who disdainfully treats this aspect of the question, who disdainfully hurls accusations of ‘social-nationalism’ (when he himself is not only a real, a true "social-national", but also a vulgar Great-Russian bully), that Georgian, in essence, violates the interests of proletarian class solidarity, …”

We clearly see that the interpolation is abusive. The original sentence is referring to any Georgian who is disdainful of this aspect of the question, etc.:  “The Georgian, who that Georgian… violates…” Lenin is analyzing the so-called “Georgian Affair” of 1921 and comments on any Georgian in the said conditions. As a matter of fact, the French, Italian, and Portuguese-Galician versions of MIA precisely agree with the Russian original (see Appendix).

As to the first interpolation it doesn’t make sense at all. Stalin (and no one for that matter) would not criticize minority nations for not being “internationalist” because they did want to unite with Russia.

The quality of the MIA translation is also quite questionable. For instance, the translation of the first passage that we deem correct, taking into account the Russian words being used, is:

I think that the haste and the administrative enthusiasm of Stalin, as well as his bitterness against the notorious "social-nationalism", played a fatal role here. Bitterness generally plays in politics the worst role.”

Thus, no “infatuation with pure administration” but “administrative enthusiasm” (administratorskoye uvlecheniye); no “spite” but “bitterness” (ozlobleniye); no “‘nationalist-socialism” but "social-nationalism" (sotsial-natsionalizma). The MIA translation does all it can to debase Stalin.

Meszaros’ thesis has no grounds whatsoever. It is well-known that Stalin was aligned with Lenin’s views on the “nationalities” topic. Stalin wrote Marxism and the National Question in 1913, a work praised by Lenin. After the October Revolution Stalin became People’s Commissar of Nationalities, precisely due to his knowledge and correct positions on the issue. It is also well-known that the USSR 1936 Constitution, commonly called the Stalin Constitution (prepared by a commission chaired by Stalin), recognised the right to secession of every USSR nation. Stalin, of course, never defended “social-nationalism”. Contrary to what Meszaros states, Lenin’s letter nowhere sustains that Stalin denied the right of secession to national minorities and degraded them to “border regions”. We agree with Vijay Singh that this is “a pure fabrication by our Hegelian”.

We thus see that Istvan Meszaros makes use of the MIA deformations (interpolations and incorrect translations), on top of his intentional deformations of Lenin’s text, for the purpose of slandering Stalin. Vijay Singh’s article provides further evidence of this.

Apêndice | Appendix

Parte de interesse do segundo trecho noutros idiomas (AMI) | The section of interest of the second passage in other idioms (MIA)

Francês | French:

« Le Géorgien qui considère avec dédain ce côté de l'affaire, qui lance dédaigneusement des accusations de «social-nationalisme», (alors qu'il est lui-même non seulement un vrai, un authentique «social-national », mais encore un brutal argousin grand-russe), ce Géorgien-là porte en réalité atteinte à la solidarité prolétarienne de classe, … »

Italiano | Italian :

“Il georgiano che considera con disprezzo questo aspetto della questione, che facilmente si lascia andare all'accusa di "socialnazionalismo" (quando egli stesso è non solo un vero e proprio "socialnazionale", ma anche un rozzo Diergimorda grande-russo) quel georgiano in sostanza viola gli interessi della solidarietà proletaria di classe, …”

Galego-português | Galician-portuguese:

“O georgiano que desdenha este aspecto do problema, que lança desdenhosamente acusaçons de "social-nacionalismo" (quando ele próprio é nom apenas um "social-nacional", autêntico e verdadeiro, senom um basto esbirro russo), esse geórgico magoa, em essência, os interesses da solidariedade proletária de classe,…”

O primeiro trecho em russo | The first passage in Russian

Я думаю, что тут сыграли роковую роль торопливость и администраторское увлечение Сталина, а также его озлобление против пресловутого «социал-национализма». Озлобление вообще играет в политике обычно самую худую роль

O segundo trecho em russo | The second passage in Russian

Я думаю, что для большевиков, для коммунистов разъяснять это дальше и подробно не приходится. И я думаю, что в данном случае, по отношению к грузинской нации, мы имеем типичный пример того, где сугубая осторожность, предупредительность и уступчивость требуются с нашей стороны поистине пролетарским отношением к делу. Тот грузин, который пренебрежительно относится к этой стороне дела, пренебрежительно швыряется обвинением в «социал-национализме» (тогда как он сам является настоящим и истинным не только «социал-националом», но и грубым великорусским держимордой), тот грузин, в сущности, нарушает интересы пролетарской классовой солидарности, потому что ничто так не задерживает развития и упроченности пролетарской классовой солидарности, как национальная несправедливость, и ни к чему так не чутки «обиженные» националы, как к чувству равенства и к нарушению этого равенства, хотя бы даже по небрежности, хотя бы даже в виде шутки, к нарушению этого равенства своими товарищами пролетариями. Вот почему в данном случае лучше пересолить в сторону уступчивости и мягкости к национальным меньшинствам, чем недосолить.

Traduções do segundo trecho | Translations of the second passage


Português:


Julgo ser desnecessário explicar isto em grande detalhe a bolcheviques, a comunistas. Julgo ainda que, no caso presente, e quanto à nação georgiana, temos um caso típico em que uma atitude genuinamente proletária torna necessário ter o máximo cuidado, uma atenção e disponibilidade para compromissos. O georgiano que trate com desdém este aspecto da questão, que desdenhosamente atire acusações de "social-nacionalismo" (quando ele próprio é, de facto, um real e verdadeiro não só "social-nacionalista" mas mesmo um vulgar brigão panrusso), esse georgiano, em essência, viola os interesses da solidariedade de classe proletária, porque nada atrasa tanto o desenvolvimento e fortalecimento da solidariedade de classe proletária como uma injustiça nacional, e nada sensibiliza tanto os cidadãos "ofendidos" quanto o sentimento de igualdade e a violação dessa igualdade, mesmo que apenas por negligência, mesmo sob a forma de uma zombaria, violação desta igualdade pelos seus colegas proletários. É por isso que, neste caso, é melhor exagerar a flexibilidade e a indulgência das minorias nacionais, do que fazê-lo insuficientemente.

English:

I think that for the Bolsheviks, for the Communists, there is no need to clarify this any further and in detail. And I think that in this case, as regards the Georgian nation, we have a typical example of where utmost caution, precaution and flexibility are required on our part by a truly proletarian attitude. The Georgian, who disdainfully treats this aspect of the question, who disdainfully hurls accusations of ‘social-nationalism’ (when he himself is not only a real, a true "social-national", but also a vulgar Great-Russian bully), that Georgian, in essence, violates the interests of proletarian class solidarity, because nothing delays so much the development and consolidation of proletarian class solidarity as a national injustice, and the "offended" nationals are not sensitive to anything so much as to a sense of equality and to the violation of this equality, even if only through negligence or jest, to the violation of this equality by their proletarian fellows. That is why in this case it is better to overdo flexibility and leniency towards national minorities, rather than doing it insufficiently.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

«Estalinegrado» do historiador pró-nazi Antony Beevor

“Stalingrad” by the pro-Nazi historian Antony Beevor

O historiador britânico Antony Beevor é um dos actuais expoentes da corrente historiográfica dominante que caracterizámos noutro artigo. Os seus livros de reescrita reaccionária da 2.ª GM estão na moda. O autor tem coleccionado galardões de grandes instituições imperiais: Cavaleiro da Ordre des Arts et des Lettres, membro da Order of the Cross of Terra Mariana, comandante da Order of the Crown, Runciman Prize da Anglo-Hellenic League, Medlicott Medal por serviços prestados à história do RU (!), etc.

