Vários PCs saudaram o
Brexit como um acontecimento importante que pode vir a mudar muita coisa na
luta dos trabalhadores europeus. Achamos que têm inteira razão.
Temos vindo
constantemente a denunciar a UE como uma construção de opressão dos povos, dos trabalhadores, especialmente os dos
países mais fracos, submetidos aos interesses do grande capital monopolista, em
particular ao capital representado pela aliança imperialista Alemanha-França. É
uma aliança ligada a interesses económicos, políticos e militares hegemónicos
dos EUA, nomeadamente através da NATO que, com a ajuda da UE, tem vindo a
crescer enormemente, e provocadoramente, através de um sem número de constantes
ingerências, guerras e conflitos locais que colocam o risco de uma guerra
mundial num nível elevado.
Será que são só os
comunistas que têm esta opinião? De forma nenhuma. Numa entrevista à RT
(29/06/2016) sobre o Brexit disse assim, sem papas na língua, um ex-editor do Wall Street Journal e ex-conselheiro do Federal Reserve Bank: «A UE é um
mecanismo de controlo dos EUA» (EU is a
US control mechanism). Lembrou, a propósito, que o projecto de uns Estados
Unidos da Europa remontavam aos tempos do Presidente Truman, o iniciador da
Guerra Fria, como projecto da OSS (e do agente Allen Dulles) a antecessora da
CIA. Allen Dulles e o seu irmão John Foster Dulles foram grandes inspiradores
da NATO e da reconstrução de uma Alemanha Ocidental reaccionária, membro da
NATO, e tolerante para com altas figuras do Estado Nazi, como o chanceler
Adenauer e o banqueiro de Hitler Hjalmar
Schacht. Quanto à França, a seguir à segunda guerra mundial, era para se tornar
uma dependência da Grã-Bretanha e EUA. De Gaulle nem sequer foi convidado quer
para a preparação da frente da Normandia quer para as primeiras conversações do
pós-guerra. Só soube do desembarque da Normandia depois de ele se ter dado.
Apesar disso, De Gaulle e a burguesia francesa logo correram com os comunistas
para fora do poder – e os comunistas franceses foram praticamente os únicos
franceses que verdadeiramente lutaram contra os nazis durante a ocupação – e
correram a aliar-se à burguesia alemã.
Isto
tudo para dizer que na formação da CEE e da sua continuadora UE há uma lógica e
«pecados originais». Elas nunca foram,
como alguns pretendem fazer crer, uma «Europa» de solidariedade de povos
trabalhadores. Foram sempre uma criação do capital monopolista e uma componente
do imperialismo. Para dizer também que não admira a preocupação – logo expressada
em várias declarações públicas –, de Obama e John Kerry como porta-vozes da
burguesia estado-unidense, com a saída da Grã-Bretanha do Brexit e seu possível
efeito de contágio.
Mas
vejamos as declarações de alguns PCs que são muito esclarecedoras do que está em jogo. Começamos
pela excelente análise da secção II.2 do Comunicado do C.C. do PCP de 25-26 de
Junho de 2016. (Aliás, todo o comunicado é importante e recomendamos vivamente
a sua leitura atenta em http://www.pcp.pt/comunicado-do-comite-central-do-pcp-de-25-26-de-junho-de-2016
)
2. Os recentes desenvolvimentos na União Europeia confirmam o cenário de
profunda crise social, de estagnação económica e persistente tendência
deflacionária e de aprofundamento da instabilidade no sector financeiro.
Acentuam-se todas as contradições que percorrem o processo de integração
capitalista e que confluem numa crescente crise da União Europeia e na
manifestação de elementos de desagregação.
A vitória da saída
da União Europeia no referendo realizado no Reino Unido constitui um
acontecimento de enorme importância política para os povos do Reino Unido e da
Europa. Representa uma alteração de fundo no processo de integração capitalista
na Europa e um novo patamar na luta contra a União Europeia do grande capital e
das grandes potências, e por uma Europa dos trabalhadores e dos povos.
O PCP saúda e
respeita o facto de o povo britânico ter decidido de forma soberana os destinos
do seu país, facto tão mais importante quanto este referendo se realizou num
quadro de gigantescas e inaceitáveis pressões e chantagens dos grandes grupos
económicos transnacionais, do capital financeiro e de organizações como o FMI,
a OCDE e a própria União Europeia. O resultado do referendo britânico é assim,
também, uma vitória sobre o medo, as inevitabilidades, a submissão e o
catastrofismo.