Quais os interesses que serve este cruzado? Uma primeira indicação é-nos prestada pela insuspeita wikipedia: os seus livros foram banidos de livrarias russas sob acusação de simpatias nazis do autor, de escrever sobre a Rússia sem usar fontes russas, e promover falsos estereótipos introduzidos pela Alemanha Nazi durante a 2.ª GM.

A vitória da URSS sobre o nazi-fascismo na 2.ª GM continua a incomodar os reaccionários de todo o mundo, incluindo os de uma Europa cada vez mais fascistizada.

Estalinegrado, onde se travou a maior batalha da história, onde o exército soviético sob o alto comando de Estaline esmagou os exércitos nazi-fascistas da Alemanha e seus aliados (Itália, Hungria, Eslováquia, Roménia, Bulgária, batalhões de voluntários fascistas holandeses, belgas, dinamarqueses, franceses, etc.) tornou-se algo odioso, intragável, para a reacção de todo o mundo. Antony Beevor é um porta-voz desse ódio.

Estalinegrado foi o ponto de viragem na derrota do nazismo alemão. Sem Estalinegrado não teria havido em 1945 a derrota total da Alemanha e a libertação da Europa do terror de povos e trabalhadores escravizados, o fim dos campos de extermínio. Só depois de Estalinegrado, no início de 1943, os políticos ocidentais começaram a perder a esperança na derrota da URSS ou, pelo menos, numa longa guerra de desgaste que tornasse a URSS irrelevante e permitisse aos ocidentais rever a aliança com a URSS e voltar aos tempos de acordos de divisão do mundo com Hitler. Os desembarques na Itália e na Normandia só tiveram lugar quando essas esperanças imperiais se perderam e os políticos ingleses e americanos recearam o avanço mais profundo do exército libertador soviético na Europa.

Por estas razões a vitória soviética em Estalinegrado tornou-se o evento mais odiado pelos reaccionários, que move historiadores como Beevor a reescrever essa história, alinhando com os nazis.

Em Setembro deste ano o comunista sueco Mario Sousa, um estudioso da história da URSS, publicou uma excelente apreciação do livro Estalinegrado de Antony Beevor publicado em Portugal pela Bertrand. A apreciação de Mario Sousa é convincente. Baseia-se em evidência dura e em relatos de autores e testemunhas oculares insuspeitas de parcialidade pró-soviética (o escritor Theodor Plievier, o historiador Roger R Reese, o general hitleriano Franz Halder, Chefe de Alto Comando Militar, o general hitleriano Heinz Guderian).
Dada a importância aqui deixamos a sua tradução.
The British historian Antony Beevor is one of today’s exponents of the mainstream historiographical current that we have characterized in another article. His books of reactionary re-writing of WWII are in vogue. The author has collected awards from major imperial institutions: Chevalier of the Ordre des Arts et des Lettres, member of the Order of the Cross of Terra Mariana, commander of the Order of the Crown, Runciman Prize of the Anglo-Hellenic League, Medlicott Medal for services rendered to the history of UK (!), etc.

What interests does this crusader serve? A first indication is provided by the unsuspected wikipedia: his books were banned from Russian bookstores on charges of Nazi sympathies of the author, of writing about Russia without using Russian sources, and of promoting false stereotypes introduced by Nazi Germany during WWII.

The victory of the USSR over Nazi-Fascism in the WWII continues to annoy reactionaries all over the world, including those of an increasingly fascistic Europe.

Stalingrad, where the greatest battle of history was fought, where the Soviet army under Stalin's high command crushed the Nazi-Fascist armies of Germany and its allies (Italy, Hungary, Slovakia, Romania, Bulgaria, fascist volunteer battalions of Dutch, Belgian, Danish, French, etc.) has become something hateful, unpalatable, for the reaction of the whole world. Antony Beevor is a spokesman for this hatred.

Stalingrad was the turning point in the defeat of German Nazism. Without Stalingrad there would have been no total defeat of Germany in 1945 and the liberation of Europe from the terror of enslaved peoples and workers, the end of extermination camps. Only after Stalingrad, in the beginning of 1943, did Western politicians begin to lose hope on the defeat of the USSR or, at least, on a long war of attrition which would render the USSR irrelevant and allowed Westerners to revise the alliance with the USSR and go back to the times of agreements on world divisions with Hitler. The landings in Italy and Normandy only took place when these imperial hopes were lost, and British and American politicians feared a deepest advance of the Soviet liberation army in Europe.

For these reasons the Soviet victory in Stalingrad became the most hated event by the reactionaries, and compels historians like Beevor to rewrite its history, in alignment with the Nazis.

The Swedish communist Mario Sousa, a scholar on USSR history, published last September an excellent review of Antony Beevor’s Stalingrad, which you can read here. Sousa’s review is compelling. It is based on hard evidence and on accounts of authors and eye-witnesses unsuspected of pro-Soviet biases (writer Theodor Plievier, historian Roger R Reese, Hitler’s General Franz Halder, Chief of Army High Command, Hitler’s General Heinz Guderian).

(A translation in Portuguese is given below.)

*   *   *
Apreciação crítica de Mário Sousa sobre o livro Estalinegrado de Antony Beevor:

“Estalinegrado” de Antony Beevor – uma peça de propaganda da guerra nazi

Sábado, 2 de Setembro de 2017

O livro Estalinegrado de Antony Beevor tem sido altamente elogiado pelos media suecos. Antony Beevor, um ex-oficial do exército britânico, foi agora apresentado como escritor da história bélica. Isso surpreendeu-me e despertou a minha curiosidade. De acordo com críticos da direita, o livro é «um livro brilhante e muito bem escrito» (diário sueco Svenska Dagbladet) e «Estalinegrado supera a maioria do que se tem escrito sobre a Segunda Guerra Mundial» (jornal sueco Vestmanlands Läns Tidning). Espantoso, pensei! Eles gritaram quando os nazis foram derrotados e destruídos em Estalinegrado! E agora admiram o Estalinegrado de Antony Beevor!? Talvez tenham ganho juízo depois de todos estes anos? Apesar de tudo foi um combate contra o nazismo. Talvez eles queiram prestar um pouco de justiça à vitória soviética depois de todos estes anos? Foi com estes pensamentos na cabeça que comecei a ler o Estalinegrado de Beevor.

Inicialmente pensei fazer uma curta apreciação. Não era fácil. Rapidamente se tornou óbvio que o livro Estalinegrado de Beevor era um livro de propaganda contra a União Soviética, com páginas e páginas cheias de mentiras, uma falsificação total da história. Refutar todas essas mentiras necessitaria vários livros. Uma apreciação abordando apenas as mentiras mais grosseiras encheria muitas colunas de um jornal. E ainda que a apreciação que aqui apresento tenha sido reduzida ao mínimo, é todavia o obro do que tinha tido em mente.

Logo na primeira página da introdução comecei a perguntar-me se não havia algo de errado. Beevor ataca o exército soviético de uma forma brutal, e não os nazis que invadiram a União Soviética e levaram a cabo uma guerra de extermínio e genocídio, matando mais de 25 milhões de pessoas em quatro anos! Imediatamente na primeira página do livro Beevor chama a atenção para o facto de que o exército soviético executava os desertores. Mas não diz nada sobre as execuções alemãs de desertores! Porque razão Beevor só critica o exército soviético? É bem sabido que a polícia militar alemã executou vários milhares de desertores alemães, e sem julgamento. Também é bem conhecido que, quando o exército alemão estava cercado em Estalinegrado, a polícia militar alemã executou vários milhares de soldados alemães que tentavam roubar algo para comer dos pacotes de comida lançados por aviões militares alemães (Theodor Plievier [TP], Stalingrad, Time Life Books, New York 1966 p 271). Esses pacotes eram primeiro que tudo destinados aos oficiais e à polícia militar.

Milhões de civis soviéticos executados pelo exército alemão

Porque razão Beevor não fala disto? E, primeiro que tudo, porque razão Beevor não fala dos milhões de civis soviéticos executados pelo exército nazi? Não fala de todos os comunistas e judeus, sobre famílias inteiras que eram separadas de outros civis nas vilas e cidades conquistadas e depois executadas pelo exército alemão? Porque não fala Beevor dos milhões de pessoas escorraçadas de suas casas apenas com a indumentária que vestiam na altura para morrer de frio a 20 graus negativos? Porque não escreve sobre os milhões de cidadãos soviéticos feitos prisioneiros pelo exército alemão e enviados para a Alemanha para ser vendidos como escravos? Porque não escreve Beevor sobre as centenas de milhares de raparigas soviéticas vendidas como escravas sexuais na Alemanha? Porque não escreve Beevor sobre os mercados de escravos em toda a Alemanha nazi onde essas pessoas eram vendidas? Esta é a face real do exército alemão e da invasão alemã. Mas Beevor não tem nada a dizer sobre isto. Beevor pretende esconder os crimes nazis.

Beevor também escreve que existiam «50.000 cidadãos soviéticos em uniforme alemão» (Antony Beevor [AB], Stalingrad, Penguin Books 1999 p.xiv) Ele designa-os por «hiwis» e menciona-os ao longo do livro. Procura fazer-nos acreditar que a população soviética acolheu bem os nazis. Beevor escreve que em Estalinegrado havia 50.000 russos nas divisões da frente e 70.000 noutras (AB, p184)! Os russos teriam assim constituído quase metade do exército alemão em Estalinegrado! Uma afirmação completamente idiota e falsa, que não é suportada por nenhum livro de história da Guerra, incluindo livros alemães. Beevor quer que acreditemos em como houve deserção soviética massiva para as linhas nazis. Não é verdade. É verdade que, durante a guerra, houve cidadãos soviéticos que foram para o lado nazi, mesmo em Estalinegrado. Mas Beevor não diz de onde vieram esses «russos em uniforme alemão». Foram pessoas que, por várias razões, se voluntariaram para o lado nazi durante a guerra. Mas foram poucos.

Obrigados a trabalhar como escravos para os nazis

A maior parte dos «cidadãos soviéticos em uniforme alemão» foram pessoas forçadas a trabalhar como escravos para os alemães. Tinham sido feitos prisioneiros em vilas e cidades e forçados a transportar equipamento para os alemães e a efectuar todo o trabalho pesado e sujo. Eram brutalmente maltratados e passavam fome. Muitos deles morriam e eram substituídos por novos escravos. Juntamente com judeus e outra gente dos campos de extermínio da Polónia, alguns destes prisioneiros eram usados para limpar campos minados, enfrentando morte certa. Estas equipas de limpeza de minas eram completadas todos os dias com mais judeus e «cidadãos soviéticos em uniforme alemão». Algumas mulheres soviéticas prisioneiras tinham de trabalhar na cozinha e limpar as acomodações dos soldados alemães durante o dia. De noite eram usadas como escravas sexuais. Quando o 6.º exército alemão ficou cercado em Estalinegrado e os alemães fugiram da área cercada, essas mulheres soviéticas foram forçadas a ir com eles em camiões superlotados. Milhares de soldados alemães feridos foram abandonados à morte pelo frio e pela fome (TP, p.192).

Os «cidadãos soviéticos em uniforme alemão» de Beevor eram principalmente cidadãos soviéticos aprisionados e escravizados. As insinuações de Beevor sobre deserções soviéticas massivas são apenas uma forma atrair o leitor para a sua fábula. Pode-se acrescentar que parte dos «cidadãos soviéticos em uniforme alemão» tinham sido de facto levados pelos alemães da França para a Rússia! Durante os anos 30 o general francês Weygand – o general que se rendeu aos alemães – criou uma legião de russos de direita como parte do exército francês. Tencionava-se que a legião tomasse parte «na guerra do Ocidente» que a França e a Inglaterra preparavam contra a União Soviética. Estas tropas ficaram sob comando nazi depois da capitulação francesa. No exército alemão havia também tropas de nazis ucranianos. Beevor chama-lhes “nacionalistas ucranianos» (AB, p.23). Procura dar uma imagem positiva destas tropas apoiantes dos nazis. Os nazis ucranianos foram os piores assassinos durante a Guerra. Perseguiram todos os opositores da Ucrânia ocupada e eram os piores assassinos nos campos de morte alemães onde judeus e anti-fascistas ucranianos desapareceram, tal como milhões de prisioneiros de guerra soviéticos.

A falsificação nazi da história

O livro reproduz a versão dada pelos oficiais nazis sobre Estalinegrado. Só raramente deixa os «russos» falar. Os oficiais soviéticos só são mencionados quando não o pode evitar. Beevor não está interessado no que os estrategas por trás da vitória soviética em Estalinegrado teriam a dizer; por exemplo, o general Jukov, ou os generais Rokossovski ou Tchuikov, ou outros generais soviéticos que destruíram os exércitos alemães em Estalinegrado. Para Beevor -- um oficial e gentil-homem do exército britânico --, a aristocracia dos oficiais alemães é mais importante. O facto de esses vermes terem iniciado uma guerra em que morreram 50 milhões de pessoas não perturba Beevor. Contudo, é aos soldados soviéticos que o mundo ocidental deveria agradecer a sua liberdade. Os soldados da União Soviética, um país que em dez anos venceu a batalha contra o analfabetismo e o subdesenvolvimento, construiu fábricas e siderurgias, produziu as máquinas mais sofisticadas, e as armas mais avançadas, esmagou a Alemanha nazi e libertou o mundo do nazismo.

Até no que se refere a crimes de guerra e genocídio a história de Beevor é a história dos generais nazis. Segundo Beevor, Hitler foi o único culpado e o comando do exército nazi era contra ele. Mas isto não é verdade. As origens do comando do exército nazi são as «brigadas livres» que esmagaram a revolta dos trabalhadores a seguir à Primeira Guerra Mundial e contribuíram para colocar Hitler no poder em Janeiro de 1933. Foi com o apoio do Comando do Exército que Hitler foi eleito Presidente do Reich [Império] e Chanceler do Reich pelo parlamento alemão de 1934, tornando-se Comandante Supremo do Exército Alemão com o título de Führer [Condutor]. Os oficiais e soldados tinham de efectuar um juramento de fidelidade pessoal a Hitler. A ditadura nazi foi concretizada com o apoio do Comando do Exército. Beevor afirma que «um certo número de comandantes se recusou a reconhecer ou a não ligar» (AB, p.15) às instruções dos assassínios nazis, as «ordens especiais» para a União Soviética sobre «as medidas colectivas de repressão contra vilas e áreas de actividade guerrilheira e a “Ordem dos Comissários” [ordem de assassínio de todos os comissários políticos]» (AB p.14), e que estavam contra a «guerra racial» (AB p.15) e a «condenação à fome» (AB p.15) como meio de esmagar o povo da União Soviética. Beevor não possui qualquer evidência a apoiar as suas afirmações. Se existiam tais oficiais no exército alemão, eram poucos. Mais de 25 milhões de pessoas mortas em quatro anos na União Soviética mostra que se tratou do extermínio massivo de um povo no qual todo o exército alemão e seus aliados tiveram de tomar parte.

Mentiras sobre a União Soviética

O primeiro terço do livro de Beevor trata da guerra antes de Estalinegrado e, como o resto do livro, é um ataque sujo e difamatório da União Soviética e dos seus líderes. É o relato sobre os primeiros meses de guerra enviado para todo o mundo em 1941 pela propaganda nazi, que foi adoptada mais tarde pelos propagandistas do capitalismo do pós-guerra. É o relato do exército soviético à beira do colapso total e de um Estaline que tornou o exército incapaz de conduzir a guerra e que proibiu os seus generais de retaliar contra o inimigo. Beevor não poupa palavras. Até a embaixada soviética em Berlim leva tareia. Segundo os nazis, e agora segundo Beevor, o embaixador soviético era conhecido como um «carrasco» que media «quando muito cinco pés de altura, com um pequeno nariz adunco e uns poucos tufos de cabelos negros numa cachola careca». É isto história? Na embaixada, o embaixador «tinha uma câmara de tortura e de execuções construída na cave para lidar com suspeitos de traição» (AB p.7).