O Comité Central do
PCP saúda os comunistas britânicos e outras forças de esquerda que – rejeitando
falsas dicotomias e combatendo discursos reaccionários e xenófobos – assumiram
e afirmaram no referendo a voz defensora dos valores da democracia, dos
direitos laborais e sociais, do progresso, da solidariedade, amizade e
cooperação entre os povos.
Não ignorando as múltiplas
motivações que estiveram presentes na convocação deste referendo e os elementos
de carácter reaccionário e de manipulação política que se manifestaram na
campanha – elementos que o PCP combate e rejeita frontalmente –, o Comité
Central do PCP realça que os resultados do referendo expressam, antes de mais,
a rejeição das políticas da União Europeia.
O PCP repudia o
irresponsável posicionamento de alguns sectores que propagam o medo e a ideia
de que os resultados do referendo constituem um desenvolvimento negativo. O
exercício de direitos democráticos e de soberania dos povos não pode ser visto
como um problema. Pelo contrário, o referendo britânico é reflexo de sérios e
profundos problemas que já existem há muito e que resultam de um processo de
integração corroído de contradições, visivelmente esgotado e cada vez mais em
conflito com os interesses e justas aspirações dos trabalhadores e dos povos.
O referendo
britânico constitui uma oportunidade para se enfrentarem e resolverem os reais
problemas dos povos, questionando todo o processo de integração capitalista da
União Europeia e abrindo um novo e diferente caminho de cooperação na Europa,
de progresso social e de paz.
Medidas ou manobras
que ignorem o significado político deste referendo; que se refugiem em estigmas
sobre o povo britânico; que tentem contornar ou mesmo perverter a vontade
daquele povo; ou que apontem para fugas em frente de natureza antidemocrática e
de maior concentração de poder ao nível da UE, só contribuirão para o
aprofundamento de problemas e contradições, entre os quais o desenvolvimento de
posições e forças reaccionárias e de extrema-direita. Forças e posições que se
manifestaram no referendo britânico e que se alimentam das consequências das
políticas da União Europeia, cada vez mais antidemocráticas, anti-sociais e de opressão
nacional.
O PCP sublinha que
o Conselho Europeu dos próximos dias 28 e 29 de Junho deve, desde já, lançar as
bases para a convocação de uma cimeira intergovernamental com o objectivo da
consagração institucional da reversibilidade dos Tratados, da suspensão
imediata e revogação do Tratado Orçamental, bem como da revogação do Tratado de
Lisboa.
O PCP sublinha a
necessidade e importância de medidas e acções no âmbito da política externa
portuguesa que, no quadro da desvinculação do Reino Unido da União Europeia,
garantam os interesses nacionais, estimulem o prosseguimento de relações de
cooperação económica mutuamente vantajosas com aquele país e salvaguardem os
interesses e direitos dos portugueses que ali residem e trabalham.
Num quadro em que
se evidencia de forma incontornável que a União Europeia não responde às
necessidades dos trabalhadores e dos povos, o PCP sublinha a necessidade de
enfrentar corajosamente os constrangimentos decorrentes do processo de
integração capitalista europeu e de, simultaneamente, se encetar um caminho de
cooperação baseado em estados soberanos e iguais em direitos. Em
particular, realça a urgência e a necessidade de Portugal se preparar e estar
preparado para se libertar da submissão ao Euro de modo a garantir os direitos,
o emprego, a produção, o desenvolvimento, a soberania e a independência
nacionais.
Extractos
do comunicado do PC da Grã-Bretanha (de 24/06/2016 no Morning Star):
Uma Vitória da Soberania Popular – Uma
Derrota do Eixo UE-FMI-NATO
O resultado do referendo representa um enorme golpe, potencialmente
desorientador, da classe capitalista que governa a Grã-Bretanha, dos seus políticos
de aluguer e dos seus aliados imperialistas da UE, EUA, FMI e NATO.
[…] A esquerda deve agora redobrar os seus esforços para tornar o resultado
do referendo numa derrota de todo o eixo UE-FMI-NATO.
É claro que o governo Cameron-Osborne perdeu a confiança do eleitorado […].
Deve imediatamente demitir-se.
O Partido Comunista também não tem nenhuma confiança em que um governo Tory
liderado por outros deputados a favor do grande negócio, imperialismo e
neoliberalismo tais como […] possam opor-se às pressões da City de Londres [corporações financeiras], grande capital, EUA e
NATO para impedir a saída da Grã-Bretanha da UE.