Esta história fazia parte da propaganda de Guerra nazi. É agora história burguesa. Os ataques contra Estaline constituem uma classe à parte, ao longo de todo o livro. A «mente torcida de Estaline» (AB p.4), «Estaline, o ditador totalitário» (AB p.6), a «sequência de obsessivos cálculos errados» de Estaline (AB p.9), «Estaline, cuja natureza intimidatória continha uma forte marca de cobardia» (AB p.9), a «mistura inimitável de paranóia, megalomania sadista e revanchismo de velhos desrespeitos» de Estaline (AB p.23), «Estaline até renegou o seu próprio filho» (AB p.26), Estaline cuja «falta de preocupação pela população sofrendo de fome era tão  cruel quanto a de Hitler» (AB p.37). Não é difícil compreender por que razão Beevor é adorado pelos jornais capitalistas e por pessoas reaccionárias.

Beevor escreve que Estaline, Beria e Molotov pensaram em ceder «a Ucrânia, a Bielorrússia e os estados bálticos» aos nazis na esperança de obter a paz. Mas que o embaixador búlgaro declarou «mesmo que vos retireis para os Urais, ainda acabareis por ganhar» (AB p.9). Segundo Beevor, a questão teria assim ficado resolvida e a União Soviética decidiu avançar e combater contra a Alemanha nazi! É preciso ser muito estúpido para acreditar que alguém normal engolisse este tipo de relato. Para acreditar que os líderes de um grande e poderoso país deixassem uma decisão tão importante sobre o futuro do seu país depender de algumas palavras pronunciadas por um embaixador de um país insignificante do ponto de vista militar e, ainda para mais, de um estado vassalo de Hitler!

Firmemente decidida a defender o território soviético

Contrariamente às afirmações de Beevor a liderança soviética decidiu firmemente defender cada polegada do território soviético. As grandes siderurgias que foram construídas na década de 1930 para além das montanhas dos Urais, a uma distância segura de qualquer invasão do ocidente, são evidência suficiente. Aí se tornaria possível continuar a produzir armas e outro equipamento militar mesmo durante uma longa guerra. Todas as indústrias soviéticas de grande escala foram transportadas para aí quando a invasão aconteceu. O primeiro capítulo do livro termina com a mensagem de rádio de Molotov ao povo soviético. Isto também não satisfaz Beevor. Segundo ele, «à escolha de palavras por Molotov faltou inspiração e a sua prestação foi desajeitada». Contudo, Beevor é obrigado a admitir que este «anúncio criou uma reacção poderosa através da União Soviética». «Os reservistas não esperaram pelas ordens de mobilização. Apresentaram-se imediatamente» (AB p.10). Como isto é estranho! Então não houve deserções massivas para os alemães? Não houve uma «calorosa recepção dos civis» (AB p.26)?

Beevor também toma de empréstimo materiais da CIA. A velha fábula segundo a qual «no total foram executados, postos na prisão ou demitidos 36.671 oficiais» (AB p.23) do exército soviético em 1937, regressa de novo. Esta fábula foi divulgada por um agente da polícia britânica, mais tarde agente da CIA, Robert Conquest (ver Lies on the History of the Soviet Union – From Hitler and Hearst to Conquest and Solzhenitsyn. Mário Sousa, Sweden, 1998– disponível na Stalin Society, BM Box 2521, London WC1N 3XX). Segundo Beevor, as baixas soviéticas no início da história foram devidas à escassez de oficiais. Beevor fala de novo contra o seu melhor juízo. Os oficiais demitidos foram cerca de 22.000 (de 75.000). A sua demissão foi decidida em assembleias gerais das unidades militares. Não tinham a confiança dos soldados. Porém, o número de oficiais soviéticos em 1941 era já acima de 300.000! (ver Roger R Reese [RR], The Red Army and the Great Purges, Stalinist terror – New Perspectives, Cambridge University Press 1993, p.198). A União Soviética tinha feito tremendos preparativos para a defesa contra a Alemanha nazi. O número de oficiais demitidos só podia ter um efeito ténue durante os primeiros meses de guerra. O motivo da retirada das forças soviéticas durante os primeiros meses da guerra radica-se na dimensão dos exércitos. Beevor escreve que as forças de invasão nazi eram «Cerca de 3.050.000 tropas alemãs, com outros exércitos pró-Eixo, aumentando o total para quatro milhões de homens» (AB p.12). Mas o exército de invasão contra a União Soviética era de mais de 5 milhões de homens, o maior exército de invasão da história da humanidade. A União Soviética tinha 2,9 milhões de homens nas suas fronteiras ocidentais. A União Soviética não conseguiu formar um exército maior durante os 10 anos de preparação. Além disso, os nazis puderam concentrar os seus ataques em certas zonas onde a sua superioridade numérica era de mais de cinco para um. Nessas zonas, os nazis concentraram grandes unidades blindadas que eram muito difíceis de travar. É isso que principalmente explica as vitórias alemãs durante os primeiros meses da guerra. Contudo, essas vitórias foram duramente conquistadas. Não era um mar de rosas, conforme a descrição de Beevor, com meninos alemães bronzeados pelo sol, passando uma viagem de férias pela União Soviética e desfrutando da "calorosa recepção dos civis".

Histórias de Beevor vs Franz Halder

É interessante comparar as mentiras de Beevor com as informações do chefe do Alto Comando Militar alemão, o general Franz Halder. Halder foi o Chefe do Alto Comando de Hitler de Agosto de 1938 a 24 de Setembro de 1942. Liderou todas as guerras nazis, em todas as frentes, durante esses anos. Halder escreveu um diário pessoal e secreto nesse período. O diário contém as suas próprias notas sobre a guerra, escritas na taquigrafia de Gabelsberg, uma velha língua taquigráfica que poucas pessoas podiam ler. O Diário de Guerra de Halder não pretendia ser divulgado, mas foi publicado após a guerra sob o título The Halder War Diary, 1939-1942. Um livro muito interessante, contendo muitas verdades que Halder e os potentados nazis não queriam revelar. Beevor fala de histeria, pânico geral e de «O caos do lado soviético» (AB p.73). Mas logo no primeiro dia da invasão, 22 de Junho de 1941, Halder escreve durante a noite que «não há indícios de tentativa de retirada operacional. Essa possibilidade também pode ser removida» (The Halder War Diary 1939-1942, [HWD] Greenhill Books, Londres 1988 p.412/3). Os soldados soviéticos não pretendiam fugir dos alemães; lutavam contra eles.


Dois dias depois, 24 de Junho, Halder escreve: «A resistência teimosa das unidades russas individuais é notável», «é agora claro que os russos não estão a pensar em retirada, estão sim a jogar tudo o que têm para conter a invasão alemã» ( HWD p.419). Uma semana após o início da invasão, 29 de Junho, Halder escreve: "os relatórios de todas as frentes confirmam indicações anteriores de que os russos estão a lutar até ao último homem" (HWD p.433). O general Halder, tal como Hitler e todo o comando militar, pensou que a invasão alemã iria forçar os soldados soviéticos a fugir e que os alemães iriam destruir o exército soviético. Foi o que aconteceu com a França, que era uma grande potência militar. Mas a guerra contra a União Soviética tornou-se cada vez mais amarga. Os nazis infligiram grandes perdas ao exército soviético e forçaram-no a recuar. Mas as forças nazis também sofreram grandes perdas. De acordo com Halder, após 10 dias, em 3 de Julho, os alemães tiveram «Perdas totais de cerca de 54.000» e um «grande número de baixas hospitalizadas (quase 54.000) (HWD p.453/4)». A 4 de Julho, as notas de rodapé de Halder são de perdas elevadas nos tanques atacantes, perdas de até 50% em certas unidades blindadas (HWD p449). A verdadeira guerra foi completamente diferente da do livro de Beevor.

Os  «lendários» generais de Beevor oriundos das melhores «famílias militares»

Uma das teses de Beevor, é que houve uma contradição quanto à estratégia entre Hitler e os generais alemães. Para Beevor, o comando do exército alemão, com todos os seus generais «lendários» (AB p.66) e «brilhantes» (AB p.16) provenientes das melhores «famílias militares» (AB p.15) da Alemanha, era muito competente e teria ganho a guerra se o «irresponsável» e o «ignorante» Hitler não tivesse imposto as suas ideias sobre a condução da guerra. Mas não existe no The Halder War Diary nada que apoie esta tese. O Comando do exército alemão, exactamente como Hitler, tinha uma ideia completamente falsa da União Soviética. Tal como Hitler, o comando alemão tinha avaliado que a União Soviética seria fácil de derrotar e que a guerra terminaria em poucas semanas. Analisando a situação no 11.º dia da invasão, 3 de Julho, Halder escreve no seu Diário de Guerra que «provavelmente não há exagero em dizer que a Campanha Russa foi vencida no espaço de duas semanas» (HWD p.446). O comando alemão esperava que a derrota da União Soviética fosse concluída em 3 de Julho de 1941!


Em 4 de Julho, Halder escreve: «À medida que nossos exércitos avançam, qualquer tentativa de resistência adicional provavelmente logo entrará em colapso e teremos de encarar a questão de destruir Leninegrado e Moscovo" (HWD p.450). Hitler e os generais compartilhavam a mesma ideia insensata do curso da guerra e as mesmas ilusões sobre a vitória. Mais do que isso. Também concordaram com os crimes de guerra, não só quanto ao extermínio da população soviética, mas também quanto à destruição total das cidades soviéticas. A 8 de Julho de 1941, Halder descreve uma reunião com Hitler durante a qual a situação de guerra foi analisada e foram tomadas decisões importantes. Hitler estava firmemente resolvido «a arrasar Moscovo e Leninegrado, a torná-las inabitáveis, de modo a aliviar-nos da necessidade de ter de alimentar a população durante o inverno. As cidades serão arrasadas pelas forças aéreas. Os tanques não devem ser usados ​​para esse fim. Será uma catástrofe nacional que privará dos seus centros não só o bolchevismo mas também o nacionalismo moscovita» (HWD p.458). Ninguém no comando do exército se opôs ao plano de Hitler. Teria sido levado a cabo se a União Soviética não houvesse derrotado os nazis. Na mesma entrada, Halder escreve sobre os trimestres de inverno: "As nossas tropas não devem ser aquarteladas em vilas e cidades, porque queremos poder bombardeá-las a qualquer momento em caso de revolta» (HWD p.459). Podemos ver aqui o verdadeiro rosto dos generais nazis. Os generais «lendários» de Beevor das melhores «famílias militares» eram tão criminosos de guerra quanto Hitler.

Na mesma reunião com Hitler, 8 de Julho, foi decidido o ataque contra Smolensk. Esta cidade, localizada na estrada principal para Moscovo, deveria ser tomada conjuntamente com Yelnya e Roslav antes do ataque contra Moscovo. O chefe do Alto Comando, Franz Halder, escreve no seu diário: «Depois de destruir os exércitos russos numa batalha em Smolensk, iremos bloquear as ferrovias que cruzam o Volga, ocupar o país até esse rio e, depois disso, prosseguir para destruir os restantes centros da indústria russa por meio de expedições blindadas e operações aéreas» (HWD p.459). Devemos lembrar que as tropas nazis estavam a 100 km de Smolensk e, a partir desta cidade, são mais 500 km para Moscovo e outros tantos quilómetros para o Volga. Tudo seria tão fácil! Mas não aconteceu assim. A batalha de Smolensk foi, segundo Beevor, uma brincadeira para os nazis e um «desastre» para a União Soviética «na qual vários exércitos soviéticos ficaram encurralados e onde «muitas outras divisões soviéticas foram então sacrificadas» (AB p.28/9). Então a estrada para Moscovo deveria estar aberta! Porque razão não foi então a ofensiva contra Moscovo prosseguida? Beevor explica o porquê. Hitler ordenou parar no final de Julho. O seu «instinto para evitar a estrada para Moscovo era em parte para evitar, supersticiosamente, o caminho de Napoleão» (AB p.32). Portanto, Hitler tornou-se «supersticioso» e ordenou que o exército parasse! Será que se pode chamar a isto história?

Smolensk é defendida

Contrariamente ao que Beevor afirma, a batalha de Smolensk custou muito cara aos nazis. Os defensores de Smolensk lutaram teimosamente, sem pensar em render-se, e o exército soviético fez fortes contra-ataques. Foi uma luta por cada subúrbio, cada casa e cada rua. Os nazis foram obrigados a parar para poder dispor de novos fornecimentos em homens e equipamentos. O general Halder escreve no seu Diário de Guerra, a 11 de Julho, que as tropas blindadas soviéticas na batalha de Smolensk «Em todas as ocasiões, grandes corpos, se não todos, conseguem escapar do cerco» (HWD p.465). Já em 13 de Julho, Halder e o Alto Comando Militar sugeriram a Hitler que «Nós devemos interromper temporariamente a corrida em direcção a Moscovo" (HWD p.470). Era simplesmente impossível avançar. Em 15 de Julho, Halder informa que «as tropas russas estão agora, como sempre, a lutar com uma determinação selvagem» (HWD p.474). Durante a semana seguinte, o exército soviético consegue penetrar nas linhas alemãs em vários lugares. Em 26 de Julho, Halder escreve: «Panorama geral: a defesa inimiga está-se a tornar mais agressiva; mais tanques, mais aviões. Para além de dez novas divisões já antes assinaladas, mais quinze novas divisões foram assinaladas» (HWD p.485). No mesmo dia, grande parte das tropas soviéticas cercadas conseguiram romper, e com as principais forças soviéticas, criaram uma nova linha de defesa em frente a Moscovo. As tropas nazis avançando para Moscovo estavam consideravelmente esgotadas e enfraquecidas. As perdas nazis tornaram-se muito pesadas e o exército nazi não conseguiu fornecer-se de novos homens e equipamentos.

Em 30 de Julho, Hitler decidiu deferir o pedido feito pelo Alto Comando em 13 de Julho, e ordenou que se passasse à defensiva. Halder comentou nestes termos esta decisão no seu Diário de Guerra: "O comando supremo do exército assinou uma nova “directiva", que adopta as nossas propostas! Esta decisão liberta todos os soldados pensantes da horrível visão que nos obsediou nos últimos dias, uma vez que a obstinação do Führer fez parecer iminente o último atolamento da campanha oriental. Finalmente, conseguimos uma pausa!» (HWD p.490). O Alto Comando finalmente obteve a sua pausa. Hitler não decidiu parar a ofensiva porque era «supersticioso» e estava em contradição com o Alto Comando. Hitler decidiu parar a ofensiva porque o Alto Comando exigiu isso e a situação dentro do exército assim o exigiu. A mentira de Beevor sobre o supersticioso Hitler é óbvia.

Os nazis tiveram que parar em Smolensk pela primeira vez durante a Segunda Guerra Mundial, de modo que isto foi o fim da "blitzkrieg" [guerra relâmpago] nazi. Em 11 de Agosto, Halder escreve: «Toda a situação torna cada vez mais claro que subestimámos o colosso russo» (HWD p.506). Após seis semanas de guerra, Halder escreve: «Total de baixas para o período de 22 de Junho a 13 de Agosto de 1941: 389.924» (HWD p.521).