[… O Partido Trabalhista] deveria tornar clara a sua determinação em
negociar os termos de saída e negociar futuros tratados com a UE e outros
países na base de novas disposições que coloquem os interesses do povo trabalhador
aqui e internacionalmente acima dos do grande capital e do «mercado livre»
capitalista.
Em qualquer dos casos será também vital contra-atacar o recrudescimento da
xenofobia e racismo atiçados por forças importantes de ambos os lados da
campanha do referendo. É essencial a unidade e mobilização das forças progressistas
e dos movimentos laborais para explicar os benefícios da imigração e lutar
contra o apelo divisivo e anti-trabalhador do UKIP bem como de outros partidos
da direita e extrema-direita.
Note-se nos comunicados
do PCP e do PCGB a chamada de atenção de que há forças da direita e
extrema-direita que apoiaram o Brexit. Marianne Le Pen da França, por exemplo,
ficou exultante. Essas forças defendem a nível nacional Estados autoritários,
para-fascistas, que a coberto da demagogia populista, esmagam os direitos dos
trabalhadores. Isso já acontece, p. ex., na Hungria. Quanto à burguesia pró-UE
(anti-Brexit) joga no esmagamento dos trabalhadores através da imposição de um
organismo supra-nacional que dite as leis. Acham ser esta a solução mais
«suave» e eficiente para controlar a classe trabalhadora. Note-se como, logo a
seguir ao resultado do referendo, Juncker, Hollande e Merkel lançaram a ideia
de combater futuras «saídas» através de uma maior «integração», nomeadamente…
política! Nesta «fuga para a frente», como lhe chama o comunicado do PCP,
desapareceriam os Estados e obedecia tudo à batuta de «Bruxelas», isto é, à
batuta dos burocratas da CE servidores do imperialismo alemão-francês.
Portanto, dos dois lados do Brexit – e sem prejuízo do Brexit reflectir o descontentamento
popular – há duas visões burguesas de resolução de contradições insanáveis da
actual versão neoliberal europeia do capitalismo monopolista de Estado, em
crise.
Apresentamos agora extractos
do comunicado do PC da Irlanda (24/0672016):
Uma Outra Europa É Possível – Uma
Outra UE, Não
[…] A decisão do povo [inglês] é a vitória contra o Projecto Medo, atiçado
pelo grande capital, instituições bancárias e financeiras globais, com a UE e a
elite governante através da UE […].
Apelamos a um novo referendo, aqui na República, sobre a continuação na UE,
em conjunto com um travão a qualquer extensão ou aprofundamento da integração
dentro da UE. Precisamos
de reafirmar a nossa democracia e soberania nacionais. E também é preciso pôr um fim nas negociações
secretas das instituições da UE e dos EUA relativamente ao TTIP [Acordo de
Parceria Transatlântico de Comércio e Investimento, a apoteose de «A UE é um
mecanismo de controlo dos EUA»].
O povo trabalhador da Grã-Bretanha enviou uma mensagem altissonante a
Londres e Bruxelas, de que estão fartos de ameaças, de asteridade permanente,
de colocação dos interesses do grande capital acima dos do povo. […].
Milhões de trabalhadores de toda a EU saúdam este voto de saída, que pode
bem marcar o início do fim da própria UE. O Projecto Medo, congeminado pela UE,
foi usado para forçar os povos grego, espanhol, italiano, cipriota e irlandês a
aceitar a escravidão da dívida, de que não havia outra alternativa senão
resgatar bancos e especuladores em prejuízo dos direitos do povo. […] usando o
medo para impor a ideia de que não havia alternativa, para mascarar os ataques
brutais contra os direitos e condições de vida dos trabalhadores, com mais
erosão da democracia e da soberania nacional.
[…] Em toda a UE o povo trabalhador deve usar a
oportunidade que agora se apresenta para afirmar as suas reivindicações, para
afirmar e construir a unidade de acção contra estes assaltos massivos.
Numa entrevista com um membro
do KKE (Partido Comunista Grego),
que publicámos, era feito o alerta de que o resultado do referendo Brexit, qualquer
que fosse, não iria só por si modificar
a situação dos trabalhadores. Este tema é melhor desenvolvido e esclarecido no
texto que se segue do comunicado do CC do KKE de 24/06/2016.
Acerca do Resultado do Referendo na
Grã-Bretanha Relativo à Saída da Grã-Bretanha da UE
O resultado do referendo na
Grã-Bretanha demonstra o crescente descontentamento da classe trabalhadora e
das forces populares quanto à UE e às suas políticas anti-povo. Estas forças,
contudo, devem separar-se das escolhas de secções e forces políticas da
burguesia e adquirir características radicais e anti-capitalistas. O resultado regista o dissipar das expectativas que tinham sido
avançadas pelos partidos burgueses, incluindo os da Grécia, bem como das
expectativas sobre os mecanismos da UE, de que os povos poderiam ser,
alegadamente, prósperos no quadro da UE.
O facto de que a questão da saída de um país da UE tivesse sido posta tão
intensamente – ainda para mais um país do tamanho da Grã-Bretanha – deve-se,
por um lado, às contradições internas da UE e à desigualdade das suas economias
e, por outro lado, à confrontação que se desenrola entre centros imperialistas
que se agudizaram no quadro da recessão económica. Estes factores reforçam o
chamado eurocepticismo, as tendências de saída, mas também as tendências que
buscam uma mudança da forma de gestão política na UE e zona euro.
Partidos nacionalistas, racistas e fascistas – tais como o Partido da
Independência de Farage (UKIP) no Reino Unido, a Frente Nacional de Le Pen em
França, a «Alternativa para a Alemanha», e formações similares na Áustria,
Hungria, o fascista Aurora Dourada e a Unidade Nacional de Karatzαferis e outros – são
veículos de «eurocepticismo» reaccionário. Mas o «eurocepticismo» é também
expresso por partidos que usam uma etiqueta de esquerda, que criticam ou
rejeitam a UE e o euro, apoiam uma moeda nacional e buscam outras alianças
imperialistas, com uma estratégia que opera no quadro do capitalismo.
Estas contradições e antagonismos permeiam as classes burguesas de todos os
estados membros da UE. Os processos políticos e económicos que decorrem, na Grã-Bretanha
e na UE, as negociações sobre a posição da burguesia inglesa após saída, podem
levar a novos acordos temporários entre a UE e a Grã-Bretanha. Certo é que,
enquanto permanecerem a propriedade capitalista dos meios de produção e o poder
burguês, tais desenvolvimentos serão acompanhados de novos e dolorosos
sacrifícios para a classe trabalhadora e forças populares.
O resultado do referendo britânico desmascara as outras forças políticas na
Grécia, que glorificaram a participação grega na UE durante todos estes anos,
apresentando-a como um processo irreversível e semeando ilusões sobre a
necessidade de ainda «mais Europa de democracia e justiça». Denuncia também
aquelas forças que consideram ser uma moeda nacional uma panaceia que conduzirá
o povo à prosperidade. A Grã-Bretanha com a sua libra esterlina tomou as mesmas
medidas anti-trabalhador e anti-povo que os outros países da zona euro tomaram.
Continuará também a tomar as mesmas medidas fora da UE, já que isso é imposto
pela necessidade dos monopólios serem competitivos e terem lucos.
[…] a UE desde a sua criação tem sido e é uma aliança reaccionária das
classes burguesas da Europa capitalista, com o objectivo de explorar o mais que
podem os trabalhadores e roubar outros povos do mundo, no quadro da competição
com outros centros imperialistas. Não foi e não será um arranjo permanente, tal
como alianças semelhantes não foram permanentes no passado. A competição e
desigual desenvolvimento do capitalismo, a mudança da correlação de forças,
tarde ou cedo trará as contradições à superfície, que já não serão passíveis de
ser sanadas por compromissos frágeis e temporários. […]
Os interesses do povo grego, do povo britânico, de todos os povos da Europa
não devem ficar debaixo de uma «falsa bandeira». Não devem ficar debaixo das
bandeiras da burguesia e das suas várias secções, que determinam as suas
escolhas e alianças internacionais de acordo com os seus interesses e na base
da maior exploração possível dos trabalhadores. Para que a condenação
necessária da aliança predatória do capital, a UE, e a luta pela separação de
qualquer país dessa aliança seja efectiva, terá de estar ligada ao derrube do
poder do capital pelo poder do povo trabalhador. A aliança social da classe
trabalhadora com outros estratos populares, o reagrupamento e fortalecimento do
movimento comunista internacional são pré-condições da construção da via para
esta perspectiva de esperança.