Em 28 de Agosto escreve: "Situação dos tanques:

«Armd. Gp. 1: média de 50 por cento, [Armd. Gp. = corpo blindado]
«Armd. Gp. 2: média de 45 por cento,
«Armd. Gp. 3: média de 45 por cento,
«Armd. Gp. 4: Melhor (material checo!),
«Em média entre 50 e 75 por cento» (HWD p.518/20).

Os nazis precisavam de tempo para obter novas tropas e material para a frente. Só em Outubro os nazis puderam retomar a ofensiva em direcção a Moscovo com novas armas e novas divisões. Beevor explica a nova ofensiva de Hitler dizendo que este «mudou novamente de ideias» (AB p.33). De acordo com Beevor, Hitler já não era «supersticioso»... Para a União Soviética, a batalha de Smolensk foi um sucesso estratégico. A defesa de Moscovo pôde ser garantida.

Tula parou os nazistas

Beevor torce a verdade e nega factos históricos em cada página do livro. Vamos dar um pequeno detalhe sobre a cidade de Tula. A estrada do sul para Moscovo passa por Tula. Beevor escreve: «no flanco sul, os panzers de Guderian passaram para além de Tula para ameaçar a capital soviética por baixo» (AB p.36). Isto transmite a impressão de que Tula já havia sido conquistada. Mas a verdade é que os tanques de Guderian nunca tomaram Tula. Os defensores desta cidade lutaram sem pensar em desistir. Após muita luta dura, o general nazi Guderian, chefe do 2º exército motorizado alemão, foi forçado a desistir da conquista de Tula. Guderian escreve nas suas memórias que «O rápido avanço em Tula, que tínhamos planeado, teve de ser abandonado de momento» (General Heinz Guderian - Líder Panzer [GHG], Da Capo Press 1996 p,233). «Numerosos T34 russos entraram em acção e infligiram grandes perdas nos tanques alemães» (GHG p.237). O exército blindado de Guderian ficou bloqueado perto de Tula, a cerca de 200 km de Moscovo! Um mês depois, a contra-ofensiva soviética rechaçou os tanques de Guderian para mais 130 km. Por causa desse fracasso, Guderian perdeu o comando do 2.º exército motorizado alemão.


A descrição de Beevor das batalhas coincide com a dos generais nazis. De acordo com Beevor «Foi, no entanto, o clima que rapidamente se tornou o pior obstáculo para a Wehrmacht». Mas, os bons alemães de Beevor «lutaram o melhor que puderam» (AB p.36), embora «os motores dos tanques estivessem congelados» (AB p.40) (e então os dos tanques soviéticos?) e a «má visibilidade dificultou a "artilharia voadora" da Luftwaffe» (AB p.39). Do lado soviético, de acordo com Beevor, não foi de forma alguma uma questão de acções heróicas na defesa do país, mas de uma «resistência suicida» (AB p.39) e de «motins por alimentares, saque e embriaguez» (AB p.38). A parada no dia 7 de Novembro em Moscovo foi, segundo Beevor, apenas um truque para enganar os jornalistas. É impossível ter dúvidas sobre as simpatias de Beevor. Tem prazer malicioso quando o exército soviético é forçado a recuar e tem admiração pela ofensiva nazi. Mas, infelizmente para Beevor, a ofensiva deparou com mais e mais problemas. No final de Novembro, os nazis estavam completamente exaustos. O Alto Comando parece não ter ideia sobre a situação da guerra. A 23 de Novembro, Halder escreve no seu Diário de Guerra: «Situação militar: Leste: a autoridade militar da Rússia não é mais uma ameaça» (HWD p.563). No entanto, 13 dias depois, em 6 de Dezembro, o exército soviético empreende a contra-ofensiva que empurrará os nazis para 250 km de distância de Moscovo. Depois que os nazis foram derrotados fora de Moscovo, Beevor tinha de encontrar uma desculpa. Foi, entre outras coisas, «a quase supersticiosa recusa de Hitler em encomendar roupas de inverno» (AB p.44). Mais uma vez o Hitler supersticioso! Todavia, e apesar do facto de que os nazis foram obrigados a retirar 250 km, Beevor escreve que «a ofensiva geral de Estaline se deteriorou numa série de brigas desordenadas» (AB p.43). O leitor provavelmente interrogar-se-á sobre se a batalha de Moscovo realmente terminou com a vitória soviética. Na verdade, assim foi! Os soviéticos ganharam a batalha, e os nazis nunca mais se aproximaram de Moscovo.

Os nazis nunca mais conseguiram reconquistar os territórios em torno de Moscovo. Tomemos outro exemplo das muitas mentiras de Beevor, a que diz respeito à divisão motorizada Grossdeutschland. Beevor quer-nos fazer acreditar que antes da ofensiva final contra Estalinegrado, Hitler tinha enviado a Grossdeutschland (e a Divisão SS Leibstandarte Adolph Hitler) para a França. Beevor escreve que «as divisões Grossdeutschland e SS Leibstandarte panzer grenadier deveriam ser enviadas de volta para a França» (AB p.81). Beevor acrescenta que o chefe do Alto Comando alemão, o general Franz Halder, comentou essa questão no seu Diário de Guerra em 23 de Julho de 1942: "Essa tendência crónica para subestimar as capacidades inimigas está gradualmente a assumir proporções grotescas e a tornar-se positivamente um perigo» ( HWD p.646). É isto verdade? Quando se lê o Diário de Guerra de Halder percebe-se que a entrada em questão não é sobre a Grossdeutschland ou sobre a SS Division Adolph Hitler, mas sobre a disposição de tropas em torno de Rostov ordenada por Hitler! Na mesma página do Diário da Guerra, Halder escreve no dia 24 de Julho: «A Leste de Rostov, novo sucesso da Grossdeutschland» (HWD p.646). Não há aqui nada sobre o envio da Grossdeutschland para a França. No Diário de Guerra de Halder pode-se seguir a rota da Grossdeutschland a partir de 5 de Julho de 1942. Em Julho, a Grossdeutschland estava ao sul de Estalinegrado. Em 14 de Agosto, foi enviada para ajudar a divisão do Grupo de Exércitos perto de Rjev (HWD p.657), a cerca de 200 km a Oeste de Moscovo, onde, segundo Halder, «as nossas próprias perdas, principalmente em tanques, são altamente desagradáveis» (HWD p.657). A Grossdeutschland teve sorte. Se não tivesse sido enviado para Rjev, teria sido destruída em Estalinegrado, que era o destino do 4.º exército blindado nazi ao qual pertencia a Grossdeutschland.

Mentiras acerca de Katyn

Outra das mentiras descontraídas de Beevor diz respeito ao massacre da floresta de Katyn, perto de Smolensk. Na sua campanha de difamação contra a União Soviética, Beevor devia, obviamente, dedicar um capítulo ao NKVD, acusando esta organização dos crimes mais horrendos. Beevor escreve que «Outro departamento do NKVD, criado por Beria no Outono de 1939, lidou com prisioneiros de guerra inimigos. A sua primeira grande tarefa foi a liquidação de mais de 4.000 oficiais polacos na floresta em Katyn» (AB p.86). Uma asserção tão séria exige uma explicação, mas Beevor não é capaz disso. Ele toma as suas informações directamente de Hitler! A existência de valas comuns de um grande número de oficiais polacos foi tornada pública pelo departamento de propaganda de Hitler e Goebbels em 13 de Abril de 1943. Os nazis acusaram o governo soviético de ter organizado o massacre de 15 mil oficiais polacos. A área de Katyn estava então sob ocupação alemã desde 1941. Durante esses dois anos de ocupação, os nazis nunca mencionaram nenhum massacre perto de Katyn. E durante esses dois anos, os nazis mataram milhões de pessoas em campos de concentração e nos países ocupados, entre eles na União Soviética. Porquê tornar público os «massacres soviéticos» de 15 mil pessoas em Abril de 1943?


Deve notar-se que o anúncio do massacre foi feito em 13 de Abril, apenas um mês após a grande derrota nazi de 2 de Fevereiro de 1943 em Estalinegrado. Os nazis precisavam de uma peça de propaganda. O ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Eden, expressou no Parlamento, em 4 de Maio de 1943, que os assassinos nazis de centenas de milhares de polacos e russos usam a história dos massacres para destruir a unidade dos aliados. Esse pronunciamento acabou com a história nazi do massacre da floresta de Katyn. Mas durante a guerra fria contra a União Soviética, novas acusações surgiram sobre um massacre soviético na floresta de Katyn. Desta vez não vieram da Gestapo, mas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. As acusações foram renovadas mais tarde pela contra-revolução na União Soviética através de Gorbachev e Ieltsin. Foi criada uma comissão de inquérito para examinar a questão uma vez mais e descobrir quem realizou o massacre da floresta Katyn. A comissão de inquérito soviética e polaca e, mais tarde, a comissão russo-polaca, não conseguiu encontrar nenhuma evidência do envolvimento soviético, embora quisessem fazer isso a todo o custo. Os resultados da comissão mostram que os oficiais polacos que morreram em Katyn foram assassinados com armas alemãs e que as vítimas eram cerca de 4.000, e não 15.000, como disse Hitler.

A tradução sueca não concorda com o original em inglês! Na edição sueca (Historiska Media 2000, página 99), diz que 15 mil oficiais polacos foram executados em Katyn. Mas na edição original (Penguin Books 1999, p.86) diz que 4.000 oficiais polacos foram mortos em Katyn. Foi Antony Beevor quem quis assim, ou foi o editor sueco? De qualquer forma, isto mostra a seriedade de seus livros de história!

Os nazis são heróis de Beevor

As mentiras de Beevor são tão frequentes que é cansativo ler o livro. Tudo o que Beevor escreve é ​​retirado da propaganda de guerra nazi para manchar a União Soviética: «A maioria dos recrutas [soviéticos] lançados na batalha tinha frequentemente recebido pouco mais do que uma dúzia de dias de treino, alguns ainda menos" (AB p.89), «Três batalhões de oficiais estagiários, sem armas ou rações, foram enviados contra a 16.ª Divisão Panzer» pelo «comandante do exército, que estava claramente bêbado» (AB p.89). O livro de Beevor parece-se às vezes como uma piada sobre alemães inteligentes que eliminam idiotas russos e «limpam as florestas [desses idiotas russos]» como «[se fosse a] um tiro a um veado bastante grande» (AB p.96). Os «pilotos da Luftwaffe despacharam o seu inimigo “mit Eleganz" [“com elegância”; em alemão no original]» (AB p.110) e «os jovens e bronzeados pilotos de caça», «parecem ter oferecido a visão mágica de um cavaleiro teutónico aéreo numa brilhante armadura» (AB p.115)! E, como era de esperar, os «pilotos de caça soviéticos ainda sofriam de um medo instintivo do inimigo» (AB p.138). Nos capítulos sobre Estalinegrado, Beevor continua com a sua história de propaganda. Os «ataques russos» foram, segundo ele, «chocantemente desperdiçadores e incompetentes» (AB p.124) e «os obstáculos reais para os atacantes, como em breve sentiriam, eram a paisagem urbana arruinada» (AB p.129), e não os defensores soviéticos. Para tudo o mais, há as expressões típicas como «o genial comandante [alemão]» (AB p124) e «o comissário do exército [soviético] de aspecto sinistro» (AB p.128), bem como oficiais soviéticos que fogem e soldados que «enfrentam o tribunal militar» e «foram provavelmente fuzilados» (AB p.128). Como é que se pode ser «provavelmente fuzilado»?! Há muitas histórias sobre os bons alemães atirando em russos vindo em ondas atrás de ondas, de modo que «em frente à nossa posição, os mortos soviéticos foram empilhados e serviram como uma espécie de parede de areia para nós» (AB p.372).


Segundo Beevor, as deserções e execuções eram lugares comuns no exército soviético. A liderança soviética é sempre apresentada como brutal, impiedosa, sanguinária, e os oficiais soviéticos completamente impiedosos em relação aos soldados. Como puderam eles então fazer essa guerra contra os nazis ano após ano e até ganhá-la? Até mesmo o monumento dedicado aos heróicos soldados soviéticos que defenderam Estalinegrado em Mamaia Kurgan, o monte em que ocorreram muitas lutas e onde muito sangue foi derramado, é minimizado por Beevor. A mobilização das mulheres para as fábricas é transformada em crime. Beevor quer acabar com qualquer vestígio da vitória soviética. Sempre que há um problema no lado soviético, Beevor faz tudo o que pode para nos fazer acreditar que o governo soviético e os oficiais eram líderes incompetentes. Quando a ofensiva alemã é interrompida, Beevor escreve apenas algumas linhas. Há sempre desculpas para justificar as falhas dos alemães. Os alemães foram derrotados pelo «General Lama» e o «General Inverno» (AB p.282). No que diz respeito à guerra alemã de extermínio contra a população civil soviética, Beevor escreve que «havia numerosas afirmações soviéticas de atrocidades alemãs que são difíceis de avaliar» (AB p.263). As muitas histórias sentimentais sobre a derrota alemã – p. ex., as celebrações de Natal ao jeito alemão –poderão provavelmente comover o revisor do jornal sueco Svenska Dagbladet até às lágrimas. Os ataques de Beevor aos oficiais do Exército Vermelho e a Estaline não são senão anti-comunismo primário. Sem a menor evidência, Beevor fornece-nos histórias falsas, uma atrás da outra.

A derrota dos nazis em Estalinegrado

Há algumas questões de interesse histórico que vale a pena comentar. Como era de esperar, Beevor culpa Hitler pela derrota alemã em Estalinegrado. Os «lendários» generais alemães das «melhores famílias militares alemãs» escapam à responsabilidade pela derrota. Isto não é justo. Os planos para a conquista de Estalinegrado foram feitos em total acordo entre Hitler e todos os generais do Quartel-General e do Alto Comando Militar. A conquista de Estalinegrado era, efectivamente, uma necessidade. Os nazis haviam enviado o Grupo de Exércitos A com uma força de 500 mil homens ao Cáucaso para conquistar as fontes de petróleo soviéticas. À esquerda, no Sul, ao norte de Rostov, estava o Grupo de Exércitos B, que incluía o 6.º exército e o 4.º exército blindado. Era necessário defender o Grupo de Exércitos B, bem como a ala esquerda do Grupo de Exércitos A, de contra-ataques das forças soviéticas a Oeste de Estalinegrado. Os nazis tinham de possuir o controlo sobre o território soviético até ao rio Volga para poder transportar o petróleo do Cáucaso. Esta é a razão pela qual era necessário conquistar Estalinegrado. Mas o ataque alemão contra Estalinegrado baseou-se em premissas erróneas.


No verão de 1942, Hitler e o Alto Comando e Estado-Maior alemães, estimaram que a União Soviética não conseguia continuar a guerra em grande escala. Achavam que a União Soviética estava completamente arrumada como potência militar. Não entenderam que o sistema socialista soviético poderia reunir forças de forma impossível para um país capitalista. Calcularam, à maneira capitalista, que um certo número de habitantes só pode suportar um certo número de soldados, tendo em conta o custo do treino e das armas. Não entenderam que o socialismo liberta o homem e torna possível criar forças muito maiores do que o capitalismo. Hitler e os generais achavam que Estalinegrado seria uma batalha fácil. Mais tarde, em Outubro de 1942, o Alto Comando alemão escreveu que «os russos estão seriamente enfraquecidos após os últimos combates e, durante o inverno 1942/43, não poderão ter forças tão grandes quanto no inverno passado» (Marshall of the Soviet Union Zhukov: Reminiscences and Reflections, edição sueca, Moscow 1988 Book 2 p.97). Mas, na realidade, a indústria de guerra soviética era naquela época mais forte do que nunca, e para Hitler e seus generais, o contra-ataque soviético caiu como um raio do céu azul.

O socialismo foi a base do sucesso da União Soviética

De onde vieram todas as novas tropas soviéticas e todas as novas armas? Canhões, tanques e aviões? Foi o que o general Jodl, chefe de operações do Quartel-General alemão, se perguntou após a guerra. «Não tínhamos absolutamente nenhuma ideia da força das tropas russas nesta área. Não havia lá nada no início, mas de repente eles fizeram um ataque com uma grande força que teve uma importância decisiva» (Zhukov, ibid. p.97). Quando os 6.º e 4.º exércitos nazis foram cercados em Estalinegrado, as dificuldades multiplicaram-se para os nazis. Hitler e o Quartel-General ordenaram ao General Paulus, Chefe de Comando em Estalinegrado, resistir a qualquer custo e aguardar ajuda. Não havia mais nada que Paulus pudesse fazer. Tentar lutar rompendo o cerco seria uma empresa arriscada. Exigiria uma redistribuição das forças nazis dentro do cerco, o que levaria várias semanas, incluindo um alto custo em termos de soldados alemães mortos e feridos, e em material destruído. Se o rompimento não tivesse sucesso, seria uma catástrofe. E mesmo que tivesse sucesso, teria havido muitas dezenas de milhares de vítimas. Teriam ainda de deixar para trás enormes quantidades de material.


Ninguém no Alto Comando, nem Hitler nem os generais, estava disposto a assumir a responsabilidade por isso. Assim, a ordem foi: fique onde está, nós o ajudaremos. Mas esta ordem não foi apenas ditada por preocupações com o exército cercado. Havia algo de grande importância que exigia isso. O grupo de exército alemão A estava no Cáucaso! Se o 6.º exército alemão cercado tentasse sair, sofreria grandes perdas em soldados e armas, e enfraqueceria assim o Grupo de Exércitos B, tornando-o possivelmente incapaz de impedir as forças soviéticas de se confinarem ao Grupo de Exércitos A no Cáucaso. Essa seria uma catástrofe pelo menos duas vezes maior do que se o 6.º exército fosse destruído em Estalinegrado.

O Alto Comando e o Estado-Maior alemães perceberam o enorme erro de cálculo que tinham cometido. A prioridade principal era agora retirar rapidamente o Grupo de Exércitos A do Cáucaso. O 6.º exército alemão teria de aguentar o melhor que pudesse. Para o Grupo de Exércitos A tornou-se uma retirada em pânico, perseguido pelas forças soviéticas no Cáucaso, com muitas baixas alemãs e enormes perdas de material.


Enormes perdas dos nazis

Foi feita uma tentativa de resgatar o 6.º exército com um novo exército, o Exército Alemão Don, que consistia em forças rapidamente retiradas da França, da Alemanha e da frente oriental. Este exército estava sob o comando do general Manstein, cujas «qualidades militares e inteligência», segundo Beevor, eram «inegáveis» (AB p.273). Com pompa e circunstância, o general Manstein assumiu o comando. Um exército blindado foi enviado de Kotelnikovo (cerca de 100 km a sudeste de Estalinegrado) para resgatar o 6.º exército. Beevor quer fazer deste ataque alemão «quase uma vitória». Mas as guerras são sempre vencidas pelo partido que ganha a última batalha. O exército blindado de Manstein conseguiu lutar até 50 km dentro das linhas soviéticas, mas isso foi tudo. Os alemães regressaram em fuga ao ponto de partida, e ainda mais para trás, com enormes perdas. O exército blindado alemão e o que restava da frente alemã perto de Estalinegrado deslocaram-se mais 50 a 100 km para Oeste. O Cáucaso foi libertado e a frente alemã foi empurrada para trás a 200 a 300 km de Estalinegrado.


Em termos de soldados mortos, feridos e desaparecidos, a Alemanha nazi tinha perdido até Setembro de 1942 mais de 1,6 milhões de soldados (HWD p.669). Dois meses depois, em Novembro de 1942, os nazis já haviam perdido mais de 2 milhões de soldados. Só entre Junho e Novembro de 1942, no combate por Estalinegrado, os nazis perderam 700 mil soldados, 1.000 tanques, 2.000 canhões e 1.400 aviões (Zhukov, ibid. P.97). A todas essas perdas foram adicionados o 6.º exército e uma grande parte do 4.º exército blindado em Estalinegrado: um marechal, 24 generais, 10 mil oficiais e mais de 300 mil soldados. O armamento perdido pelos nazis em Estalinegrado representou seis meses de produção de armamento alemão. A derrota foi desastrosa. Nunca antes um exército alemão tinha sido tão totalmente derrotado e destruído. Na Alemanha, Hitler proclamou três dias de luto nacional.

Quando viramos a última página do Estalinegrado de Beevor, surgem duas questões. Por que razão se escrevem livros enganosos? No interesse de quem? Vivemos numa era em que o neo-liberalismo se espalhou por todo o mundo. O novo capitalismo liberal quer privar os trabalhadores de tudo: das suas condições de vida, da sua segurança e até mesmo da sua história. Os capitalistas querem que percamos a confiança em nós mesmos para poderem governar sem restrições. Não há muita diferença entre o liberalismo e o nazismo quanto a este respeito. O autor do presente texto escreveu uma vez que o neo-liberalismo e o nazismo são primos. Mas eles até podem ser gémeos idênticos. Antony Beevor é um dos novos escritores liberais que assumiram a tarefa de degradar a vitória da União Soviética na Segunda Guerra Mundial. A Penguin Books [e a Bertrand em Portugal] publicou o livro de Beevor como se fosse um livro de história. Porquê? O livro deve ser praticamente considerado como um livro de propaganda da guerra nazi.

Racismo nas histórias de Beevor

O editor nem sequer reage contra afirmações racistas no livro. Como colonialista e oficial do Império Britânico, Beevor relata-nos um conto sobre «o rei dos Zulu enviando um impi [destacamento] dos seus guerreiros por sobre um penhasco para provar a sua disciplina»» (AB p.28), a fim de impressionar os oficiais britânicos, é claro... Beevor não está sozinho na sua tentativa de rebaixar a vitória da União Soviética. Há muitos da sua espécie nos Estados Unidos. São pagos por uma floresta de «fundações» privadas para negar a vitória da União Soviética sobre o nazismo.

É importante denunciar as mentiras deles. O livro de Beevor é ainda pior quando se refere a Berlim. Qual o interesse da Penguin Books [e da Bertrand] na publicação deste lixo? [Questão pertinente a que já respondemos parcialmente noutro artigo.]


Mário Sousa,

Uppsala, Sweden. September 21, 2004. mario.sousa@telia.com

REFERENCES

1. Antony Beevor: Stalingrad, Penguin Books 1999.

2. Theodora Plievier: Stalingrad, Time Life Books, New York, 1966.

3. Roger R. Reese: The Red Army and the Great Purges. Stalinist terror – New perspectives, Cambridge University Press 1993.

4. The Halder War Diary 1939-1942, Greenhill Books, London, 1988.

5. General Heinz Guderian – Panzer Leader, Da Capo Press 1996.


6. Marshal of the Soviet Union Zhukov: Reminiscences and Reflections: Swedish edition, Moscow 1988.